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Elaboração de um jogo didático de biofísica como ferramenta de aprendizado e motivação para acadêmicos do curso de medicina

Elaboration of a biophysical teaching game as a learning tool and motivation for medicine courses

Resumos

Devido à pandemia da COVID-19, as Instituições de Ensino Superior (IES) necessitaram elaborar estratégias para manter as atividades de ensino e garantir que os alunos permaneçam com acesso à educação durante o isolamento social. Nesse contexto, a incorporação de metodologias ativas e o uso de recursos como jogos educativos se tornam ferramentas importantes para permitir aos discentes maior socialização, desenvolvimento da criatividade e a iniciativa para a resolução de problemas. O presente trabalho teve por objetivo elaborar um jogo didático baseado no Jogo Perfil, com o propósito de auxiliar na fixação de conceitos importantes na disciplina de Biofísica. A proposta do jogo foi estimular a motivação dos alunos, auxiliar na fixação de conceitos relacionados ao tema de estudo e promover uma maior socialização dos estudantes. No total, 39 alunos participantes foram questionados ao final do jogo sobre a sua percepção e aprendizado, e relataram que a estratégia contribuiu para sua motivação e melhor desempenho na disciplina. Estratégias como a elaboração de jogos didáticos e metodologias ativas são importantes para que assuntos mais complexos, como o ensino da Biofísica, se tornem mais prazerosos e tragam maior participação efetiva dos estudantes no processo de aprendizagem.

Palavras-chave
Biofísica; jogo didático; motivação; e-learning


Due to the COVID-19 pandemic, Higher Education Institutions (HEIs) needed to develop strategies to maintain teaching activities and ensure that students remain with access to education during social isolation. In this context, the incorporation of active methodologies and the use of resources such as educational games become an important tool to allow students greater socialization, development of creativity and the initiative to solve problems. The present work had for objective to elaborate a didactic game based on the Profile Game, with the purpose of helping in the fixation of important concepts in the discipline of Biophysics. The purpose of the game was to stimulate students’ motivation, assist in fixing concepts related to the topic of study and promote greater socialization of students. In total, 39 participating students were asked at the end of the game about their perception and learning and reported that the strategy contributed to their motivation and better performance in the discipline. Strategies such as the development of didactic games and active methodologies are important so that more complex subjects, such as the teaching of Biophysics, become more pleasurable and bring greater effective participation of students in the learning process.

Keywords
Biophysics; educational games; motivation; e-learning


1. Introdução

Uma grande dificuldade encontrada por alunos das áreas Biológicas é a motivação nas áreas das Ciências Exatas. No currículo escolar, muitas vezes essas disciplinas são trabalhadas independentemente, dificultando a correlação das áreas. Somado a isso, outros fatores como baixa remuneração dos professores, ausência de práticas experimentais em Ciências e excessivo método expositivo contribuem para o aumento nessa dificuldade. Esse desafio transcende o Ensino Médio e chega ao Ensino Superior, cuja relação dos princípios físicos aos eventos biológicos presentes no corpo humano e na Natureza se torna mais árduo [11. M.P. Quibao, A.C. Silva, N.S. Almeida, R.M.A.A. Silva, S.R. Muniz e F.F. Paiva, Rev. Bras. Ens. Fís. 41 , e20180258 (2019)., 22. M.A. Moreira, Rev. Prof. Fís. 1 , 1 (2017).].

Na grade curricular das Ciências Biológicas e da Saúde, as matérias das áreas das Ciências Exatas costumam ser desafiadoras aos estudantes, por não pertencerem à área de domínio da maior parte desses. O processo de aprendizado se torna mais árduo quando a disciplina é aplicada somente no contexto das Ciências Exatas, desmotivando muitos estudantes [33. F.L. Holanda, A.R. Carrijo e P.F.S. Campos, Rev. Paul. Enferm. 29 , 136 (2018).].

