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A Astronomia em currículos da formação inicial de professores de Física: uma análise diagnóstica

Astronomy in curricula for the initial training of physics teachers: a diagnostic analysis

Resumos

A presente pesquisa, de caráter descritivo-explicativa, apresenta um diagnóstico das Licenciaturas em Física no Brasil, examinando particularmente no tocante à presença de disciplinas de Astronomia nos seus currículos. O diagnóstico foi feito a partir da análise de informações sobre as Instituições de Ensino Superior (IES) e das matrizes curriculares das licenciaturas autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC), e com base em dados sobre o quantitativo de licenciados em 2019 disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Classificamos as IES quanto ao tipo de administração e à região onde estão localizadas; os cursos, segundo a modalidade de ensino e quanto à presença de disciplinas relacionadas à Astronomia; e também quanto ao acesso a tais disciplinas pelos professores que concluíram sua formação em 2019. As informações foram comparadas, organizadas e relacionadas de forma a tentar estimar o percentual de profissionais formados em 2019 que tiveram acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação inicial. Os resultados mostram que, neste recorte, cada IES formou, em média, menos de dez professores por curso, com os maiores índices de formação sendo observados nas IES privadas da região Sudeste, e os menores nas IES Estaduais da região Norte. A análise mostra que um número reduzido de Licenciaturas em Física no nosso país oferece disciplinas de Astronomia em sua arquitetura curricular. A região Sul possui a maior oferta de disciplinas de Astronomia, mas isso tem pouco impacto no cenário nacional, pois a região responde por apenas 15% dos professores formados no País, ao passo que as demais regiões destacam-se mais pela não oferta de tais cursos. Com relação às IES, o melhor cenário é observado nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) e o mais preocupante, nas IES privadas. Ao final comentamos sobre a importância de uma revisão nos currículos dos cursos de formação de professores de Física, prevendo a inclusão de disciplinas de Astronomia como forma de torná-los mais atraentes aos futuros professores, e a fim de diminuir a evasão escolar e o déficit de professores no Brasil.

Palavras-chave:
Ensino de Física; Ensino de Astronomia; formação de professores; currículos.


The present research, of a descriptive-explanatory character, presents a diagnosis of the Teaching Physics Programmes in Brazil, examining particularly the presence of Astronomy disciplines in their curricula. The diagnosis was made from the analysis of information about Higher Education Institutions (HEIs) and the curricular matrices of Physics teacher training courses authorized by the Ministry of Education (MEC), as well as based upon data on the number of graduated students in 2019, made available by the National Institute of Educational Studies and Research Anísio Teixeira (INEP). We classify HEIs according to the type of administration and the region where they are located; the courses, according to the teaching modality and regarding the presence of disciplines related to Astronomy; and also regarding access to such subjects by teachers who completed their training in 2019. The information was compared, organized, and related to try to estimate the percentage of professionals trained in 2019 who had access to Astronomy subjects in their initial training. The results show that each HEI trained, on average, less than ten teachers per course, with the highest training rates being observed in private HEIs in the Southeast region, and the lowest in public HEIs in the North region. The analysis shows that a small number of Physics Degree Courses in our country offers disciplines of Astronomy in its curricular architecture. The South region has the largest offer of Astronomy disciplines, but this has little impact on the national scene, as the region accounts for only 15% of teachers trained in the country, while the other regions stand out more for not offering such courses. Regarding HEIs, the best scenario is observed in the Federal Institutes of Education, Science and Technology and the most worrying in private HEIs. We comment on the importance of a revision in the curricula of Physics teacher training courses, foreseeing the inclusion of Astronomy subjects to make them more attractive to future teachers and to reduce school dropout and deficit of teachers in Brazil.

Physics Teaching; Astronomy Teaching; teacher training; curricula.


1. Introdução

A Formação Inicial de Professores de Ciências é uma área bastante delicada, ampla e tensa, pois articula as políticas públicas educacionais do País e as demandas de vários segmentos, da academia aos sistemas de ensino, professores e o processo de construção de saberes escolares no âmbito desses próprios sistemas, como nos lembram Villani, Pacca e Freitas [11. A. Villani, J. Pacca e D. Freitas, Science & Education 18, 125 (2009).]. Nesse cenário, é notório o fato de que existe um déficit de professores com formação específica trabalhando em sala de aula, principalmente na porção da Educação Básica, cuja oferta é dever constitucional do Estado (artigo 205 da Constituição Federal [22. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em 12/03/2021.
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]). Um dos motivos que explica esse déficit, além da baixa valorização social dos profissionais da educação, é que suas condições salariais estão entre as piores entre os 37 países que compõem o bloco da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo um relatório intitulado Education at Glance 2020,1 1 Disponível em https://www.oecd.org/education/education-at-a-glance/. Acesso em mar/2021. fazendo pensar que mesmo organizações sabidamente neocapitalistas e neoliberais olham para a educação com preocupações de melhoria salarial dos docentes como uma condição para avanços na qualidade do ensino-aprendizagem. Além disso, em geral, os estudantes das licenciaturas possuem baixa afluência socioeconômica – menor renda familiar, pais e mães com formação mais precária, o Ensino Básico foi cursado preferencialmente na rede pública – e uma maior autonomia financeira – o que significa que ingressam no mercado de trabalho mais cedo, muitas vezes durante a própria formação – quando comparados à média dos graduandos em geral [33. M.C.F. Mandarino e K.I. Beltrão, Arquivos Analíticos de Políticas Educativas 26, 3 (2018).]. É inegável que estas circunstâncias, somadas à falta de valorização profissional, condições precárias, sobrecarga de trabalho e baixos salários, dificultam a subsistência dos professores recém-formados, levando ao esgotamento, desencanto, frustração e, consequentemente, ao abandono da carreira docente [44. L. Wagner e J.P.P. Carlesso, Res. Soc. Dev. 8, 6 (2019).]. E há, ainda, aqueles licenciandos que, pelos mais diversos motivos, não conseguem concluir suas licenciaturas, e acabam engrossando as fileiras de evasão observada no Ensino Superior. Assim, parece claro que devemos procurar alternativas para diminuir esse déficit, e isso passa também por aumentar a quantidade de professores formados, centrando esforços de pesquisa e na construção de políticas públicas para melhorar a carreira docente e diminuir a evasão, e oferecendo cursos de formação mais atrativos e qualificados – por exemplo, com a inclusão de disciplinas relacionadas à Astronomia.

Dados do Tribunal de Contas da União [55. Tribunal de Contas da União, Auditoria coordenada educação: ensino médio (TCU,Brasília, 2014).] apontaram que, em 2012, apenas no Ensino Médio, havia, nas escolas públicas estaduais do Brasil, um déficit de cerca de 32.000 professores com formação específica nas 12 disciplinas obrigatórias do ciclo à época. Desse elenco de disciplinas, a Física era, de todas, a mais carente, com cerca de 9.900 vagas abertas – 30% do total, distribuídas por todas as unidades da federação. Como agravante, pesquisas recentes [66. K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro,2020)., 77. M.M. Nascimento, Rev. Bras. Ens. Fis. 42, e20200187 (2020).] apontam que a atuação docente em Física no Brasil é composta, majoritariamente, por professores que não possuem formação específica na área – bacharéis e licenciados com formação em outras áreas do conhecimento, e até mesmo por docentes que sequer concluíram uma graduação. Entre as disciplinas que compõem a área das Ciências da Natureza, a Física apresenta a pior situação, com um percentual de cerca de 27% de professores ativos possuindo formação específica (Licenciatura ou Bacharelado em Física ou áreas afins, dados de 2013), sendo que a maioria dos docentes que trabalham esta disciplina tem outras formações (Matemática, Biologia etc.), conforme as Diretrizes Curriculares de 2015 [88. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dosProfissionais do Magistério da Educação Básica, 25 de junho de 2015. Brasília, 2018. Seção 1,p. 13.]. Nesse sentido, a disciplina de Química apresenta um índice de professores com formação específica superior a 60%, enquanto a Biologia chega a quase 80%. Logo, parece não haver dúvida de que, quantitativamente, é necessário entregar mais professores de Física à sociedade.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação [99. BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm, acessado em 09/03/2021.
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] estabelece, em seu Art. 19, que as instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se, quanto à categoria administrativa,2 2 Em 2019, uma alteração na LDB criou uma nova categoria administrativa para as instituições de ensino – as comunitárias – que não foi considerada neste trabalho. em públicas (quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público) ou privadas (quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado). Já o Art. 62 determina que a formação inicial de professores se dará em nível superior, em curso de licenciatura plena como formação mínima para o exercício do magistério, sendo tais cursos de responsabilidade da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios – ou seja, as IES públicas enquadram-se como autarquias federais, estaduais ou municipais. Já as IES privadas podem ser de natureza confessional e/ou filantrópica.

