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Unidade de Ensino Potencialmente Significativa sobre óptica geométrica apoiada por vídeos, aplicativos e jogos para smartphones

Potentially Meaningful Teaching Unit on Geometric Optics supported by videos, apps and games for smartphones

Resumo

O perfil dos estudantes na era da cultura digital mudou drasticamente, promovendo deslocamento de elementos que possibilitam o engajamento ao ensino adotado. Entretanto, mantém-se a necessidade de se buscar a aprendizagem significativa, capaz de superar a aprendizagem mecânica que grassa pelo sistema educacional brasileiro. Para isso, é necessário articular elementos e procedimentos tanto das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação quanto das estratégias ativas que fomentem aprendizagem significativa. Neste trabalho, é apresentada, discutida e avaliada uma sequência didática sobre óptica geométrica que abrange grande parte do conteúdo usualmente apresentado no Ensino Médio. Faz-se uso de vídeos, aplicativos e jogos para smartphones, modulados por uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativas (UEPS), articulando aprendizagem significativa no contexto concreto da construção de um material instrucional. Também são referenciados mecanismos e estratégias que podem incorporar metodologias ativas no contexto da UEPS. A sequência didática foi aplicada a um conjunto de alunos do Ensino Médio e os resultados são apresentados, juntamente à análise reflexiva da aplicação e a sugestões de aprimoramento. De maneira geral, a UEPS produziu diversos indícios de aprendizagem significativa e acredita-se que, a partir das sugestões de aprimoramento, é capaz de possibilitar mais episódios de aprendizagem significativa nos estudantes.

Palavras-chave:
TDIC; UEPS; Aprendizagem significativa; Óptica geométrica

Abstract

The profile of students in the era of digital culture has drastically changed, which shifted the elements that enable their engagement to the adopted teaching methods. However, the need to seek meaningful learning of students in this context, capable of overcoming the mechanical learning that rages through the Brazilian educational system, remains. It is important to articulate elements and procedures of both Digital Information and Communication Technologies and active strategies capable of producing meaningful learning. In this paper, we present a didactic sequence about geometric optics that covers a large part of the content usually presented in high school. Smartphone games, apps and videos are used, modulated by the use of a didactic sequence based on Potentially Meaningful Teaching Units (PMTU), which articulates meaningful learning in the concrete context of the construction of an instructional material. Mechanisms and strategies that can incorporate active methodologies in the context of PMTU are also referenced. The didactic sequence was applied to a group of high school students and the results are presented, along with a reflexive analysis of the application and suggestions for improvement. Overall, PMTU has produced several indications of meaningful learning and it is believed that from the suggestions for improvement, it is capable of engaging students in more episodes of meaningful learning.

Keywords:
DICT; PMTU; Meaningful learning; Geometric optics

1. Introdução

A educação do século XXI tem, entre outros desafios, o reconhecimento do perfil de estudante pertencente a uma sociedade midiática, perpassada pela cultura digital. Pierre Lévy [1][1] P. Lévy, As tecnologias da inteligência - O futuro do pensamento na era da informática (Editora 34, São Paulo, 1993)., em contribuição à discussão sobre a influência da cibercultura na cognição dos sujeitos, ressalta o papel das tecnologias e das redes comunicacionais que as integram digitalmente. No âmbito educacional, para Prensky [2][2] M. Prensky, On the horizon 9, 5 (2001)., os “[…] alunos mudaram radicalmente. […] não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi criado”.

Há de se reconhecer, de forma destacada, que tal fenômeno promove deslocamentos no campo de pesquisa em ensino de física, tendo em vista o desenvolvimento e a popularização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) nos processos de ensino e aprendizagem na área. O que se põe claramente em questão é a demanda1 1 Essa demanda, para nós, é de cunho não apenas metodológico, mas, sobretudo, teórico, visto que a inobservância e a malversação do uso de TDIC parecem ter origem na incompreensão de sua potência na construção de determinado processo pedagógico ou, no limite, na tentativa de reduzi-la a um procedimental didático perfunctório. para que a formação inicial e continuada de professores, bem como a pesquisa e o desenvolvimento educacional, passem a integrá-las com o vigor necessário, como forma de mediação pedagógica. Tais processos têm se efetivado na área de ensino de física, em que se articulam – e mesmo se confrontam –, por um lado, a natureza empírica e metódica da área do saber e, por outro, o que se pode definir como sua tradição didática.

Exemplos de tecnologias pertinentes à mediação dos processos de ensino e aprendizagem de estudantes imersos nessa cultura digital são os jogos digitais [2][2] M. Prensky, On the horizon 9, 5 (2001).. De acordo com Gee [3][3] J.P. Gee, Perspectiva 27, 1 (2009)., eles são considerados uma potente ferramenta de ensino, pois apresentam elementos que, se bem articulados, poderiam contribuir para a aprendizagem. O autor apresenta princípios de aprendizagem contidos nesses recursos, dentre os quais: 1) os riscos (a possibilidade de falhar sem ser punido gravemente); 2) a ordenação hierárquica dos problemas (institui problemas em nível crescente de complexidade); e 3) o envolvimento de desafio e consolidação (há sempre um obstáculo ultrapassável).

Pesquisas na área de ensino de física problematizam a validade do uso pedagógico de jogos, como se pode verificar nos trabalhos de Sun, Ye e Wang [4][4] C.T. Sun, S.H. Ye e Y.J. Wang, Computers & Education 88 169 (2015)., que utilizaram as versões de Cut the Rope e Angry Birds Space ambientadas em plataformas móveis para o desenvolvimento de conceitos acerca de pêndulos e do movimento circular, com estudantes de nível superior. Ferreira [5][5] A.S.P. Ferreira, O jogo angry birds space como ferramenta pedagógica para o ensino de física: Estudo aplicado na EEEFM Pedro Targino da Costa Moreira em Cacimba de Dentro-PB. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2017. investigou e concluiu que o jogo Angry Birds Space pode ser usado para aumentar a motivação de estudantes e minimizar dificuldades comuns no ensino de conceitos de gravitação. Costa e Ramos [6][6] O.S. Costa e E.M.F. Ramos, Revista de Enseñanza de la Física 27, 2 (2015). investigaram a possibilidade de uso dos jogos Screamride e Powerstar Golf para o desenvolvimento de conceitos acerca do lançamento de projéteis, apresentando algumas possibilidades para seus usos em aulas de física.

Além desses autores, Clark e cols. [7][7] D.B. Clark, B.C. Nelson, H. Chang, M. Martinez-Garza, K. Slack e C.M. D'Angelo, Computers & Education 57, 3 (2011). desenvolveram um jogo digital para ensinar conceitos de mecânica newtoniana e aplicaram-no em um total de 280 estudantes de escolas de Taiwan e dos Estados Unidos, concluindo que o uso desse recurso digital no ensino de física possui um grande potencial para aumentar o engajamento dos estudantes durante as aulas. Anderson e Barnett [8][8] J.L. Anderson e M. Barnett, Journal of science education and technology 22, 6 (2013). utilizaram o jogo Supercharged! para ensinar conceitos de eletromagnetismo a estudantes de uma escola secundária dos Estados Unidos e concluíram que isso proporcionou, nos estudantes, a possibilidade da construção de uma descrição mais elaborada a respeito de campos elétricos e da relação entre a distância e a força de interação entre duas cargas elétricas.

Trabalhos desenvolvidos no âmbito do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF)2 2 Programa de Pós-Graduação em rede, coordenado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), que conta, atualmente, com a adesão de 58 instituições públicas de ensino superior em todas as regiões geográficas, constituindo-se como a maior e mais bem articulada ação de formação continuada de professores de física do Brasil. Nesse programa, para a obtenção do título de mestre, faz-se necessário apresentar, juntamente com a dissertação, um material instrucional efetivamente aplicado e avaliado no contexto da sala de aula da educação básica. também fornecem resultados que ajudam a validar o uso de jogos digitais no ensino de física. Riboldi [9][9] B.M. Riboldi, A construção de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) para ensinar relatividade utilizando animações e o game A slower speed of light. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. utilizou um jogo educacional desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) para ensinar conceitos de relatividade restrita a alunos do primeiro ano do Ensino Médio, concluindo que seu uso influenciou diretamente no engajamento durante as aulas, bem como no desenvolvimento dos conceitos abordados.

