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Conceitualização do conceito de campo elétrico de estudantes de Ensino Superior em Unidades de Ensino Potencialmente Significativas sobre eletrostática

Conceptualization of higher education students on the concept of electric field in Potentially Meaningful Teaching Units on electrostatics

Resumo

São apresentados os resultados da aplicação de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) para abordar o conceito de campo elétrico, em disciplinas de Física Geral específicas sobre eletromagnetismo, em duas turmas distintas. Um dos grupos estudava em uma Universidade do Sul do Brasil (17 alunos) e o outro em uma Universidade do Norte do Brasil (11 alunos). Foram empregados os princípios filosóficos e aspectos sequenciais das UEPS de Moreira para a construção de duas UEPS que contiveram 10 aulas de 100 minutos cada. Foi tomada como referencial teórico para a análise de dados a teoria dos campos conceituais. Para a análise de dados foram usados os métodos da análise de conteúdo e foram consideradas variáveis inferidas as formas de conceitualização dos estudantes, isto é, a maneira pela qual mobilizavam seus invariantes operatórios para resolver problemas. Pode-se perceber a progressividade na conceitualização e ocorrência de processos mais próximos do polo da Aprendizagem Significativa, já que paulatinamente os estudantes tendiam a apresentar modos de conceitualização mais próximos dos científicos para as classes de situações apresentadas. Conclui-se que há evidências de que o uso das UEPS possa prover condições de ocorrência para processos de Aprendizagem Significativa do conceito de campo elétrico na etapa operatória do conhecimento.

Palavras-chave:
UEPS; Aprendizagem Significativa; Campo Elétrico

Abstract

The results of the implementation of a Potentially Meaningful Teaching Unit (PMTU) for approaching the concept of electric field in electromagnetism subjects at undergraduate level are presented for two groups. One of the groups studied at a southern Brazilian university (18 students), while the second one studied at a northern Brazilian University (11 students). The philosophical and sequential aspects of the PMTU were applied for constructing two PMTUs with 11 classes of 100 minutes each. As theoretical framework for data analysis it was used the theory of conceptual fields. As methodology for data analysis the method of content analysis was used and as inferred variables, the conceptualization forms were considered, that is, the manner by which students used operatory invariants for solving problems. As a main result, it is noticeable the progressivity in conceptualization and occurrence of meaningful learning processes, once new modes of conceptualization nearer from the scientific ones appeared at most times in students’ conceptualizations in the classes of situations presented. As a main conclusion we argue on the evidence of the use of UEPS can provide conditions for occurrence of meaningful learning processes of the concept of electric field in the operatory form of knowledge.

Keywords:
PMTU; Meaningful Learning; Electric Field

1. Introdução

Pesquisas na área de Ensino de Física têm evidenciado que a Aprendizagem Significativa neste campo do conhecimento é um processo difícil de ocorrer em cursos baseados em ensino meramente narrativo e linear [1][1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999). e em processos de Ensino centrados no professor [2][2] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em revista 1 43 (2011). (Ensino Tradicional). Em uma visão ampla, podemos indicar como uma boa explicação, mas ainda muito geral, a falta de relação substantiva e não-arbitrária entre as estruturas cognitivas dos estudantes e novos elementos de conhecimento a serem aprendidos. Um caso notável deste fenômeno está associado ao conceito de campo elétrico, que está amplamente presente nos currículos e é importante para: descrever interações elétricas entre objetos eletricamente carregados; compreender aspectos tecnológicos da ciência; entender parte relevante da cultura humana; esclarecer avanços epistemológicos ocorridos ao longo da História da Ciência, especialmente no século XIX, entre outras razões.

Estudantes evidenciam grandes dificuldades no domínio deste conceito, conforme apontado em diferentes perspectivas e por um grande conjunto de pesquisadores, porém, damos atenção para três pesquisas que são representativas das dificuldades e conceitualizações encontradas na literatura. Cao e Brizuela [3][3] Y. Cao e B. Brizuela, Physical Review Physics Education Research 16 020102 (2016). estudaram concepções de estudantes chineses de high school1 1 Equivalente ao Ensino Médio no Brasil. que não haviam estudado formalmente eletrostática e encontraram cerca de nove concepções recorrentes em trabalhos sobre dificuldades em eletrostática [4[4] A.M. Criado e A. García-Carmona, International Journal of Science Education 32 769 (2010).,5[5] J. Shen e M.C. Linn, International Journal of Science Education 33, 1597 (2011).]. Já Nousianinen e Koponen [6][6] M. Nousiainen e I. Koponen, European Journal of Science and Mathematics Education 5, 74 (2017)., usando redes conceituais como ferramenta de pesquisa, mostraram que as relações conceituais estabelecidas por alunos, de grau equivalente ao de licenciatura, estavam mais bem distribuídas entre os conceitos de força, energia e carga elétrica/corrente elétrica quanto maior era a base de conhecimento de conteúdo destes, mas, estavam fortemente restritas ao de força quanto menor a estrutura de conhecimento prévio deles. Turkkan [7][7] E. Turkkan, Journal of Education and Training Studies 5, 146 (2017)., por seu turno, estudou as estruturas cognitivas de candidatos a professores de Física sobre “campo elétrico” de uma faculdade turca e achou, através de um teste de associação de palavras, maior frequência nas relações entre o conceito de campo elétrico e os de: força elétrica; carga elétrica; magnitude do campo elétrico. Seguramente, muitas destas dificuldades vinculam-se a processos de ensino e de aprendizagem pouco eficazes e que provêm poucas condições para ocorrência de Aprendizagem Significativa.

Classicamente, o campo é entendido ontologicamente como onda, mas, em Física Quântica, é concebido como um conjunto de fótons, o que lhe oferece aspecto ontológico diferente do da Física Clássica. Na sua construção, o conceito fez parte de um programa de pesquisa progressivo, envolvendo interações eletromagnéticas, incluindo métodos e técnicas específicas como, por exemplo, teste de hipóteses, avaliação pela comunidade científica [1][1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999)., construção teórica e uso de experimentos [8][8] A.F. Chalmers, O que é Ciência Afinal? (Editora da UNB, Brasília, 1996).. Nada disto parece ser discutido com frequência em materiais didáticos ou no Ensino Tradicional sobre o tema [9][9] M.C. Pocovi e F. Finley, Science Education 12, 387 (2003). e a supressão da discussão destes elementos pode dificultar o entendimento de certos atributos importantes para a compreensão do conteúdo. A introdução do conceito de campo elétrico em livros-texto é um bom exemplo disto, pois esta não costuma ocorrer de maneira a explicar a natureza do conceito: pouco se discute sobre as ideias de Faraday; fala-se sobre uma lei de Coulomb para o campo elétrico - o conceito é do século XIX, embora Coulomb publique seu trabalho em 1785; entre outros aspectos. Para Ausubel [10][10] D. Ausubel, The acquisition and retention of knowledge: a cognitive View (Kluwer Academic Press, Dordrecht, 2000)., Elementos de arbitrariedade como esses dificilmente são assimilados significativamente.

Moreira [2][2] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em revista 1 43 (2011). sugere como alternativa para o Ensino as chamadas Unidades de Ensino Potencialmente Significativas (UEPS), um sistema teórico-metodológico que visa prover condições para ocorrência de Aprendizagem Significativa em sala de aula. Desde a proposição do trabalho de Moreira, foram publicadas em âmbito nacional e internacional UEPS produzidas para ensinar o conceito de campo eletromagnético [11[11] R.R. Lopes, Conceitos de eletricidade e suas aplicações tecnológicas em uma unidade de ensino potencialmente significativa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (2014).[12] P.M. Barros, Construção de uma unidade de ensino potencialmente significativa sobre conceitos de eletrodinâmica. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília (2015).[13] M.O. Rocha, O conceito de Campo no eletromagnetismo: uma unidade de ensino potencialmente significativa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória 2015.[14] C. Tres e S.A. Santos, Cadernos PDE 1, 1 (2016).-15[15] C.B. Spohr, I.K. Garcia e M.C.P. Santarosa, Investigações em Ensino de Ciências 22 162 (2017).], porém a maioria dos trabalhos enfatiza o uso da lei de Coulomb ou de conceitos de corrente elétrica e se ocupa de estudar a aquisição do conceito na etapa predicativa, isto é verbalizada, do conhecimento. Esta investigação visou seguir outro caminho, o de ensinar o conceito de campo elétrico através de leis mais gerais, como as equações de Maxwell, e investigar a conceitualização dos alunos através da teoria dos campos conceituais [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).. Isto posto, desenha-se a questão de pesquisa relacionada a este contexto e se busca uma possível resposta à seguinte questão: “como se desenvolve a conceitualização, de estudantes de nível superior, do conceito de campo elétrico em uma UEPS sobre eletrostática2 2 Em geral, usa-se a denominação campo eletrostático para referir-se a este campo, mas preferimos aqui a denominação encurtada “campo elétrico”. Neste trabalho, a expressão campo elétrico está restrita a este contexto (eletrostática). Em outros trabalhos abordaremos a conceitualização do conceito de campo elétrico em contextos além do da eletrostática. dando ênfase conceitual nas equações de Maxwell?” A seguir, discutimos o referencial teórico da pesquisa.

2. Referencial Teórico

A teoria dos campos conceituais é uma teoria que visa descrever o desenvolvimento de competências complexas na escola e fora dela. Ela objetiva, também, estabelecer melhores conexões entre a forma operatória do conhecimento, caracterizada pela ação no mundo físico e social, e a forma predicativa, consistente das expressões linguísticas e simbólicas deste conhecimento [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).. Gèrard Vergnaud, o autor da teoria, parte de três teses principais para elaborar sua teoria: a) cognição é adaptação; b) a ação e a representação têm papel crucial no desenvolvimento; c) a unidade de análise adequada para atividade é o esquema.