A evasão escolar dos cursos de Licenciatura em Física também é motivo de preocupação de diversos estudos [1010. P.L. Junior, F.L. Silveira e F. Ostermann, Rev. Bras. Ens. Fis. 34, 1 (2012)., 1111. R.M. Souza e S.R. Gomes Júnior, Rev. Bras. Ens. Fis. 37, 1 (2015)., 1212. D.P. Menezes, K. Buss, C.A. Silvano, B.N. D’Avila e C. Anteneodo, Cad. Bras. Ens. Fis.35, 1 (2018).], e atingem tanto as IES – principalmente as públicas, causando prejuízos acadêmicos, sociais e econômicos [1313. F.A. Moura, P.H.P. Mandarino e S.C.P. Silva, Rev. Bras. Ens. Fis. 42, e20200044 (2020).] – quanto aos próprios alunos e professores – que se queixam de relações pessoais complicadas e rotinas de trabalho aceleradas [1414. J. Fernandes, M.H.U. Guimarães, A. Robert e M.M. Passos, Cad. Bras. Ens. Fis. 37, 1(2020).] como motivos para a evasão, além de questões associadas à própria arquitetura curricular que podem diminuir a autoestima e autoconfiança dos licenciandos (iniciativas como a diversificação de atividades e uso de métodos ativos, a promoção da interação entre grupos em aula, o incentivo ao estudo colaborativo fora da sala de aula, e o engajamento em tarefas de aproximação com o espaço escolar podem funcionar como estímulo à autoeficácia e à persistência). Além disso, a evasão (ou a permanência) em cursos de Licenciatura em Física não está, estatisticamente, relacionada à origem social dos licenciandos – alunos das classes popular, média e dominante têm todos a mesma probabilidade de evadir [1515. P. Lima Junior, Evasão do Ensino Superior de Física segundo a tradição disposicionalistaem Sociologia da Educação. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Porto Alegre (2018).]. Comparando novamente as disciplinas da área das Ciências da Natureza, agora quanto à evasão, alguns trabalhos citam que a Física tem historicamente as taxas mais altas de evasão, enquanto a Biologia, as menores [1616. S.M. Arruda, M.A. Carvalho, M.M. Passos e F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. Fís. 23, 3(2006).]. Pesquisas [66. K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro,2020).] baseadas em dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), do Censo da Educação Superior e do Censo Escolar, dentre outros, apontam que, desde o início do século XXI, menos de 10% dos ingressantes em cursos de Licenciatura em Física de IES públicas conseguem concluir suas graduações. Nas IES privadas esse número é um pouco superior, mas ainda assim aquém do necessário para resolver o problema do déficit de professores.

Nossa pesquisa propõe uma maior difusão de disciplinas correlatas à Astronomia nos cursos de formação de professores de Física, pois ela, desde a Antiguidade, encanta e desperta a curiosidade de homens e mulheres interessados em Ciência. Hoje, os empreendimentos na área movimentam investimentos anuais da ordem de bilhões de dólares, graças aos esforços de pesquisa de astrônomos, físicos, engenheiros e afins. Esse investimento financiou um sem-número de pesquisas que, com auxílio de tecnologia de ponta, mudaram completamente nossa concepção do Cosmos ao longo das últimas décadas. Logo, nos parece incoerente que a Astronomia não seja abordada em sala de aula, quanto mais em cursos de formação de professores, e principalmente nas Licenciaturas em Física.

A formação de professores lida com os futuros profissionais que serão responsáveis pelo ensino de todo o ciclo básico da Educação, que envolve a Educação Infantil, os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, o que significa intervir na vida de milhões de jovens estudantes. A Física, enquanto disciplina, é oferecida somente no Ensino Médio, mas tem boa parte de seus conceitos, especialmente de Astronomia, diluídos ao longo de todo o Ensino Fundamental – principalmente após o advento da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [1717. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível emhttp://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 14/03/2021.
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, 1818. G.D. Costa e C. Leite, em Anais do IV Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de QuestõesCurriculares (Lisboa, 2018).], que sugere a abordagem de assuntos de Astronomia desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental – ainda que abordados qualitativamente, na forma de princípios e conceitos básicos (sem o devido aprofundamento que é esperado ocorrer no Ensino Médio), sob a efígie da área de Ciências da Natureza, onde a maioria dos docentes que a lecionam não têm formação nas áreas de Física, Química, Biologia, Ciências da Terra ou de Astronomia.

Uma recente resolução [1919. BRASIL. Resolução CNE/CP 2/2019, de 20 de dezembro de 2019. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file, acessado em17/03/2021.
http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro...
] do Conselho Nacional de Educação (CNE), que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica (documento ainda em fase de implementação) estabelece que a organização curricular dos cursos de formação de professores deve estar em consonância com as aprendizagens prescritas na BNCC da Educação Básica. Isto sugere que tais currículos, no que se refere especificamente aos cursos de formação de professores de Física, devem ser revistos para atender tal Resolução do CNE, particularmente no que diz respeito à inclusão de disciplinas relacionadas à Astronomia em suas matrizes curriculares, ainda que seja imperioso problematizar a centralidade da formação de professores em aprendizagens de temas e conhecimentos essenciais previstos na BNCC da Educação Básica; esta concepção pode representar uma redução ou simplificação da formação inicial. Santos e Diniz-Pereira [2020. L.L.C.P. Santos e J.E. Diniz-Pereira, Cad. CEDES 36, 100 (2020).] argumentam que, embora existam diferentes correntes no campo do currículo, há hoje uma posição consensual entre os pesquisadores e acadêmicos de rejeição e de crítica à atual proposta da BNCC, enquanto instrumento de gestão do currículo e da formação docente, entendida como uma tentativa de padronização e de mercantilização da educação, e também por ser um normativo que vai de encontro às políticas de inclusão, tão duramente conquistadas.

No tocante à formação dos professores de Ciências, Batista [2121. M.C. Batista, Um estudo sobre o Ensino de Astronomia na formação inicial de professoresdos anos iniciais. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá (2016).] aponta uma má formação desses profissionais, pois muitos dos docentes que ensinam Ciências no Ensino Fundamental são graduados em Pedagogia ou possuem o curso de formação docente em nível médio (Curso Normal), o que os habilita para lecionar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. No entanto, na prática, esses profissionais têm a responsabilidade de ensinar todas as áreas do conhecimento (incluindo Ciências) aos alunos dessa etapa, e podemos lançar luz sobre se esses docentes se sentem preparados para tal desafio. Sasseron [2222. L.H. Sasseron, Rev. Bras. de Pesquisa em Educação em Ciências 18, 3 (2018).], ao analisar a BNCC, identifica 48 habilidades classificadas como levando em consideração práticas científicas, práticas epistêmicas e ações investigativas para gerar o raciocínio científico e outros aspectos associados ao letramento científico. Isto coloca enorme responsabilidade aos professores dessa etapa da Educação Básica, além de mostrar, segundo a autora, uma incoerência no documento, visto que o Ensino Fundamental em seus Anos Iniciais é uma continuidade da Educação Infantil, onde se esperaria que várias informações e temas já tivessem sido trabalhadas.

Explorando os currículos dos cursos de graduação em Pedagogia e de formação docente em nível médio, existentes em IES do estado da Paraná, quanto às características e fundamentos que norteiam a formação dos professores para o Ensino de Ciências, Batista [2121. M.C. Batista, Um estudo sobre o Ensino de Astronomia na formação inicial de professoresdos anos iniciais. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá (2016).] investigou os livros didáticos utilizados e ofereceu uma oficina de Astronomia básica a um grupo de alunos-professores. Os resultados obtidos mostraram que existe uma disparidade na abordagem do tema Astronomia nas diferentes coleções analisadas, o que dificulta o trabalho do professor. Além disso, foram identificadas falhas na formação dos docentes quanto aos conteúdos de Astronomia, pois o tema pouco aparece nas ementas das disciplinas da formação inicial. Por fim, o autor argumenta que a oficina oferecida contribuiu para a formação dos saberes docentes, e permitiu aos alunos-professores uma visão menos simplista sobre o tema Astronomia.

Por vezes, as lacunas na formação inicial de professores podem ser identificadas em cursos de formação continuada, que mostram ser ferramentas eficazes, capazes de verificar se conhecimentos que deveriam ter sido apreendidos na formação inicial realmente se deram dessa forma. Nesse sentido, diversos estudos indicam que a formação inicial é, por vezes, ineficiente, como Langhi [2323. R. Langhi, Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formaçãode professores. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista, Bauru (2009).], cujos resultados obtidos em seu trabalho apontam para a necessidade de alterações no atual paradigma formativo de professores, a partir de elementos formativos a serem contemplados em programas de educação continuada em Astronomia.

Já Iachel [2424. G. Iachel, Os caminhos da formação de professores e da pesquisa em Ensino deAstronomia. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista, Bauru (2013).] realizou uma pesquisa de natureza qualitativa, no intuito de identificar os pesquisadores tidos como referências nacionais na pesquisa em Educação e Ensino de Astronomia no Brasil. Estes foram entrevistados e se expressaram sobre variados temas relacionados ao estudo proposto. Da análise das falas, o autor foi capaz de inferir conhecimentos sobre a atual situação do ensino e da pesquisa em Educação em Astronomia no País, identificando três aspectos mais expressivos: a introdução de disciplinas relacionadas à Astronomia na formação inicial docente é algo ainda distante do que seria ideal, a formação continuada no Brasil é deficiente e paliativa, e que os espaços não formais de ensino afetos à Astronomia – museus, planetários e observatórios – terão uma importância cada vez maior na formação de professores, ainda que estes espaços estejam mal distribuídos no território nacional.

É justamente a partir da afirmação específica de Iachel [2424. G. Iachel, Os caminhos da formação de professores e da pesquisa em Ensino deAstronomia. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista, Bauru (2013).], de que a introdução de disciplinas relacionadas à Astronomia na formação inicial docente é algo ainda distante do ideal, que estruturamos parte de nossa pesquisa, ao explorar os currículos das Licenciaturas em Física e estimar o percentual de licenciandos que tiveram acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação inicial, concluída no ano de 2019, no Brasil. Entendemos que os temas de Astronomia abordados nesse nível do Ensino não podem se resumir, por exemplo, às leis de Kepler ou à gravitação de Newton, mas sim em uma base de informações estruturadas em forma de disciplina regular, constante da matriz curricular dos cursos.