Um aumento significativo no envolvimento dos estudantes nas aulas de física apoiadas por jogos digitais também foi um resultado obtido por Zahaila [10][10] W.D.P. Zahaila, Atividades experimentais virtuais usando o game Portal 2. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André, 2017., que utilizou o jogo Portal 2 como uma alternativa ao laboratório tradicional de física na realização de atividades experimentais em mecânica. Oliveira [11][11] J.R. Oliveira, Games Digitais: Uma Abordagem de Física de Partículas Elementares no Ensino Médio. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, 2018. desenvolveu um jogo para ensinar conceitos de física de partículas elementares e observou, além de aumento na mobilização dos estudantes participantes de sua pesquisa, que a aprendizagem baseada em jogos digitais está em consonância com as necessidades da geração imersa na cultura digital. Galvão [12][12] A.P.N.C. Galvão, Gamificação no Scratch como recursos para aprendizagem potencialmente significativa no ensino da Física: lançamento de projéteis. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Marabá, 2017. utilizou os princípios físicos e a estrutura do jogo Angry Birds para fazer com que seus estudantes desenvolvessem um jogo para explorar conceitos de lançamento de projéteis, concluindo que esse processo foi determinante para a eficácia no aprendizado de física.

Considera-se, assim, que a aprendizagem de conceitos relacionados à óptica geométrica por estudantes do Ensino Médio poderia, igualmente, ser facilitada pelo do uso de TDIC [13[13] V. Heckler, M.F.O. Saraiva e K.S. Oliveira Filho, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 2 (2007). [14] E.B. Lopes, Refração e o ensino de óptica. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. [15] J. Silva, G.L. Sales, E. Leite e L. Pontello, in Anais do XXI Workshop de Informática na Escola (Sociedade Brasileira de Computação, Maceió, 2015), p. 385.-16[16] J.A.P. Angotti, Ensino de Física com TDIC (UFSC/EAD/CFM/CED, Florianópolis, 2015).], uma vez que simulações, jogos, vídeos e imagens encontradas na internet podem, por exemplo, envolver representações e modelos que contenham elementos inacessíveis cognitivamente em primeira instância (exemplo disso é a dificuldade típica que os estudantes têm de imaginar o efeito de um raio de luz – ou um conjunto deles – na formação de uma imagem, vendo-a ou não).

As características de um jogo digital e suas possibilidades de uso pedagógico concorrem para a ideia de que eles podem ter um papel na construção de sentidos. Tal associação pode se materializar, cognitivamente, como saber arbitrário e não-literal (aprendizagem mecânica), etapa preliminar de aprendizagem (conhecimento prévio/subsunçor) e/ou elemento que viabiliza o acesso a um conhecimento abstrato (organizador prévio3 3 No que podemos classificar como sua teoria de assimilação, Ausubel define como advanced organizer — literalmente, “organizador avançado” — o dispositivo que desempenha um papel estruturante de um processo cognitivo. Nas traduções para a língua portuguesa, autores como Moreira [17] preferiram denominá-lo de “organizador prévio”. Isso se deu para prover melhor acepção, sem prejuízo à conotação original do termo. ) e/ou como matéria de ensino com potencial de significação (material potencialmente significativo) e/ou na hierarquização em crescente complexidade de esquemas de significação (situações-problema) e/ou na possibilidade de tradução e recontextualização de conhecimentos (proposicionamento significativo).

Exemplo dessa versatilidade de aplicações teórico-metodológicas pode ser encontrado, hipoteticamente, em um jogo digital que articule conceitos físicos. O empreendimento pode auxiliar na apreensão mecânica de determinados sentidos, no favorecimento ao acesso de outros, como matéria de ensino propriamente dita, como solucionário de questões/problemas hierarquicamente constituídos ou como meio de expressão organizada e com significados do conhecimento.

Esses elementos são aqueles mesmos que encontramos em Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968). e Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). para definir e caracterizar a aprendizagem significativa. Sua operacionalização didática pode se dar por meio do desenvolvimento do que Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). definiu como Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS), cujos traçados mais determinantes são apresentados na próxima seção.

Assim sendo, a seção 2 apresenta o referencial teórico referente à construção didática de uma articulação entre jogos digitais e óptica geométrica, descrevendo as UEPS no contexto da aprendizagem significativa. A seção 3 especifica o referencial, fazendo-o incidir sobre o conteúdo específico deste trabalho. A seção 4 apresenta uma análise dos resultados da aplicação da sequência didática proposta a alunos do Ensino Médio e a seção 5 traz algumas possíveis extensões para a UEPS. Finalmente, na seção 6, são tecidas as considerações finais referentes ao movimento de construção e análise da UEPS apresentada.

Este artigo tem como objetivo, por fim, de descrever uma UEPS para o ensino de óptica geométrica, seu movimento de construção, reflexões e possibilidades, para que outros professores sejam capazes de replicá-la, adaptá-la ou aprimorá-la, de acordo com suas necessidades e contextos.

2. Aprendizagem significativa e Unidades de Ensino Potencialmente Significativas

A teoria da aprendizagem significativa, desenvolvida por Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968)., é classificada como cognitivista, pois credita o processo de aprendizagem como resultado da interação e da organização de material instrucional na estrutura cognitiva do indivíduo [20][20] M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (Editora Pedagógica e Universitária, São Paulo, 1999).. A teoria, inicialmente, assume que o principal fator influenciador da aprendizagem é a quantidade, a clareza e a organização do que já é conhecido pelo estudante. O segundo aspecto é a natureza do material de ensino, que deve se relacionar com a estrutura cognitiva de maneira substantiva, isto é, o significado de um conceito não deve se alterar, mesmo que o léxico utilizado para o definir se modifique. A relação entre o material e a estrutura cognitiva também deve ser não-arbitrária, isto é, aquele que busca aprender não deve memorizar conceitos e proposições de maneira aleatória e sem relevância, sem que se depreendam significados no que está aprendendo. O material que possui essas qualidades é chamado de potencialmente significativo [21][21] D.P. Ausubel e F.G. Robinson, School learning: An introduction to educational psychology (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1969)..

Ausubel e Robinson [21][21] D.P. Ausubel e F.G. Robinson, School learning: An introduction to educational psychology (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1969). também destacam que, além dos dois aspectos anteriormente citados, a aprendizagem significativa depende da vontade do estudante de relacionar o material com os conhecimentos preestabelecidos em sua estrutura cognitiva, isto é, o sujeito deve possuir uma predisposição para o aprendizado. Segundo Moreira e Masini:

[…] independentemente de quão potencialmente significativo seja o material a ser aprendido, se a intenção do aprendiz é, simplesmente, a de memorizá-lo arbitrária e literalmente, tanto o processo de aprendizagem como seu produto serão mecânicos ou sem significado. (Reciprocamen-te, independente de quão predisposto para aprender estiver o indivíduo, nem o processo nem o produto serão significativos se o material não for potencialmente significativo). [22][22] M.A. Moreira e E.F.S. Masini, Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel (Centauro, São Paulo, 1982).

Dessa maneira, a questão do engajamento do estudante relativamente às técnicas e estratégias de ensino é elemento crucial para que a aprendizagem significativa seja bem-sucedida. O engajamento pode ser compreendido como a disposição em participar da rotina das atividades escolares, realizar as tarefas, seguir as instruções dos professores, ser pontual, interagir positivamente com professores e pares, fazer perguntas para entender conceitos, persistir em tarefas difíceis, buscar materiais para aprofundamento, revisar o material aprendido anteriormente e sentir-se incluído na comunidade escolar [23[23] E. Chapman Practical Assessment, Research & Evaluation 8, 13 (2003)., 24[24] S.L. Christenson, A.L. Reschly e C. Wylie, Handbook of research on student engagement (Springer, Nova Iorque, 2012).].

