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Reinventando o método de Aristarco

Reinventing the Aristarchus method

Resumos

O matemático e astrônomo grego Aristarco de Samos, século III a.C., foi a primeira pessoa a sistematizar um método para estimar distâncias e tamanhos relativos entre Terra, Sol e Lua. Ele também foi o primeiro a propor que a Terra gira em torno do Sol. No presente trabalho realizamos uma revisão, em linguagem moderna, do método proposto por Aristarco para estimar a distância do Sol à Terra, S, em relação a distância da Lua à Terra, L. Na sequência apresentamos o modelo proposto por nós para a determinação experimental da razão S/L e do diâmetro angular do Sol e da Lua, bem como a montagem experimental utilizada. Realizamos dois experimentos, um com a Lua Crescente e um com a Lua Minguante. Destacamos que nosso principal objetivo é trabalhar a temática do cálculo de distâncias astrômicas com o uso de modelos geométricos. Esperamos que professores de matemática, física e astronomia venham utilizar o presente material em suas aulas e apresentações, problematizando com os alunos as dificuldades técnicas e históricas e os aspectos físicos e geométricos envolvidos. E, se possível, que reproduzam as medidas.

Palavras-chave:
Aristarco; Heliocentrismo; Astronomia


The greek mathematician and astronomer Aristarchus of Samos, 3rd century BC, was the first person to systematize a method to estimating relative distances and sizes between Earth, Sun and Moon. He was also the first to propose that the Earth revolves around the Sun. In the present work, we carried out a review, in modern language, of the method proposed by Aristarchus to estimate the distance from the Sun to the Earth, S, in relation to the distance from the Moon to the Earth, L. After that we present the model proposed by us to do the experimental determination of the ratio S/L and the angular diameter of the Sun and Moon, as well as the experimental setup used. We performed two experiments, one with the Crescent Moon and one with the Waning Moon. We emphasize that our main objective is to deal with calculating astronomical distances with the use of geometric models. We expect that teachers of mathematics, physics and astronomy will use this material in their classes and presentations, discussing with students the technical and historical difficulties and the physical and geometric aspects involved. And, if possible, that they reproduce the measures.

Keywords
Aristarchus; Heliocentrism; Astronomy


1. Introdução

Desde tempos imemoráveis a humanidade tem se fascinado com os astros. Os povos primitivos, de forma geral, imaginavam as estrelas como fogueiras colocadas no céu por deuses [11. C. Sagan, Cosmos (Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1985).]. Mas, quão distante de nós estariam os corpos celestes? No livro bíblico de Apocalipse (12:3–4) encontramos a seguinte passagem: “E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra.” Essa passagem exemplifica a noção comum dos povos antigos de que as estrelas são tão pequenas e estariam tão próximas de nós que um grande dragão poderia derrubá-las com a cauda sobre a Terra.

Para os antigos gregos, o deus Hélio seria a personificação do Sol e sua irmã, a deusa Selene, seria a personificação da Lua [22. P. Grimal, Mitologia Grega (L&PM, Porto Alegre, 2013).]. Ou seja, Sol e Lua seriam astros irmãos. Uma vez que em um eclipse solar a Lua passa na frente do Sol, fica claro que a Lua está mais próxima da Terra. Mas, o quão mais longe estaria o Sol?

A primeira pessoa a sistematizar um método para estimar distâncias e tamanhos relativos entre Terra, Sol e Lua foi o matemático e astrônomo grego Aristarco de Samos, que viveu cerca de 310 a.C. a 230 a.C. [33. A. Van Helden, Measuring the Universe Cosmic Dimensions: From Aristarchus to Halley (The University of Chicago Press, Chicago, 1985).]. Aristarco foi pupilo de Estratão de Lâmpsaco, o qual sucedeu Teofrasto como diretor da escola peripatética, que por sua vez sucedeu Aristóteles, o fundador da escola [44. T. Heath, Aristarchus of Samos: The Ancient Copernicus (Clarendon Press, Oxford, 1913).]. O pequeno tratado “Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua” [55. A. de Samos, Sobre os Tamanhos e Distâncias do Sol e da Lua (Editora Createspace Independent, Santiago, 2016).] é sua única obra que sobreviveu até a atualidade. Nessa obra, puramente geométrica, Aristarco obteve: (i) que o Sol está entre 18 e 20 vezes mais distante da Terra do que a Lua; (ii) como os dois astros tem aproximadamente o mesmo diâmetro angular no céu, o Sol então seria entre 18 e 20 vezes maior do que a Lua; (iii) usando o método dos eclipses, que ele mesmo desenvolveu, Aristarco estimou que o Sol seria entre 19/3 e 43/6 vezes maior do que a Terra.