Vergnaud [17][17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012). indica haver uma relação dialética entre as duas formas de cognição enumeradas anteriormente, a que ele chama de operatória, implícita nas ações dos sujeitos, e a predicativa, explícita e verbalizada em forma linguística ou simbólica. Para este psicólogo, as duas formas são importantes para a conceitualização, esta última tomada por ele como o núcleo do desenvolvimento cognitivo. Em sua visão, a forma operatória tem sido desconsiderada nas (ou mal abordada pelas) pesquisas em psicologia e em educação, além de ser ignorada no próprio meio organizacional. O autor chega a apontar que na França menos de 10% dos altos cargos executivos são preenchidos por razões associadas ao conhecimento operatório dos funcionários pleiteando a vaga. O que acaba definindo a corrida é o conjunto de conhecimentos verbalizados possuídos pelos candidatos.

Vergnaud [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009). aborda a problemática do desenvolvimento através do estudo da conceitualização, o vínculo referencial entre realidade (referente) e representação (significado e significante3 3 Representações linguísticas, simbólicas, gestuais, matemáticas. ). Em outras palavras, conceitualizar é estabelecer referência ao real usando conceitos. Implicação direta disto é que a conceitualização está impregnada tanto de ação como de linguagem, ou seja, para analisa-la é fundamental avaliar concomitantemente as formas operatória e predicativa do conhecimento. Desconsiderar o conteúdo conceitual da forma operatório da cognição é, para o pesquisador, construir um avatar behaviorista deste processo[17][17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012)..

Vergnaud [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009). define o conceito como uma terna de: situações que os tornam úteis e significativos (referente); invariantes operatórios que lhe dão significado (significado); representações que o simbolizam (significante). Para o autor, as situações são tarefas e estas podem ser divididas em sub-tarefas, o que inclui tanto as estruturadas (problemas fechados) como as não estruturadas (problemas abertos). Já os invariantes operatórios são divididos em teoremas-em-ação e em conceitos-em-ação – os primeiros são proposições tomadas como verdadeiras sobre o real, enquanto os últimos são categorias consideradas pertinentes. Repare que um não pode ser reduzido ao outro, pois as características de veracidade e de pertinência não podem substituir uma à outra. As representações linguísticas, simbólicas ou gestuais, à vez, servem à representação das situações e dos invariantes operatórios usados pelos sujeitos para análise e domínio das situações [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009)..

Existe uma relação complexa entre realidade e representação e tal associação deve levar em consideração tanto a ação quanto a simbolização. Para dar conta disto, Vergnaud [17][17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012). enumera o esquema como unidade de análise da atividade, pois ele carrega consigo ambos os elementos indicados. Por outro lado, conhecimento é adaptação, mas o que se adapta? E a que? Segundo este pesquisador, enquanto a etapa predicativa do conhecimento se vincula mais à enunciação dos objetos através da linguagem, as ações referem-se mais a tarefas, então, a relação entre estas duas entidades é estudada de maneira mais eficaz de se o estudo da conceitualização tiver como unidade de análise as formas de adaptação dos esquemas se adaptam às situações [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009)..

Pode-se definir um esquema de várias formas. A primeira delas o concebe como uma totalidade dinâmica funcional, ou seja, um ente não-ancilosado, variável, amplo e que serve ao propósito adaptativo [17][17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012).. A segunda forma é mais específica e o toma como a organização invariante da atividade para uma classe definida de situações, ou seja, é uma forma de organização da ação e da simbolização. A terceira o caracteriza em termos de seus componentes: a) possui objetivos e antecipações, com os quais o indivíduo pode prever possibilidades para a atividade; b) tem regras de ação (de aprovisionamento e de controle) do tipo SE… ENTÃO que geram o esquema; c) porta invariantes operatórios, com os quais o sujeito atribui significados à representação e às situações; além de d) ser dotado de possibilidades de inferência permitindo a condução contínua da atividade [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).. A quarta o considera uma função que toma seus valores de entrada em um espaço temporalizado a n dimensões e que produz os valores de saída a um espaço igualmente temporalizado a n dimensões (n e n são muito grandes). Esta última aproxima a noção de esquema da de algoritmo, no entanto, estes são casos particulares daqueles [16[16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).,17[17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012).].

Para Vergnaud [18][18] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 12, 285 (2007)., o conhecimento é organizado, portanto, em campos conceituais, cujo domínio por parte do sujeito demanda largas escalas de tempo. Um campo conceitual pode ser definido como um conjunto de situações e problemas cujo tratamento requer conceitos, procedimentos e representações de distintos tipos, porém correlacionados [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).. Por ser, literalmente, um campo de conceitos, é um grupo de situações; por um conceito não adquirir seu sentido a partir de somente uma situação e de uma situação não ser resolvida com somente um conceito, é necessário pensar em relações. O domínio de um campo conceitual implica na mestria das situações que o compõem e, então, da aquisição significativa dos invariantes operatórios e representações que o constituem. O estudo de progresso num campo conceitual requer, assim, o estudo da interação entre esquema e situação, porém nem sempre haverá esquemas disponíveis, como proceder neste caso?

Para Fanaro, Otero e Moreira [19][19] M.A. Fanaro, M.R., Otero e M.A. Moreira, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 3 (2011)., a ação tem um caráter duplo: sistemático e contingente. Por vezes, os estudantes possuem esquemas para resolver determinadas situações já conhecidas, logo a ação tende a ser sistemática (assim como a conceitualização), entretanto quando não dispõem destes esquemas, a ação tende a ser contingente, portanto, fortemente dependente dos parâmetros da situação. Em situações nunca antes resolvidas, em especial, nas quais o sujeito deve improvisar e mobilizar conhecimentos prévios para chegar a uma solução, a conceitualização se torna oportunista, pois o indivíduo deverá usar todos os recursos cognitivos disponíveis para desenvolvê-la. Propõe-se, com base nas ideias destes autores citados [19][19] M.A. Fanaro, M.R., Otero e M.A. Moreira, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 3 (2011)., o termo modo (ou forma) de conceitualização para expressar a maneira pela qual o indivíduo articula invariantes operatórios quando colocado em situação, o que abre caminho para a caracterização do oportunismo e da contingência da conceitualização. Um esquema pode ser considerado, desta maneira, um modo de conceitualização sistemático, que se organiza de maneira invariante para determinada classe de situações. Em suma, visamos, neste trabalho, identificar possíveis modos de conceitualização empregados pelos estudantes [20][20] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 14, 1 (2019).. Na sequência, discutimos a metodologia do trabalho.

3. Metodologia

A metodologia é dividida em duas partes, quais sejam, metodologia didática, na qual abordamos como construímos uma UEPS sobre o conceito de campo elétrico, e metodologia investigativa, na qual descrevemos o processo de análise de dados.

3.1. Metodologia didática

As UEPS foram propostas por Moreira [2][2] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em revista 1 43 (2011). como um conjunto de estratégias de ensino para prover condições de ocorrência para processos de Aprendizagem Significativa. Elas possuem oito passos programáticos nos quais o conteúdo a ser ensinado deve ser abordado progressivamente. Em outras palavras, os conceitos são trabalhados de forma a aumentar-se a complexidade e grau de relacionabilidade de forma contínua. São apresentados, a seguir, os princípios programáticos das UEPS segundo Moreira [2][2] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em revista 1 43 (2011).: 1) definir o tópico específico a ser abordado; 2) criar e propor situações-problema para levar o aluno a explicitar seu conhecimento; 3) propor situações-problema em nível introdutório, levando em conta o conhecimento prévio do aluno4 4 Como foi possível levar em conta o conhecimento prévio do aluno? Foram encontradas evidências a partir da atividade inicial. Na primeira atividade, os estudantes tinham possibilidade de externar o conhecimento prévio ou utiliza-lo em ação. Isto tornou possível construir certas inferências acerca dos modos de conceitualização usados por eles. Usou-se, também, dados da revisão da literatura e de estudo anterior [21] para buscar uma aproximação inicial de possibilidades para descrever as formas de conceitualização. , para facilitar a introdução do conhecimento que se quer ensinar; 4) retomar aspectos mais gerais do conteúdo a ser ensinado/aprendido em um maior nível de complexidade, dar novos exemplos e seguir a reconciliação integradora; 5) propor e discutir em grande grupo, novas situações-problema em maior nível de complexidade que as anteriores; 6) concluir a unidade dando seguimento ao processo de diferenciação progressiva retomando as características mais relevantes do conteúdo, buscando ao mesmo tempo a reconciliação integradora; 7) realizar a avaliação individual somativa – nesta avaliação devem ser propostas situações-problema que impliquem compreensão e que evidenciem captação de significados; 8) análise do êxito da UEPS.

A UEPS para ensinar o conceito de campo elétrico foi desenvolvida em 10 encontros, de dois períodos cada. Cada aula está sempre ligada à anterior e visa a apresentação do conceito de campo elétrico integrado aos conceitos de força elétrica, carga elétrica, fluxo elétrico e circulação elétrica (Quadro 1). A UEPS começou com uma avaliação diagnóstica, um dos primeiros passos na construção da metodologia, conduzida no intuito de identificar possíveis elementos do conhecimento prévio dos estudantes. Implementou-se, também, uma avaliação somativa no final da unidade para avaliar possíveis elementos de conhecimento desenvolvidos durante a UEPS. Avaliação formativa foi implementada durante o processo inteiro ao longo de sessões de resolução de problemas.

Quadro 1
Implementação das UEPS

Como se discutiu anteriormente, cada classe durou uma hora e 40 minutos e foi dividida em duas partes, uma com 40 minutos e a outra com uma hora. A primeira, denominada aula expositivo-dialogada (AE), consistia de uma exposição do professor estimulando o diálogo com estudantes, visou organizar o conhecimento em sua forma final. A segunda, denominada resolução de tarefas (RT), caracterizava-se como uma uma sessão de resolução de problemas em pequenos grupos (três a cinco estudantes). Buscou-se no processo de ensino uma aproximação filosófica associada às diferenças epistemológicas e ontológicas entre os conceitos de força elétrica e de campo elétrico [1[1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999).,21[21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017).,22[22] J. Martin e J. Solbes, J Enseñanza de las Ciencias 19, 393 (2001).].