O objetivo da aprendizagem significativa é, nessa perspectiva, incorporar significados nas estruturas cognitivas, baseando-se na relação entre as experiências passadas e o material potencialmente significativo, fazendo com que o estudante adquira a capacidade de formular soluções de mesma natureza ou categoria em situações distintas daquelas em que o ensino se deu. Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968). define que esse significado é o produto do processo de aprendizagem significativa, em que todos os recursos, lembranças e referências são ativados na estrutura cognitiva do indivíduo quando ele é exposto a determinado símbolo, grupo de símbolos ou expressões.

No processo de aprendizagem significativa, o estudante é exposto a novas informações, potencialmente relevantes, que interagem com uma estrutura de conhecimento específica, denominada subsunçor. Este se configura como uma substrutura de assimilação cognitiva cuja execução pressupõe a aglutinação de objetos conceituais de maior especificidade. Ele possui algum vínculo relacional com o conteúdo de ensino e é integrante da estrutura cognitiva do estudante, servindo de apoio para a criação de outros significados [25][25] M.A. Moreira, Uma abordagem cognitivista ao ensino da Física: a teoria de aprendizagem de David Ausubel como sistema de referência para a organização do ensino de ciências (Editora da Universidade, Porto Alegre, 1983)..

Existem situações em que os estudantes não apresentam os subsunçores necessários ou desejados para o aprendizado de certo conteúdo, ou mesmo estes não se encontram totalmente preparados para ancorar o novo aprendizado. Nesse caso, Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968). argumenta que é possível construir ou modular os subsunçores adotando-se um material introdutório, relevante, claro e estável, chamado de organizador prévio.

Tal recurso constitui-se em um nível mais alto de abstração, generalidade e inclusividade do que o conhecimento que se pretende acessar, com capacidade de qualificação da organização das ideias, além de preparo e fortalecimento da estrutura cognitiva. O seu uso é baseado, principalmente, em: a) a importância das ideias relevantes e apropriadas já estabelecidas na estrutura cognitiva, para torná-las potencialmente significativas e proporcionar apoio estável ao novo conhecimento; b) utilizar um material mais geral e inclusivo do que os subsunçores é mais vantajoso, devido a maior estabilidade, poder de explicação e capacidade de integração à estrutura cognitiva; e c) tentar identificar aspectos relevantes para o ensino na estrutura cognitiva e explicitar a sua relação com o material instrucional.

Dois processos relacionados entre si surgem durante a aprendizagem significativa: a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa [25][25] M.A. Moreira, Uma abordagem cognitivista ao ensino da Física: a teoria de aprendizagem de David Ausubel como sistema de referência para a organização do ensino de ciências (Editora da Universidade, Porto Alegre, 1983).. Segundo Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968)., a diferenciação progressiva acontece quando ideias mais gerais e inclusivas de determinada área do conhecimento são apresentadas primeiro aos estudantes e, então, detalhadas e diferenciadas progressivamente ao longo do processo de ensino e aprendizagem. Essa ordem de exposição ao conteúdo de ensino, partindo de ideias gerais para específicas, é presumivelmente similar à sequência natural de aprendizagem da estrutura cognitiva de um indivíduo quando é exposto a algo desconhecido. A reconciliação integrativa faz o caminho inverso, buscando reintegrar os elementos conceituais agora mais aprofundados, mas também mais dispersos, em um todo coeso e consistente.

Tendo em vista a natureza abstrata da teoria da aprendizagem significativa, cujo assentamento epistemológico é da ordem da psicologia cognitivista, não é trivial formular um procedimento didático que acesse tal nível de significação. O desafio que se coloca é o de tentar traduzi-la na organização de uma sequência didática em física, aqui entendida como uma unidade, “[…] um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” [26][26] J. Dolz, M. Noverraz e B. Schneuwly, in Gêneros orais e escritos na escola, organizado por R. Rojo e G.S. Cordeiro (Mercado de Letras, Campinas, 2004).. Ferreira e Silva Filho [27][27] M. Ferreira and O.L. Silva Filho, Physicae Organum 5, 1 (2019). corroboram essa ideia ao afirmar que “as fases coordenadas da aula envolvem a anunciação de problemas e objetivos e o contato articulado entre conhecimentos prévios e ensino dos novos assuntos, atravessadas por formas de controle e avaliação”. Uma maneira de realizar essa tarefa é adotar a estrutura sugerida por Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). para a produção de uma UEPS.

Essa organização, tal como proposta por Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011)., é uma sequência didática que propõe possibilitar àqueles a ela submetidos uma aprendizagem significativa, caso haja da parte deles o devido engajamento. Sua fundamentação teórica ocorre principalmente na teoria da aprendizagem significativa de Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968)., contando com elementos presentes em outras contribuições nos campos do desenvolvimento e da cognição, como a teoria interacionista social de Vygotsky [28][28] L. Vygotsky, Pensamento e linguagem (Martins Fontes, São Paulo, 1987)., as teorias de educação de Novak [29][29] J.D. Novak, A theory of education (Cornell University Press, Ithaca, 1977). e de Gowin [30][30] D.B. Gowin, Educating (Cornell University Press, Ithaca, 1981)., a teoria dos campos conceituais de Vergnaud [31][31] G. Vergnaud, Récherches em Didactique des Mathématiques 10, 23 (1990)., a teoria da aprendizagem significativa crítica de Moreira [32][32] M.A. Moreira, Aprendizagem significativa crítica (Instituto de Física da UFRGS, Porto Alegre, 2005). e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird [33][33] P.N. Johnson-Laird, Mental models (Harvard University Press, Cambridge, 1983)..

Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). apresenta oito características que uma UEPS deve conter. A primeira é “[…] definir o tópico a ser abordado, identificando seus aspectos declarativos e procedimentais tais como aceitos no contexto da matéria de ensino na qual se insere esse tópico” [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011).. Ausubel [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968)., Moreira [25][25] M.A. Moreira, Uma abordagem cognitivista ao ensino da Física: a teoria de aprendizagem de David Ausubel como sistema de referência para a organização do ensino de ciências (Editora da Universidade, Porto Alegre, 1983)., e Novak, Gowin e Valadares [34][34] J.D. Novak, D.B. Gowin e C. Valadares, Aprender a aprender (Plátano Edições Técnicas, Lisboa, 1996). reconhecem que o primeiro passo para a formulação de qualquer material potencialmente significativo é a definição, clara e precisa, do tópico a ser ensinado. É apenas a partir da visão geral do que será ensinado que se pode definir quais subsunçores serão utilizados e traçar as estratégias necessárias.

Em função deste primeiro passo, deve-se sequentemente criar situações para investigar quais dos subsunçores desejáveis estão concretamente presentes na estrutura cognitiva dos estudantes [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). – trata-se, pois, de um elemento contextual. Idealmente, os conhecimentos prévios dos estudantes não são apenas mensurados no momento inicial da sequência didática, mas ao longo do processo.

Em seu terceiro momento, cabe a proposição de situações-problema em nível introdutório, podendo envolver o tópico de ensino, mas ainda sem tratá-lo na íntegra. Essas situações iniciais darão sentido a novos conhecimentos, uma vez que os estudantes devem percebê-las como problemas, e podem ser introduzidas por meio de vídeos, simulações computacionais, demonstrações ou de problemas clássicos da matéria de ensino.

Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). propõe que, na quarta etapa, após as situações-problema iniciais, o professor apresente o conteúdo de ensino, considerando a diferenciação progressiva. O professor deve atentar para essa parte da UEPS, pois o conteúdo precisa ser apresentado de tal maneira que não fomente uma simples memorização de conceitos, o que não favoreceria a criação de significados. Neste processo, releva criar meios que estimulem e exposição de perspectivas ao grupo, favorecendo a prevalência do indivíduo na sua aprendizagem. Esta é uma etapa especificamente analítica do processo.

A quinta característica sugere a retomada de aspectos mais gerais do conteúdo de ensino, propondo novas situações-problema, em maior nível de complexidade e abstração, com o intuito de promover a reconciliação integrativa. Desta maneira, à etapa anterior, de característica analítica, segue-se esta, de característica sintética.

Como sexta característica metodológica, Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011). indica que a conclusão da UEPS deve novamente contar com o processo de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa em nível maior de complexidade, com nova apresentação de aspectos relevantes do conteúdo ensinado e novas situações-problema.