Dentre as disciplinas abordadas em períodos iniciais dos cursos de Ciências Biológicas e da Saúde, tem-se a disciplina de Biofísica. A Biofísica é uma disciplina interdisciplinar pois correlaciona os princípios físicos e a teoria com os eventos biológicos que ocorrem em animais e plantas. Essa disciplina tem fundamental importância em estabelecer o funcionamento das estruturas biológicas por uma ótica matemática e física, ponderando quais fenômenos são aplicáveis em cada situação. Comumente, a disciplina de Biofísica é desafiadora pois exige dos seus estudantes um conhecimento básico de Física e Biologia e exige maturidade para que esses conceitos sejam correlacionados e compreendidos de uma forma mais ampla.

Outro ponto a se destacar que também contribui para uma maior dificuldade nesse campo é o limitado número de materiais didáticos de Biofísica voltado aos cursos de Ciências da Saúde e Biológicas. A maioria desses materiais (animações, textos, artigos) constam em plataformas educacionais de outros países, e muitos alunos que não têm domínio da língua inglesa sentem dificuldades em acompanhar. Alguns trabalhos publicados tentam minimizar esses impactos e aumentar a acessibilidade aos estudantes, explorando por exemplo, a temática de Biofísica das Radiações [44. T.C.S. Leal e A.A. Oliveira, Rev. Bras. Ens. Fís. 41 , e20180354 (2019).].

Com o advento da pandemia, o processo de ensino-aprendizagem necessitou de reformulações e com isso, o e-learning tem crescido significativamente para auxiliar professores e alunos nessa trajetória [55. M.J. Sá e S. Serpa, Sustainability 12 , 8525 (2020)., 66. A. Nobre e A. Mouraz, Dialogia 36 , 367 (2020).]. Nesse contexto, além da transformação das aulas presenciais em vídeos didáticos e encontros síncronos, a manutenção da motivação dos alunos em atividades frente às adversidades tornou-se ainda mais desafiadora nesse cenário [77. É. Dias e F.C.F. Pinto, Ensaio: aval. pol. públ. Educ. 28 , 545 (2020).]. Estudos prévios já demonstraram que os jogos didáticos podem ser aplicados em todos os níveis de escolaridade e não se limitam apenas à transmissão didática do conteúdo, como também auxiliam na socialização, criatividade, motivação, além de outros aspectos cognitivos [88. F.R. Berquo e L.G.A. Santos, Revista Educação Pública 20 , 1 (2020)., 99. T.C. Rego, Vygostsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação (Vozes, Petrópolis, 1995), p. 138., 1010. V.R.K. Schwarz, Contribuição dos jogos educativos na qualificação do trabalho docente. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2006).]. Segundo a Nova Diretriz Curricular, existe uma exigência de disciplinas proporem atividades em equipe, permitindo uma educação transformadora, pois os estudantes precisam traçar estratégias que os levem a um patamar de coesão de conhecimentos e decisões [1111. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CES N 4, de 7 de novembro de 2001. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES04.pdf, acessado em 19/04/2020.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
].

Na tentativa de desmitificar o ensino da Física, motivar os alunos, aumentar a socialização durante um período excepcional e demonstrar a valiosa contribuição dessa Ciência no funcionamento do corpo humano, elaborou-se um jogo didático para fixação do conteúdo, abrangendo os conceitos teóricos da Física e demonstrando suas aplicações práticas utilizando a Biofísica dos Sistemas como modelo. O jogo desenvolve aspectos técnicos e comportamentais, integrando equipes, oportuniza o aluno a ter um papel de tomada de decisão, consolidando a aquisição de novas competências, habilidades de uma forma lúdica e motivacional [1212. A. Hawlitschek e S. Joeckel, Comput. Hum. Behav. 72 , 79 (2017).].

A atividade foi proposta para os alunos do primeiro período do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, durante a realização das Atividades Remotas Emergenciais. Essa disciplina é trabalhada no primeiro período do Curso e fornece base para as disciplinas de Bioquímica e Fisiologia, bem como complementa o conteúdo ministrado pela disciplina de Biologia Celular (por exemplo, no que concerne à Biofísica de Membranas e Potenciais de ação, explorados com a Bioeletricidade). Na disciplina de Biofísica, o conteúdo programático inclui Biofísica das Soluções, Biofísica Molecular e Biofísica dos Sistemas. Todos os temas trazem conceitos de Física e Química, porém, o tema que mais correlaciona essas áreas e apresenta uma carga de conteúdo maior é o de Biofísica dos Sistemas. Nesse tema são abordados Biofísica da Contração Muscular e Biomecânica, Biofísica da Circulação, Biofísica da Respiração, Biofísica da Função Renal e Biofísica dos Sentidos (Visão e Audição).