As AE5 5 Podem ser encontradas no link. tinham como objetivo guiar a aquisição de novo conhecimento na etapa predicativa e a facilitação da organização em novos elementos através da diferenciação progressiva e da reconciliação integradora. Foram usados, prioritariamente, instrução verbal e uso de mapas conceituais neste processo. As RT6 6 Podem ser encontradas no link link. objetivavam, por outro lado, estimular o pensamento recursivo e operacional, facilitar manipulação de conhecimento através do desenvolvimento de formas de conceitualização e catalisar a tomada de consciência por parte dos estudantes. Ela pode ser entendida como uma tentativa deliberada de induzir desequilíbrio cognitivo nos alunos. Usou-se tanto problemas abertos como exercícios de livros-texto para abordar o conceito de campo elétrico. A facilitação da construção de conhecimento operatório estava no horizonte destas sessões. No quadro 1 são apresentados como os aspectos sequenciais foram implementados nas aulas, levando em conta tanto as AE como as RT.

São discutidos, na sequência, os aspectos relacionados aos métodos usados para responder à pergunta de pesquisa inicialmente apresentada. Descreve-se, também, o contexto de aplicação desta pesquisa, os instrumentos e processos usados para coleta e análise de dados durante o período em que foi conduzida.

3.2. Metodologia investigativa

Trabalhou-se em dois contextos, em duas Universidades brasileiras, uma da região Sul (estudo I) do Brasil e outra da região Norte (estudo II). Na turma do estudo I, estavam matriculados 17 estudantes em uma disciplina de Física Geral III pela primeira vez e encontravam-se na faixa etária de 19 a 29 anos. O grupo do estudo II, composto por 11 alunos, tinha faixa etária similar à do estudo I. Nos dois casos, os discentes já haviam cursado as disciplinas de Física I (Mecânica) e Física II (Ondas, Fluidos, Oscilações e Termodinâmica), então julgou-se possível compor o conhecimento prévio dos estudantes as ideias de interação e de força. Desta forma, uma relação entre campo gravitacional e o conhecimento prévio dos estudantes foi estabelecida para facilitar o desenvolvimento de formas de conceitualização novas e a assimilação do conceito de campo elétrico [21][21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017).7 7 Neste trabalho, descreve-se como foi abordado os conceitos de campo vetorial e campo escalar em uma UEPS, tomando como casos particulares o campo gravitacional e campos de velocidades em fluidos. Este foi o ponto de partida do curso e tornou possível verificar que a suposição adotada sobre o conhecimento prévio dos estudantes foi frutífera. . No contexto do estudo II, o professor-pesquisador foi informado de que 90% da turma havia sido reprovada no curso de Física I e que devido ao mal andamento da constituição do curso no qual haviam ingressado, encontravam-se bastante desmotivados8 8 Comunicação pessoal com o então coordenador do programa de Ciência e Tecnologia da Universidade e com os próprios estudantes da turma. .

Os principais instrumentos de coleta de dados envolviam, prioritariamente, respostas dos problemas de lápis e papel produzidas nas RT, mapas conceituais desenhados pelos estudantes e notas de campo produzidas pelo pesquisador. A partir disto comparamos evidências empíricas (análise dos registros textuais) com as possíveis respostas produzidas a partir de modos de conceitualização hipotéticos construídos tanto a priori, através de dados da literatura e da história da Física, e a posteriori, quando a identificação estava em desacordo com as categorias pré-estabelecidas. Para realizar a análise dos registros textuais, empregou-se os princípios da análise de conteúdo [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008).. Bardin designa por análise de conteúdo:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008).

O método é composto de três etapas, quais sejam, pré-análise, exploração do material e tomada de inferências. Definimos cada uma delas em termos gerais nos parágrafos seguintes e depois descrevemos como cada uma delas foi operacionalizada na análise. Por ser um processo sistemático, ele foi desenvolvido em ciclos, de maneira a obter-se a maior coerência possível.

As variáveis inferidas, têm natureza psicológica e se tratam dos modos de conceitualização dos estudantes, isto é, a maneira pela qual eles mobilizam e introduzem invariantes operatórios em situação. Utilizamos como unidade de análise a frase e como unidades de contexto o enunciado da situação e o parágrafo [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008)..

A pré-análise é o primeiro estágio da análise de conteúdo, a etapa da organização propriamente dita. Nesta fase há cinco procedimentos fundamentais a serem desenvolvidos: a leitura flutuante dos registros, na qual se realiza uma leitura inicial destes; a escolha dos documentos a compor o corpus da pesquisa, seguindo as regras da homogeneidade (os dados são homogêneos), da representatividade (os dados são representativos), da pertinência (os dados são relevantes) e da exaustividade (os dados foram usados na totalidade); o estabelecimento das referências dos índices e elaboração de indicadores; levantamento de hipóteses; preparação do material [22][22] J. Martin e J. Solbes, J Enseñanza de las Ciencias 19, 393 (2001).. A exploração do material é a segunda etapa da análise de conteúdo, é a fase da análise propriamente dita e requer a aplicação das decisões tomadas na etapa anterior. É nessa etapa em que se realizam operações de codificação, decomposição, enumeração, etc. Todo o material escolhido como corpus deve ser destrinchado de maneira a permitir produção de conhecimento sobre as variáveis inferidas [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008).. A tomada de inferências é o último estágio de um ciclo de análise de conteúdo. Trata-se da etapa na qual ocorre tratamento dos resultados e interpretação. Nela, é possível operar com estatísticas, construção de quadros, diagramas, figuras, modelos ou de uma narrativa. É, portanto, uma leitura mais elaborada do que a direta, pois permite, após a exploração do material, a visualização de relações mais complexas que as obtidas pela leitura espontânea [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008).. A seguir apresenta-se os procedimentos adotados em cada uma das etapas:

Pré-análise: escolhemos como corpus da pesquisa nove tarefas envolvendo resoluções de problemas de lápis-e-papel, ou seja, todos os dados são dessa natureza (homogeneidade), estão todos associados ao objeto de estudo em questão (pertinência e representatividade) – analisar como estudantes representam simbolicamente o campo elétrico e como descrevem interações elétricas –, e investigamos as resoluções feitas por todos os alunos de todas as tarefas relativas a estas temáticas (exaustividade). Na leitura flutuante dos registros, procurou-se por índices e indicadores relacionados, em primeira instância, aos conhecimentos-em-ação explícitos (na escrita) e implícitos (que ligariam lacunas na escrita) dos estudantes, sistemáticos na produção textual derivada das RT. Para levar a cabo este estágio, as respostas foram lidas de forma a estabelecer relações entre o que os estudantes respondiam e o que já se conhece, na literatura de Ensino de Ciências, sobre evidências de conceitualização sobre o campo elétrico. A partir disto, foi levantada uma lista de possíveis conhecimentos-em-ação para conduzir o processo de exploração do material, no qual se relacionaram estes invariantes operatórios às situações [24][24] G.C. Pantoja, Unidades de ensino potencialmente significativas em teoria eletromagnética: influências na aprendizagem de alunos de graduação e uma proposta inicial de um campo conceitual para o conceito de campo eletromagnético. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2015)..

Exploração do material: a partir da construção da lista dos teoremas-em-ação e conceitos-em-ação feita na pré-análise, buscou-se a organização destes em possíveis modos de conceitualização e, em seguida, procurou-se por evidências sustentando o uso desses modos de conceitualização. Para tal, buscou-se identificar, a partir das respostas dos estudantes, o vínculo entre as metas da situação e o conteúdo dos registros textuais dos alunos, ou seja, a relação entre questionamento e resposta. Na sequência, foram relacionados os indícios do uso de invariantes operatórios a estes objetivos. Posteriormente, foram reconstituídas possíveis inferências feitas pelos alunos, a partir da organização dos excertos explicitamente deixados por eles. Após isto, foram construídos diagramas hipotéticos de raciocínio usando regras de ação do tipo SE… ENTÃO pela junção de elementos das situações aos invariantes operatórios compatíveis com as linhas de raciocínio utilizadas na resposta apresentada. Esta ação nos daria evidências sustentando os modos de conceitualização delineados. Por último, foi construído um diagrama no qual eram relacionados os modos de conceitualização supostamente usados às situações apresentadas ao longo das UEPS. Em todo processo, usou-se como unidade de análise a frase e como unidades de contexto os enunciados da situação apresentada e da resposta dada pelo aluno, ou seja, parágrafos [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008)..

Tomada de inferências: a tomada de inferência consistiu na interpretação da evolução dos modos de conceitualização dos estudantes para análise de êxito da UEPS em facilitar a Aprendizagem Significativa. A seguir são apresentados os resultados da investigação.

4. Resultados

São apresentadas a seguir as formas de conceitualização possivelmente usadas pelos estudantes quando atacam situações de dois tipos: a) descrição de interações elétricas; b) representação simbólica do campo elétrico [25][25] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin-American Journal of Physics Education 13, 4304 (2019).. Mostra-se, também, a evolução temporal do uso dos modos de conceitualização durante as UEPS. Para haver continuidade com a descrição da seção metodológica, apresentamos os resultados em três seções, quais sejam, pré-análise, exploração do material e tomada de inferências. Na primeira, trazemos a lista de teoremas-em-ação possivelmente usados pelos alunos (em itálico), dispostos em proposições explícitas9 9 A conceitualização junta aspectos linguístico-representacionais (explícitos) e de ação (implícitos), desta forma, embora os invariantes operatórios apresentados estejam em forma explícita, a análise foi feita de forma que o modo de conceitualização levasse em conta ambos os aspectos. , e os conceitos-em-ação, também explícitos, porém colocados na forma de categorias (pertinentes ou não), conforme define Vergnaud [16][16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).. Na segunda, visa-se a inferência de como estes teoremas-em-ação são organizados em modos de conceitualização. Na terceira, analisa-se como o emprego destas formas de conceitualização ocorre durante a aplicação das UEPS com fins de avaliar os efeitos destas sobre aquelas. É apresentado um exemplo de como o processo foi desenvolvido.