A sétima e a oitava características dizem respeito à verificação de indícios da ocorrência de aprendizagem significativa. A avaliação ocorre ao longo das aulas e considerando o seu conjunto, tendo em vista elementos sugestivos, meramente presumíveis disso que está definido como aprendizagem significativa. A sua verificação não é, jamais, precisa, delineada ou assertiva, antes molecular, insidiosa e fugaz.

Exemplo disso é uma representação gráfica correta das situações propostas e a aplicação do que foi discutido em situações distintas, enfatizando que a aprendizagem tem caráter progressivo e, por isso, sua avaliação não deve se concentrar em comportamentos finais. É sugerido que esse processo seja feito a partir de uma avaliação somativa4 4 Neste trabalho, não entraremos no mérito de tais contribuições. Caso interesse, é possível verificar [19]. , no final da UEPS, composta de perguntas que busquem evidenciar a capacidade de transferência e recontextualização do conhecimento.

O uso de jogos no processo de ensino via UEPS incide, antes de tudo, no quesito “engajamento”, que pode ser considerado essencial para ativar a possibilidade de uma aprendizagem significativa. Assim, para o novo perfil do estudante, já mencionado, o uso desse recurso em alguma das articulações possíveis no contexto da aprendizagem significativa (criação de subsunçores, de organizadores prévios, de problematizações, entre outros) dá a esta aprendizagem o gatilho necessário para o engajamento dos envolvidos, além de cumprir papéis precípuos, como os mencionados, do ensino e da aprendizagem significativos.

Ainda no quesito engajamento, é digno de nota que o uso de tecnologias educacionais ativas, em conexão com o uso dos jogos digitais, pode impulsionar ainda mais a adesão dos alunos às estratégias adotadas para o ensino do tema. Assim, por exemplo, jogos digitais tendem a se prestar ao ensino por investigação pelo fato de serem manipuláveis, estabelecerem uma dimensão experimental nesse processo de manipulação e indicarem, se implementarem adequadamente os princípios físicos necessários, o comportamento natural dos sistemas a serem abordados.

3. Unidade de Ensino Potencialmente Significativa em Óptica Geométrica

Studart [35][35] N. Studart, in Anais do XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Livraria da Física, Uberlândia, 2015), p. 1. destaca que “[…] uma das maneiras de usar os jogos para fins educacionais é, de início, identificar aqueles disponíveis no mercado que satisfazem os objetivos de ensino e aprendizagem”. Ademais, atualmente no Brasil, existem mais smartphones do que brasileiros [36][36] https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa, acessado em 19/11/2019.
https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento...
– são cerca de 235 milhões de aparelhos. Disso decorre uma preferência natural por um jogo desenvolvido para plataforma móvel em relação a outro desenvolvido especificamente para computador ou um console dedicado a jogos.

Estes foram os critérios de partida utilizados para a seleção do jogo que integra a UEPS desenvolvida neste trabalho, em que se buscou um jogo em temática curricular cientificamente acurada5 5 Este é um problema significativo na circunscrição do uso de jogos digitais, com ou sem finalidade educacional precípua. A apropriação de modelos e representações, sempre presentes nesse tipo de recurso, constitui-se de uma clara vantagem pedagógica, mas também de um desafio epistemológico. As analogias, escalas, simplificações e relações adotadas em games padecem de um problema intrínseco e podem culminar em erros conceituais importantes. Este não é o objeto argumentativo deste trabalho, mas tal limitação não poderia deixar de ser, ao menos, referida. Para acessar uma discussão a esse respeito, ver [37]. , com o intuito de facilitar e fornecer condições para que ela possa ser replicada por outros interessados.

A UEPS em questão foi desenvolvida em um formato preliminar, aplicada e avaliada em duas turmas do segundo ano do Ensino Médio de uma rede privada de ensino do Distrito Federal, no período de agosto a outubro de 2018 e deu origem a uma dissertação [38][38] G.B. Franz O Ensino de Óptica Geométrica aopiado por mobile games. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.. A partir de seus resultados, contribuições e limitações, foi reformulada por seus autores.

A versão apresentada neste texto contém, portanto, pequenas alterações — meramente complementares — em relação àquela de que derivam a descrição e a discussão dos resultados, conforme apontado ao longo da descrição da UEPS e, particularmente, na seção 4. Elas incidem, sobretudo, na inserção de simulações e substituição de vídeos utilizados originalmente, a propósito de ampliar recursos audiovisuais e interativos, sem descaracterizar a proposição inaugural.

O jogo escolhido para ensinar óptica geométrica chama-se Glass e foi desenvolvido pelo pseudônimo cube3rd[39][39] http://cube3rd.blogspot.com/, acessado em 20/10/2019.
http://cube3rd.blogspot.com/...
para a plataforma móvel Android[40][40] https://apkfab.com/glass/com.cube3rd.glass, acessado em 19/01/2020.
https://apkfab.com/glass/com.cube3rd.gla...
. É do tipo quebra-cabeças, em que o jogador tem que desviar a trajetória de raios de luz, provenientes de certas fontes, até um receptor, utilizando espelhos planos, lentes convergentes e divergentes, prismas e divisores de raios, como pode ser observado na Figura 1. O jogo possui 91 fases distribuídas em nove conjuntos, cada qual compreendendo um fenômeno (e.g. refração) ou instrumento óptico (e.g. lentes divergentes ou convergentes) específico.

Figura 1
Etapa inicial do jogo.

A sequência didática descrita a seguir está organizada em quatro grupos de duas ou três aulas em torno de um mesmo tema (ou situação-problema), totalizando dez aulas de até 50 minutos. Pelo padrão curricular brasileiro, o ensino da óptica geométrica se dá no segundo ano do Ensino Médio, no intervalo de um bimestre (eventualmente trimestre), perfazendo um total aproximado de 14 a 16 aulas. Assim, a presente sequência pode contar com elementos adicionais (referidos na seção 5) capazes de agregar outros elementos fornecedores de significação e aprofundamento.

A organização da UEPS está resumida na Tabela 1 e, em seguida, cada grupo de aulas é detalhado em termos dos seus objetivos, das atividades e das avaliações desenvolvidas, seja para buscar a presença de subsunçores, de modo a iniciar as discussões pertinentes e proporcionarem situações de aprendizagem, seja para buscar indícios de aprendizagem significativa ao final das proposições.

Table 1
Resumo da UEPS.

3.1. Primeiro Tema – Refração da luz

O primeiro tema, previsto para ser discutido em duas aulas, tem como objetivo abordar a influência da luz e de seus fenômenos na concepção de obras de arte contemporâneas. Tais discussões permitirão ao professor estabelecer os subsunçores presentes nos estudantes e assegurar-se de que todos serão capazes de prosseguir com o processo de aprendizagem significativa.

A primeira aula se inicia com a apresentação de duas imagens de uma obra do artista Rashad Alakbarov, que utiliza luz como meio de construção artística (Figura 2). Elas servem como organizadores prévios para o ensino da refração da luz, pois mostram, de maneira geral e inclusiva, dois contextos artísticos distintos em que a refração da luz é utilizada.

Figura 2
Obra de Rashad Alakbarov (a) vista de frente e (b) vista em perspectiva.

Após observarem as imagens, os estudantes devem se reunir em grupos colaborativos e elaborar, em no máximo 20 minutos, um descritivo da obra, informando os materiais necessários, procedimentos de montagem e desenhando um esquema de formação da imagem. Essa primeira situação-problema, inserida pelo professor, tem como objetivo investigar a presença dos seguintes subsunçores nas estruturas cognitivas dos estudantes: (I) desvio da luz; (II) princípio da propagação retilínea da luz; (III) interferência do meio material na propagação da luz; (IV) ordem “fonte-objeto-anteparo” na formação de uma imagem e (V) fontes de luz.