Acredita-se que Aristarco tenha sido também a primeira pessoa a propor que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário. No entanto, seu trabalho sobre o heliocentrismo se perdeu no tempo e não chegou até a atualidade. Arquimedes de Siracusa (287 a.C. a 212 a.C.), contemporâneo mais jovem de Aristarco, comenta: “As hipóteses de Aristarco são: (i) que as estrelas fixas e o Sol permanecem imóveis; (ii) que a Terra gira ao redor do Sol em uma circunferência de um círculo, com o Sol no meio da órbita; (iii) que a esfera das estrelas fixas, situada sobre o mesmo centro do Sol, é tão grande que a proporção do círculo em que ele supõe que a Terra gira à distância das estrelas fixas é a mesma proporção que o centro da esfera tem para sua superfície” [66. T. Heath, The Copernicus of Antiquity: Aristarchus of Samos (Macmillan, London, 1920).].

No presente trabalho faremos uma revisão, em linguagem moderna, ou seja, com o uso de relações trigonométricas, do método proposto por Aristarco de Samos. Destacaremos o resultado que ele obteve para a distância do Sol à Terra em relação a distância da Lua à Terra. Compararemos o valor obtido com dados atuais. Na sequência apresentaremos o modelo proposto por nós para a determinação experimental do ângulo Terra-Sol-Lua e do diâmetro angular do Sol e da Lua, bem como a montagem experimental utilizada. Por fim, mostraremos e discutiremos os resultados obtidos para os dois experimentos realizados, um para a Lua Crescente e o outro para a Lua Minguante.

Convém destacar que nosso objetivo principal é trabalhar a temática do cálculo de distâncias astronômicas com o uso de modelos geométricos, enfatizando aspectos históricos e dificuldades práticas. Esperamos que professores de matemática, física e astronomia venham utilizar o presente material em suas aulas e apresentações, problematizando com os alunos os aspectos físicos e geométricos envolvidos. E, se possível, que reproduzam as medidas. Desta forma, esperamos contribuir para a melhoria do ensino de ciências e matemática.

2. O Método de Aristarco

Nesta seção utilizaremos conceitos trigonométricos para estimar a distância da Terra ao Sol, S, em relação a distância da Terra à Lua, L, seguindo o método de Aristarco [55. A. de Samos, Sobre os Tamanhos e Distâncias do Sol e da Lua (Editora Createspace Independent, Santiago, 2016).], ou seja, determinaremos a razão S/L.

Logo no início de seu tratado Aristarco apresenta suas seis hipóteses básicas [55. A. de Samos, Sobre os Tamanhos e Distâncias do Sol e da Lua (Editora Createspace Independent, Santiago, 2016).]:

  1. A Lua recebe sua luz do Sol.

  2. A Terra pode ser considerada um ponto, e é o centro da esfera da Lua.

  3. Quando a Lua nos parece dicótoma (dividida em duas partes iguais), o grande círculo que separa a parte iluminada da parte escura está na direção de nossos olhos.

  4. Quando a Lua nos parece dicótoma, sua separação do Sol é menor que um quadrante por um trigésimo de quadrante.

  5. A largura da sombra da Terra equivale a duas Luas.

  6. A Lua subentende a décima quinta parte de um signo do zodíaco.

Comentários sobre as seis hipóteses básicas:

  1. Quer dizer que o Sol é emissor de luz ao passo que a Lua apenas reflete a luz proveniente do Sol.

  2. Quer dizer que a Lua orbita em torno da Terra e que o raio da Terra é muito menor do que o raio da órbita da Lua. Assim, ângulos medidos a partir da superfície da Terra são, aproximadamente, iguais a ângulos medidos a partir do centro da Terra. De fato, hoje sabemos que o valor médio do raio da órbita da Lua é em torno de 60 vezes o valor do raio da Terra [77. A.N. Cox, Allen’s Astrophysical Quantities (Springer, New York, 2002)., 88. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet, acessado em 11/12/2020.
    https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fa...
    ].