Visando promover motivação e contínuo estímulo entre os estudantes, diversos conceitos físicos teóricos foram relacionados aos processos de circulação, respiração e função renal. Nas videoaulas e encontros síncronos, os temas foram trabalhados, como explicar a tensão superficial presente nos pulmões e como os surfactantes pulmonares diminuem esses valores, ou ainda explicar como uma sobrecarga de pressão leva ao remodelamento do ventrículo esquerdo do coração, utilizando a lei de Laplace, bem como outros parâmetros biológicos afetados por parâmetros físicos. As apresentações das equações matemáticas correlacionadas a um fator biológico já demonstraram que isso aumentava o interesse dos alunos pela disciplina. O objetivo do Jogo consistiu em ajudar na fixação dos conceitos relevantes para cada área da Fluidodinâmica: biofísica da circulação, respiração e função renal. No início dos estudos, muitos alunos se deparam com conceitos e terminologias que precisam de uma interpretação, aprendizado prévio para que posteriormente, ele consiga correlacionar isso aos demais conhecimentos da área. Com o intuito de montar redes de associação em leis físicas, grandezas físicas ou parâmetros biofísicos e eventos biofísicos, a elaboração do Jogo Perfil Biofísica, descrito a seguir na metodologia foi efetuada e aplicada para uma turma de 39 alunos, de forma síncrona.

2. Metodologia

2.1. Elaboração e instruções do jogo

Para elaborar o jogo didático, escolheu-se a área da Fluidodinâmica, que compreende a Biofísica da Circulação, Biofísica da Respiração e Biofísica da Função Renal.

Teve-se por base o jogo “Perfil” (Grow Brasil) que fornece algumas características de um determinado objeto, lugar ou pessoa para que o jogador consiga adivinhar do que se trata. O jogador escolhe uma característica da carta a cada jogada, o mediador lê e então o jogador tem um tempo para decidir se passa adiante ou tenta arriscar um palpite. No caso do Jogo elaborado “Perfil Biofísica”, montou-se um tabuleiro virtual, conforme apresentado na Figura 1A.

Figura 1
(A) Tabuleiro virtual confeccionado para a execução de forma síncrona. (B) Exemplo da aplicação do Tabuleiro virtual em uma das equipes e acompanhamento durante a realização da atividade. Fonte: Os próprios autores.

Nesse tabuleiro, constam 3 categorias: “Lei Física, Grandeza Física ou Parâmetro Biofísico e Evento Biofísico”. Na categoria Lei Física, são apresentadas 14 características que definirão uma determinada Lei Física presente na Fluidodinâmica, como Lei de Laplace, Lei de Poiseuille, Lei de Bernoulli, dentre outros. Na categoria Grandeza Física ou Parâmetro Biofísico, são abordadas cartas que apresentem características das propriedades mensuráveis de um fenômeno da fluidodinâmica, como capacidade funcional residual, taxa de filtração glomerular, bem como as grandezas físicas básicas, como pressão e volume. E na categoria Evento Biofísico, as cartas abordam os eventos físicos presentes na circulação, respiração ou função renal como contração muscular, despolarização, efeito Bohr e outros.

No tabuleiro constam os números 1 a 14, que são referentes às características da carta sorteada. À medida que os participantes vão escolhendo as características, os números vão sendo marcados (Figura 1B). Com o uso das regras do jogo original, o número de casas que a equipe avança no tabuleiro corresponde à quantidade de características não utilizadas. Por exemplo, a equipe acertou o tópico com apenas uma característica dada. Logo, ela avança 13 casas. O tabuleiro virtual foi confeccionado em programa Microsoft Power Point e as marcas elaboradas pelas equipes foram adicionadas a cada tabuleiro, para sua devida personalização.