4.1. Pré-análise

Como nosso objeto de análise é a conceitualização, buscamos investigar como os alunos mobilizavam invariantes operatórios em situação. Como existem diferentes tipos de situação em eletromagnetismo, seria preciso analisar a composição das classes que as compõem. Desta forma, buscamos quatro possíveis classes de situações, divididas por critérios epistemológicos, em trabalho prévio [25][25] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin-American Journal of Physics Education 13, 4304 (2019).. Foram levados em conta tanto conceitos para resolver os problemas de tais classes e operações de pensamento necessárias à resolução. Estas classes referem-se à: descrição de interações elétricas, representada pela letra grega gama maiúscula (Γ); representação simbólica do campo elétrico, representada pela letra grega beta maiúscula (B); representação analógica do campo elétrico, representada pela letra grega alfa maiúscula (A); cálculo do campo elétrico, representada pela letra grega delta maiúscula (Δ). Neste trabalho, dedicou-se à discussão dos resultados sobre a mudança no uso dos modos de conceitualização para dominar as duas primeiras classes de situações citadas. Tal opção deriva do volume muito grande de dados coletados 10 10 Em cada aula eram apresentadas cerca de 4 situações. As mais frequentes eram, em sequência: Γ, Δ, B, A. , o que tornaria a apresentação dos resultados de todas as classes incompatível com a quantidade de informação apresentável em um artigo científico.

A classe de situações Γ requer o estabelecimento de referência a situações nas quais ocorram interações entre objetos eletricamente carregados em repouso. É sempre necessário descrever a maneira pela qual estes objetos interagem através da mediação pelo campo elétrico. Para resolver problemas desta classe, é necessário: 1. identificar objetos interagentes; 2. identificar a interação entre os objetos como tendo natureza elétrica; 3. aplicar a lei de interação (Lorentz ou Coulomb); 4. descrever a dinâmica da carga de prova. Por outro lado, para a classe de situações B, os estudantes devem referir-se às fontes de campo elétrico, em primeiro lugar. Então, deve-se estabelecer referência a pontos do espaço. Depois, precisa-se referenciar o vetor campo elétrico (intensidade, direção e sentido). Para situações desta classe é necessário: 1. identificar fontes de campo elétrico; 2. identificar pontos no espaço; 3. mapear o significado das equações de campo elétrico; 4. associar vetores a pontos no espaço respeitando o passo anterior (ou não, no caso de não se referir conceitualmente às equações de campo); 5. estabelecer a representação simbólica [25][25] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin-American Journal of Physics Education 13, 4304 (2019)..

Os teoremas-em-ação possivelmente usados pelos alunos para a conceitualização em situações do tipo Γ envolvem diferentes significados e referem-se a distintas dimensões conceituais enumeradas a seguir: identificação de fontes de campo elétrico (A); relação entre interação elétrica e força elétrica (B); relação entre força elétrica e campo elétrico (C); atribuição de localidade às trocas de energia/momentum interações eletromagnéticas (D); interpretação do princípio da superposição (E); localização da energia potencial elétrica (F); natureza ontológica do campo elétrico (G); papel epistemológico do campo elétrico na interação elétrica (H). As dimensões relativas às situações do tipo B são: identificação de fontes de campo elétrico (A); interpretação do fluxo elétrico (J); intepretação da circulação elétrica (K); relação do fluxo elétrico com o campo elétrico (M); relação da circulação elétrica com o campo elétrico (N). Tais proposições reproduzem tanto significados apresentados explicitamente como os usados implicitamente (lacunas) pelos alunos. Após leitura recursiva dos registros pertinentes aos dois estudos e após a identificação de indicadores, foram construídos índices para os distintos teoremas-em-ação.

Foi possível, então, listar os seguintes invariantes operatórios identificados nas formas de conceitualização dos estudantes em situações do tipo Γ: a1) carga elétrica produz campo elétrico; b1) interação elétrica é descrita pela força elétrica; c1) força elétrica é igual ao campo elétrico; c2) força elétrica é diferente do campo elétrico; d1) trocas de energia são instantâneas na interação elétrica; d2) trocas de energia são não-instantâneas na interação elétrica; e1) forças elétricas experimentam superposição; e2) campos elétricos sofrem colisão; e3) campos elétricos experimentam superposição; f1) energia elétrica11 11 Entenda-se energia potencial elétrica, dado o caráter conservativo do campo elétrico. está localizada nos objetos; f2) energia elétrica está localizada nos objetos que a trocam através de transmissão contígua pelo campo elétrico; f3) energia elétrica é localizada nos objetos e é trocada através do campo elétrico; f4) energia cinética é localizada nos objetos e é trocada com outros objetos pelo campo elétrico que carrega energia elétrica; g1) campos elétricos são fluidos associados à ação de forças elétricas em outros campos elétricos; g2) campos elétricos são grandezas físicas reais associadas à ação de forças elétricas em cargas elétricas; g3) campo elétrico é uma ferramenta matemática; g4) campos elétricos existem no espaço, são grandezas físicas reais, mas não possuem massa; h1) campos elétricos exercem forças de contato sobre cargas elétricas dependendo dos seus sinais; h2) campos elétricos são suportes para a transferência de energia elétrica; h3) campos elétricos descrevem a força elétrica sobre uma carga elétrica; h4) campos elétricos transferem momentum/energia por meio de forças/trabalho. Para a classe de situações B foram listados os possíveis teoremas-em-ação: a1) carga elétrica produz campo elétrico; j1) fluxo elétrico é igual ao campo elétrico; j2) campos elétricos devem ser radiais; j3) campos elétricos são produzidos monopolos elétricos; k1) circulação elétrica não tem significado, pois é nula; k2) campos elétricos devem ser irrotacionais; k3) campos elétricos são potenciais; l1) componente normal do campo elétrico é igual ao fluxo elétrico; l2) fluxo elétrico relaciona-se à componente normal do campo elétrico à superfície gaussiana; l3) cargas elétricas são monopolos elétricos; m1) componente tangencial do campo elétrico é igual à circulação elétrica; m2) circulação elétrica está relacionada à componente tangencial do campo elétrico à curva amperiana; m3) Existe uma função potencial para o campo elétrico12 12 Permite a descrição matemática do campo elétrico como o negativo do gradiente do potencial elétrico. .

Isto feito, passou-se a um novo ciclo de análise, no qual buscou-se organizar os possíveis invariantes operatórios e descrever os modos de conceitualização usados pelos alunos no emprego destes nas situações. Descrevemos estes resultados na sequência.

4.2. Exploração do Material

Buscou-se, neste trabalho, analisar as evidências do emprego de modos de conceitualização e toma-las como indicadores de Aprendizagem Significativa, uma vez que adaptações deste tipo envolvem a aquisição não-arbitrária e não-literal de novos conhecimentos. Nem sempre produtos e processos significativos de aprendizagem envolvem conhecimentos corretos cientificamente – as concepções alternativas são bons exemplos de conhecimentos incorretos do ponto de vista da ciência que, no entanto, derivam de Aprendizagem Significativa. Neste trabalho, o principal indicador usado como evidência de processos desta natureza é o estabelecimento de referência a objetos das situações usando linguagem natural ou representações próprias dos estudantes. Na prática, empregar um modo de conceitualização significa mobilizar conhecimentos de forma a estabelecer referência a uma situação com a finalidade de resolvê-la.

Os quadros 2 e 3 apresentam os modos de conceitualização propostas associadas às classes Γ e B, respectivamente. Construiu-se cinco formas de conceitualização endereçadas às situações do tipo Γ, denotadas pela letra grega γ, e cinco relacionadas às situações do tipo B, representadas pela letra grega β. Elas são diferentes umas das outras tanto epistemologicamente como ontologicamente e são classificadas com respeito ao conteúdo que carregam.

Quadro 2
Modos de conceitualização γ
Quadro 3
Modos de conceitualização β

É importante discutir que estudantes nem sempre parecem possuir um único modo de conceitualização, pois, por vezes constroem novos a partir de conhecimento aprendido em sala. Isto depende, obviamente, de como o estudante percebe e se refere à situação. Por vezes, existe uma justaposição de diferentes formas de conceitualização na mesma tarefa, o que pode apontar para a ocorrência de processos de Aprendizagem Significativa naquele momento, uma vez que há uma mudança na forma pela qual o sujeito raciocina. A coexistência destes modos em situação novas, ilustra o que Vergnaud denomina oportunismo da conceitualização [19[19] M.A. Fanaro, M.R., Otero e M.A. Moreira, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 3 (2011).,20[20] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 14, 1 (2019).], já que o estudante usa todos os recursos cognitivos possíveis para resolver problemas inéditos para ele.

No quadro 2, encontram-se os modos de conceitualização orientados à descrição de interações elétricas. Eles são cinco: sem campo (γ1), que considera a interação ocorrendo com base na ocorrência de forças exercidas à distância, sem qualquer mediação; campo fluido-choquista (γ2), que concebe o campo como um fluido; campo como suporte de interação (γ3), que toma o campo como um suporte imaterial para transferência de energia; campo operacional (γ4), que entende o campo sob uma perspectiva operacionalista, ou seja, que toma o campo elétrico como mero instrumento de cálculo; campo científico (γ5), que admite o campo de uma perspectiva realista científica, isto é, que retrata o campo elétrico como entidade física real, por carregar energia e momentum, e diferente da força elétrica, embora relacionado a ela.

No quadro 3 são sintetizados os modos de conceitualização tipo β. Eles são cinco: eletrostática sem campo (β1), que desconsidera o conceito de campo; equações de campo iguais ao campo (β2), que identifica o campo elétrico ao fluxo elétrico ou à circulação elétrica; interpretação pictórico-geométrica das equações de campo (β3), que interpreta o fluxo elétrico e a circulação elétrica como equações dando informações sobre o caráter pictórico do campo; interpretação algébrica-relacional das equações de campo (β4), que admite as equações de campo como informações sob aspectos relacionais do campo; interpretação integrada das equações de campo (β5), que reúne aspectos tanto geométricos como algébricos do campo de maneira integrada. Visivelmente eles crescem em nível de conceitualização científica, com β3 e β4 empatados neste quesito.