Assim, o presente trabalho tem a intenção de contribuir com as pesquisas na área de formação de professores, no sentido de apresentar um estudo sobre a formação docente em Física no Brasil, tomando por base o ano de 2019, investigando os dados obtidos de IES e dos professores nelas formados, a fim de identificar características ou padrões quanto à distribuição desses profissionais em termos da localização geográfica e da categoria administrativa das IES, do acesso a disciplinas relacionadas à Astronomia nas licenciaturas, e estimando quantos deles tiveram a oportunidade de cursar disciplinas com essa temática durante sua formação, através da comparação desses dados. O estudo faz, assim, um recorte, enfocando o ano de 2019, e não tem por objetivo generalizar o assunto, tampouco carregar um status de verdade absoluta ou esgotar a questão. Busca-se apenas colaborar com reflexões sobre o tema, pois entendemos que, qualitativamente, devemos fomentar a formação de professores e melhor prepará-los para enfrentar os desafios da sala de aula. E isso passa por uma formação mais completa, como, por exemplo, oferecendo aos licenciandos o acesso a disciplinas de Astronomia.

O presente artigo se justifica na medida em que é importante identificar e entender alguns dos pontos mais delicados da formação docente em Física no Brasil, como o baixo número de concluintes, a não uniformidade regional na formação, ou as IES que mais se destacam nessa formação, bem como ter noção, ainda que por meio de uma estimativa, de como é o acesso dos licenciandos ao Ensino de Astronomia.

Trabalhos semelhantes a este, de análise de dados de desempenho de estudantes ou de censos estudantis, são encontrados com certa frequência na literatura, como o de Vizzotto [2525. P.A. Vizzotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200376 (2021).], que analisou descritivamente diferentes informações de caracterização dos cursos de Licenciatura em Física do País a partir dos microdados do Censo da Educação Superior,3 3 Obtidos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). identificando uma possível associação entre os indicadores de qualidade do INEP e o desempenho dos egressos em exames como o ENADE. Nascimento [77. M.M. Nascimento, Rev. Bras. Ens. Fis. 42, e20200187 (2020).], a partir de microdados obtidos do Censo Escolar de 2018, argumenta que em média, apenas 20% dos professores de Física das escolas públicas estaduais do país possuem formação específica, sendo que que as regiões Centro-Oeste e Norte são as mais impactadas devido às desigualdades encontradas na distribuição de tais profissionais. Numa outra perspectiva, também englobada pelo presente artigo, Gobara e Garcia [2626. S.T. Gobara e J.R.B. Garcia, Rev. Bras. Ens. Fis. 29, 4 (2007).] realizaram um levantamento sobre os cursos de licenciatura do Brasil, a partir de dados obtidos do INEP, a fim de investigar os motivos do déficit de professores de Física verificado nas escolas de Ensino Médio. Os autores apontam que os fatores que motivam esse déficit passam pela dificuldade enfrentada pelos estudantes para se autossustentarem durante o curso, a baixa expectativa salarial em relação à futura profissão – sem perspectiva de melhoria – e ao declínio do status social da profissão. Todavia, pesquisas mais recentes [2727. C. Anteneodo, C. Brito, A. Alves-Brito, S.S. Alexandre, B.N. D’avila e D.P. Menezes,Physical Review Physics Education Research 16, 010136 (2020).] indicam que aspectos sociais e econômicos, como salários futuros e reconhecimento social, raramente aparecem como motivações principais da carreira.

Apresentamos, a seguir, a metodologia empregada em nossa pesquisa, para então trazer, no item 3, os resultados de nosso estudo, inicialmente sob a perspectiva do Ensino de Física como um todo, para possibilitar um posterior aprofundamento dos resultados sob a ótica do Ensino de Astronomia.

2. Metodologia

Segundo Gil [2828. A.C. Gil, Métodos e Técnicas de Pesquisa Social (Editora Atlas, São Paulo, 2008), p. 27.], o presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa do tipo descritivo-explicativa, porque analisa as características das Licenciaturas em Física no Brasil, com ênfase no Ensino de Astronomia, bem como tenta identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência de tais características, na intenção de aprofundar o conhecimento da realidade das licenciaturas e dos licenciandos.

Os dados analisados foram obtidos a partir de três fontes distintas. As informações relativas às IES que oferecem o curso de Licenciatura em Física foram coletadas no portal e-MEC,4 4 Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 05/11/20. do Ministério da Educação (MEC). Dos 336 registros encontrados, excluímos os cursos não iniciados e os não localizados (ou seja, que estavam autorizados a funcionar, mas à época da pesquisa não eram ainda oferecidos), após a consulta individualizada ao sítio eletrônico de cada uma das 154 diferentes IES, que ofereciam um total de 257 cursos. Nessa consulta também foram analisados os currículos, matrizes curriculares e/ou fluxogramas dos cursos em questão quanto à oferta de disciplinas de Astronomia, bem como suas ementas, quando disponíveis.

Já os dados pormenorizados referentes aos profissionais formados nessas mesmas IES no ano de 2019 foram disponibilizados pelo INEP, após solicitação realizada por meio da plataforma Fala.BR -- Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação da Controladoria-Geral da União,5 5 Disponível em: https://sistema.ouvidorias.gov.br/. Acesso em 16/12/20. uma vez que as informações cedidas no sítio do INEP, por meio do Censo da Educação Superior, não atendiam inteiramente as intenções desta pesquisa.

As informações coletadas e recebidas foram submetidas ao tratamento estatístico da ferramenta Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 18 para Windows), e os mapas, que serão apresentados a seguir, foram gerados pela ferramenta Mapas 3D do Microsoft Excel 365 para Windows. As IES foram classificadas segundo a categoria administrativa6 6 As IES cuja administração pertence à esfera Federal foram divididas em duas categorias distintas, as Universidades Federais (UF) e os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF). Elas foram consideradas separadamente por motivos históricos, organizacionais e funcionais, que diferem entre si. Os dados referentes aos IF também englobam os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) do RJ e de MG. Já as IES cuja administração pertence à iniciativa privada não foram diferenciadas quanto à finalidade de lucro – confessionais e/ou filantrópicas. e a localização geográfica; os cursos, segundo a modalidade de ensino e quanto à oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia; e os professores formados foram considerados com relação ao acesso a tais disciplinas. Esses conjuntos de informações foram comparados e relacionados de forma a tentar estimar o percentual de profissionais formados em 2019 que tiveram acesso a disciplinas relacionadas à Astronomia durante sua formação, bem como trazer um recorte atual da formação de professores de Física no Brasil, particularmente no tocante ao acesso a disciplinas de Astronomia.

Cabe ressaltar o fato de que um curso de Licenciatura em Física possui uma duração média de quatro a cinco anos, ao passo que o recorte aqui trazido diz respeito apenas ao ano de 2019, no tocante aos profissionais formados, e ao ano de 2020, em relação aos cursos e disciplinas oferecidas. E é absolutamente normal haver flutuações e diferenças anuais com relação a essa oferta, como podemos constatar ao compararmos os parâmetros comuns desta pesquisa com a realizada por Vizzotto [2525. P.A. Vizzotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200376 (2021).]. Tais variações ocorrem devido à conjuntura na qual o sistema de ensino composto pelas IES está inserido, e que influenciam diretamente os resultados obtidos que serão apresentados a seguir, pois cursos e disciplinas disponíveis em 2019 poderiam não estar nos anos anteriores, em que os profissionais que se formaram nesse ano cursaram suas respectivas graduações, e vice-versa. No entanto, mesmo cientes desse problema, optamos por desconsiderá-lo, pois nossa intenção é apresentar estatísticas e projeções que proporcionem uma visão mais ampla e um panorama que espelhe o entendimento da formação de professores de Física sob a óptica do Ensino de Astronomia no Brasil.

3. Considerações Sobre o Ensino de Física

Apresentaremos, nesta seção, dados e estatísticas gerais sobre a formação de professores de Física no Brasil em 2019.

3.1. Comparação dos cursos oferecidose professores formados segundo amodalidade de ensino no Brasil em 2019

O primeiro resultado aqui trazido (Tabela 1) faz a distinção entre as modalidades Ensino Presencial e Ensino à Distância (EaD), e compara o número de professores formados em cada uma dessas modalidades.

Tabela 1:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física oferecidos e professores formados segundo a modalidade de ensino no Brasil em 2019. Fonte: MEC, INEP.

Não se visualiza, a priori,uma disparidade percentual significativa entre os cursos oferecidos e o número de professores formados em cada modalidade. Todavia, podemos observar que a modalidade EaD responde por um quarto dos profissionais formados no ano de 2019, apesar de representar pouco mais de um sexto dos cursos oferecidos. Um dos motivos que pode explicar essa diferença é que os cursos EaD não são limitados pelo espaço físico de uma sala de aula, e por isso podem comportar turmas mais numerosas. Além disso, 45% dos cursos oferecidos na modalidade EaD são de IES Privadas (como veremos adiante), onde historicamente a razão entre concluintes e matriculados é superior àquela das IES Públicas [66. K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro,2020).].

3.2. Distribuição geográfica dos cursosde Licenciatura em Física no Brasil

A Figura 1 compara a localização geográfica dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil, à esquerda, com a estimativa da distribuição populacional do País em 2020, à direita.