O professor e monitores da disciplina foram os moderadores do jogo e eram responsáveis pela atualização da movimentação dos tabuleiros em tempo real, bem como a leitura das características das cartas.

Previamente os estudantes receberam um manual de instruções (Material suplementar 1), explicando as regras do jogo e lhes foi solicitado também se organizar em equipes até o dia da execução do jogo. Os estudantes foram responsáveis por elaborarem uma marca de cada equipe, facilitando a sua identificação na hora do jogo.

No total foram elaboradas 21 cartas (Figura 2, Material suplementar 2), sendo 8 cartas da categoria Grandeza Física ou Parâmetro Biofísico, 4 da categoria Leis Física e 9 cartas da categoria Evento Biofísico. Entretanto, a proposta do jogo permite o acréscimo de mais cartas à medida que forem sendo aplicadas em diferentes turmas, com diferentes conteúdos, demonstrando ser uma ferramenta didática em constante atualização. Toda a elaboração das cartas foi realizada pelo professor e monitores, e após a execução do jogo, foi proposto que cada equipe elaborasse uma carta, aumentando o conteúdo associado ao jogo.

Figura 2
Exemplos das cartas utilizadas durante a realização do Jogo Perfil Biofísica. Fonte: Os próprios autores.

2.2. Execução do jogo e coleta de dados

O jogo foi realizado de forma remota, de modo síncrono, ao final do módulo de Fluidodinâmica para viabilizar a fixação dos conteúdos trabalhados e como forma alternativa de avaliação. Realizou-se previamente uma apresentação das regras do jogo (passadas aos estudantes também na forma digital, em arquivo PDF), a ordem das equipes foi sorteada e a atividade foi registrada e gravada por meio da plataforma Google Meet. Cada equipe escolhia um número aleatório para definir qual seria a carta, a professora e monitores lhes informavam a categoria da carta (Lei Física, Grandeza Física ou Parâmetro Biofísico e Evento Biofísico) e posteriormente a equipe escolhia outro número (de 1 a 14) para receber a característica da carta escolhida. Essa característica era lida pelos moderadores do jogo e cada equipe tinha 1 minuto para dar um palpite ou passar para a próxima equipe. A equipe vencedora era a que chegasse primeiro ao final do tabuleiro.

Após execução do jogo, os alunos foram convidados a responder de forma voluntária um formulário eletrônico para avaliar seu aprendizado em relação a aplicação do jogo, dentre outros questionamentos, respeitando-se todos os critérios de confidencialidade em seus dados e apresentação de um termo de consentimento livre e esclarecido. Nesse formulário eletrônico encontram-se perguntas associadas à receptividade do jogo, nível de aprendizagem adquirido, motivação e socialização durante a execução da atividade. Os estudantes também foram convidados a dar uma nota de avaliação para o jogo proposto. Esses itens auxiliaram na avaliação do jogo como estratégia de aprendizagem, motivação e busca de futuros aprimoramentos no jogo para serem aplicados em diversos cursos (medicina, biologia, enfermagem, fisioterapia, dentre outros).

3. Resultados e Discussão

O jogo elaborado para a turma do primeiro período de Medicina propôs a organização dos estudantes em grupos, que previamente personalizaram suas equipes com um nome e marca. Nesse ponto, já se observou um aspecto de integração entre as equipes e a turma, pois previamente combinaram os nomes das equipes, integrantes e discutiram a marca que era favorável a todos os membros, bem como estudaram o conteúdo. Ao total foram 7 equipes compostas por até 7 membros e o número de alunos envolvidos nessa ação foram 39 alunos. A duração do jogo foi de 1 hora e 30 minutos pela plataforma Google Meet.

Após a execução do jogo, cada equipe elaborou uma carta para contribuir com mais tópicos para as próximas turmas.