  3. Quer dizer que quando observamos a Lua metade iluminada a linha de visada é coplanar com o círculo que separa a parte clara da parte escura. Como a linha que passa pelo centro da Lua e pelo centro do Sol é perpendicular a esse círculo, temos que o ângulo Terra-Lua-Sol vale 90° (Figura 1). Essa é a hipotése central para o método de Aristarco, podemos dizer que essa hipótese define o método em si. O fato de o Sol ser maior do que a Lua implica que a parte iluminada da Lua será sempre maior do que um hemisfério. Mas, como Aristarco demonstrou em seu tratado, essa diferença é pequena e pode ser negligenciada. Ao longo de sua trajetória existem dois momentos em que a Lua fica 50% iluminada, quando ela está em quarto crescente e quando está em quarto minguante.

  4. Um quadrante significa 90°, então um trigésimo de quadrante será 90° dividido por 30, que é 3°. Logo, a separação da Lua ao Sol, ou seja, o ângulo Sol-Terra-Lua será 87° (Figura 1). Aristarco coloca esse valor por hipótese, mas, obviamente, se trata de um valor numérico que ele estimou sem medir.

  5. Mais um valor numérico que foi estimado, mas que no tratado é apresentado como hipótese. Na verdade a largura da sombra da Terra, à distância da órbita lunar, equivale, aproximadamente, a 2, 6 vezes o tamanho da Lua [77. A.N. Cox, Allen’s Astrophysical Quantities (Springer, New York, 2002)., 88. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet, acessado em 11/12/2020.
    https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fa...
    ]. Essa relação é a base do métodos dos eclipses (que não trabalharemos neste artigo).

  6. Um signo do zodíaco tem a abertura angular de 30°, assim a décima quinta parte será então 2°. Desta forma, Aristarco está dizendo que o diâmetro angular da Lua vale 2°. Em um eclipse solar total, vemos que a Lua e o Sol tem aproximadamente o mesmo diâmetro angular (a Lua oculta o Sol quase exatamente), assim, para Aristarco, o diâmetro angular médio do Sol também pode ser aproximado por 2°. Hoje sabemos que o diâmetro angular médio do Sol vale 0,533° e o da Lua vale 0,518°, respectivamente, praticamente um quarto do valor apresentado por Aristarco em seu tratado [77. A.N. Cox, Allen’s Astrophysical Quantities (Springer, New York, 2002)., 88. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet, acessado em 11/12/2020.
    https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fa...
    ]. Como veremos, com o modelo proposto por nós é possível determinar o diâmetro angular do Sol e da Lua com boa precisão.

Figura 1
Configuração Sol-Lua-Terra quando a Lua está 50% iluminada.

Partindo das seis hipóteses básicas, vemos que, quando a Lua nos parece dicótoma, Terra, Sol e Lua podem ser associados com os vértices de um triângulo retângulo, como mostrado na Figura 1, com β = 87° e α = 3°. Usando um pouco de trigonometria básica temos que:

(1) S L = 1 sin α = 1 sin 3 19 .

Ou seja, usando o método de Aristarco, com ferramentas atuais (com o uso de relações trigonométricas), temos que o Sol está, aproximadamente, 19 vezes mais distante da Terra do que a Lua. Como os dois astros tem, aproximadamente, o mesmo diâmetro angular, o Sol deve ser então 19 vezes maior do que a Lua.

Em linguagem moderna o método se apresenta de forma simples, mas, devemos lembrar que na época de Aristarco a trigonometria ainda não havia sido inventada, na verdade, se quer uma aproximação satisfatória para a razão entre a circunferência e o diâmetro de um cícurlo qualquer, o famoso número π, existia. Assim, ele fez uma análise puramente geométrica, para os olhos modernos, muito mais tortuosa do que a apresentada acima.

