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Um experimento didático potencialmente instigante envolvendo a reflexão da luz em um caso aparentemente misterioso

A potentially thought-provoking didactic experiment involving light reflection in an apparently mysterious case

Resumos

Discute-se um experimento didático que envolve conceitos e leis da ótica (p. ex., ângulo de Brewster, equações de Fresnel, polarização) inseridos em uma atividade com enfoque no processo de modelagem científica concebida para aulas de laboratório de cursos de graduação em Física. A atividade é motivada por uma situação-problema que envolve um aparente mistério relacionado com o desaparecimento de um objeto nas profundezas de um lago de águas cristalinas. Para desvendar o aparente mistério, é aventado que a reflexão e transmissão da luz solar pela superfície do lago têm papel determinante na explicação do fenômeno. Um modelo teórico é, então, construído e avaliado por meio de um experimento em que a luz de um laser, polarizada na direção paralela e perpendicular ao plano de incidência, é refletida na superfície da água contida em uma cuba. Mostra-se que esse modelo é capaz de prever o desaparecimento, ao longo da tarde, de uma moeda contida em uma cuba com um pouco de água e iluminados pela luz solar. Entendemos que o presente artigo contribui para o ensino de Física na medida em que traz uma atividade que fomenta a vinculação entre conhecimentos teóricos e práticos a partir de um problema potencialmente instigante, contribuindo para que os estudantes construam sentido para conhecimentos científicos e compreendam elementos centrais do trabalho experimental da perspectiva da modelagem científica.

Palavras-chave
Equa¸c˜oes de Fresnel; polariza¸c˜ao da luz; modelagem cient´ıfica; atividades experimentais; laborat´orio did´atico


A didactic experiment involving concepts and laws of optics (e.g., Brewster angle, Fresnel equations, polarization) is inserted in an activity focusing on the scientific modeling process designed for laboratory classes in an undergraduate Physics course. The activity is motivated by a problem that involves an apparent mystery related to the disappearance of an object in the dephts of a crystal clear lake. To unravel the apparent mystery, it is suggested that the reflection and transmission of sunlight across the lake’s surface has a determining role in explaining the phenomenon. A theoretical model is then built and evaluated by means of an experiment in which a laser light, polarized in the parallel and perpendicular direction to the plane of incidence, is reflected on the surface of water contained in a vat. It is shown that this model is capable of predicting the disappearance, during the afternoon, of a coin contained in a vessel with a little water and illumintated by sunlight. We understand that this article contributes to the teaching of Physics, as it brings an activity that promotes the connection between theoretical and practical knowledge from a potentially exciting problem, aiding students to build meaning from scientific knowledge and understand central elements of the experimental work from the perspective of scientific modeling.

Keywords
Fresnel equations; polarization of light; scientific modeling; experimental activities; didactic laboratory


1. Introdução

No livro intitulado “Surely You’re Joking Mr. Feynman” [1[1] R.P. Feynman, “Surely Youre Joking, Mr. Feynman!”: Adventures of a Curious Character (W.W. Norton & Company, New York, 1985).], Richard Feynman tece críticas ao sistema educacional brasileiro com base em suas experiências no Brasil durante a década de 1950. Em aulas ministradas para um grupo de alunos que se tornariam professores de Física, Feynman ficou surpreso ao constatar que mesmo alunos que conheciam o conceito de ângulo de Brewster – sendo capazes de expor definições precisas para ele – tinham dificuldades em utilizar esse conhecimento em explicações sobre eventos reais. Em uma ocasião narrada nesse livro, Feynman pergunta aos estudantes como seria possível determinar a direção absoluta de polarização de um polarizador, tendo disponível um único polarizador. Percebendo que não obteria respostas, provocou os alunos pedindo que olhassem para a luz refletida na água em uma baía através do polarizador, girando-o. Ao fazer isso, os estudantes perceberam que parte da luz refletida pela água era polarizada na direção horizontal, como a teoria descrita por eles mesmos previa. Assim, girando o polarizador até que observassem a mínima intensidade da luz transmitida, era possível identificar a direção absoluta de polarização (vertical) do polarizador.