Figura 1:
Comparação da localização dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil com a distribuição populacional do País. Fontes: Autores (esquerda); https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/distribuicao-e-densidade-demográfica (direita).

Podemos perceber que os cursos de Licenciatura em Física concentram-se em duas regiões principais: o centro-sul brasileiro, que inclui a região Sul e a metade sul da região Sudeste; e o litoral/metade norte da região Nordeste. Essas regiões coincidem, de certa forma, com os locais mais densamente povoados do País, como podemos visualizar na Figura 1. Então, numa primeira aproximação, podemos afirmar que a distribuição geográfica dos cursos de Licenciatura em Física é compatível com a distribuição demográfica populacional do Brasil, havendo uma boa distribuição deles.7 7 Uma visão mais aprofundada sobre a distribuição dos cursos de licenciatura pode ser encontrada no trabalho de Vizzotto [25]. Vale ressaltar ainda que as eventuais lacunas geográficas do ensino presencial podem ser preenchidas pelos cursos de EaD.

3.3. A diferença entre cursos autorizados peloMEC e oferecidos pelas IES

A Tabela 2 traz a quantidade de cursos de Licenciatura em Física autorizados a funcionar pelo MEC, em comparação àqueles que são efetivamente oferecidos pelas IES, segundo o tipo de administração da IES.

Tabela 2:
Diferença entre cursos autorizados pelo MEC e efetivamente oferecidos pelas IES no Brasil em 2019, segundo a categoria administrativa das IES. Fonte: MEC, sítios eletrônicos das IES.

Cabe ressaltar que nossa análise sempre será pautada nos dados dos cursos oferecidos. Mas quais são os fatores que levam uma IES a não oferecer um curso autorizado pelo MEC? Nos parece adequado neste momento tecer alguns comentários a respeito da questão levantada. Do montante de 37 cursos, aproximadamente dois terços deles provém de IES privadas, onde a questão econômica é fator preponderante na decisão de ofertar um curso. Não se pode negar que o ensino privado, ainda que muitas vezes organizado em instituições não lucrativas, tem quase sempre um claro componente comercial [2929. J. Schwartzman e S. Schwartzman, O ensino superior privado como setor econômico,disponível em http://www.schwartzman.org.br/simon/pdf/suppriv.pdf, acessado em 09/03/2021.
http://www.schwartzman.org.br/simon/pdf/...
]. O Governo Federal, por sua vez, tem há mais de uma década incentivado as matrículas em IES privadas através de programas sociais voltados à Educação, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Ainda assim, isso não é garantia de oferta, uma vez que, por motivos econômicos, a demanda deve justificar a oferta – quadro que não se verifica nas IES públicas. Além desses fatores, poderíamos ainda justificar a falta de demanda por matrículas nas IES privadas por conta da pandemia do Coronavírus (SARS-CoV-2), que afetou profundamente a atividade econômica e social no mundo todo em 2020.

3.4. Considerações a respeito da formaçãode professores

A fim de preparar os dados para a análise com foco no Ensino de Astronomia, vamos investigar como se deu a distribuição dos professores formados no Brasil em 2019 segundo o tipo de administração da IES, a localização da IES, e, por fim, com essas duas variáveis combinadas. A Tabela 3 traz essa distribuição segundo o tipo de administração da IES, diferenciando ainda os dados quanto à modalidade de ensino.

Tabela 3:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física oferecidos e professores formados, segundo o tipo de administração da IES e a modalidade de ensino no Brasil em 2019, e a razão de professores formados (PF) por cursos oferecidos (CO). Fonte: MEC, INEP.

Na média geral, cada IES formou menos de 10 professores de Física em 2019, o que, em parte, explica o grande déficit desses profissionais no Brasil e corrobora o resultado de pesquisas semelhantes [2626. S.T. Gobara e J.R.B. Garcia, Rev. Bras. Ens. Fis. 29, 4 (2007)., 3030. R.C. Schwerz, N.N.M. Deimling, C.V. Deimling e D.C. Silva, Pro-Posições 31, 1 (2020).]. Se considerarmos que muitas IES oferecem turmas semestrais, esses números caem para menos de cinco licenciados por semestre por IES. Nas IES de administração pública, essa razão foi inferior a nove. Este número confirma o que historicamente ocorre no País, onde a razão média entre concluintes e matrículas nos cursos de formação de professores de Física desde o ano de 2000 é da ordem de 10% para as IES públicas e de 15% nas IES privadas [66. K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro,2020).]. Podemos observar que as IES públicas formaram, em média, a metade de professores por curso quando comparadas às IES privadas. Estas, apesar de oferecerem apenas de 15% dos cursos, foram responsáveis por mais de 25% dos professores de Física licenciados em 2019 – a grande maioria em cursos não presenciais, como discutido na Seção 3.1 3.1. Comparação dos cursos oferecidose professores formados segundo amodalidade de ensino no Brasil em 2019 O primeiro resultado aqui trazido (Tabela 1) faz a distinção entre as modalidades Ensino Presencial e Ensino à Distância (EaD), e compara o número de professores formados em cada uma dessas modalidades. Tabela 1: Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física oferecidos e professores formados segundo a modalidade de ensino no Brasil em 2019. Fonte: MEC, INEP. Modalidade de Ensino Cursos oferecidos (%) Professores formados (%) Presencial 213 (82,9%) 1831 (74,5%) A Distância 44 (17,1%) 628 (25,5%) Total 257 (100%) 2459 (100%) Não se visualiza, a priori,uma disparidade percentual significativa entre os cursos oferecidos e o número de professores formados em cada modalidade. Todavia, podemos observar que a modalidade EaD responde por um quarto dos profissionais formados no ano de 2019, apesar de representar pouco mais de um sexto dos cursos oferecidos. Um dos motivos que pode explicar essa diferença é que os cursos EaD não são limitados pelo espaço físico de uma sala de aula, e por isso podem comportar turmas mais numerosas. Além disso, 45% dos cursos oferecidos na modalidade EaD são de IES Privadas (como veremos adiante), onde historicamente a razão entre concluintes e matriculados é superior àquela das IES Públicas [6]. . Os cursos EaD formaram em média cerca de 70% mais profissionais por curso, quando comparados aos da modalidade presencial. Mas os cursos EaD das IES privadas formaram, em 2019, duas vezes e meia mais profissionais do que a média nacional, destacando-se em absoluto no País. Todavia, a qualidade dos cursos oferecidos na modalidade EaD é motivo de controvérsia. Os indicadores mais utilizados para dimensionar a qualidade dos cursos superiores são o Conceito Preliminar de Curso (CPC), o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e o Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD). Vizzotto [2525. P.A. Vizzotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200376 (2021).] identificou que metade deles não possui CPC e quase o mesmo percentual não possui conceito no ENADE, o que lhes confere o conceito zero. Já no IDD, mais de 60% deles possuem o conceito zero. Nenhum curso EaD recebeu o conceito máximo em qualquer dos indicadores.

Notamos ainda a grande quantidade de cursos oferecidos por IF, que apesar de sua recente criação8 8 Os IF foram criados ao final de 2008, a partir da transformação e integração de instituições já existentes: Escolas Técnicas Federais, os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) e de Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. em comparação às demais IES, possuem status de Universidade no que concerne à regulação, avaliação e supervisão, mas com finalidades e características específicas, como a oferta de educação profissional técnica de nível médio, de nível superior com foco em licenciaturas e cursos de características tecnológicas [3131. T.I. Pasqualetto, O ensino de física via aprendizagem baseada em projetos: um estudo àluz da teoria antropológica do didático. Tese de Doutorado, Universidade Federal do RioGrande do Sul, Porto Alegre (2018).]. Ainda podemos perceber que as IES Municipais têm um papel quase irrelevante na formação de professores de Física no Brasil, tanto na oferta quanto no número de profissionais colocados no mercado de trabalho, motivo pelo qual nem sempre constarão de nossa análise.

Já a Tabela 4 estabelece a relação entre o número de cursos oferecidos e a quantidade de professores formados segundo a localização da IES, levando em conta ainda a população9 9 Estimativa da população brasileira em 2019. Fonte: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html. Acesso em 15/02/21. de cada região.

Tabela 4:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física oferecidos e professores formados, segundo a localização da IES no Brasil em 2019, em termos absolutos, percentuais e populacionais. Fonte: MEC, INEP.

A região Sudeste destaca-se nesse recorte, pois apesar de concentrar apenas 28% dos cursos oferecidos, possui mais de 40% dos professores formados, e por isso obtém o melhor índice de professores formados por curso no País. Quando comparada às demais regiões, esse panorama se inverte, e a região Norte surge com a pior taxa de professores formados por curso. Esses dados, quando analisados sob a perspectiva populacional, não apontam uma disparidade superior a 30% entre as regiões na quantidade de professores formados por milhão de habitantes – o Nordeste apresenta o melhor cenário, e o Centro-Oeste, o pior. Esse é um indicativo importante que envolve a questão do déficit de professores de Física, pois somente com números mais expressivos de concluintes começaremos a resolver esse problema.

Por fim, a Tabela 5 combina as duas tabelas anteriores, detalhando a quantidade de profissionais formados de acordo com a localização e o tipo de administração da IES, em termos absolutos (linha superior) e percentuais (linha inferior). Os valores absolutos PF grifados em verde significam que a razão PF/CO é superior à média nacional (trazidos na Tabela 3), enquanto os grifados em vermelho indicam que a razão é inferior. Os percentuais grifados, por sua vez, querem apenas chamar a atenção para alguma semelhança ou diferença significativa.