Em seguida à entrega dos descritivos ao professor, é apresentada uma nova imagem aos estudantes; desta vez, uma fotografia feita pela fotógrafa americana Suzanne Saroff, que utiliza copos de água em sua série “Perspectiva” (Perspective), para criar efeitos de fragmentação de imagens, como pode ser observado na Figura 3. Após breve observação da fotografia, os estudantes, devem responder alguns questionamentos feitos pelo professor, acerca da formação da imagem capturada pela fotógrafa: O que faz com que a imagem fique distorcida como tal?, Por que as imagens nos copos possuem tamanhos diferentes?, Por que, ao passar pela água, a luz se comporta de maneira diferente?, Quais são os meios de propagação da luz presentes nesta imagem?, O que a água e o ar, por exemplo, têm de diferentes como meios de propagação da luz? As respostas podem ser anotadas no quadro e, nessa ocasião, o objetivo é a discussão entre os estudantes, devendo o professor agir como mediador no sentido de não deixar que a interação, com seu dinamismo, leve a uma dispersão do tema.

Figura 3
Fotografia de Suzanne Saroff.

Essa atividade tem como objetivo verificar a existência de conexão entre os subsunçores da primeira atividade e a estrutura cognitiva. Nas respostas, espera-se notar a percepção do desvio da luz como consequência da mudança de meio material, com base nas falas dos estudantes durante a mediação.

Por fim, o professor pede que cada grupo represente graficamente como a luz se propaga na situação da fotografia e lhe entregue as produções. Para facilitar o desenvolvimento dessa atividade, pode-se desenhar um esquema da situação e solicitar aos estudantes que nele representem os raios de luz ao passar do ar para a água e ao retornar para o ar, como mostra a Figura 4. Atividades como essa servem para a verificação dos primeiros indícios da aprendizagem significativa.

Figura 4
Sugestão de esquema da situação da fotografia.

A segunda aula começa com a retomada do efeito da lente cilíndrica apresentada ao final da aula anterior. Se possível, o professor pode realizá-lo em sala, com um copo transparente e algumas setas posicionadas atrás do copo. Alternativamente, é possível apresentar um vídeo online que represente o fenômeno6 6 Sugestões: https://youtu.be/W0VvsM2vawU; https://youtu.be/AiQHHHlboBM; https://youtu.be/wGgf9Qxr5oo . Tal discussão finda-se quando os estudantes forem capazes de representar corretamente o desvio dos raios de luz na situação representada.

Nessa fase, o professor pode apresentar o conceito de índice de refração, exemplificando-o a partir da simulação Desvio da Luz do projeto PhET [43][43] phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/bending-light.
phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/bendi...
, que desempenha o papel de organizador prévio. Idealmente, todos os estudantes poderiam abrir o aplicativo em seus dispositivos e manipulá-lo, mas isso pode também ser feito pelo professor, projetando-o em uma tela. É necessário que eles compreendam qualitativamente a relação entre o desvio e o índice de refração relativo entre os meios. Sugere-se que, após a aula, os estudantes produzam e entreguem ao professor um mapa conceitual com palavras surgidas no contexto das aulas e que tenham considerado importantes7 7 Pelas limitações de escopo deste trabalho, optamos por não desenvolver a discussão sobre mapas conceituais, embora a sua utilização seja relevante em face à caracterização de uma UEPS. Para acessar uma discussão mais específica e aprofundada, sugerimos ver [44]. . A análise desses mapas auxiliará o professor a compreender a evolução da estrutura cognitiva dos estudantes e o seu estado atual.

3.2. Segundo tema – Lei da refração e ângulo crítico

O segundo tema, previsto para ser abordado em duas aulas, tem como objetivo sistematizar o conhecimento acerca da refração, compreendendo, ao fim, como um peixe pode desaparecer do campo de visão de um observador em frente a um aquário esférico.

Na primeira aula, os estudantes são apresentados ao jogo Glass. Um exemplo de uma fase é apresentado na Figura 5.

Figura 5
Uma fase do jogo Glass.

Os estudantes, em grupos colaborativos, são desafiados a vencer o maior número de fases possíveis em até 20 minutos, enquanto identificam e anotam a função de cada objeto, como ele afeta a luz e se pode ser notada alguma inconsistência física no jogo. As fases do jogo assumem papel de organizador prévio, pois mobilizam os conceitos necessários para a compreensão dos fenômenos a serem discutidos.

Em seguida, os estudantes devem apresentar as suas observações ao professor, que, então, busca a presença dos subsunçores (i) interfaces entre meios materiais; (ii) lentes esféricas; e (iii) refração da luz. Por fim, ele deve projetar a simulação Desvio da luz novamente na tela e, dessa vez, discutir matematicamente a lei de Snell-Descartes, sugerindo-se apresentar ao menos dois exemplos.

A segunda aula começa com uma nova situação problema: o vídeo “o peixe que ‘sumiu’ no aquário!” [45][45] https://youtu.be/FO5v_tQANZE.
https://youtu.be/FO5v_tQANZE...
, a respeito de reflexão total, que é exibido aos estudantes. Ele apresenta o movimento de um peixe em um aquário esférico, destacando que, quando o animal se aproxima das laterais do recipiente, desaparece do campo de visão; o contrário ocorre quando se move em direção ao centro do recipiente. O professor solicita, então, que os estudantes, organizados em trios, representem graficamente como a luz se propagaria na situação do vídeo, com base no esquema da Figura 6, em que P é o ponto em que o peixe se localiza quando está invisível ao observador.

Figura 6
Esquema de representação do vídeo “o peixe que ‘sumiu’ no aquário!”.

Notamos que esta aula pode se beneficiar de uma abordagem ativa, do tipo ensino por investigação, uma vez que o fenômeno apresentado, assim como as discussões prévias, permitem a articulação de hipóteses e, inclusive, sua representação matemática. Na aplicação original, esta estratégia não foi adotada. Consideramos, entretanto, que sua adoção poderia implicar em um aumento ainda mais expressivo do engajamento dos estudantes.

De qualquer modo, utilizando-se, novamente, a simulação Desvio da Luz, o professor pode discutir o fenômeno da reflexão total da luz, incluindo suas condições necessárias, a parcela de luz refletida para ângulos menores que o crítico e como calculá-lo. Após a explicação, o professor deve solicitar que os estudantes refaçam o esquema que responde o problema do desparecimento do peixe do campo da visão.

A seguir, apresenta-se o vídeo “A luz que faz curva na água (EXPERIÊNCIA de FÍSICA)” [46][46] https://www.youtube.com/watch?v=F69tWoZa4ic.
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, que versa sobre a luz sofrendo reflexão total em um filamento de água, sendo feito um paralelo com o princípio de funcionamento físico da fibra óptica. Baseado no vídeo, o professor discute brevemente com os estudantes alguns usos da fibra óptica (levando alguns fios do material, se possível) e solicita que eles descubram quais materiais poderiam ser utilizados nas camadas externas e internas para fabricá-la com o menor ângulo crítico, tendo como base uma tabela com alguns meios materiais e seus respectivos índices de refração. Conforme os estudantes concluem que materiais deverão ser indicados para resolver o problema, o professor os questiona a respeito da possibilidade real de criar uma fibra óptica com os materiais fornecidos. Todo esse processo desempenha o papel de reconciliação integrativa na estrutura cognitiva dos estudantes.

Ao final da aula, o professor deve incentivar os estudantes a continuarem jogando o Glass em casa, com vistas à sua utilização nos encontros seguintes.

3.3. Terceiro tema – Dispersão e espalhamento

O terceiro tema, também previsto para ser tratado em duas aulas, procura refletir a respeito da dispersão e do espalhamento da luz, junto com dois fenômenos do cotidiano que são por eles explicados, o arco-íris e a coloração do céu.

A primeira aula se inicia novamente com o jogo Glass, com os estudantes jogando o conjunto de fases Dispersion. Ao se depararem com um prisma, os estudantes devem formular hipóteses sobre o motivo pela qual ele é capaz de dividir raios de luz em raios de diferentes cores. A estrutura da aula é, pois, de caráter investigativo, ensejando uma abordagem ativa de aprendizagem. A fim de contribuir com o processo de construção de hipóteses (e sua verificação), é possível utilizar também uma caneta laser, com intervalo de frequência muito menor, para comparação entre os resultados da dispersão.

A formulação de hipóteses segue com uma sistematização do conhecimento pelo professor, abordando a relação entre as frequências distintas em um feixe de luz branca e a velocidade da luz diferente para cada cor dentro do prisma.