A partir do formulário eletrônico aplicado, todos os alunos foram unânimes em afirmar que o jogo foi uma forma de motivação para estudar a disciplina e que aceitariam jogos com outros temas abordados na grade curricular. Isso corrobora com as observações de Moyles (2005), que afirma que a estimulação, variedade de conteúdo, interesse pela disciplina, bem como a concentração e motivação são igualmente proporcionados pela situação lúdica [1313. J.R. Moyles, A excelência do brincar: a importância da brincadeira na transição entre educação infantil e anos iniciais (Artmed, São Paulo, 2005).]. Os jogos educativos com finalidades pedagógicas revelam a sua importância, pois promovem situações de ensino-aprendizagem e aumentam a construção do conhecimento, desenvolvendo a capacidade de iniciação, ação ativa e motivadora. Como discutido em trabalhos prévios, durante o jogo, o estudante é estimulado a vencer obstáculos, busca a vitória, trazendo como recompensa a sensação agradável de “missão cumprida” e a melhora da sua autoestima [1414. V.S. Zirawaga, A.I. Olusanya e T. Maduku, Journal of Education and Practice 8 , 55 (2017).]. Trabalhos recentes mostram que o fator “motivação” é crucial na persistência e prosseguimento de um curso a distância. Dados apresentados por Kuhn & Lopes (2020) relataram que 17% dos estudantes entrevistados em sua pesquisa apontavam o fator desmotivação para manter a continuidade no curso à distância [1515. N. Kuhn e L.F.D. Lopes, EaD em Foco 10 , e1018 (2020).]. Para evitar a evasão e desistência de disciplinas ofertadas no Ensino Remoto, é necessário a elaboração de estratégias educacionais que evitem ou pelo menos contribuam com a diminuição dos desistentes [1616. R.M. Espíndola e F.K.D. de Lacerda, EaD em Foco 3 , 96 (2013)., 1717. A. Bozkurt, R.C. Sharma, Asian Journal of Distance Education 15 , i (2020).].

Dentre essas estratégias de e-learning, pode-se citar também o uso da gamificação. Trabalhos desenvolvidos por Silva et al. (2019) adotaram o uso de aulas gamificadas no Ensino da Física para estudantes do ensino médio e eles também observaram maior motivação [1818. J.B. da Silva, G.L. Sales e J.B. de Castro, Rev. Bras. Ens. Fís. 41 , e20180309 (2019).]. Essa estratégia utiliza alguns recursos de jogos para promover principalmente aprendizado, participação ativa dos alunos e alcance dos objetivos.

Nas novas metodologias emergentes no Brasil de Aprendizagem Baseada em Equipes, a construção do conhecimento em equipes é bastante positiva pelo aumento da motivação, interação, construção de uma visão crítica baseada em evidências, construção de um conhecimento com uso de argumentos plausíveis e cada vez mais independente da opinião e visão dada pelo professor [1919. R. Krug, M.S.M. Vieira, M.V.A. Maciel, T.R. Erdmann, F.C.F. Vieira, Milene C.K. e S. Grosseman, Rev. Bras. Educ. Med. 40 , 602 (2016).]. A estratégia de realização do jogo em Equipes buscou maior sociabilização, organização na tomada de decisão em conjunto e trabalho em equipe, critérios esses que serão fundamentais em suas futuras práticas profissionais como médicos [2020. J. Frenk, L. Chen, Z.A. Bhutta, J. Cohen, N. Crisp, T. Evans, H. Fineber, P. Garcia, Y. Ke e P. Kelley, Lancet 376 , 1923 (2010).]. E nesse contexto, os alunos foram questionados sobre a aplicação do jogo em equipe e o seu aprendizado. Como resultado, o total de 37 alunos (94,9%) afirmou que o jogo em equipe foi favorável para seus respectivos aprendizados, enquanto 2 alunos (5,1%) responderam que não. Os alunos foram questionados se a organização em grupos foi capaz de desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe no ambiente acadêmico. Nesse quesito, 38 alunos (97,4%) responderam que sim, enquanto somente um (2,6%) afirmou que não. E por fim, os estudantes foram questionados se o desempenho seria melhor se o jogo fosse individual.