O episódio narrado evidencia como a mera memorização, desprovida de significado, se traduz em dificuldade de operacionalizar um conhecimento científico. Essa dificuldade, persistente nos dias atuais [2[2] L.A. Heidemann, Ressignificação das atividades experimentais no ensino de física por meio do enfoque no processo de modelagem científica. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2015).], é atribuída, em grande parte, à forma desvinculada com que disciplinas teóricas e experimentais são tradicionalmente tratadas nos cursos de Física. Neste artigo, propomos uma forma de articular teoria e prática envolvendo o fenômeno de polarização da luz. Inspiramo-nos na linda paisagem ilustrada na Figura 1.

Figure 1
Um lago de águas claras em um dia ensolarado [3[3] Imagem por Kanenori, disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/paisagem-lago-mundo-2%C2%BA-clear-lake-4410506/, acessado em 18/01/2021.
https://pixabay.com/pt/photos/paisagem-l...
].

Na Figura 1, nota-se que, apesar das águas do lago serem cristalinas, somente as pedras mais próximas da margem são visualizadas. Observando a água em posições mais distantes da margem, percebe-se que as pedras desaparecem, dando lugar à imagem do céu com suas nuvens espelhadas na superfície do lago. Motivados por esse fenômeno, propomos uma atividade didática experimental, em nível de graduação, na qual uma situação-problema fictícia potencialmente instigante aos estudantes serve como mote. Essa situação-problema é a seguinte:

Um boato sobre uma relíquia mística de uma tribo ancestral motivou a expedição de um grupo de arqueólogos na região em que a lenda se refere. Segundo guias locais, a lenda conta que a relíquia pode ser vista no fundo de um lago de águas cristalinas a partir da sua margem e observando no sentido oeste. Porém, segundo a lenda, a relíquia só é visível por volta do meio dia, desaparecendo misteriosamente ao longo da tarde. Intrigada com a situação, uma arqueóloga questiona se a reflexão da luz solar sobre a superfície da água pode de alguma forma ofuscar a imagem do fundo do lago.Quais fatores influenciam na intensidade da luz solar refletida pela superfície? Em quais condições a relíquia é visível para um observador parado na margem do lago?”

O fenômeno do desaparecimento da relíquia ao longo da tarde em um dia ensolarado pode ser constatado com a observação, em um mesmo dia e local, em horários diferentes, de uma moeda em uma cuba cheia d’água, como ilustrado na Figura 2. Evidentemente, na situação descrita na lenda, a relíquia estaria em uma profundidade maior, porém seu desaparecimento pode ser explicado pelos mesmos mecanismos responsáveis por ocultar a moeda dentro da cuba. Em outras palavras, o desaparecimento da relíquia e da moeda são situações análogas.

Figure 2
O desaparecimento de uma moeda ao longo da tarde em Porto Alegre, RS. As fotos foram tiradas no dia 10/03/2021, posicionando a câmera no sentido oeste, às: (a) 12h50min, (b) 13h30min e (c) 17h34min.

Na Figura 2(a) fica evidente que, no início da tarde, não apenas a moeda pode ser vista, como também todo o fundo do recipiente e o piso abaixo. A imagem da Figura 2(b) foi tirada pouco depois, em outro ângulo de visada; vê-se que a moeda é visível mesmo quando observada diretamente contra o Sol. Ao longo da tarde, a intensidade da luz refletida pela superfície aumenta significativamente, ofuscando a luz que vem do fundo do recipiente: essencialmente se enxerga a imagem do Sol e do céu refletidos na superfície da água (Figura 2(c)).