Um exemplo

Apresentamos, a seguir, um exemplo de como este processo foi desenvolvido: cada resposta, de cada tarefa, foi analisada seguindo-se este cânone. A situação 1 da tarefa 7, sobre condutores, é resolvida pelo aluno P do estudo I. Nela, uma esfera eletricamente carregada é colocada no interior de uma caixa condutora retangular de forma a ficar mais próxima de uma de suas paredes. Em estudos prévios, Furió e Guisasola [1][1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999). afirmaram ser comum a resposta de que o lado mais próximo da caixa irá atrair a esfera, no entanto, a esfera deve ficar parada, conforme responde o estudante P.

Situação: uma esfera carregada com carga positiva q é colocada no interior de uma caixa condutora com carga Q. A caixa tem formato cúbico, tendo comprimento d, altura h e largura l. A esfera está pendurada por um fio de poliestireno e é colocada a uma distância x da extremidade esquerda da caixa. A esfera está a uma distância l/2 de ambas as placas, com respeito ao plano yz, e a uma distância h/2 das placas do plano xy. O que acontecerá com a esfera carregada? Descreva conceitualmente por que chegou a esta resposta. Esboce um modelo esquemático da situação (situação 1, tarefa 7).

A forma usual de resolver este problema é usar a lei de Gauss para perceber que o fluxo do campo elétrico da caixa no seu interior é nulo (aqui desconsideramos o campo produzido pela carga de prova). Outra maneira é supor que a força resultante entre a esfera e a caixa é nula, pois há um equilíbrio da força elétrica resultante devida aos campos elétricos de todas as cargas à direita (suponhamos que a esfera esteja mais próxima da parede esquerda), em maior quantidade, porém a maior distância média, e aos das cargas à esquerda, em menor quantidade, mas a uma menor distância média. Segue da aplicação da lei de Coulomb para estas condições a nulidade da força elétrica resultante, pois a área varrida pelas cargas cresce com o quadrado da distância e a força decai com o inverso do quadrado daquela. O aluno P explica isto deixando para trás alguns rastros implícitos na conceitualização, vamos separar a análise da resposta em duas partes, a explícita e a implícita. A seguir, sua resposta, na qual grafamos alguns teoremas-em-ação explícitos:

Mesmo ela sendo uma caixa carregada negativamente, ela vai funcionar como uma gaiola de Faraday. A carga da caixa está distribuída uniformemente, portanto a força resultante de Coulomb será nula na superfície da esfera, pois a distância da esfera até a placa será compensada pelas cargas. A bola fará um campo positivo, mas não haverá fluxo 13 13 Fluxo elétrico do campo elétrico da caixa no seu interior. , ou seja, a esfera ficará parada (grifo nosso).

Podem ser identificados os seguintes conceitos-em-ação explícitos: caixa; carga elétrica; carga elétrica positiva; carga elétrica negativa; gaiola de Faraday; força elétrica resultante; superfície; esfera; distância; bola; placa; campo elétrico positivo; fluxo do campo elétrico; repouso.

Os teoremas-em-ação explícitos são apresentados e relacionados à lista supracitada: a caixa possui carga elétrica negativa [a1]; a carga elétrica da caixa está distribuída uniformemente [a1]; a esfera produzirá um campo elétrico [a1, g3]; a força elétrica resultante é nula sobre a esfera [b1, h3]; o fluxo elétrico será nulo [e3, g3]; a esfera ficará em repouso [h3].

Quais conceitos-em-ação implícitos podem ser inferidos deste excerto? Está implícita a ideia de interação, pois não faria sequer sentido relacionar as cargas elétricas opostas (da bola e da caixa) a uma gaiola de Faraday. Outro conceito-em-ação pode ser identificado quando o estudante afirma que a caixa funcionará como uma gaiola de Faraday, ele pula direto para a conclusão – “a esfera ficará” parada; em outras palavras, ser uma gaiola de Faraday significa “blindar efeitos elétricos externos”, então o conceito-em-ação de blindagem eletrostática está implícito na explicação do estudante. A noção de densidade de carga elétrica também está implícita, haja vista que se faz referência à forma pela qual a carga elétrica está distribuída, mas talvez possa inclusive ser explicitado pelo estudante, já que este parece possuir a substância desta ideia. Outro conceito-em-ação implícito passível de ser identificado é o de superposição, pois sem ele seria impossível para o aluno falar em força resultante e sequer ele poderia pensar numa resposta ao problema. Logo, os conceitos-em-ação implícitos: interação; blindagem; densidade de carga elétrica; superposição.

Na sequência, apresentamos alguns teoremas-em-ação implícitos identificados, bem como as citações que serviram de evidência para a análise: a esfera possui carga elétrica positiva [a1, g3] (dado do problema utilizado); distribuição de carga elétrica é dada pela densidade de carga elétrica [a1] (A carga [elétrica] da caixa está distribuída uniformemente); cargas elétricas interagem [b1]; o campo elétrico produzido pela esfera é diferente de zero, mas a força elétrica resultante sofrida por ele é nula [c2, h3] (A bola fará um campo positivo, mas não haverá fluxo… mas não haverá fluxo, ou seja, a esfera ficará parada); gaiola de Faraday blinda efeitos elétricos externos [g3] (não vai haver fluxo /era para haver força elétrica, mas não há/ a esfera ficará parada/ a força resultante de Coulomb será nula); a esfera está mais próxima de uma parede da caixa que da outra [-] (dado do problema utilizado); a força elétrica resultante é a soma de todas as forças elétricas exercidas sobre a esfera [e1] (a força resultante de Coulomb será nula); quanto maior a distância à parede da caixa, maior a quantidade de carga elétrica que influencia a esfera em uma direção [e1, g3] (a distância da esfera até a placa será compensada pelas cargas).

Pode-se perceber que os teoremas-em-ação “a esfera produzirá um campo elétrico” (explícito) e “a esfera possui carga elétrica positiva” (implícito) podem ser agrupados em uma dimensão, qual seja, fonte de campo elétrico (A), pois todos, de certa forma fazem referência ao fato de a carga elétrica ser fonte de campo elétrico. O teorema-em-ação explícito “a força elétrica resultante é nula sobre a esfera” já pertence a outro domínio, o da relação entre força e interação (B), e se nota que para o sujeito a interação entre objetos carregados é explicada por uma força. O invariante operatório implícito “o campo elétrico produzido pela esfera é diferente de zero, mas a força resultante sofrida por ele é nula” está em dimensão de análise diferente dos anteriores e se refere à relação entre força elétrica e campo elétrico (C), pois percebe-se que campo elétrico e força elétrica para o estudante são grandezas distintas, o que já elimina algumas possibilidades de modos de conceitualização. O teorema-em-ação implícito “quanto maior a distância à placa, maior a quantidade de carga que influencia a esfera em uma direção” incorpora uma interpretação do princípio da superposição (E) sobre as forças; note que como o teorema-em-ação já é implícito, não ousamos inferir mais e estender este princípio aos campos, pois fazê-lo iria tratar-se de uma dentre várias possibilidades para a qual não temos evidência suficiente sustentando. Por outro lado, os invariantes operatórios explícitos “a esfera produzirá um campo elétrico” e “não haverá fluxo elétrico devido ao campo elétrico da caixa”, e os implícitos “a esfera está mais próxima de uma parede que da outra” e “quanto maior a distância à placa, maior a quantidade de carga que influencia a esfera em uma direção” evidenciam que o campo elétrico é usado como ferramenta matemática para descrever a interação, mas que o foco da descrição física é a força, o que se enquadra na dimensão natureza ontológica do campo elétrico (G). Por fim, os teoremas-em-ação explícitos “a força elétrica resultante é nula sobre a esfera” e “a esfera ficará parada”, e o implícito “o campo elétrico produzido pela esfera é diferente de zero, mas a força resultante sofrida por ele é nula” nos fazem concluir que a função do campo elétrico é descrever matematicamente a força elétrica através da força de Lorentz, o que se encaixa na dimensão papel epistemológico do campo elétrico na interação elétrica (H).

Na resposta do aluno P, percebe-se que os invariantes operatórios, em sua maioria dirigem-se a uma meta coerente com o que se pede no problema, isto é, descrever a interação elétrica entre a bola e a casca retangular. No caso em que o estudante apenas represente o campo elétrico simbolicamente ou analogicamente, ou calcule um campo elétrico, teríamos a escolha de um objetivo incongruente com o da situação, o que resultaria em uma tentativa fracassada de estabelecer referência a esta. Outro ponto é que o estudante chega a uma conclusão, a de que a esfera ficará parada, o que significa uma inferência. Organizamos os invariantes operatórios na tentativa de “linearizar” e “organizar” o processo desenvolvido para melhor compreensão. Isto não significa que estas etapas ocorreram fixamente, mas que a forma de conceitualização aventada para descrição da resolução do problema tornou possível entender as etapas seguidas pelo estudante na resolução da situação, bem como as retrocessos e avanços ao resolvê-la. A seguir, juntamos estes invariantes operatórios numa regra de ação factível e, por isso, destacamos que se tratam de formas de conceitualização possivelmente usadas pelos estudantes e que podem ser usadas para analisar processos cognitivos desenvolvidos durante as UEPS.