No total, 35 alunos (89,7%) afirmaram que não acreditam que seu desempenho teria sido melhor, enquanto 4 alunos (10,3%) acreditam que poderiam ter se saído melhor. Sabe-se da individualidade de cada estudante e não obter unanimidade nesses quesitos não foi surpresa nesse estudo, uma vez que existem pessoas que optam por estudar sem contribuição de equipes ou tendem a ter um desempenho mais favorável de forma individual. Mas como já discutido, o trabalho em equipe deve ser explorado durante o processo de formação, pois esse parâmetro costuma ser uma realidade na vida profissional dos médicos, como discute Frenk et al. (2010), no qual afirma que a saúde precisa do trabalho em equipe e essa necessidade advém da transformação dos sistemas de saúde, que são multidisciplinares [2020. J. Frenk, L. Chen, Z.A. Bhutta, J. Cohen, N. Crisp, T. Evans, H. Fineber, P. Garcia, Y. Ke e P. Kelley, Lancet 376 , 1923 (2010).]. Portanto, o indivíduo deve estar preparado para essa realidade e quanto mais cedo ele for se adaptando à essa rotina, mais preparado estará para executar suas tarefas.

Outro ponto a se destacar nesse contexto da aprendizagem em equipes são as normativas exigidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). A importância dos trabalhos em equipe também estimula a tomada de decisões coletivas, estimulando e incentivando o diálogo para que na existência de conflitos, prevaleça a tomada de decisões da maioria.

Além desses aspectos, os alunos também foram questionados em relação à competitividade e motivação. Nesse quesito, 37 alunos (94,9%) afirmaram que a competitividade é um estímulo para o aprendizado e 36 alunos (92,3%) se sentiram mais motivados com esse tipo de avaliação. Quando se possibilita aos alunos um ambiente alegre e favorável para sua aprendizagem, é notório o aumento de interesse tanto por parte dos alunos que irão sair da rotina das aulas tradicionais, como para os professores que alcançarão uma maior participação de seus alunos nas aulas, uma vez que o processo cognitivo é contínuo e o professor deve favorecer esse processo oferecendo condições para que isto ocorra.

Em relação à competitividade, muitos autores defendem seus benefícios, principalmente se bem-organizada e orientada. Dentre os benefícios mais citados por esses, trata-se da motivação, aprendizado ativo, ganho de reconhecimento, melhora da auto estima e maior integração com os colegas de classe [2121. I. Cantador e J.M. Conde, em: Proceedings of the IADIS International Conference e-Learning 2010 (IADIS – International Association for Development of the Information Society, 2010), v. 1, p. 11.]. O Jogo Perfil Biofísica teve por proposta estimular o aprendizado e integração da turma em uma rotina de atividades remotas, corroborando com experiências prévias de Cantador & Conde (2010) que demonstraram que uma competição proposta em um ambiente de e-learning foi positiva [2121. I. Cantador e J.M. Conde, em: Proceedings of the IADIS International Conference e-Learning 2010 (IADIS – International Association for Development of the Information Society, 2010), v. 1, p. 11.]. Por outro lado, autores discutem que se deve ter muito cuidado em como a competição será abordada, pois ela pode ser um parâmetro de desestímulo também. Alguns trabalhos apontam que a prevalência de competitividade no Ensino pode ter um efeito negativo, prejudicando o aprendizado como em relatos de Ladd & Fiske (2003) em escolas de ensino fundamental [2222. H.F. Ladd e E.B. Fiske, Educ. Eval. Policy Anal. 25 , 97 (2003).]. Porém, no presente jogo, as equipes que não foram vencedoras não tinham deduções de pontos. A avaliação consistiu na participação dos alunos, integração, motivação e dedicação em responder às perguntas propostas.

O jogo também foi avaliado pelos estudantes. Os resultados apontaram que 56,4% (22 estudantes) dos entrevistados deram nota máxima para o Jogo, 23,1% (9 estudantes) deram nota 9 e 20,5% (8 estudantes) deram nota 8. Dentre as dificuldades encontradas na execução e avaliação do jogo (Figura 3), 50% dos estudantes afirmaram que a pressão foi o fator que impôs maior dificuldade. O tempo (19,4%) de um minuto para as equipes discutirem entre si a característica da carta recebida e decidir em dar um palpite ou passar à frente exigiu muita coordenação.

Figura 3
Fatores relatados que mais causaram dificuldades nos estudantes durante a execução do jogo. Fonte: Os próprios autores.