Tabela 5:
Distribuição do número de cursos oferecidos de Licenciatura em Física (CO) e de professores formados (PF) no Brasil em 2019, segundo a localização e o tipo de administração da IES, em termos absolutos e percentuais. Fonte: MEC, INEP.

A região Nordeste se caracteriza pela oferta de cursos de IES prioritariamente de administração pública, em sua maioria IF, localizados principalmente no interior da região, como mostraremos a seguir. Mas também é notória a contribuição das IES Estaduais e das UF, com patamares bem próximos. Em relação à média nacional, os cursos oferecidos pelos IF e pelas IES Estaduais licenciaram mais professores em 2019.

O Sudeste, por sua vez, apesar de caracterizar-se por ter a maior oferta de cursos por UF, teve a maior parte de seus professores de Física formados por IES privadas, talvez por possuir uma das maiores rendas per capita do Brasil. As UF da região entregaram, na média, a mesma quantidade de profissionais que as demais IES do Brasil; ocorre, aqui, que a comparação se torna desigual, uma vez que as IES privadas formam cerca de 50% a 150% mais profissionais por curso, como discutido anteriormente. De qualquer forma, todas as categorias de IES do Sudeste licenciaram, proporcionalmente, mais professores de Física do que a média nacional.

No Sul, as IES privadas destacam-se regionalmente tanto na quantidade de cursos oferecidos quanto no número de profissionais formados em 2019, seguidas das UF, IF e IES Estaduais. A região se caracteriza também por não apresentar grandes variações percentuais entre o número de cursos oferecidos e a quantidade de professores formados em cada tipo de IES. Todavia, o que chama a atenção é que todas as categorias de IES da região Sul formaram em 2019 menos profissionais por curso em comparação à média nacional, fato que é preocupante11 11 Em 2019, o Estado do Rio Grande do Sul publicou uma portaria estabelecendo uma nova organização curricular nas escolas da Rede Estadual de Ensino, que reduziu a quantidade de tempos de aula semanais de Física no Ensino Médio. Originalmente tínhamos dois tempos de aula semanais por ano letivo, e passamos a ter apenas um tempo no 1° e 2° Anos, e nenhum no 3° Ano. Se a quantidade de professores de Física formados na região Sul já se mostra abaixo da média nacional, entendemos que ações como essa apenas agravam o quadro, além de não oferecerem solução ao problema do déficit de profissionais da área. Não é acabando com a disciplina de Física (e outras) que resolveremos a questão da falta de professores. e merecedor de reflexão.

A região Norte caracteriza-se por uma forte participação das UF (acima da média nacional, inclusive), responsáveis por praticamente dois terços dos profissionais formados na região, o que é contrastado pelo baixo número de licenciados pelos IF e, principalmente, pelas IES Estaduais – em 2019, em que cada curso entregou à sociedade apenas dois professores. Entendemos que é preciso pesquisar as causas e investir urgentemente em medidas para evitar a evasão nas IES públicas, sob pena de haver desperdício de recursos humanos e financeiros.

No Centro-Oeste, as UF são referência em número de cursos e quantidade de profissionais formados (apesar de formarem menos profissionais que a média nacional), com baixa participação dos IF e das IES Estaduais. No entanto, as IES privadas, mais uma vez, se destacam pela alta taxa de formação, em comparação à média nacional.

Com relação à categoria administrativa das IES, nossa análise mostrou que as UF são mais relevantes nas regiões Norte e Centro-Oeste, pois respondem por mais da metade dos licenciados naqueles locais; em valores absolutos, destacam-se na região Sudeste, que junto com a região Norte, possuem também os melhores índices de profissionais formados por curso.

Os IF se destacaram no Nordeste, pela quantidade de professores licenciados, e no Sudeste; e novamente no Nordeste pelos altos índices de formação, acima da média nacional para os IF. As demais regiões apresentaram resultados mais modestos, talvez pela recente implantação dos IF e dos próprios cursos de licenciatura.

As IES Estaduais são absolutamente relevantes na região Nordeste, tanto na quantidade de cursos oferecidos (quase a metade do país) quanto no número de profissionais formados (idem). Aqui, a exemplo dos IF, o Sudeste e o Nordeste se sobressaem pelos índices de formação acima da média nacional para as IES Estaduais. Na contramão desse panorama, as regiões Centro-Oeste e Norte (essa última, principalmente) apresentaram os piores índices de formação dentre todas as categorias analisadas.

É difícil fazer qualquer análise sobre as IES Municipais, sobretudo pelo baixo número de cursos oferecidos e profissionais formados. Chama atenção apenas o fato de haver, no Sudeste, professores formados sem que se tenha atualmente algum curso oferecido. Cabe lembrar, no entanto, que o cenário de oferta de cursos é dinâmico, podendo ocorrer num ano e no outro não. Assim, interpretamos que essa população pode decorrer de algum curso oferecido no passado, mas não em 2019, haja vista que os dados disponibilizados pelo INEP não fazem menção às IES de origem dos professores licenciados.

A presença de IES privadas nas regiões Norte e Nordeste é pouco relevante, muito em função do baixo poder aquisitivo da população desses locais (as unidades federativas dessas regiões ocupam as últimas posições do ranking de rendimento domiciliar per capita do IBGE do ano de 201912 12 Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/26956-ibge-divulga-o-rendimento-domiciliar-per-capita-2019. Acesso em 15/02/21. ). Em contrapartida, as regiões Sudeste e Sul tiveram nas IES privadas a principal fonte de profissionais formados em 2019, chegando a quase 40% no Sudeste. Os estados dessas regiões ocupam sete das dez primeiras posições no ranking supracitado, e a renda per capita de seus cidadãos chega a ser até duas vezes maior quando comparada aos estados das regiões Norte e Nordeste. No entanto, apenas as IES privadas das regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentaram índices de formação superiores à média nacional para sua categoria.

4. Considerações Sobre o Ensino de Astronomia

Inicialmente traçaremos um panorama geral sobre a presença de disciplinas relacionadas à Astronomia nas IES investigadas, e posteriormente vamos analisar, pormenorizadamente, como se dá essa distribuição de acordo com administração da IES.

4.1. Oferta de disciplinas relacionadasà Astronomia, de acordo com a naturezada disciplina ofertada

Quando classificadas quanto à presença de disciplinas relacionadas à Astronomia em seus currículos, os cursos de licenciatura oferecidos pelas IES pesquisadas distribuem-se conforme a Tabela 6. De maneira a destacar os índices mais relevantes, adotamos, a partir da Tabela 6, uma escala de cores para identificar a natureza das disciplinas relacionadas à Astronomia: em verde, disciplinas que são oferecidas na forma obrigatória; em laranja, na forma opcional; e em vermelho, quando os cursos não oferecem nenhuma disciplina de Astronomia. Essa mesma escala de cores é adotada nos mapas, apresentados na sequência deste trabalho.

Tabela 6:
Distribuição do número de cursos de Licenciatura em Física segundo a oferta (ou não) de disciplinas de Astronomia no Brasil em 2019, em termos absolutos e percentuais. Fonte: sítio eletrônico das IES.

Percebemos, de antemão, que mais de 60% dos cursos investigados oferecem alguma disciplina relacionada à Astronomia na formação de seus professores. Todavia, desse universo pouco mais de 40% das disciplinas são de natureza obrigatória, o que reflete um percentual absoluto de apenas 25% do total de cursos. Ou seja, apenas um em cada quatro cursos possui em seu currículo disciplinas obrigatórias de Astronomia, e quase 40% dos cursos não oferecem essas disciplinas em nenhuma modalidade.

4.2. Natureza das disciplinas relacionadasà Astronomia, de acordo com o tipo deadministração da IES e sua localização

Na intenção de explorar um pouco mais a presença de disciplinas relacionadas à Astronomia nos currículos dos cursos de licenciatura oferecidos pelas IES do Brasil, classificamos os dados obtidos segundo a categoria administrativa (Tabela 7) e a localização das IES (Tabela 8) pesquisadas.

Tabela 7:
Distribuição da natureza das disciplinas relacionadas à Astronomia encontradas em cursos de Licenciatura em Física no Brasil em 2019, segundo a categoria administrativa das IES. Fonte: sítio eletrônico das IES.
Tabela 8:
Distribuição da natureza das disciplinas relacionadas à Astronomia encontradas em cursos de Licenciatura em Física no Brasil em 2019, segundo a localização das IES. Fonte: sítio eletrônico das IES.

Chama a atenção que nenhuma categoria de IES se sobressai quanto à obrigatoriedade de disciplinas de Astronomia nos currículos dos cursos oferecidos, tendo os IF e as UF, respectivamente, os maiores e menores percentuais de oferta. Essas mesmas IES destacam-se quanto à oferta de disciplinas optativas, enquanto as licenciaturas das IES estaduais e privadas se evidenciam pela não oferta das referidas disciplinas. No geral, as IES privadas são as que menos disponibilizam disciplinas de Astronomia aos seus discentes, o que impacta significativamente o número de profissionais formados que não tiveram acesso a tais cursos em sua formação, uma vez que essa categoria de IES foi responsável por um quarto dos professores formados em 2019, como já mencionado.