Regras de ação: SE a caixa está eletricamente carregada negativamente, SE a esfera está eletricamente carregada e SE a esfera é posta dentro da caixa, ENTÃO a esfera e a caixa irão interagir. SE a caixa tem carga elétrica distribuída pela sua superfície e SE as forças elétricas se superpõem, ENTÃO a esfera interage com todas as cargas elétricas da caixa. SE há interação elétrica, ENTÃO há uma força resultante. SE as cargas elétricas da caixa sofrem a ação da força elétrica devido à esfera, ENTÃO a esfera senta a mesma força exercida pelas cargas da caixa. SE a esfera está mais próxima de uma das paredes, SE a carga elétrica é maior para uma maior distância, ENTÃO temos que analisar a relação entre a força, a carga e a distância. SE a força aumenta com o aumento da carga elétrica, SE a força diminui com a diminuição da distância, SE a parede da esquerda tem menor distância e menor carga, SE a parede da direita tem maior distância e maior carga, SE as forças exercidas por estas cubas estão em sentidos opostos, ENTÃO a força resultante sobre a esfera será nula. SE carga elétrica produz campo elétrico, SE a esfera está eletricamente carregada, SE a caixa está eletricamente carregada, SE o campo elétrico devido a bolinha é não nulo, SE a força sobre a caixa é nula, ENTÃO o Fluxo do campo elétrico da caixa deve ser nulo e ela atua como uma gaiola de Faraday e ENTÃO a esfera ficará parada.

Como conclusão do exemplo, o aluno P, na situação 1, da tarefa 8 evidenciou ter usado o modo de conceitualização γ4, pois os invariantes operatórios mobilizados de forma explícita e implícita envolvem os teoremas-em-ação a1, b1, c2, e1, e3, g3, h3. Como as dimensões D e F foram construídas de modo a se direcionarem ao conceito de energia e, nesta tarefa, não havia solicitação explícita de invariantes operatórios ligados a este conceito, o aluno não evidenciou seu uso na explicação.

4.3. Tomada de inferências

Por fim, traçou-se um panorama geral dos modos de conceitualização evidenciados ao longo das UEPS sobre eletrostática. Identificou-se com a letra T as tarefas das UEPS. Indexou-se com SP as situações das tarefas passadas nas RT. Cada aluno é indicado por uma letra latina na primeira coluna à esquerda e os modos de conceitualização são identificados na tabela por letras gregas minúsculas com subscrito numérico.

Quadro 4
Modos de conceitualização identificados para os estudantes do estudo I e do estudo II

Para apontar possíveis vieses cognitivos identificados [24][24] G.C. Pantoja, Unidades de ensino potencialmente significativas em teoria eletromagnética: influências na aprendizagem de alunos de graduação e uma proposta inicial de um campo conceitual para o conceito de campo eletromagnético. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2015). foram utilizadas as seguintes cores: branco, para a não ocorrência de vieses aparentes; verde para redução funcional; azul para fixação funcional; e magenta para erro conceitual. Um hífen foi usado para indicar que uma questão não foi respondida. Para a facilitação da exposição dos resultados, decidiu-se apresenta-los de forma que houvesse comparação entre os dois estudos a cada tarefa.

O quadro 4 a seguir expressa os resultados do processo objetivando a relação entre os registros textuais e as interpretações dos modos de conceitualização. A primeira parte (primeiros 17 alunos, de A a Q) traz os resultados do estudo I (no contexto sul-brasileiro) e a segunda (últimos 11 alunos, de A a K) mostra o processo análogo realizado para o estudo II (no contexto norte-brasileiro). A avaliação diagnóstica (D), bem como as tarefas 4, 6, 8 e 9, tiveram situações do tipo Γ, enquanto a tarefa 2 teve situações do tipo B. Situações dos dois tipos foram encontradas na avaliação somativa (S). Ambas as UEPS tiveram o mesmo professor14 14 Primeiro autor do trabalho. .

Na avaliação diagnóstica, os alunos do estudo I, no grupo zero de situações Γ15 15 Este grupo de situações só foi proposto aos alunos do estudo I, pois queríamos estudar mais os outros grupos de situações apresentados no estudo II. A lista de tarefas pode ser recuperada no link. , cujos problemas explicitam dois objetos carregados interagindo, os alunos, em grande parte (cerca de 16 dos 18) apresentam evidências de uso de uma forma de conceitualização do tipo γ1, ou seja, não utilizam o conceito de campo elétrico na explicação.

No primeiro grupo de situações Γ, nas quais são apresentados um objeto eletricamente carregado e um campo elétrico (com omissão da fonte deste), parte considerável dos alunos do primeiro estudo aplicou um possível modo de conceitualização envolvendo o campo elétrico de maneira operacional (γ4), possivelmente usando conhecimento construído durante o Ensino Médio, o que foi verificado em UEPS anterior sobre o conceito de campos vetoriais e escalares [21][21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017).: para os autores, o conceito de campo para estes alunos parece estar vinculado a uma premissa epistemológica positivista (medimos a força elétrica, logo o campo elétrico deve ser meramente matemático). Dois alunos parecem conceitualizar o conceito de campo elétrico como entidade real (γ5) e dois de maneira a desconsiderar o campo elétrico na análise por conta da referência imediata à força elétrica (γ1). O resultado parece repetir-se no estudo II, guardadas as proporções, pois assim como no primeiro estudo, a maioria dos estudantes apresenta evidências de usar a forma de conceitualização γ4, um a γ1 e um a γ5.

Ainda na avaliação diagnóstica, no primeiro dos estudos, no segundo grupo de questões Γ, envolvendo condutores e isolantes, a conceitualização parece mudar drasticamente, pois 14 alunos no primeiro estudo e todos os 11 do estudo II parecem conceitualizar usando o modo γ2, que considera o campo elétrico como um fluido, enquanto dois, no estudo I, usam-no de maneira operacional (γ4). Daí se retira uma interessante conclusão: o ensino dos conteúdos de condutores e isolantes pode ser (e, em geral, é) muito difícil para os estudantes.

A respeito do terceiro grupo de tarefas Γ, que envolve processos de eletrização por indução, os alunos do estudo I, à exceção do estudante L, sequer usam a ideia de campo elétrico ou de potencial elétrico. Desta forma, um conhecimento potencialmente estruturante e integrador parece estar alheio à estrutura cognitiva dos estudantes. Resultado semelhante é obtido para o estudo II, acrescido o fato de que todos os alunos deste contexto apresentam um erro em comum: uma redução funcional da situação ao equilíbrio de cargas elétricas16 16 Em situações deste tipo a análise cientificamente aceita é a de se considerar o fim da corrente elétrica quando cessa a diferença de potencial, ou seja, ao invés de as cargas serem as mesmas, o potencial é o mesmo nas esferas (ver link). , por aparentemente não entenderem o conceito de diferença de potencial.

Quanto ao quarto grupo de situações Γ, dos alunos do estudo I, seis alunos evidenciam modos de conceitualização do tipo γ4, sendo que três (B, L, M) já a vinham usando desde a primeira UEPS [21][21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017).. Oito, no entanto, aparentaram desconsiderar o campo elétrico ou o potencial elétrico na explicação. No estudo II, os alunos, em maior parte, consideram o potencial elétrico como entidade operacional.

A tarefa 2 envolvia problemas de representação simbólica do campo elétrico (B). No estudo I, 13 alunos aparentam utilizar a forma de conceitualização β4, mais relacional-algébrica que pictórico-geométrica, dois parecem usar o modo β5, que integra as duas formas representacionais, e um evidencia uso da forma β2, que iguala fluxo ou circulação ao campo elétrico [26][26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008).. Quanto ao estudo II, seis alunos parecem usar formas de conceitualização mais relacionais-algébricas (β4), enquanto quatro apresentam indícios de utilização do modo β3, mais pictórico-geométrico. Na questão 3, todos parecem ter-se ligado ao β5, mais integrado. Julgamos ter sido um passo considerável na conceitualização.

Na tarefa 4, que propunha situações nas quais era necessário descrever interações elétricas (Γ), os alunos do estudo I apresentaram, em sua maioria, um avanço na conceitualização, em relação ao pré-teste, ao apresentarem modos de conceitualização γ5, do campo elétrico como entidade física real. No estudo II o resultado foi análogo, no entanto, neste contexto os alunos evidenciaram conceitualização mais próxima da estrutura cognitiva do tipo campo operacionalista (γ4), o que representa possível estagnação da conceitualização, talvez pela introdução do conceito de potencial elétrico, com o qual os alunos apresentam grande dificuldade [1[1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999).,6[6] M. Nousiainen e I. Koponen, European Journal of Science and Mathematics Education 5, 74 (2017).]. Uma alternativa pensada por nós para futuros estudos é a de tentar estabelecer um paralelo mais próximo entre força como troca de momentum e trabalho como troca de energia, fornecendo exemplos concretos com sistemas simples para identificar o potencial como descrição paralela à do campo elétrico.

Na tarefa 5, posterior à aula na qual abordamos a relação entre campo elétrico e potencial elétrico, passou-se uma tarefa com duas situações, a primeira mais operacional e a segunda mais conceitual. Verifica-se, no estudo I, uma grande tendência a uma conceitualização mais inclinada a: considerar o potencial elétrico como uma mera ferramenta matemática; não o referenciar; partir direto para o cálculo da energia potencial. Somente quatro alunos (três na primeira questão e um na segunda) chegam a utilizar uma forma de conceitualização do tipo γ5, mais realista. Consideramos este ponto uma estagnação na conceitualização dos alunos do estudo I, no que tange aos aspectos energéticos do campo elétrico. Com respeito ao estudo II, metade da turma faltou à aula e os que responderam se dividiram em três usando γ417 17 Os conhecimentos apresentados já haviam sido mapeados no pré-teste, portanto, julgamos uma adaptação destes esquemas à situação apresentada. e três usando γ5, o que nos impossibilita de tirar alguma conclusão mais sólida a respeito da evolução dos modos de conceitualização destes alunos.

Na tarefa 6, a conceitualização dos estudantes é consideravelmente mais próxima da forma γ5, considerada como cientificamente aceita a nível de Física Geral. A razão pela qual concluímos isto é a consolidação do processo de conceitualização na aula em que se utilizou o conceito de força elétrica, ao invés do de energia potencial elétrica, aparentemente mais acessível aos alunos [6[6] M. Nousiainen e I. Koponen, European Journal of Science and Mathematics Education 5, 74 (2017).,22[22] J. Martin e J. Solbes, J Enseñanza de las Ciencias 19, 393 (2001).]. Dos 16 respondentes (um aluno faltou), dez apresentaram evidências de uso do modo de conceitualização γ5, enquanto três pareceram usar o γ4 (campo elétrico operacional). Somente um aluno mostrou indícios da utilização de uma forma de conceitualização do tipo γ1 (sem campo elétrico), enquanto dois (M e N) aparentaram hibridismo na construção de modos de conceitualização γ1 e γ4. Levando em conta a progressividade da Aprendizagem Significativa, os resultados ficam bastante claros. No que tange ao estudo II parece ter havido, por outro lado, notável ganho na conceitualização, pois todos os sete alunos presentes na aula apresentaram possivelmente formas de conceitualização do tipo γ5.