Ao fim da discussão, o professor realiza uma adaptação da demonstração sugerida em Axt [47][47] R. Axt, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 7, 3 (1990)., em que um espelho côncavo é imerso em uma bacia com água e, com uma lanterna localizada fora dela, ilumina-se o espelho submerso (Figura 7). Por causa da dupla refração, ar-água e água-ar, é possível observar a dispersão da luz da lanterna projetada no teto da sala de aula, que deve estar com as luzes desligadas para melhor visualização.

Figura 7
Esquema da demonstração da dispersão da luz.

O professor, durante a demonstração, deve solicitar que os estudantes respondam aos seguintes questionamentos por escrito: (1) Por que o fenômeno observado apenas acontece quando o espelho está imerso na água? (2) Qual é o tipo de raio de luz proveniente da lanterna?

Além das respostas, pede-se que os estudantes tentem representar os raios de luz na situação demonstrada, com base no esquema da Figura 7. Tais avaliações são importantes para o professor buscar indícios de aprendizagem significativa e, se necessário, adaptar as práticas realizadas.

Na segunda aula, o professor expõe aos estudantes o fenômeno da formação do arco-íris e solicita que o representem em um papel, indicando como a luz é dispersada por uma gota d'água nessa ocorrência.

Em seguida, o professor pergunta aos estudantes: por que o céu é azul? Deve-se atentar para as respostas dos estudantes, registrando-as nos meios necessários para posterior análise. Após essa mediação inicial, realiza-se o experimento descrito por Ortiz, Laburú e Silva [48][48] A.J. Ortiz, C.E. Laburú e O.H.M. da Silva, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 27, 3 (2010)., iniciando um processo de diferenciação progressiva. Nesse experimento, uma lanterna é posicionada em frente a um recipiente transparente contendo uma solução de água com algumas gotas de leite. Pode-se observar que a luz da lanterna, ao atravessar o recipiente, possui uma cor azulada. Se um anteparo for colocado atrás do recipiente, uma luz mais avermelhada poderá ser observada. Caso o professor não tenha os recursos necessários para a realização do experimento, poderá mostrar um vídeo em que prática semelhante é realizada, como, por exemplo, o intitulado “Tema 14 - Espalhamento da luz | Experimentos - Espalhamento da luz” [49][49] https://youtu.be/sDcWsx00O48, acessado em 18/11/2019.
https://youtu.be/sDcWsx00O48...
.

Apoiando-se na realização do experimento, o professor discute com os estudantes o fenômeno do espalhamento da luz. Após a discussão, o professor deve retomar a pergunta lançada no começo da aula, comple- mentando-a: além da coloração do céu em um dia sem nuvens, os estudantes devem explicar por que o céu assume uma coloração avermelhada ao nascer e ao pôr do sol. Os estudantes devem anotar as suas hipóteses em uma folha, entregando-a para o professor ao término da aula.

3.4. Quarto tema – Lentes esféricas e óptica da visão humana

O último tema está previsto para ser discutido em três aulas. Ele tem como objetivo compreender o funcionamento de lentes esféricas e seus usos na correção de problemas da visão.

Os estudantes devem, no começo da aula, jogar novamente o jogo Glass, nas fases dos conjuntos Convergence e Divergence, que introduzem lentes convergentes e divergentes (Figura 8).

Figura 8
Fases Convergence_0 e Divergence_0 do jogo Glass.

Baseado nas considerações dos estudantes acerca dos motivos pelos quais as lentes desviariam a luz da forma observada no jogo, o professor pode discutir como a luz se comporta em cada lente, os elementos geométricos que formam uma lente esférica e as condições necessárias para considerar uma lente convergente ou divergente (índice de refração relativo entre lente e meio e o formato das bordas).

Com fundamento nessa discussão, pede-se para os estudantes caracterizarem as lentes do jogo em termos de seu índice de refração (maior ou menor que do meio).

No segundo encontro, como organizador prévio, os estudantes são convidados a manipularem livremente uma simulação feita na plataforma matemática GeoGebra[50][50] https://www.geogebra.org/.
https://www.geogebra.org/...
que representa um objeto, alguns raios de luz dele derivados, uma lente e sua imagem8 8 Diversas simulações feitas no GeoGebra permitem essa visualização. Sugere-se a seguinte: https://www.geogebra.org/m/cjHEW32U. Acesso em 24 nov. 2019. . Ao observarem o comportamento da imagem enquanto movimentam o objeto, é possível que o professor sistematize o conceito de imagem conjugada por uma lente esférica.

Em seguida, o professor deve pedir aos estudantes que, em grupos, representem como seria conjugada a imagem e as características de um objeto real colocado entre o foco e o ponto antiprincipal de uma lente convergente e divergente (como na Figura 9). Tal atividade também deve ser analisada pelo professor.

Figura 9
Situação-problema a ser representada pelos estudantes de um objeto em frente a uma lente convergente e divergente.

Com base na representação dos estudantes, é possível discutir brevemente a determinação analítica da imagem, a partir da equação de Gauss.

Na terceira e última aula, o professor pode apresentar o olho humano baseado no vídeo “Quais são as partes que compõe o olho humano?” [51][51] https://youtu.be/PFtVO-A7M5E, acessado em 18/11/2019.
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, que tem papel de organizador prévio para a ancoragem da aprendizagem acerca dos defeitos da visão. Assim, o professor pode detalhar algumas características do cristalino enquanto lente convergente e de distância focal variável.

Em seguida, faz-se a discussão de como a imagem é formada no olho humano e como se configuram os defeitos da visão. Outra simulação no GeoGebra pode auxiliar a discussão [52][52] https://www.geogebra.org/m/muTkwy8k, acessado em 18/11/2019.
https://www.geogebra.org/m/muTkwy8k...
, que pode tanto ser projetada quanto manipulada pelos estudantes. Nela, é possível observar como a imagem é formada na retina, podendo variar-se manualmente o foco do cristalino.

Baseando-se na discussão dos defeitos da visão, pede-se para os estudantes, em grupos, formularem hipóteses de como corrigir os problemas de foco associados à miopia e à hipermetropia. Após respondida a pergunta, o professor pode apresentar uma variação da simulação anterior [53][53] https://www.geogebra.org/m/qsxayttb, acessado em 18/11/2019.
https://www.geogebra.org/m/qsxayttb...
, que fornece complemento a ela, apresentando, agora, uma lente corretiva.

3.5. Avaliação geral da aprendizagem

Para a avaliação da aprendizagem dos estudantes ao final da UEPS, são propostas seis perguntas discursivas para serem respondidas individualmente:

Pergunta 1: Por que, ao observar o fundo de uma piscina quando estamos na sua beira, ela parece ser mais rasa do que realmente é?

Pergunta 2: Por que um peixe em um aquário esférico desaparece do campo de visão quando se aproxima das laterais do aquário?

Pergunta 3: Explique, com as suas palavras, como funciona uma fibra óptica.

Pergunta 4: Por que o céu apresenta diferentes cores em diferentes ocasiões?

Pergunta 5: Por que a água concentrada em grandes quantidades, nos oceanos por exemplo, apresenta uma cor azul?

Pergunta 6: Qual é a lente que deve ser utilizada por uma pessoa que não consegue ver um objeto (ou uma pessoa) que se encontra do outro lado de uma rua? Por quê?

Tais perguntas buscam indícios de aprendizagem significativa a respeito dos conceitos discutidos durante a UEPS, refutando a memorização ou mera aplicação de fórmulas. A aprendizagem significativa tem como característica sua aplicabilidade em situações próximas à discutida inicialmente [20][20] M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (Editora Pedagógica e Universitária, São Paulo, 1999)., sendo necessário, para evidenciá-la, que os estudantes respondam a perguntas diferentes das propostas em sala para ser possível observar tais indícios.