Embora o método de Aristarco seja engenhoso e parta de princípios corretos, ele errou por um fator pouco maior do que 20. Na verdade, o valor médio da razão S/L é, aproximadamente, 390 [77. A.N. Cox, Allen’s Astrophysical Quantities (Springer, New York, 2002)., 88. https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet, acessado em 11/12/2020.
https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fa...
]. Mas, onde estaria o erro? O erro majoritário está na Hipótese 4, ou seja, o ângulo α não vale 3°. Seu verdadeiro valor é:

(2) α = arcsin ( L S ) = arcsin ( 1 390 ) 0 , 15 .

Se Aristarco tivesse medido esse ângulo, com a precisão necessária, ele teria obtido uma boa aproximação para a razão S/L. No entanto, como veremos abaixo, a acurácia necessária estava muito além do que nosso personagem poderia obter a mais de dois mil anos atrás.

3. O Modelo Proposto

Nesta seção apresentaremos o modelo proposto por nós para, a partir de dados experimentais, estimar o valor do ângulo α (Figura 1) e, por conseguinte, estimar a distância do Sol à Terra em razão da distância da Lua à Terra. Com nosso modelo também será possível estimar o diâmetro angular do Sol e da Lua, que consideraremos iguais.

Seja o triângulo ABC (Figura 2) (A representando o centro do Sol, B representando um ponto sobre a superfície da Terra e C representando o centro da Lua), segundo a hipótese 3, teremos a Lua 50% iluminada quando o ângulo Sol-Lua-Terra for 90°. Traçando a linha BD, perpendicular à linha BC, teremos que o ângulo entre BA e BD será α. Assim, considerando o Sol pontual, se pensarmos BD como uma vareta, de comprimento V, montada sobre a linha BC (eixo y), o comprimento de sua sombra será BE e o ângulo entre DB e DE também será α. Desta forma, estando a vareta montada sobre o eixo y, em princípio, para um Sol pontual, seria possível determinar o valor do ângulo α sabendo o comprimento da vareta e medindo sua sombra.

Figura 2
Configuração Sol-Lua-Terra quando a Lua está 50% iluminada e triangulação equivalente para determinar o ângulo α a partir de um ponto na Terra.

Como o Sol é um corpo extenso, devemos ter em mente que na verdade a sombra medida sobre o eixo y se dará pela extremidade do Sol (Figura 3). Além disso, o valor de α é muito pequeno, o que dificulta sua obtenção direta, via medida única. No entanto, se fizermos com que a direção do eixo y possa variar, de forma que o eixo aponte para posições distintas na Lua, teremos que o tamanho da sombra poderá ser dado como uma função da posição que estamos apontando na Lua. Observando a Figura 3, vemos que o ângulo α resulta ser o ângulo entre o raio do centro do Sol e a linha tracejada, que é o prolongamento da vareta, quando apontamos para o centro da Lua, ou seja, quando x = 0.

Figura 3
Triangulação para determinar o ângulo α a partir de um ponto na Terra, considerando o Sol como um corpo extenso.

O diâmetro angular da Lua (e do Sol) vale θ, desta forma, quando apontarmos o eixo y na borda iluminada da Lua teremos variado a direção da vareta em θ/2. Assim, podemos escrever a variação de direção da vareta como x multiplicado por θ/2, onde x é uma variável adimensional que indica onde o prolongamento do eixo y está interceptando a Lua (Figura 3). Ou seja, uma variação de x, que reflete no movimento da linha tracejada, implica uma fração de ângulo de /2. Desta forma, o ângulo que o raio solar emitido pela borda do Sol fará com a direção da vareta, δ, será:

(3) δ = α + x θ 2 - θ 2 .

Para ângulos pequenos, o que será o caso neste trabalho, teremos que:

(4) tan δ = δ = y V .

Considerando os ângulos em graus, teremos que:

(5) y = V π 180 δ = V π 180 ( α - θ 2 + x θ 2 ) .

Por fim, ao invés de usar uma vareta lisa, colocaremos no topo da vareta um platô perdendicular à própria vareta, de comprimento H, de forma que para um raio de luz incidindo paralelamente à vareta, a sombra no eixo y será H, a sombra do platô. Com essa última modificação, teremos que:

(6) y = k ( α - θ 2 ) + k x θ 2 + H ,

onde:

(7) k = V π 180 .