A tarefa 7 versava sobre condutores, tópico bastante difícil de ser compreendido em Física Geral [26][26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008).. A despeito disso, a maioria dos alunos do estudo I, como se pode ver no quadro 5, deu indícios de usar os modos de conceitualização γ4 e γ5. Pontos de destaque são: a diminuição da fragmentação do conhecimento frente ao início do domínio de um conceito estruturante para diferentes subclasses de situações (campo elétrico); o hibridismo ou justaposição de modos de conceitualização em sete alunos que parecem usar formas de conceitualização distintas em situações de mesma classe (γ4 e γ5), processo similar ao que ocorre com a modelos mentais identificados por Kalkanis et al. [27][27] G. Kalkanis, P. Hadzidaki e D. Stravou, Science Education 87, 257 (2003).; o uso da causalidade simples em problemas de interação entre condutor descarregado (fechado) e carga elétrica pontual (três alunos apresentaram o problema), dado já mapeado na literatura [1[1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999).,26[26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008).]; uso do modo de conceitualização γ1 incorporando corretamente o princípio da superposição, quando alunos corretamente consideram interações entre a carga pontual e infinitésimos de carga elétrica para inferir que, na primeira questão (link), um objeto positivamente carregado ficará parado no interior de um condutor oco com carga negativa uniformemente distribuída. Tais fatores podem estar relacionados ao fato de havermos desequilibrado cognitivamente os alunos com a introdução desta classe de situações bastante complicada para eles. No estudo II os alunos parecem utilizar prioritariamente modos de conceitualização do tipo γ5.

Na tarefa 8, que trata sobre isolantes, aparentemente o resultado dos estudantes foi melhor que na tarefa sobre condutores. No estudo I, houve estabilização cognitiva por parte de 12 estudantes, sendo seis utilizando exclusivamente γ5 e seis usando exclusivamente γ4. O aluno L retornou às formas de conceitualização que usou inicialmente, enquanto N estabilizou-se no conhecimento inicial parecendo apresentar o modo de conceitualização γ4. Houve hibridismo de N (γ5 e γ4) e de H (γ5 e γ4). Com respeito ao estudo II, para três alunos foi identificada na segunda questão, a forma de conceitualização γ1, de interação instantânea à distância, fazendo referência direta à força elétrica e à polarização (separação de cargas elétricas) no processo de indução eletrostática. A maioria, no entanto, refere-se ao campo elétrico como agente da interação eletrostática. Ao que parece, a maioria dos estudantes conseguiu aplicar modos de conceitualização canônicos da Física para explicar a interação entre um isolante e um campo elétrico, inclusive pelo fato de a aula expositiva dialogada sobre o conteúdo ter sido relacionada, a todo tempo, com a anterior sobre condutores.

Na avaliação somativa os alunos realizaram uma prova individual de nível conceitual mais elevado que as tarefas anteriores, porém os alunos do estudo I apresentam coerência notável, mesmo neste contexto de maior dificuldade. Para situações nas quais é necessário representar o campo elétrico simbolicamente, quatro alunos apresentam evidência exclusiva de usar o modo de conceitualização β5 (integrado), seis parecem usar exclusivamente o simbólico β4, enquanto somente dois usam exclusivamente β2 (confunde campo elétrico com fluxo elétrico). Dois alunos confundem fluxo, circulação e campo elétrico (β1). Três alunos (O, P, Q) não respondem a segunda das questões e não usam os conceitos de fluxo e de circulação na conceitualização de situações do tipo B. Vemos que mesmo para conceitos difíceis os alunos conseguem, em sua maioria, apropriar-se de formas de conceituzaliação cientificamente adequadas, de forma autônoma. Já no estudo II, na primeira questão, a maioria dos alunos parece apresentar um de natureza ou β4 ou β5 levando em conta a blindagem eletrostática e a polarização da caixa dielétrica. Por outro lado, três estudantes representam simbolicamente de maneira adequada o campo elétrico sem levar em consideração os fenômenos supracitados e acabam descrevendo erroneamente a interação entre cargas elétricas. Consideramos, dentro das possibilidades e dos processos ocorrentes na UEPS, evidência de Aprendizagem Significativa para a maioria dos alunos. Ponto a destacar é a terceira questão que solicita aos alunos discorrerem sobre a lei de Gauss. Cinco alunos, que embora tenham representado corretamente o campo elétrico de maneira simbólica, simplesmente não fazem qualquer menção ao conceito de campo elétrico e afirmam que a lei de Gauss é uma importante lei do eletromagnetismo, enquanto os outros seis descrevem o campo elétrico de maneira simbólica, sem qualquer referência a aspectos pictóricos, e mencionam principalmente a relação entre carga elétrica e campo elétrico através do fluxo elétrico, o que os enquadra no modo de conceitualização β4.

No que tange a descrever interações elétricas (situações tipo Γ), no estudo I, quatro alunos evidenciaram usar modos de conceitualização do tipo γ4, quatro mostraram indícios de usar formas de conceitualização do tipo γ5, quatro apresentaram, ora sim ora não, o uso do conceito de campo elétrico (hibridização γ1γ5), dois pareceram usar exclusivamente o modo γ2 (fluido-choquista) e, por último, uma hibridização do tipo γ2-γ3 (fluido para transporte). Consideramos uma estabilização relativamente boa, frente ao fato de que a prova estava substancialmente mais difícil que as atividades e seria realizada individualmente. Com respeito ao estudo II, para todos os alunos ocorre a hibridização, no entanto, na primeira questão desta classe, cinco alunos parecem usar γ5 e quatro, γ4. Na segunda, a conceitualização aproxima-se do aspecto maior operacional, pois quatro aparentam usar γ1 e seis, γ4. Três alunos na segunda das questões apresentam a redução funcional ao equilíbrio de cargas em uma situação que requer a suposição da igualdade do potencial em condutores. Por não mencionarem o papel do potencial elétrico, foram enquadrados na forma γ1, justamente por já terem apresentado conhecimentos desta natureza no pré-teste. A seguir passamos às conclusões e discussão do trabalho.

5. Conclusão

A mérito de conclusão e discussão retomamos à pergunta de investigação que pode ser enunciada como: “como se desenvolve a conceitualização, de estudantes de nível superior, do conceito de campo elétrico em uma UEPS sobre eletrostática dando ênfase conceitual nas equações de Maxwell?” Para responder a esta pergunta, analisamos os modos de conceitualização de estudantes, em dois contextos, durante a aplicação de UEPS sobre o conceito de campo elétrico. Usamos como instrumentos de coleta de dados os registros deixados pelos alunos (avaliações, mapas conceituais e problemas de lápis-e-papel) e como metodologia de análise de dados, empregamos a análise de conteúdo [23][23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008). à luz da teoria dos campos conceituais [16[16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).[17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012).-18[18] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 12, 285 (2007).].

A resposta geral à pergunta é a de que houve evidência de construção de novos modos de conceitualização mais próximos dos científicos na maior parte das UEPS, enquanto que em alguns momentos pontuais como a tarefa 4, por exemplo, parece ter havido algum tipo de estagnação ou recorrência a conhecimentos prévios anteriores à UEPS, o que é uma evidência de recorrência a modos de conceitualização antigos, provavelmente esquemas construídos no Ensino Médio ou mesmo através de assimilação mecânica durante a própria UEPS. Em estudos posteriores pretende-se modificar os pontos destacados como potencialmente problemáticos na proposta, a exemplo do caso do conceito de diferença de potencial. Por outro lado, foi possível facilitar a compreensão de conceitos difíceis como condutores, dielétricos, campo elétrico, força elétrica e carga elétrica durante a proposta, de modo a prover oportunidade de evolução conceitual em direção ao modelo de campo aceito a nível de Física Geral III para ambas as turmas. Tal conclusão estende-se para as duas classes de situações apresentadas, a saber, Γ e B. Do ponto de vista das facetas de Nousianen e Koponen [6][6] M. Nousiainen e I. Koponen, European Journal of Science and Mathematics Education 5, 74 (2017)., os alunos adquiriram boa compreensão sobre as facetas força e fonte, e compreensão razoável sobre a faceta energia. Guisasola e colegas [26][26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008). já pontuavam que este é um feito muito difícil de ser conseguido, então o consideramos um grande avanço e, portanto, um argumento forte a favor das UEPS.

Um ponto a chamar atenção é a existência de avanços e retrocessos nos processos de aprendizagem: os alunos chegam com conhecimentos prévios essencialmente diferentes, ontologicamente e epistemologicamente, dos que deveriam aprender. Da avaliação diagnóstica para a tarefa 2 ocorreu avanço. No estudo I, da segunda atividade para a quarta houve avanço, enquanto no estudo II aconteceu uma estagnação. Por outro lado, da quarta tarefa para a quinta, no primeiro contexto, houve estagnação, enquanto no segundo foi impossível concluir sobre isto. Depois disto houve avanço e estabilização (de modos de conceitualização aprendidos) nas duas ocorrências até a avaliação somativa, evento no qual percebemos estabilização (e não estagnação – retorno a conhecimentos iniciais) do conhecimento adquirido para a maioria (mais que seis décimos, em geral) dos alunos e estagnação para a minoria, o que mostra regularidades importantes.