Trabalhos demonstram que o uso de jogos educativos, além da motivação e interação já previamente discutidas, também são uma ferramenta importante na maior fixação do conteúdo e aprendizado [2323. M. Selvi e A.Ö. Çoşan, Univers. J. Educ. Res. 6 , 2019 (2018).].

Em última análise, os alunos também foram questionados sobre a apresentação das fórmulas em um contexto fisiológico. Nas Ciências Exatas, essas equações são apresentadas, porém muitas vezes não são correlacionadas a processos cotidianos. No Módulo de Biofísica, todas as equações são apresentadas em situações biológicas e fisiológicas. Por exemplo, ao citar a famosa Lei de Poiseuille (Equação 1), todas as variáveis são explicadas e apresentadas em uma simulação biológica, por exemplo, em um paciente saudável, e em um paciente diabético. Simulando essa comparação, demonstra-se que em pacientes diabéticos, a presença de uma concentração maior de glicose ocasiona uma maior viscosidade (n) do sangue, consequentemente afetando a vazão (Q) do vaso.

Equaçāo 1: Equaçāo que representa a Lei de Poiseuille.

(1) Q = Δ P π R 4 8 l n

Porém, isso pode também correlacionar a gravidade dessa circulação quando você tem um paciente diabético e obeso, cuja placas de gordura vão diminuir o lúmen de alguns vasos e consequentemente, ocasionar um aumento de pressão (ΔP). E geralmente observa-se que pacientes obesos podem vir a se tornar hipertensos. Com essas correlações, a Matemática e Física se tornam ainda mais compreendidas e estimulam o grau de aprofundamento dos estudantes. Ao serem questionados sobre a questão “A apresentação de equações matemáticas associadas a um contexto biológico foi favorável para sua compreensão e entendimento?”, 37 alunos (94,9%) responderam que essa correlação foi favorável, enquanto apenas 2 (5,1%) alunos discordaram. Nenhum aluno considerou irrelevante, demonstrando a importância das equações matemáticas e físicas para a compreensão da teoria ministrada, bem como na compreensão da lógica envolvendo as variáveis físicas associadas aos processos biológicos.

A proposta do Jogo Perfil Biofísica é interessante por proporcionar uma alfabetização no vocabulário acadêmico da disciplina, facilitando a compreensão dos termos físicos, biofísicos e fisiológicos associados aos temas estudados. Em termos mais amplos, pode-se comparar o jogo Perfil Biofísica aos famosos “Flash Cards” ou também chamados de Cartões de Memória, para facilitar a fixação do conceito das grandezas físicas, eventos biofísicos e leis Biofísicas. Porém, além dessa visão de fixar conteúdo, o jogo traz as correlações, uma vez que os estudantes não ficam presos somente a um conceito, e sim a diversos eventos e processos que aquele termo pode estar relacionado, proporcionando uma visão holística.

4. Considerações Finais

A interdisciplinaridade da Biofísica é fundamental para que os estudantes compreendam os processos biológicos de uma forma mais ampla. Correlacionar os sistemas biológicos com os princípios físicos é extremamente relevante para formar profissionais com uma visão holística dos processos. Estimular parte dessa aprendizagem por meio de jogos didáticos é uma forma de motivar os estudantes e instigá-los a buscar mais conhecimentos. Pode-se observar que a ação foi positiva, pois os estudantes foram unânimes em afirmar que o jogo contribuiu para seu aprendizado, motivação e que gostariam de incluir mais jogos em outros assuntos e disciplinas da grade curricular. O aprender brincando permite ao professor a mediação dos conhecimentos, a interação com os alunos, servindo de facilitador da aprendizagem. Essa forma de aprender também permite ao aluno ser proativo e protagonista dessa experiência, tornando a aprendizagem mais significativa. O incentivo ao compartilhamento de novas estratégias de aprendizagem para o ensino remoto é extremamente importante, pois possibilita multiplicar o conhecimento, despertar o interesse dos estudantes e fomentar salas de aulas transformadoras. Acreditamos que assim, poderemos despertar o engajamento ativos dos discentes nos diversos saberes do campo da física.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2021
  • Revisado
    27 Jun 2021
  • Aceito
    29 Jun 2021
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