Nossa proposta é que professores de cursos de graduação em Física explorem essa situação-problema em aulas de Física Experimental. Os alunos podem compreender o desaparecimento da moeda e da relíquia através de um experimento didático envolvendo medidas do coeficiente de reflexão de luz polarizada paralela e perpendicularmente ao plano de incidência. Espera-se envolver os estudantes em uma atividade de cunho mais aberto do que as tradicionais, cabendo a eles, em pequenos grupos, tomar decisões em uma investigação experimental que lhes permita avançar nos conhecimentos necessários para uma resposta plausível à situação-problema. Desse modo, pretendemos motivar os estudantes a se engajarem em uma investigação com apelo, que, apesar de fictícia, é instigante e envolve um fenômeno real, ilustrado nas Figuras 1 e 2. No entanto, tratando-se de uma atividade com fins didáticos, não se tem a expectativa de que os estudantes construirão uma representação como um físico faria, mas sim de que precisarão refletir sobre as simplificações da realidade consideradas nos modelos científicos, possibilitando que atribuam sentido a conceitos do campo da Óptica. Desse modo, espera-se contribuir para a superação do paradigma educacional denunciado por Feynman, em que os estudantes se limitavam a decorar definições e não conseguiam relacionar os conceitos com situações reais.

Na atividade, o professor se limita a apresentar a situação-problema motivante, bem como as fotos da moeda desaparecendo, e dar algumas ideias e fundamentos teóricos para o encaminhamento da solução. Por exemplo, é essencial se compreender que:

  • (i)

    o tipo de polarização da luz solar é fundamental para entender o desaparecimento da moeda, já que a intensidade da luz refletida e transmitida pela água é dependente dessa propriedade.

  • (ii)

    a visibilidade da moeda é determinada pela concorrência de raios de luz vindos do Sol, sendo que alguns deles refletem na moeda, sofrendo transmissão na interface ar-água duas vezes (quando penetram e saem da água), e outros sofrem apenas reflexão na superfície da água1 1 Estamos assumindo que a luz solar é muito mais intensa do que qualquer outra fonte luminosa no ambiente. Isso é plausível, como mostra a Figura 2(c), tirada com a câmera orientada na direção oeste ao entardecer, tentando visualizar a moeda. . O observador enxerga a moeda se a intensidade da luz solar nela refletida chegar aos seus olhos com intensidade maior do que a da luz refletida na superfície da água2 2 Apesar de o olho humano compensar diferenças de luminosidade, adaptando sua resposta sensitiva como uma função logarítmica da intensidade luminosa [4], como pretendemos tão somente responder ao questionamento da arqueóloga, desconsideramos esse efeito. .

Na investigação proposta, o modelo teórico a ser empregado é baseado nas equações de Fresnel. Se a atividade é proposta em nível de física geral, dificilmente os estudantes já têm conhecimento desse modelo. Então, cabe ao professor explanar seus fundamentos e as equações relevantes, em particular equações relativas à polarização perpendicular e paralela ao plano de incidência, e aos coeficientes de reflexão R e transmissão T da luz na interface entre dois meios.

Para enfrentar situações-problemas de Física, vinculando teoria e prática, temos nos apoiado na Modelagem Didático-Científica (MDC+) [5[5] L.A. Heidemann, I.S. Araujo e E.A. Veit, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 33, 3 (2016)., 6[6] L.A. Heidemann, I.S. Araujo e E.A. Veit, Investigações em Ensino de Ciências 23, 352 (2018).]. Em linhas gerais, esperamos que os estudantes gradativamente desenvolvam capacidades para empreender ações fundamentais para a modelagem de situações-problemas, como selecionar os objetos reais (ou supostos como tais) que serão considerados no modelo, idealizar, construir modelos conceituais e teóricos à luz de alguma teoria; levá-los a compreender que investigações experimentais devem ser amparadas por modelos científicos que dirigem o delineamento, execução e análise dos resultados experimentais; que deve haver controle de variáveis para evitar o efeito de fatores não considerados nos modelos e que os resultados devem ser validados por meio da contrastação empírica entre predições e evidências.