4. Aplicação da proposta e algumas reflexões posteriores

A versão inicial da UEPS foi aplicada no período entre agosto e outubro de 2018 em duas turmas do segundo ano do Ensino Médio de uma escola particular no Distrito Federal, na região administrativa de Ceilândia. A escola possui um perfil socioeconômico vulnerável quando comparada com outras regiões administrativas, fazendo com que parte dos estudantes sejam bolsistas e que as turmas, em geral, apresentem um perfil socioeconômico diversificado. Suas salas possuem projetor multimídia com computador e o professor utilizou-se de um tablet com sistema operacional Android para projetar imagens do jogo.

Ao todo, 76 estudantes faziam parte das turmas, contudo em média 64 frequentavam regularmente as aulas. Os estudantes tiveram certa dificuldade em descrever as obras de arte, mas com a orientação do professor foram capazes de realizar a atividade. O fato de o jogo não permitir que o jogador execute determinada fase sem ter vencido as anteriores foi um problema inicialmente, uma vez que o objetivo era que os estudantes passassem por fases específicas que, muitas vezes, não estavam liberadas em seus dispositivos. Foi necessário, então, que um tempo fosse utilizado para o avanço no jogo, com o auxílio do professor (já previsto na versão da UEPS aqui apresentada).

Várias discussões ocorreram com base nas representações do jogo, como se as lentes se comportariam espelhos ou teriam outra natureza, do que se constituiriam etc. Os estudantes também tiveram dificuldades inicialmente em representar os raios de luz nas situações propostas, o que indica a necessidade de um direcionamento melhor por parte do professor na constituição dos subsunçores. Houve necessidade de se utilizar mais uma aula na discussão do segundo tema, para os estudantes refletirem melhor acerca do mecanismo da refração da luz e suas aplicações.

O último tema teve sua aplicação prejudicada, pois a escola decidiu intervir, alegando que a metodologia empregada estaria promovendo defasagem curricular nos estudantes, em comparação aos de outras unidades de sua rede (a justificativa foi a de que a abordagem matemática seria menos central, em relação à usualmente adotada no ensino desses tópicos). Sendo assim, a aplicação da UEPS finalizou-se no contraturno, com apenas 33 participantes.

De maneira geral, foi possível observar os conceitos subsunçores nos estudantes nos vários momentos de diagnóstico inicial. Ao longo do desenvolvimento da UEPS, as atividades realizadas em grupo e analisadas pelo professor mostraram que a discussão produziu as mudanças necessárias na estrutura cognitiva dos estudantes.

Nas perguntas realizadas ao final da UEPS, aproximadamente 86% dos estudantes participantes foram capazes de responder a maior parte das questões de maneira satisfatória, com respostas coerentes em que se pode identificar evidências de aprendizagem significativa9 9 Por satisfatório, referimo-nos a um escalonamento realizado com as respostas, classificadas como deixadas em branco, sem qualquer relação com o objeto, relação fraca, relação do tipo aprendizagem mecânica, relação relativamente pertinente e relação forte (que indicaria aprendizagem significativa). , tal como descrito na Figura 10. Dois estudantes apenas não conseguiram obter um desempenho satisfatório; sabe-se, contudo, que estes possuíam um histórico de desmotivação e problemas disciplinares na escola.

Figura 10
Gráfico do desempenho individual da avaliação dos estudantes participantes de todos os encontros.

Na Figura 11, é possível observar o desempenho dos estudantes em cada pergunta (identificados por “An”. A quarta (que foi inicialmente “Por que as nuvens são brancas?”) e a sexta (que foi inicialmente “Qual é a lente que deve ser utilizada por uma pessoa que não consegue ver o seu amigo que se encontra do outro lado de uma rua?”) perguntas foram as que mais apresentaram respostas incoerentes, apontando que boa parte não conseguiu identificar que a cor branca de uma nuvem é causada pela dispersão da luz em todas as cores aleatoriamente ao refratar, que acabam por somar-se e formarem a cor branca. Entretanto, não significa necessariamente que os estudantes não aprenderam significativamente o conceito de dispersão da luz, uma vez que responderam à pergunta 5 de forma coerente. A pergunta 4 foi alterada, exigindo uma discussão mais ampla acerca do espalhamento da luz, e à pergunta 6 foi inserida a pergunta auxiliar “Por quê?”, com o intuito de observar melhor as justificativas pelas quais os estudantes afirmam qual tipo de lente seria apropriado para a situação.

Figura 11
Gráfico do desempenho geral dos estudantes participantes de todos os encontros na avaliação ao final da UEPS.

Com respeito à pergunta 6, acredita-se que aqueles que não conseguiram formular respostas coerentes identificaram equivocadamente o defeito da visão descrito na questão, confundindo-o com a hipermetropia ou até mesmo o astigmatismo, isto é, esses assuntos ainda não possuem uma representação significativa em suas estruturas cognitivas.

Em síntese, os dados coletados demonstram que as discussões acerca da refração da luz e as situações-problema foram suficientes para proporcionar a aprendizagem significativa de óptica geométrica, tanto no aspecto individual de cada encontro, como na avaliação geral de desempenho dos estudantes que participaram de todos os encontros. Na maioria dos encontros, o número de representações gráficas satisfatórias das situações apresentadas aos estudantes aumentou substancialmente após as discussões e exposições às novas informações relacionadas aos fenômenos ópticos em questão.

Algumas outras alterações foram feitas na UEPS, em termos de aplicações utilizadas. Inseriu-se a simulação do projeto PhET e as baseadas em GeoGebra, que se mostram mais completas para representar os fenômenos ópticos durante as aulas, e alguns vídeos foram substituídos por outros ou por simulações.

O jogo Glass permite que os estudantes observem diversos fenômenos ópticos e manipulem-nos. Contudo, é um jogo com algumas fases difíceis de serem ultrapassadas. Sendo assim, é importante motivá-los a alcançarem fases posteriores, mesmo que consultando gabaritos das fases que podem ser encontrados online10 10 Tais gabaritos podem ser encontrados em https://game-solver.com/glass-puzzle-game-by-cube3rd-solutions/glass-puzzle-game-by-cube3rd-solutions-all-levels. Acesso em 18 nov. 2019. (sugere-se que os estudantes formem grupos e que se atribua uma bonificação àquele que conseguir vencer todas as fases). Estudantes motivados e com facilidade nesse tipo de quebra-cabeças podem eventualmente completar o jogo em uma semana ou mesmo antes.

5. Possíveis extensões

A sequência didática apresentada neste trabalho cobre praticamente todo o conteúdo previsto para um curso tradicional de óptica geométrica do segundo ano do Ensino Médio (a menos dos conceitos de reflexão). Como o faz em apenas dez aulas e tal conteúdo, usualmente, toma de 14 a 16 aulas do ano escolar, restam de quatro a seis aulas que poderiam ser usadas para aprofundamento dos temas apresentados, para implementação de tecnologias educacionais de caráter ativo, como o ensino por investigação e a aprendizagem baseada em projetos, dentre outros, e também para extensões do próprio conteúdo, de maneira sanar eventuais deficiências comumente encontradas.

Uma delas, por exemplo, poderia ser a desconexão que existe entre o estudo da óptica geométrica e o eletromagnetismo, em particular porque este último, na maioria das vezes, ainda não foi estudado no segundo ano do Ensino Médio. Para o aluno, de modo geral, a óptica geométrica trata da luz visível, que pouca relação tem com as ondas eletromagnéticas de caráter oscilante que irão apresentar comportamentos como a interferência e a difração, estudados no contexto da óptica física.

Ocorre que, a despeito de o eletromagnetismo ser estudado apenas no terceiro ano do Ensino Médio, o estudo da física ondulatória é justamente aquele que se segue ao da óptica geométrica, ainda no segundo ano (eventualmente intercalado pelo estudo da termodinâmica).

Assim, acredita-se ser importante fazer a conexão entre o campo da óptica geométrica e aquele da física ondulatória, permitindo ao aluno notar que parte considerável dos objetos da última são exatamente os mesmos estudados na primeira, especificando, porém, que a óptica geométrica não apresenta os fenômenos usualmente encontrados na óptica física apenas por ser uma aproximação para comprimentos de onda muito pequenos, nos quais os fenômenos desta última não se mostram relevantes.