Perspectivas futuras para este trabalho envolvem a aplicação de estudo quase-experimental para comparar os efeitos das UEPS e do Ensino Tradicional tanto de maneira quantitativa (com o uso de estatística não-paramétrica) quanto de forma qualitativa (de maneira semelhante à usada neste trabalho), afinal nesta pesquisa não se mostra que as UEPS sejam superiores ao Ensino Tradicional, mas antes são trazidas evidências de que são providas condições para que os alunos desenvolvam novas formas de conceitualização mais próximas das científicas. Para fazer uma comparação indireta, baseamo-nos nos diversos resultados empíricos apontando que o Ensino Tradicional não fornece, vias de regra, tais condições necessárias para tal, mas para fazermos um contraste direto, é preciso aplicar ambas as metodologias e analisar se há diferenças estatisticamente significativas na performance dos alunos.

Tem-se, também, como objetivos para próximos trabalhos estudar a influência das situações na conceitualização através da determinação de relações entre as classes de situações do campo conceitual da eletrostática [24][24] G.C. Pantoja, Unidades de ensino potencialmente significativas em teoria eletromagnética: influências na aprendizagem de alunos de graduação e uma proposta inicial de um campo conceitual para o conceito de campo eletromagnético. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2015). e modos de conceitualização (ou esquemas, se for o caso) empregados pelos estudantes. Neste cenário, os invariantes operatórios (teoremas-em-ação e conceitos-em-ação) medeiam a conceitualização, pois permitem representar, significar e selecionar de objetos, variáveis e incógnitas das situações, bem como o estabelecimento da relação entre elas por meio das regras de ação, da enumeração de metas e das inferências que conduzem ao domínio o não da situação. Como o escopo deste trabalho era analisar a eficácia das UEPS a forma pela qual ocorreram os processos de conceitualização em UEPS sobre eletrostática, trazer mais esta questão aumentaria demais a extensão do trabalho. Para esclarecer inicialmente o leitor sobre esta próxima meta, apresentamos um resumo desta proposta na forma de um diagrama (figura 1).

Figura 1
Diagrama do mecanismo de interação esquema (modo de conceitualização) e situação

No que tange às contribuições para a área de Ensino de Ciências, este trabalho traz três: uma abordagem inicial à definição da Aprendizagem Significativa na etapa operatória do conhecimento com a proposição do conceito de modo de conceitualização, uma vez que a Aprendizagem Significativa é definida por Ausubel [9][9] M.C. Pocovi e F. Finley, Science Education 12, 387 (2003). como sendo processo explícito, consciente, claro e diferenciado na estrutura cognitiva, ou seja, Aprendizagem Significativa, na sua visão original ocorre somente na etapa predicativa do conhecimento, isto é, verbal-representacional; ocorrência de eventos como hibridização [27][27] G. Kalkanis, P. Hadzidaki e D. Stravou, Science Education 87, 257 (2003)., transferência e generalização de conceitos e de modos de conceitualização em algumas situações como, por exemplo, nas tarefas 7 e 8, quando maior parte dos alunos consegue relacionar o tratamento de condutores e de isolantes ao conceito de campo elétrico, o que dificilmente é alcançado no Ensino Tradicional [1[1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999).,4[4] A.M. Criado e A. García-Carmona, International Journal of Science Education 32 769 (2010).,26[26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008).]; evidências de que as UEPS não somente facilitam aquisição significativa na etapa predicativa do conhecimento [11[11] R.R. Lopes, Conceitos de eletricidade e suas aplicações tecnológicas em uma unidade de ensino potencialmente significativa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (2014).[12] P.M. Barros, Construção de uma unidade de ensino potencialmente significativa sobre conceitos de eletrodinâmica. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília (2015).[13] M.O. Rocha, O conceito de Campo no eletromagnetismo: uma unidade de ensino potencialmente significativa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória 2015.[14] C. Tres e S.A. Santos, Cadernos PDE 1, 1 (2016).-15[15] C.B. Spohr, I.K. Garcia e M.C.P. Santarosa, Investigações em Ensino de Ciências 22 162 (2017).] como também permitem a evolução de conhecimento implícito, vinculado à ação, fundamental para a explicitação de teoremas-em-ação implícitos, o que possibilita a discussão e negociação de significados para a construção de novos conhecimentos mais próximos dos científicos [18][18] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 12, 285 (2007)..

Agradecimentos

O primeiro autor deste trabalho agradece à professora Eliane Angela Veit por encorajá-lo a não deixar os resultados desta pesquisa numa gaveta, literalmente.

Referências

  • [1] C. Furió e J. Guisasola, Enseñanza de las Ciencias 17, 441 (1999).
  • [2] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em revista 1 43 (2011).
  • [3] Y. Cao e B. Brizuela, Physical Review Physics Education Research 16 020102 (2016).
  • [4] A.M. Criado e A. García-Carmona, International Journal of Science Education 32 769 (2010).
  • [5] J. Shen e M.C. Linn, International Journal of Science Education 33, 1597 (2011).
  • [6] M. Nousiainen e I. Koponen, European Journal of Science and Mathematics Education 5, 74 (2017).
  • [7] E. Turkkan, Journal of Education and Training Studies 5, 146 (2017).
  • [8] A.F. Chalmers, O que é Ciência Afinal? (Editora da UNB, Brasília, 1996).
  • [9] M.C. Pocovi e F. Finley, Science Education 12, 387 (2003).
  • [10] D. Ausubel, The acquisition and retention of knowledge: a cognitive View (Kluwer Academic Press, Dordrecht, 2000).
  • [11] R.R. Lopes, Conceitos de eletricidade e suas aplicações tecnológicas em uma unidade de ensino potencialmente significativa Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (2014).
  • [12] P.M. Barros, Construção de uma unidade de ensino potencialmente significativa sobre conceitos de eletrodinâmica Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília (2015).
  • [13] M.O. Rocha, O conceito de Campo no eletromagnetismo: uma unidade de ensino potencialmente significativa Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória 2015.
  • [14] C. Tres e S.A. Santos, Cadernos PDE 1, 1 (2016).
  • [15] C.B. Spohr, I.K. Garcia e M.C.P. Santarosa, Investigações em Ensino de Ciências 22 162 (2017).
  • [16] G. Vergnaud, Human development 52, 83 (2009).
  • [17] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 17, 287 (2012).
  • [18] G. Vergnaud, Investigações em Ensino de Ciências 12, 285 (2007).
  • [19] M.A. Fanaro, M.R., Otero e M.A. Moreira, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 9, 3 (2011).
  • [20] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 14, 1 (2019).
  • [21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017).
  • [22] J. Martin e J. Solbes, J Enseñanza de las Ciencias 19, 393 (2001).
  • [23] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, Lisboa, 2008).
  • [24] G.C. Pantoja, Unidades de ensino potencialmente significativas em teoria eletromagnética: influências na aprendizagem de alunos de graduação e uma proposta inicial de um campo conceitual para o conceito de campo eletromagnético Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2015).
  • [25] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin-American Journal of Physics Education 13, 4304 (2019).
  • [26] J. Guisasola, J. Almudí, J. Salinas, K. Zuza e M. Cerberio, European Journal of Physics 29, 1005 (2008).
  • [27] G. Kalkanis, P. Hadzidaki e D. Stravou, Science Education 87, 257 (2003).
  • 1
    Equivalente ao Ensino Médio no Brasil.
  • 2
    Em geral, usa-se a denominação campo eletrostático para referir-se a este campo, mas preferimos aqui a denominação encurtada “campo elétrico”. Neste trabalho, a expressão campo elétrico está restrita a este contexto (eletrostática). Em outros trabalhos abordaremos a conceitualização do conceito de campo elétrico em contextos além do da eletrostática.
  • 3
    Representações linguísticas, simbólicas, gestuais, matemáticas.
  • 4
    Como foi possível levar em conta o conhecimento prévio do aluno? Foram encontradas evidências a partir da atividade inicial. Na primeira atividade, os estudantes tinham possibilidade de externar o conhecimento prévio ou utiliza-lo em ação. Isto tornou possível construir certas inferências acerca dos modos de conceitualização usados por eles. Usou-se, também, dados da revisão da literatura e de estudo anterior [21][21] G.C. Pantoja e M.A. Moreira, Latin American Journal of Physics Education 11, 1302 (2017). para buscar uma aproximação inicial de possibilidades para descrever as formas de conceitualização.
  • 5
    Podem ser encontradas no link.
  • 6
    Podem ser encontradas no link link.
  • 7
    Neste trabalho, descreve-se como foi abordado os conceitos de campo vetorial e campo escalar em uma UEPS, tomando como casos particulares o campo gravitacional e campos de velocidades em fluidos. Este foi o ponto de partida do curso e tornou possível verificar que a suposição adotada sobre o conhecimento prévio dos estudantes foi frutífera.
  • 8
    Comunicação pessoal com o então coordenador do programa de Ciência e Tecnologia da Universidade e com os próprios estudantes da turma.
  • 9
    A conceitualização junta aspectos linguístico-representacionais (explícitos) e de ação (implícitos), desta forma, embora os invariantes operatórios apresentados estejam em forma explícita, a análise foi feita de forma que o modo de conceitualização levasse em conta ambos os aspectos.
  • 10
    Em cada aula eram apresentadas cerca de 4 situações. As mais frequentes eram, em sequência: Γ, Δ, B, A.
  • 11
    Entenda-se energia potencial elétrica, dado o caráter conservativo do campo elétrico.
  • 12
    Permite a descrição matemática do campo elétrico como o negativo do gradiente do potencial elétrico.
  • 13
    Fluxo elétrico do campo elétrico da caixa no seu interior.
  • 14
    Primeiro autor do trabalho.
  • 15
    Este grupo de situações só foi proposto aos alunos do estudo I, pois queríamos estudar mais os outros grupos de situações apresentados no estudo II. A lista de tarefas pode ser recuperada no link.
  • 16
    Em situações deste tipo a análise cientificamente aceita é a de se considerar o fim da corrente elétrica quando cessa a diferença de potencial, ou seja, ao invés de as cargas serem as mesmas, o potencial é o mesmo nas esferas (ver link).
  • 17
    Os conhecimentos apresentados já haviam sido mapeados no pré-teste, portanto, julgamos uma adaptação destes esquemas à situação apresentada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2020
  • Aceito
    12 Ago 2020
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