Em recente artigo [7[7] R. Weber, L.A. Heidemann e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200229 (2020).], elucidamos como uma atividade experimental sobre o fenômeno da atenuação da luz pela matéria pode ser conduzida usando um Episódio de Modelagem [8[8] L.A. Heidemann, I.S. Araujo e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, 1504 (2016).] como estratégia para colocar em ação conceitos fundamentais da MDC+. Tínhamos como objetivo evidenciar o conceito de expansão de um modelo teórico através da Lei de Beer-Lambert, que descreve a perda da energia luminosa ao atravessar meios materiais. Nesta atividade sobre a interação da luz polarizada com a matéria, privilegiamos o conceito de controle de variáveis . A situação é adequada para dar enfoque ao controle de variáveis porque os estudantes precisam controlar, por exemplo, a direção de polarização da luz que incide na água (perpendicular ou paralela ao plano de incidência), medir o ângulo de incidência da radiação com alguma precisão, coletar as intensidades da luz incidente e refletida na água com a utilização de luxímetros, controlar o alinhamento entre fontes e detectores. Outros aspectos relativos ao controle de variáveis são discutidos na Seção 3, quando são debatidos os procedimentos de contrastação empírica.

Na próxima seção, discutimos o modelo teórico de referência para a realização do experimento. Na Seção 3 3. Medida da Reflexão da Luz na Água Nosso objetivo foi determinar a condição de visibilidade de objetos submersos na água quando a luz solar concorre para formação de sua imagem. Para isso, construímos um modelo teórico capaz de prever a intensidade da luz refletida e transmitida pela água. Por meio da investigação realizada, buscamos simultaneamente validar o modelo – avaliando sua capacidade preditiva – e construir evidência empírica que fundamenta explicações sobre o fenômeno. 3.1. Delineamento experimental e controle de variáveis O experimento consistiu em incidir a luz de um laser com iluminância conhecida (EV0) em uma porção d’água de torneira e medir a iluminância da luz refletida (EV) para alguns ângulos de incidência (θi), como mostra a Figura 6. O ângulo de incidência é medido com auxílio de um anteparo. Foi possível, assim, calcular o coeficiente de reflexão da luz. O coeficiente de transmissão pôde ser calculado teoricamente a partir da Equação 3. Figure 6 A posição do anteparo pode ser ajustada para que a luz refletida incida sempre na mesma altura “h” (p. ex. sua borda superior). Uma vez que “a” – a altura da superfície da água – permanece constante, apenas a distância “d” varia ao mudar o ângulo de incidência, sendo a única variável a ser medida cada vez que se muda a direção de incidência da luz. A montagem da Figura 6 tem a vantagem de permitir o cálculo do ângulo de incidência θi com razoável precisão, tendo incertezas iguais ou menores que 0,5∘ nessa variável. Um aparente problema advém do fato de que a luz solar, alvo do nosso estudo, é policromática , enquanto o laser utilizado projeta luz monocromática . Destacamos, no entanto, que o modelo teórico foi originalmente concebido para descrever situações de radiação monocromática, de forma que um experimento usando qualquer fonte de luz não monocromática (p. ex., lâmpada incandescente) – simulando luz solar – deixaria de satisfazer esse pressuposto teórico. Esse fato não representa um problema porque, em vez de estudar a luz do Sol propriamente dita, podemos nos concentrar em entender o comportamento de uma componente específica do espectro eletromagnético solar (o laser utilizado tem comprimento de onda 670 nm). O entendimento promovido nesse estudo, ainda que limitado, pode servir de base para entender o comportamento mais complexo da radiação solar. Dessa forma, o professor tem a oportunidade de discutir um aspecto importante sobre a natureza da construção do conhecimento científico, a saber: experimentos científicos são sempre situações artificiais, controladas, que podem ser usadas para compreender um fenômeno complexo a partir de uma situação produzida. De fato, uma maneira de estudar a luz não polarizada e monocromática – representando uma única componente