Percebemos aqui que as IES da região Sul são as que mais se destacam na oferta de cursos que disponibilizam uma formação com conteúdos de Astronomia aos seus discentes, seja na forma obrigatória – com quase metade dos cursos – ou optativa. No entanto, esse impacto é pouco sentido em termos gerais, já que a região foi responsável por menos de 15% dos professores formados, em 2019, no Brasil. O que se vislumbra, na verdade, é que nas regiões Nordeste e Sudeste, onde foram formados mais de 70% dos profissionais no período, as IES oferecem disciplinas de Astronomia predominantemente na modalidade optativa – ou, numa visão ainda menos otimista, nem oferecem, como pode ser visto em quase metade das IES da região Nordeste. Além dela, as regiões Norte e Centro-Oeste também se destacam pela não oferta de disciplinas de Astronomia. A Figura 2 apresenta, geograficamente, a localização das IES no território nacional segundo a oferta de disciplinas de Astronomia: em verde, as que oferecem, em laranja, as opcionais, e em vermelho, as que não oferecem. Podemos perceber que os dados da Tabela 8 estão refletidos na Figura 2,14 14 Os mapas trazem a localização das IES no Território Nacional. No entanto, quando comparados às tabelas, podem apresentar algumas ambiguidades, pois podem ocorrer sobreposições de informações. Por exemplo, uma IES pode possuir mais de um currículo aprovado pelo MEC (diurno e noturno), e por isso é contabilizada como possuindo dois cursos distintos. Porém, a localização física da instituição é a mesma. Além disso, grandes centros (normalmente capitais) podem sediar mais de uma IES, e as informações podem ficar sobrepostas quando apresentadas nos mapas. com uma forte concentração de cursos que oferecem disciplinas obrigatórias na região centro-sul do Brasil, ao passo que a região Nordeste se destaca mais pela não oferta de tais disciplinas.

Figura 2:
Localização dos cursos de Licenciatura em Física no Brasil segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autores.

4.3. Análise das Licenciaturas em Física das UF, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia

Deste ponto em diante, discutiremos de maneira pormenorizada as Licenciaturas em Física das IES brasileiras segundo sua categoria administrativa. Apresentaremos mapas e tabelas com a localização e distribuição das IES segundo a região e a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, e faremos uma projeção do acesso dos profissionais formados em 2019 a essas disciplinas, através do cruzamento dos dados dos professores formados segundo a localização e o tipo de administração da IES (Tabela 5) e da natureza das disciplinas relacionadas à Astronomia, segundo a categoria administrativas das IES (Tabela 7).

Analisando a Figura 3, podemos perceber que as UF se concentram mais fortemente na região Sudeste e no litoral da região Nordeste. Apesar dessa distribuição irregular, todas as unidades da federação contam com ao menos um curso de Licenciatura em Física oferecido por uma UF, fato este que é exclusivo dessa classe de IES. Pode parecer que algumas regiões não são tão bem assistidas quanto outras – como seria o caso da região Norte em comparação com o Sudeste, por exemplo. Todavia, segundo Vizzotto [2525. P.A. Vizzotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200376 (2021).], a densidade de cursos de Física a cada milhão de habitantes é maior nos estados da região Norte do que no Sudeste, o que explica em parte essa distribuição. A Tabela 9 quantifica os dados expostos pela Figura 3.

Tabela 9:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física das UF do Brasil em 2019, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, com a projeção de professores formados. Fontes: MEC, INEP, sítio eletrônico das IES.
Figura 3:
Localização dos cursos de Licenciatura em Física das UF no Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autores.

Percentualmente, no universo das UF, o Sul é a região brasileira que mais se destaca na oferta de cursos que proporcionam uma formação de professores com conteúdos de Astronomia de natureza obrigatória, com uma oferta 50% superior à média nacional das UF, mas ainda abaixo do desejável. No geral, as UF se sobressaem principalmente na oferta de cursos com disciplinas de Astronomia optativas, com quase metade das licenciaturas. O destaque negativo são as UF da região Norte, onde mais de 70% delas não oferecem disciplinas de Astronomia. Também chamou atenção a baixa quantidade de professores formados no ano de 2019 que tiveram acesso a disciplinas de Astronomia obrigatórias em sua formação nas UF – segundo nossa projeção, menos de 20%. Quase metade dos licenciandos tiveram acesso apenas a disciplinas optativas, e um terço deles não tiveram acesso a tais disciplinas.

4.4. Análise das Licenciaturas em Física dos IF, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia

Uma das principais características dos IF é a quantidade de campi vinculados ao campus central de cada Instituto. Ao observarmos a Figura 4, cujos dados estão quantificados na Tabela 10, verificamos que não é raro encontrar unidades da federação com cinco ou mais campi em seus domínios (apesar de alguns estados possuírem mais de um IF). Essa dinâmica de distribuição levou a um processo de interiorização desses campi, de modo a povoar mais intensamente as regiões em que se dão suas atuações. Assim, percebemos uma melhor distribuição dos IF em comparação às UF, com uma maior concentração sendo notada no interior da região Nordeste. Apesar de todas as unidades da federação possuírem ao menos um IF, nem todos oferecem o curso de Licenciatura em Física, motivo pelo qual algumas unidades da federação não aparecem contempladas na Figura 4.

Tabela 10:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física dos IF do Brasil em 2019, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, com a projeção de professores formados. Fontes: MEC, INEP, sítio eletrônico das IES.
Figura 4:
Localização dos cursos de Licenciatura em Física dos IF no Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autores.

Os IF são a classe de IES que mais se sobressaem na oferta de cursos com disciplinas obrigatórias de Astronomia, tanto em números absolutos quanto relativos, principalmente pela contribuição da região Sudeste e, em menor proporção, da região Sul. No entanto, a maior parcela de IF oferece apenas disciplinas optativas – muito em função da influência da região Nordeste – apesar de existir uma distribuição relativamente equitativa nos percentuais das categorias. A região Nordeste ainda se destaca negativamente, pois apenas um dos 32 IF ali localizados oferece cursos com disciplinas obrigatórias de Astronomia. Ainda assim, percebemos que os IF se destacam das demais IES, pois sua estrutura tem por base integrar o Ensino Médio e a Educação Profissional, na tentativa de superar essa dicotomia, possibilitando uma formação contextualizada, e tratando, no mesmo patamar, os conhecimentos técnicos e científicos [3232. M.M. Nascimento, O acesso ao ensino superior público brasileiro: um estudo quantitativoa partir dos microdados do Exame Nacional do Ensino Médio. Tese de Doutorado,Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2019).].

Nossa projeção mostra que parcela quase idêntica de professores formados nos IF em 2019 teve acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação, quer seja de natureza obrigatória ou opcional, totalizando mais de 70% do público – o melhor índice entre as IES consideradas – muito em função do desempenho alcançado pelo Sudeste. Em contrapartida, o Nordeste liderou na projeção de professores formados que não cursaram disciplinas de Astronomia durante suas licenciaturas. Logo, essa distribuição, em termos da região considerada, se dá de forma desigual.

4.5. Análise das Licenciaturas em Física das IESEstaduais, segundo a oferta de disciplinasrelacionadas à Astronomia

Se havia, até este ponto da análise, uma distribuição relativamente homogênea nas IES administradas pelo Governo Federal, que contemplava praticamente todas as unidades da federação, tal cenário inexiste com relação às IES administradas pelos Governos Estaduais. O que observamos na Figura 5 são dois bolsões bem definidos – um mais ao Sul, que engloba principalmente os estados de SP e PR, e outro, ao norte, na porção próxima ao litoral da região Nordeste – onde se concentram a maior parte das IES Estaduais que oferecem Licenciaturas em Física. Entendemos que este cenário se desenha porque cada unidade da federação tem autonomia para implementar suas IES, ou não, e obviamente as condições políticas, econômicas e educacionais são diversificadas em cada um deles. Os dados referentes às IES Estaduais estão contidos na Tabela 11.

Tabela 11:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física das IES Estaduais do Brasil em 2019, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, com a projeção de professores formados. Fontes: MEC, INEP, sítio eletrônico das IES.
Figura 5:
Localização dos cursos de Licenciatura em Física das IES Estaduais no Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autores.

Notamos que as regiões Sul e Norte apresentam os melhores índices de disciplinas obrigatórias, apesar do baixíssimo impacto avaliado em relação ao número de professores formados na região Norte. A região Sudeste se destaca quanto às disciplinas de Astronomia de natureza optativa, enquanto o Nordeste destaca-se pela não oferta de disciplinas destas. No geral, as IES Estaduais caracterizam-se pela não oferta de tais disciplinas, com mais de 40% das licenciaturas. Elas também são, entre as IES de administração pública, as que projetam o maior índice de professores formados em 2019 que não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação, com índice também superior a 40%.

4.6. Análise das Licenciaturas em Física das IESPrivadas, segundo a oferta de disciplinasrelacionadas à Astronomia

Em um quadro similar às IES de administração Estadual, as IES Privadas também se concentram em determinadas faixas do País – neste caso, nas regiões Sul e Sudeste. A Figura 6 e a Tabela 12 trazem os dados pormenorizados desta classe de IES.

Tabela 12:
Distribuição dos cursos de Licenciatura em Física em IES Privadas do Brasil em 2019, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, com a projeção de professores formados. Fontes: MEC, INEP, sítio eletrônico das IES.
Figura 6:
Localização dos cursos de Licenciatura em Física das IES Privadas no Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autores.