Desta forma, temos uma equação de primeiro grau relacionando a direção apontada na Lua, eixo x, com o comprimento da sombra no eixo y. Medindo os tamanhos das sombras em função das posições na Lua podemos realizar um ajuste linear (y = Ax + B) e obter os dois termos da equação de primeiro grau. O termo A está associado a θ, ao passo que o termo B está associado a α, θ e H. Assim, em princípio, sabendo o valor de H, nosso modelo possibilita a determinação do valor do diâmetro angular do Sol e da Lua (que estamos assumindo serem iguais) e do valor da distância do Sol à Terra em relação à distância da Lua à Terra.

4. Metodologia

Para implementar o modelo proposto na seção anterior contruímos o instrumento de medida a partir de duas peças de madeira colocadas perpendiculares entre si (Figura 4A). Na peça horizontal, onde a sombra será projetada, afixamos uma escala. Na peça vertical, de altura V = 603 ± 1 mm, afixamos um platô horizontal, de comprimento H. Para a realização das medidas acoplamos o instrumento de medida sobre um telescópio refletor Sky-Watcher, de 150 mm de abertura e 1200 mm de distância focal (Figura 4B). Na ocular do telescópio acoplamos uma câmera fotográfica. O procedimento de medida constituiu basicamente em apontar o telescópio para uma posição específica da Lua, no momento em que a Lua estivesse 50% iluminada, e então tomar duas fotos simultâneas, uma da Lua e outra da sombra projetada na escala. Realizamos dois experimentos, um para a Lua Crescente e outro para a Lua Minguante. Em cada experimento tomamos 15 pares de fotografias.

Figura 4
(A) Instrumento de medida e (B) montagem sobre o telescópio.

A determinação do momento da Lua 50% iluminada foi feita com o software astronômico Stellarium 0.18.0 [99. https://stellarium.org, acessado em 11/12/2020.
https://stellarium.org...
]. As medidas foram realizadas no campus da Universidade Federal de Goiás, cidade de Goiânia, GO, Brasil (Latitude Sul 16,603913° e Longitude Oeste 49,258269°). A Lua Crescente 50% iluminada ocorreu no dia 25 de agosto de 2020, às 13h:01min, as fotografias do experimento foram tomadas de 13h:01min até 13h:05min. A Lua Minguante 50% iluminada ocorreu no dia 10 de setembro de 2020, às 7h:23min, as fotografias do experimento foram tomadas de 7h:18min até 7h:23min.

As fotografias da Lua foram processadas com os softwares Adobe Lightroom e Pixel Ruler 4.0. Os valores da variável x (posição apontada na Lua) foram obtidos medindo a distância, em pixels, do centro da imagem ao centro da Lua. Esses valores são adimensionais porque foram normalizados pela distância, em pixels, da borda iluminada da Lua ao centro da Lua. Já as fotografias das sombras na escala do anteparo foram processadas com o software Gimp 2.8. Para a obtenção dos valores da variável y (tamanho da sombra) aplicamos um filtro na imagem com o máximo de contraste, para eliminar as regiões de penumbra, e então medimos a posição, em pixels, das marcas da escala e da extremidade da sombra. Com isso, estimamos os comprimentos das sombras. Por fim, os ajustes lineares foram realizados com a opção Fit Linear do software SciDAVis 2.3.0.

5. Resultados

No dia 25 de agosto de 2020 montamos o telescópio e acoplamos o instrumento de medida sobre ele a fim de realizar as medidas com a Lua Crescente 50% iluminada. No horário estipulado, tomamos os pares de fotografias, uma da sombra sobre o anteparo e outra da Lua. A Figura 5A mostra uma das fotografias da Lua, o centro da fotografia é a posição apontada com o telescópio, nesse casso, x = 0,701, lembrando que os valores de x são adimensionais porque elas são normalizadas em relação ao raio da Lua. A Figura 5B mostra a fotografia da sombra projetada no anteparo, a distância entre as linhas de referência da escala vale 5 mm. A Figura 5C mostra a imagem da sombra após a aplicação de contraste máximo, nesse caso y = 31,6 mm.

Figura 5
Par de dados experimentais. (A) Fotografia da Lua (x = 0,701). (B) Fotografia da sombra projetada no anteparo. (C) Sombra projetada no anteparo após aplicação de contraste máximo (y = 31,6 mm).