6. Considerações finais

A partir do referencial adotado, a construção teórica, a aplicação e as posteriores reflexões, a UEPS é apresentada. O uso do jogo para dispositivos móveis Glass mostrou-se adequado para as diversas situações de ensino e aprendizagem da UEPS, contribuindo para o engajamento no processo inicial das situações de aprendizagem esquematizadas. Quando se utiliza um jogo com destinação comercial, isto é, quando não possui fins educacionais originários, são necessárias adaptações. Os resultados sugerem que não é apenas jogando-o que o estudante aprenderá óptica geométrica; ele deve satisfazer critérios necessários para que o jogo seja efetivo à aprendizagem, como o desenvolvimento da capacidade de representar os fenômenos físicos de maneira correta, por exemplo.

De maneira geral, e ressalvadas algumas exceções, os estudantes recepcionaram bem a UEPS de que aqui se trata, considerando avanços em relação a uma aula expositiva, comum ao sistema de ensino a que o grupo pesquisado está acostumado. Um exemplo da recepção positiva do jogo foi que uma estudante completou todas as etapas do jogo em menos de uma semana, associadamente à qualificação de seus conhecimentos de física.

Com base na análise dos dados, infere-se que os resultados são satisfatórios. De acordo com os passos para a construção e a aplicação de uma UEPS, evidenciados por Moreira [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011)., e com o referencial teórico adotado [18][18] D.P. Ausubel, Educational psychology: a cognitive view (Holt, Rinehart and Winston, New York, 1968)., considera-se que os objetivos propostos foram alcançados, isto é, as características esperadas de uma UEPS foram observadas e houve indícios de aprendizagem significativa nos estudantes.

Por fim, tal proposta é feita com o objetivo de ampliar as possibilidades de ensino de um professor de física. Eventuais alterações podem e devem ser realizadas, de acordo com a realidade de cada configuração de aprendizagem, mas recomenda-se que sejam mantidos os pressupostos teóricos e metodológicos aqui descritos.

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  • [26] J. Dolz, M. Noverraz e B. Schneuwly, in Gêneros orais e escritos na escola, organizado por R. Rojo e G.S. Cordeiro (Mercado de Letras, Campinas, 2004).
  • [27] M. Ferreira and O.L. Silva Filho, Physicae Organum 5, 1 (2019).
  • [28] L. Vygotsky, Pensamento e linguagem (Martins Fontes, São Paulo, 1987).
  • [29] J.D. Novak, A theory of education (Cornell University Press, Ithaca, 1977).
  • [30] D.B. Gowin, Educating (Cornell University Press, Ithaca, 1981).
  • [31] G. Vergnaud, Récherches em Didactique des Mathématiques 10, 23 (1990).
  • [32] M.A. Moreira, Aprendizagem significativa crítica (Instituto de Física da UFRGS, Porto Alegre, 2005).
  • [33] P.N. Johnson-Laird, Mental models (Harvard University Press, Cambridge, 1983).
  • [34] J.D. Novak, D.B. Gowin e C. Valadares, Aprender a aprender (Plátano Edições Técnicas, Lisboa, 1996).
  • [35] N. Studart, in Anais do XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física (Livraria da Física, Uberlândia, 2015), p. 1.
  • [36] https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa, acessado em 19/11/2019.
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  • [37] F.C. Bozelli and R. Nardi, Investigações em Ensino de Ciências 17, 1 (2016).
  • [38] G.B. Franz O Ensino de Óptica Geométrica aopiado por mobile games Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
  • [39] http://cube3rd.blogspot.com/, acessado em 20/10/2019.
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  • [40] https://apkfab.com/glass/com.cube3rd.glass, acessado em 19/01/2020.
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  • [41] https://www.core77.com/posts/21613/Rashad-Alakbarovs-Paintings-Live-in-the-Shadows-of-the-ObjectsThat-Created-Them, acessado em 16/11/2019.
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  • [42] https://www.hisuzanne.com/#/perspective-1/, acessado em 16/11/2019.
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  • [43] phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/bending-light.
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  • [44] J.D. Novak e A.J. Cañas, Práxis Educativa 5, 1 (2010).
  • [45] https://youtu.be/FO5v_tQANZE
    » https://youtu.be/FO5v_tQANZE
  • [46] https://www.youtube.com/watch?v=F69tWoZa4ic
    » https://www.youtube.com/watch?v=F69tWoZa4ic
  • [47] R. Axt, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 7, 3 (1990).
  • [48] A.J. Ortiz, C.E. Laburú e O.H.M. da Silva, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 27, 3 (2010).
  • [49] https://youtu.be/sDcWsx00O48, acessado em 18/11/2019.
    » https://youtu.be/sDcWsx00O48
  • [50] https://www.geogebra.org/
    » https://www.geogebra.org/
  • [51] https://youtu.be/PFtVO-A7M5E, acessado em 18/11/2019.
    » https://youtu.be/PFtVO-A7M5E
  • [52] https://www.geogebra.org/m/muTkwy8k, acessado em 18/11/2019.
    » https://www.geogebra.org/m/muTkwy8k
  • [53] https://www.geogebra.org/m/qsxayttb, acessado em 18/11/2019.
    » https://www.geogebra.org/m/qsxayttb
  • 1
    Essa demanda, para nós, é de cunho não apenas metodológico, mas, sobretudo, teórico, visto que a inobservância e a malversação do uso de TDIC parecem ter origem na incompreensão de sua potência na construção de determinado processo pedagógico ou, no limite, na tentativa de reduzi-la a um procedimental didático perfunctório.
  • 2
    Programa de Pós-Graduação em rede, coordenado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), que conta, atualmente, com a adesão de 58 instituições públicas de ensino superior em todas as regiões geográficas, constituindo-se como a maior e mais bem articulada ação de formação continuada de professores de física do Brasil. Nesse programa, para a obtenção do título de mestre, faz-se necessário apresentar, juntamente com a dissertação, um material instrucional efetivamente aplicado e avaliado no contexto da sala de aula da educação básica.
  • 3
    No que podemos classificar como sua teoria de assimilação, Ausubel define como advanced organizer — literalmente, “organizador avançado” — o dispositivo que desempenha um papel estruturante de um processo cognitivo. Nas traduções para a língua portuguesa, autores como Moreira [17][17] M.A. Moreira, Revista Chilena de Educación Cientifica 7, 2 (2008). preferiram denominá-lo de “organizador prévio”. Isso se deu para prover melhor acepção, sem prejuízo à conotação original do termo.
  • 4
    Neste trabalho, não entraremos no mérito de tais contribuições. Caso interesse, é possível verificar [19][19] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 1, 2 (2011)..
  • 5
    Este é um problema significativo na circunscrição do uso de jogos digitais, com ou sem finalidade educacional precípua. A apropriação de modelos e representações, sempre presentes nesse tipo de recurso, constitui-se de uma clara vantagem pedagógica, mas também de um desafio epistemológico. As analogias, escalas, simplificações e relações adotadas em games padecem de um problema intrínseco e podem culminar em erros conceituais importantes. Este não é o objeto argumentativo deste trabalho, mas tal limitação não poderia deixar de ser, ao menos, referida. Para acessar uma discussão a esse respeito, ver [37][37] F.C. Bozelli and R. Nardi, Investigações em Ensino de Ciências 17, 1 (2016)..
  • 6
  • 7
    Pelas limitações de escopo deste trabalho, optamos por não desenvolver a discussão sobre mapas conceituais, embora a sua utilização seja relevante em face à caracterização de uma UEPS. Para acessar uma discussão mais específica e aprofundada, sugerimos ver [44][44] J.D. Novak e A.J. Cañas, Práxis Educativa 5, 1 (2010)..
  • 8
    Diversas simulações feitas no GeoGebra permitem essa visualização. Sugere-se a seguinte: https://www.geogebra.org/m/cjHEW32U. Acesso em 24 nov. 2019.
  • 9
    Por satisfatório, referimo-nos a um escalonamento realizado com as respostas, classificadas como deixadas em branco, sem qualquer relação com o objeto, relação fraca, relação do tipo aprendizagem mecânica, relação relativamente pertinente e relação forte (que indicaria aprendizagem significativa).
  • 10

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2020
  • Revisado
    11 Abr 2020
  • Aceito
    27 Abr 2020
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