Apesar de despontarem em todas as regiões do País, quase 80% das IES Privadas que oferecem o curso de Licenciatura em Física localizam-se nas regiões Sul e Sudeste. Essa concentração explica-se, dentre outros fatores, pela concentração de renda nessas regiões e um desenvolvimento industrial e econômico mais acentuado, como já tratado, o que facilita o acesso do licenciando ao Ensino Superior em uma IES Privada. Ademais, neste recorte, novamente a região Sul se destaca das demais pela oferta de cursos com disciplinas de Astronomia obrigatórias, concentrando 70% do total. Verificamos, no entanto, que todas as regiões analisadas têm na não oferta sua parcela preponderante, perfazendo praticamente 60% do total de IES Privadas. Nossa projeção aponta ainda que de cada cinco professores formados nesta categoria de IES em 2019, três não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia, um teve acesso na modalidade opcional e outro na modalidade obrigatória. Esses números são ainda mais impactantes se considerarmos que essa categoria de IES respondeu por um quarto dos professores de Física formados no Brasil no mesmo período.

4.7. Disciplinas de Astronomia oferecidas nas Licenciaturas em Física

Quais disciplinas de Astronomia são oferecidas nas Licenciaturas em Física no Brasil? Quais assuntos pautam suas ementas? Quem as ensina? Qual é a formação dos responsáveis pela estruturação curricular dessas disciplinas? Como entendemos que uma análise mais aprofundada dessas questões pode motivar novos estudos na área, nossa intenção aqui é apresentar um panorama abrangente, tanto quanto possível, dos achados da análise, ainda que não aprofundada das ementas das disciplinas relacionadas à Astronomia que estavam disponíveis nos sítios eletrônicos das IES. Ao todo, encontramos 151 disciplinas com as mais diversas denominações. Inicialmente, agrupamos as disciplinas e as classificamos de maneira mais geral, de acordo com a área que sua denominação abordava. A Figura 7 traz os resultados dessa análise inicial.

Figura 7:
Classificação das disciplinas relacionadas à Astronomia, oferecidas pelos cursos de Licenciatura em Física das IES do Brasil, segundo a área de concentração.
Fonte: Autores, a partir dos títulos e ementas disponíveis nos sítios das IES.

Podemos perceber que mais da metade das disciplinas fazem menção direta à Astronomia em sua denominação, principalmente na forma de cursos introdutórios, e boa parte delas associam a Astronomia a alguma outra área, como a Astrofísica, a Cosmologia e até mesmo a Cartografia. Nesse sentido, destacamos o fato de que quase 10% das disciplinas oferecidas na graduação estão relacionadas ao Ensino de Astronomia, o que indica a preocupação de algumas IES com o assunto. Todavia, esse número poderia ser maior, pois entendemos que a forma como se aborda e se ensina a Astronomia é muito relevante. A Astrofísica (principalmente), a Cosmologia e a Gravitação são outras áreas abrangidas por disciplinas específicas, o que pode refletir o interesse por parte das Licenciaturas em dar um tratamento mais aprofundado a tais assuntos.

Quando classificadas segundo sua denominação, notamos que quase 40% das disciplinas são de Introdução, Fundamentos ou da própria Astronomia, como nos mostra a Figura 8. Percebemos, também, uma boa quantidade de disciplinas ligadas à Astrofísica e à Cosmologia. No entanto, como essa classificação leva em conta a denominação completa da disciplina, a maioria delas, quase um terço, enquadra-se na categoria Outras Denominações.

Figura 8:
Distribuição das disciplinas relacionadas à Astronomia, oferecidas pelos cursos de Licenciatura em Física das IES do Brasil, segundo sua denominação. Fonte: Autores, a partir dos títulos e ementas disponíveis nos sítios das IES.

A análise do conteúdo das ementas de tais disciplinas não é contemplada nessa pesquisa. Ainda assim, podemos elencar as principais palavras-chave das ementas, trazidas na Figura 9, que podem ser interpretadas como os assuntos mais abordados nas disciplinas. Além das palavras que remetem às próprias disciplinas, como Astronomia, Astrofísica ou Cosmologia, verificamos que boa parte das palavras-chave fazem menção a objetos astronômicos, como a Terra, Lua, Sol, planetas, estrelas, galáxias e o Universo; fenômenos astronômicos, como estações (do ano), eclipses, fases (da lua); conceitos diretamente ligados à Física, como movimentos, distâncias, evolução, tempo, modelos, formação, sistemas, coordenadas; e conceitos relacionados à observação do céu (telescópios, instrumentos, observacional, céu).

4.8. Resumo da projeção de professoresformados em disciplinas de Astronomia

Trazemos, na Tabela 13, um resumo das projeções de professores formados e que cursaram disciplinas de Astronomia relativamente aos aspectos discutidos até aqui, a fim de facilitar uma análise final.

Tabela 13:
Resumo da projeção de professores de Física formados no Brasil em 2019, segundo a localização da IES, o tipo de administração da IES e a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia (excluídas as IES Municipais). Fontes: MEC, INEP, sítio eletrônico das IES.

Os números aqui tentativamente projetados para a região Sul são, de certa forma animadores, pois lá, três em cada quatro profissionais formados em 2019 tiveram acesso a disciplinas de Astronomia, sendo que quase metade desse público cursou essas disciplinas na modalidade obrigatória. No entanto, esses números têm pouco impacto no cenário nacional, pois a região responde por apenas 15% do total de professores de Física formados no País. A região Norte, por sua vez, teve o pior desempenho em termos de não oferta de cursos com disciplinas de Astronomia (62,2%) dentre as regiões brasileiras. O Nordeste é a região com menor projeção de professores formados com acesso a disciplinas obrigatórias (11,4%), e isso é extremamente impactante em termos nacionais, já que essa região responde por um terço dos professores licenciados em 2019. A região Sudeste se caracteriza por uma distribuição quase equitativa entre as categorias de oferta de disciplinas, mas ainda com certa prevalência de professores que passaram por cursos de formação que ofereciam disciplinas opcionais ou que não as ofereciam. A região Centro-Oeste foi a responsável pelo menor número de licenciados, e quase metade deles não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia.

Quando analisados sob a categoria tipo de administração das IES, os números de nossa projeção mostram que as UF apresentaram o menor índice de professores formados que tiveram acesso a disciplinas de Astronomia (19%), ficando abaixo, inclusive, das IES Privadas. Em contrapartida, os IF destacam-se positivamente nesse ponto, pois permitiram projetar uma formação pautada em conteúdos de Astronomia a mais de 70% de seus licenciados em 2019. Em termos de não oferta, projetamos que as IES Privadas e Estaduais obtiveram os maiores índices, enquanto as IES de administração Federal, principalmente as UF, se destacaram na oferta de disciplinas optativas.

Um outro modo de interpretar os dados dessa pesquisa pode se dar através da Análise de Correspondência Múltipla (ACM) [3333. J.F. Hair Jr., W.C. Black, B.J. Babin, R.E. Anderson e R.L. Tatham, Análise Multivariadade Dados (Bookman, Porto Alegre, 2009).], que é um método de escalonamento multidimensional que utiliza dados cruzados para criar mapas bidimensionais, a fim de posicionar as categorias de todas as variáveis em um único gráfico, facilitando a percepção de variáveis categóricas que podem estar associadas. O mapa gerado dispõe as categorias de tal forma que a distância entre suas variáveis indica o grau de associação entre elas. Ou seja, quanto mais próximas duas categorias estiverem no mapa, maior a sua associação. A Figura 10 apresenta o resultado da ACM, gerada através da ferramenta SPSS, com relação às categorias região, categoria administrativa, natureza da disciplina de Astronomia e modalidade de ensino, e talvez pode ser mais bem analisada pelo distanciamento observado entre algumas categorias do que pela proximidade. Ela corrobora os principais pontos de nosso estudo, comentados anteriormente, como a forte ligação da região Sul e dos IF com disciplinas de Astronomia de natureza obrigatória, ao passo que nas demais regiões e IES predominam disciplinas optativas ou a não oferta. As IES privadas estão mais presentes nas regiões Sudeste e Sul, e se destacam mais pela oferta de EaD do que de Ensino Presencial – cenário oposto ao apresentado pelas demais IES.

Figura 9:
Nuvem de palavras15 15 Gerada pelo sítio eletrônico https://www.jasondavies.com/wordcloud/. Acesso em 29/04/21. gerada a partir do compilado de ementas das disciplinas relacionadas à Astronomia, oferecidas pelos cursos de Licenciatura em Física das IES do Brasil. Fonte: Autores, a partir dos títulos e ementas disponíveis nos sítios das IES.
Figura 10:
Configuração das variáveis das categorias Região, Categoria Administrativa, Natureza da disciplina e Modalidade de Ensino, referente aos cursos de Licenciatura em Física das IES do Brasil, gerado pela técnica de Análise de Correspondência Múltipla. Fonte: Autores.

Dessa forma, no cenário nacional, nossa análise projeta que apenas um em cada quatro professores de Física formados no Brasil em 2019 teve acesso a disciplinas de Astronomia na modalidade obrigatória durante sua formação, pouco mais de um terço pode optar em cursar alguma disciplina relacionada à Astronomia, e mais de 40% não tiveram essa opção, pois não havia a oferta de tais disciplinas em seus respectivos cursos de formação de professores. Uma análise otimista desses dados concluirá que a maioria dos licenciados, se não teve disciplinas obrigatórias, ao menos teve a opção de cursá-las durante sua graduação. Já em um quadro mais pessimista dir-se-á que não é possível fazer qualquer projeção a respeito da opção dos licenciandos, e por isso deve-se tomar como base que esses alunos optaram por não cursar tais disciplinas; logo, esta visão dará conta de que apenas um quarto dos professores formados em 2019 cursou, efetivamente, disciplinas de Astronomia durante sua graduação, o que nos permite, de certa forma, ter um panorama da situação atual. Diante destes dois cenários poderíamos nos questionar: qual faz mais sentido, ou atende melhor normativos recentes, como a BNCC, que prevê a discussão de vários tópicos de Astronomia e Física?