A Figura 6 mostra o gráfico, com os 15 pontos experimentais, obtidos no experimento da Lua Crescente. É mostrado também o ajuste linear, em vermelho, cujo fator R2 = 0,981, indicando que o ajuste linear é, de fato, representativo para os dados experimentais. Do ajuste temos que A = 2,7 ± 0,1 e B = 29,4 ± 0,1. Do coeficiente angular e da equação 6, temos que:

Figura 6
Dados Experimentais e ajuste linear para o experimento realizado na Lua Crescente.
(8) A = k θ 2 .

Substituindo os valores, chegamos a:

(9) θ = 0 , 51 ± 0 , 02 .

Segundo o software astronômico Stellarium [99. https://stellarium.org, acessado em 11/12/2020.
https://stellarium.org...
], no momento do experimento com a Lua Crescente, o diâmetro angular do Sol era 0,527° e o da Lua era 0,537°. Vemos assim que o valor para a Lua, dado pelo Stellarium, está apenas 1% acima do limite superior do intervalo obtido no experimento. Por outro lado, para o Sol, comparando também com o valor dado pelo Stellarium, chegamos ao valor correto com um erro experimental percentual menor do que 4%, indicando a consistência e o poder do método proposto.

Do coeficiente linear e da equação 6, temos que:

(10) B = k ( α - θ 2 ) + H .

Em princípio, poderíamos simplesmente ter medido o valor de H e o termo independente ficaria dependendo apenas de α. No entanto, esse procedimento só seria aplicável se pudéssemos garantir, com altíssimo grau de precisão, a horizontalidade da base e a perpenticularidade da vareta para o instrumento de medida montado sobre o telescópio. Pensando em um experimento voltado ao ensino, que outras pessoas possam reproduzir o método de forma simples, sem equipamentos laboratoriais de elevada precisão, a medida direta de H se mostra impraticável. O método proposto é muito sensível ao valor de H, de forma que poucos milímetros a mais ou a menos equivale a grande mudança em α. Por exemplo, se H = 30,5 mm então α = 0,15° (valor correto). No entanto, se H = 31,5 mm então α = 0,06° e se H = 29,5 mm então α = 0,25°. Ou seja, uma diferença de mais ou menos um milímetro implica mudanças significativas no valor de α.

Os 15 pontos experimentais, obtidos nas medidas com a Lua Minguante, são mostrados na Figura 7. Como no experimento anterior, o ajuste linear, em vermelho, com fator R2 = 0,966, é representativo para os dados experimentais. Nesse caso temos que A = 2,7 ± 0,1 e B = 28,5 ± 0,1. A partir da análise do coeficiente angular temos que:

Figura 7
Dados Experimentais e ajuste linear para o experimento realizado na Lua Minguante.
(11) θ = 0 , 51 ± 0 , 02 .

Segundo o Stellarium 99. https://stellarium.org, acessado em 11/12/2020.
https://stellarium.org...
, no momento do experimento com a Lua Minguante, o diâmetro angular do Sol era 0,529° e o da Lua era 0,509°. Assim, para ambos os astros obtivemos o valor correto, com menos de 4% de erro experimental percentual, reforçando a consistência e o poder do método proposto.

Novamente, ao analisar o termo independente, nos deparamos com a impossibilidade de medir com precisão a horizontalidade da base e a perpenticularidade da vareta. Neste caso, se H = 29,6 mm então α = 0,15° (valor correto). Ou seja, o valor esperado de H para este experimento é 0, 9 mm menor do que para o experimento anterior. Essa diferença de 0, 9 mm no valor de H entre uma montagem experimental e outra pode ser explicada com uma diferença de inclinação de cerca de 0,1° entre as duas montagens. Desta forma vemos que H é muito sensível à inclinação do instrumento de medida montado sobre o telescópio e que α, por sua vez, é muito sensível ao valor de H.