da radiação proveniente diretamente do Sol – consiste em produzir, separadamente, luz polarizada paralela e perpendicular ao plano de incidência com um laser de comprimento de onda bem definido. Como vimos, a luz não polarizada pode ser representada simplesmente como a média aritmética entre as grandezas R⊥ e R∥. Podemos assim avaliar a reflexão da luz polarizada perpendicular e paralela ao plano de incidência, e via média aritmética desses resultados, obter o comportamento para luz não polarizada. Assim, torna-se fundamental controlar a direção de polarização da luz do laser . Embora existam lasers potentes e/ou superestáveis, os lasers mais comuns nos laboratórios didáticos são os de gás He-Ne e o laser semicondutor (ponteira laser ). Enquanto os lasers semicondutores apresentam polarização linear imediatamente após ligados, os de gás geralmente demoram cerca de uma hora para estabilizar a direção de polarização, embora existam variedades de lasers de gás com polarização perfeitamente definida imediatamente ao serem ligados5 [16]. Por conta dessa oscilação, da limitação de tempo das aulas de laboratório e do menor custo6, recomenda-se a utilização de lasers semicondutores. O diodo laser utilizado nesse experimento foi da marca PHYWE® 41736.0E (670 nm, 7 mW, com adaptador de 12 mm). Independente da qualidade do laser utilizado, o tempo de estabilização pode aumentar com o uso rotineiro no laboratório. Por isso, neste experimento, como forma de estabilizar a direção de polarização da luz do laser , que pode oscilar levemente em função do tempo nesse tipo de instrumento, colocamos um polarizador na frente do equipamento. Assim, girando o laser e o polarizador, podemos incidir luz com polarização na direção desejada (perpendicular ou paralela ao plano de incidência) conforme indica a Figura 6. No experimento, medimos os ângulos de incidência θi e calculamos os coeficientes de reflexão para cada tipo de polarização, de forma que foi possível construir uma tabela com R⊥⁢(θi) e R∥⁢(θi). Usamos, então, as equações do Quadro 1 para fazer o ajuste de uma curva aos dados experimentais. Mantivemos o índice de refração do ar constante igual a 1 e deixamos o índice de refração da água variar, sendo o parâmetro de ajuste. O ângulo de transmissão θt foi escrito em função do ângulo de incidência usando a lei de Snell. Explicitamos a montagem experimental utilizada na Figura 7. Figure 7 Na esquerda, a ponteira do luxímetro presa a uma haste; no centro, sobre o trilho, uma cuba com água; e na direita, o laser e o polarizador (montados sobre a mesma haste de apoio). Os materiais usados para apoiar o laser , luxímetro e polarizador foram hastes, eixos giratórios, garras de aço, muflas duplas e simples. A cuba d’água foi apoiada sobre um trilho. Para calcular o coeficiente de reflexão da luz, é preciso conhecer a iluminância EV0 (antes de incidir na água) e a iluminância EV (depois de refletida na água), de forma que R=EV/EV0. Todas as medidas de iluminância foram feitas com um luxímetro da marca PHYWE® (Modelo Handmeßgerät Lux 07197.00). Assim, medimos a iluminância da luz (EV0) depois de passar pelo polarizador e assumimos que esse valor não muda até que atinja a água. Essa medida foi feita uma única vez antes do experimento. A mesma hipótese é aceita para a luz refletida, isto é, qualquer ponto do feixe refletido tem a mesma iluminância. Esse argumento se apoia no fato de que a variação da largura do feixe do laser , assim como a atenuação da luz no ar, é desprezível a curtas distâncias [17]. Assim, os dados coletados para cada novo ângulo de incidência são EV e “d” (ver Figura 6). As medidas ocorreram da seguinte forma: primeiro, o laser foi fixado firmemente em alguma posição incidindo luz na água contida em uma cuba sobre o trilho. A seguir, o anteparo foi colocado sobre o trilho, de forma que a luz refletida pela água estivesse em um plano que contém o trilho e o anteparo, conforme a Figura 6. Com isso, obtivemos os parâmetros “a”, “d” e “h”, necessários para calcular o ângulo de incidência θi. Feito isso, o anteparo foi removido do trilho e a posição da haste que apoia o laser pôde ser alterada (o que não muda o ângulo de