O ponto chave da questão levantada está pautado nas disciplinas optativas, ou seja, na opção, dentre um rol de disciplinas, que o licenciando deve cursar durante sua graduação – e que inclusive encontra amparo no Art. 3° da LDB, que trata do princípio da liberdade de aprender. Possivelmente não seja suficiente o licenciando, na melhor das hipóteses, realmente estar preparado e ciente da importância da sua decisão, mas é preciso que os cursos de graduação (em seus Projetos Pedagógicos de Curso e grades curriculares) tenham presente essa preocupação e estejam na vanguarda das tendências atuais. Deixar a decisão por conta do licenciando é um risco, pois ele pode não ter maturidade acadêmica suficiente para identificar lacunas na matriz curricular do seu curso de formação inicial, o que afetará futuramente sua profissão docente e a própria empregabilidade. Diante das questões aqui levantadas, nos parece que delegar esse tipo decisão para o estudante, num assunto de extrema relevância – como é o caso da Astronomia para a Física – é transferir para ele uma responsabilidade que seria das IES. Queremos crer que, diante do que foi exposto neste trabalho, não há dúvidas, ao menos em relação ao ensino de disciplinas relacionadas à Astronomia nos cursos de formação de professores de Física no Brasil, de que os currículos devem ser revistos e rediscutidos na área de formação de professores, a fim de contemplarem essa parte do Ensino, tornando-os mais atraentes aos licenciandos, e com isso – quem sabe – diminuir a evasão escolar e, como consequência, o déficit de professores. Especialmente, com vistas a incluir disciplinas de Astronomia ou tornar aquelas que são optativas em obrigatórias nos currículos das Licenciaturas em Física.

9. Considerações Finais

Este trabalho, de natureza descritivo-explicativa, teve por finalidade expor e comparar dados extraídos de fontes públicas, de maneira a elucidar pontos da formação de professores de Física no Brasil, particularmente no que diz respeito ao acesso dos licenciandos a disciplinas ligadas à Astronomia durante sua formação; fizemos também uma projeção desse acesso segundo a região e o tipo de administração das IES que oferecem tais cursos.

Quanto aos cursos de licenciatura, oferecidos pelas diversas IES do Brasil, e aos professores formados em 2019, sintetizamos os principais resultados:

  • 25% dos professores foram formados em cursos na modalidade EaD, oferecidos principalmente por IES privadas, onde a oferta é moldada por interesses econômicos e, por isso, se concentram no Centro-Sul brasileiro, a região mais rica do País;

  • Todas as unidades da federação oferecem ao menos uma Licenciatura em Física;

  • Em média, cada IES entregou menos de 10 professores de Física em 2019, com o melhor cenário sendo observado no sistema EaD das IES privadas, e o pior, no EaD das IES Estaduais;

  • Sob o ponto de vista das regiões, o maior índice de professores formados por curso se deu no Sudeste (acima da média nacional em todas as categorias de IES), e o pior cenário coube ao Sul. Em termos populacionais, o Nordeste entregou o maior número de licenciados por milhão de habitantes;

  • Em termos de professores formados, as UF são extremamente relevantes na região Norte; os IF e as IES Estaduais, no Nordeste; e as IES privadas, no Sudeste.

Quanto ao acesso dos licenciandos a disciplinas de Astronomia nesses mesmos cursos, nossa investigação concluiu que:

  • 25,7% das licenciaturas oferecem disciplinas na forma obrigatória, 36,2% na modalidade opcional, e 38,1% não as oferecem;

  • As disciplinas obrigatórias são mais frequentemente encontradas nos IF e na região Sul; as optativas, nas UF e na região Nordeste; e a não oferta é mais sentida nas IES privadas e na região Norte;

  • As UF se destacam ainda pela baixa oferta de disciplinas obrigatórias, o que gera preocupação por sua relevância no número de professores formados;

  • Os IF se localizam principalmente fora dos grandes centros populacionais, e se destacam na oferta de disciplinas obrigatórias nas regiões Sudeste e Sul, além de disciplinas optativas no Nordeste, gerando um impacto positivo em termos de acesso;

  • As IES Estaduais distribuem-se de forma irregular e se caracterizam pela não oferta, principalmente pela contribuição da região Nordeste, ainda que no Sudeste e no Sul a oferta supere a não oferta;

  • As IES privadas são responsáveis por um quarto dos licenciados em 2019, mas projetamos que quase 60% deles não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia;

  • Projetamos que, em 2019, 24,1% dos professores formados no Brasil tiveram acesso a disciplinas de Astronomia de natureza obrigatória, 35,6% de natureza optativa, e 40,3% não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia.

Como sugestão, pensamos que o presente diagnóstico pode ser replicado em análises semelhantes de outras licenciaturas da área de Ciências da Natureza, particularmente aquelas que formam professores voltados principalmente ao Ensino Fundamental, uma vez que a BNCC dessa porção do Ensino Básico contempla e sugere a abordagem de diversos assuntos ligados à Astronomia. Entendemos, ainda, que a pesquisa pode até mesmo ser estendida a cursos de Pedagogia, pois esses profissionais serão responsáveis por conduzir o Ensino de Ciências voltado aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, uma parcela também rica em conteúdos astronômicos, segundo o documento da BNCC.

Dessa forma, esperamos que o presente trabalho possa contribuir com reflexões na área de formação de professores, ao apresentar um aspecto pouco discutido sobre a formação docente em Física no Brasil, com base em um recorte no ano de 2019. Sabemos das limitações, dado que estes resultados não podem ser extrapolados a anos anteriores, a fim de moldar um panorama mais geral sobre o assunto, mas acreditamos ter fornecido uma base de informações confiáveis referente ao período estudado. Esperamos, ainda, que a análise aqui apresentada possa ensejar reflexões e possíveis mudanças nos currículos das licenciaturas, de forma a torná-las mais atraentes aos futuros licenciandos.

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    Disponível em https://www.oecd.org/education/education-at-a-glance/. Acesso em mar/2021.
  • 2
    Em 2019, uma alteração na LDB criou uma nova categoria administrativa para as instituições de ensino – as comunitárias – que não foi considerada neste trabalho.
  • 3
    Obtidos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
  • 4
    Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 05/11/20.
  • 5
    Disponível em: https://sistema.ouvidorias.gov.br/. Acesso em 16/12/20.
  • 6
    As IES cuja administração pertence à esfera Federal foram divididas em duas categorias distintas, as Universidades Federais (UF) e os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF). Elas foram consideradas separadamente por motivos históricos, organizacionais e funcionais, que diferem entre si. Os dados referentes aos IF também englobam os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) do RJ e de MG. Já as IES cuja administração pertence à iniciativa privada não foram diferenciadas quanto à finalidade de lucro – confessionais e/ou filantrópicas.
  • 7
    Uma visão mais aprofundada sobre a distribuição dos cursos de licenciatura pode ser encontrada no trabalho de Vizzotto [2525. P.A. Vizzotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200376 (2021).].
  • 10
    Formados em IES que, em 2020, não ofereciam cursos de Licenciatura em Física.
  • 8
    Os IF foram criados ao final de 2008, a partir da transformação e integração de instituições já existentes: Escolas Técnicas Federais, os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) e de Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais.
  • 9
    Estimativa da população brasileira em 2019. Fonte: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html. Acesso em 15/02/21.
  • 11
    Em 2019, o Estado do Rio Grande do Sul publicou uma portaria estabelecendo uma nova organização curricular nas escolas da Rede Estadual de Ensino, que reduziu a quantidade de tempos de aula semanais de Física no Ensino Médio. Originalmente tínhamos dois tempos de aula semanais por ano letivo, e passamos a ter apenas um tempo no 1° e 2° Anos, e nenhum no 3° Ano. Se a quantidade de professores de Física formados na região Sul já se mostra abaixo da média nacional, entendemos que ações como essa apenas agravam o quadro, além de não oferecerem solução ao problema do déficit de profissionais da área. Não é acabando com a disciplina de Física (e outras) que resolveremos a questão da falta de professores.
  • 12
  • 13
    Disciplinas optativas, em geral, são aquelas que integram os currículos das licenciaturas, cabendo ao aluno a opção por cursá-las ou não. Já as disciplinas eletivas não costumam integrar tais currículos, mas também dependem da decisão do estudante. Neste trabalho não faremos distinção entre os termos, apesar de entendermos que disciplinas relacionadas à Astronomia fazem (ou deveriam fazer) parte dos currículos das licenciaturas em Física.
  • 14
    Os mapas trazem a localização das IES no Território Nacional. No entanto, quando comparados às tabelas, podem apresentar algumas ambiguidades, pois podem ocorrer sobreposições de informações. Por exemplo, uma IES pode possuir mais de um currículo aprovado pelo MEC (diurno e noturno), e por isso é contabilizada como possuindo dois cursos distintos. Porém, a localização física da instituição é a mesma. Além disso, grandes centros (normalmente capitais) podem sediar mais de uma IES, e as informações podem ficar sobrepostas quando apresentadas nos mapas.
  • 15
    Gerada pelo sítio eletrônico https://www.jasondavies.com/wordcloud/. Acesso em 29/04/21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Revisado
    28 Jul 2021
  • Aceito
    29 Jul 2021
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