6. Conclusão

Iniciamos o trabalho com uma revisão histórica sobre o modelo proposto por Aristarco de Samos em seu tratado “Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua”. Refizemos a análise de Aristarco, em notação moderna, e obtivemos que o Sol está cerca de 19 vezes mais distante da Terra do que a Lua. Como os dois tem aproximadamente o mesmo diâmetro angular o Sol então seria 19 vezes maior do que a Lua. Esses foram os dois principais resultados obtidos por Aristarco em relação às distâncias e aos tamanhos do Sol e da Lua. hoje sabemos que na realidade o Sol está cerca de 390 vezes mais distante da Terra do que a Lua. Embora a análise geométrica de Aristarco esteja correta, o valor do ângulo α (Figura 1) não é 3°, na verdade ele é bem menor, em torno de 0,15°.

Na sessão 3 propusemos um modelo para estimar o valor do ângulo α, e por conseguinte estimar a distância do Sol à Terra em relação a distância da Lua à Terra, equação 6. Além de tal distância, com o modelo proposto é possível estimar o diâmetro angular da Lua e do Sol, os quais foram considerados iguais durante o trabalho. Para implementar o modelo proposto construímos um instrumento de medida que, ao ser acoplado em um telescópio, possibilitou a realização das medições.

De posse do modelo e do instrumento de medida, realizamos dois experimentos para a Lua 50% iluminada, um com a Lua Crescente e outro com a Lua Minguante. Para ambos os experimentos obtivemos θ = 0,51°±0,02°. No momento do experimento com a Lua Crescente, o diâmetro angular do Sol era 0,527° e o da Lua era 0,537°. Desta forma, o valor para a Lua está apenas 1% acima do limite superior do intervalo obtido e o valor para o Sol está correto, com um erro experimental percentual menor do que 4%. Já no segundo experimento, com a Lua Minguante, o diâmetro angular do Sol era 0,529° e o da Lua era 0,509°. Nesse caso, obtivemos o valor correto para o diâmetro angular de ambos os astros, com menos de 4% de erro experimental percentual. Tais resultados indicam a consistência e o poder do método proposto.

No entanto, lembrando que a ênfase está no ensino de ciências e matemática, com o tipo de material e precisão empregado neste trabalho não conseguimos obter um valor confiável para a razão S/L. Do ponto de vista histórico, mesmo se Aristarco conseguisse determinar o momento exato da Lua 50% iluminada (por exemplo, lançando mão de dados estatíticos), nossos dados corroboram a ideia de que a acurácia necessária para realizar a medida do ângulo α estava muito além do que seria possível em seu tempo. Desta forma, é de se imaginar que, de fato, era impossível para Aristarco chegar próximo ao valor correto. Talvez justamente já tendo consciência da impossibilidade Aristarco tenha lançado mão, por hipótese, do valor de 3°, um possível valor máximo concebível para a época e que seria mais apropriado para trabalhar geometricamente.

Esperamos que professores de matemática, física e astronomia venham utilizar o presente material em suas aulas e apresentações, problematizando com os alunos as dificuldades técnicas e históricas e os aspectos físicos e geométricos envolvidos. Por fim, enfatizamos que, em princípio, o modelo proposto ainda pode vir a ser utilizado na integra para determinar a distância relativa do Sol e da Lua, desde que se busquem montagens experimentais com a devida acurácia para as inclinações.

Referências

  • 1.
    C. Sagan, Cosmos (Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1985).
  • 2.
    P. Grimal, Mitologia Grega (L&PM, Porto Alegre, 2013).
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    A. Van Helden, Measuring the Universe Cosmic Dimensions: From Aristarchus to Halley (The University of Chicago Press, Chicago, 1985).
  • 4.
    T. Heath, Aristarchus of Samos: The Ancient Copernicus (Clarendon Press, Oxford, 1913).
  • 5.
    A. de Samos, Sobre os Tamanhos e Distâncias do Sol e da Lua (Editora Createspace Independent, Santiago, 2016).
  • 6.
    T. Heath, The Copernicus of Antiquity: Aristarchus of Samos (Macmillan, London, 1920).
  • 7.
    A.N. Cox, Allen’s Astrophysical Quantities (Springer, New York, 2002).
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    https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet, acessado em 11/12/2020.
    » https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet
  • 9.
    https://stellarium.org, acessado em 11/12/2020.
    » https://stellarium.org

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2021
  • Revisado
    05 Abr 2021
  • Aceito
    11 Abr 2021
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