incidência do laser , já que a mesa sobre a qual a haste e o laser estão apoiados é plana) para que a luz refletida pela água incidisse no luxímetro, colocado ao lado do trilho. Nesse ponto, ajustamos o ângulo e altura do luxímetro para que a luz refletida incidisse normalmente em sua superfície de detecção. Antes de tomar as medidas, as luzes da sala foram apagadas para garantir que apenas a luz do laser incidisse no detector. Apesar de atenuada pelo polarizador, a luz do laser ainda representa perigo à visão. Por isso, é preciso sempre tomar cuidado para não incidir a luz laser nos olhos, tanto direta quanto refletida. Repetimos esse processo para ângulos cada vez maiores. O arranjo experimental indicado na Figura 7 permite que o laser e o polarizador girem em torno do eixo que contém o feixe emitido pelo próprio laser , de forma a produzir a polarização perpendicular ou paralela ao plano de incidência. A polarização da luz emitida pelo laser pode ser determinada empiricamente incidindo o feixe na água em diferentes ângulos: se para algum ângulo não houver luz refletida (ângulo de Brewster), então a polarização é paralela. A partir daí, para obter a polarização perpendicular, basta girar o laser e o polarizador por 90∘. Uma forma de verificar se a nova polarização do laser está na direção correta é verificar se a iluminância inicial EV0, depois de passar pelo polarizador, é igual à medida anterior. Esse procedimento de controle também justifica a presença do polarizador no experimento. 3.2. Resultados experimentais e o processode contrastação empírica Para realizar a coleta de dados, utilizou-se um laser com iluminância EV0=(18,55±0,01)⁢k⁢l⁢u⁢x, medida depois da luz passar pelo polarizador. Para cada configuração de polarização, mediu-se a iluminância EV da luz refletida para diversos ângulos de incidência uma única vez, depois que o sistema estabilizava (o conjunto, montado sobre uma mesa, vibrava por algum tempo cada vez que o ângulo era alterado). Os valores obtidos de R⊥ e R∥ para cada ângulo θi são apresentados na Figura 8, junto com os respectivos ajustes de curva para a polarização paralela e perpendicular ao plano de incidência. Figure 8 Dados experimentais e ajuste de curva do modelo teórico aos dados. Os ajustes foram feitos utilizando as funções para R⊥ e R∥ do Quadro 1. Os ajustes foram implementados com o programa SciDAVis 2.3.0, na plataforma Windows 10, usando o algorítimo de Levenberg-Marquardt (parte do programa) e ponderando as incertezas na variável dependente 7. Como já mencionado, assumimos que o índice de refração do ar vale n1=na⁢r=1 e o índice de refração da água n2=nH2⁢O=n foi deixado como parâmetro de ajuste. Os coeficientes de determinação8R2 obtidos (0,988 e 0,996) em ambos os casos mostram que o modelo de reflexão da luz na água se ajusta bem aos dados. Também observa-se concordância – dentro do limite de incerteza atribuído pelo método de ajuste – entre os valores obtidos para o índice de refração da água: n ∥ = 1 , 33 ± 0 , 01 , n ⊥ = 1 , 31 ± 0 , 01 . A literatura aponta um índice de refração de nH2⁢O=1,331±0,001 para água destilada a 20∘C no comprimento de onda do laser usado na investigação (670 nm) [19, 20]. Tendo em vista que o experimento foi realizado com água de torneira, que contém minerais e impurezas [21] não presentes na água destilada, a diferença entre o valor ajustado e o resultado da literatura não foi considerada um problema. A maior fonte de erro desse experimento consistiu na dificuldade em produzir polarização perpendicular ao plano de incidência – exatamente a medida que gerou maior divergência com resultados da literatura para o índice de refração. Ao contrário da polarização paralela, obtida pela observação do desaparecimento da luz refletida no ângulo de Brewster, a polarização perpendicular foi estabelecida girando 90∘ o laser e o polarizador a partir da posição com polarização paralela, introduzindo erro nesse processo. Dessa forma, garantimos que a luz do laser tem a mesma direção de polarização do polarizador, isto é, perpendicular ao plano de incidência9. Outra fonte de erro é uma pequena distorção observada na luz refletida do laser para ângulos de incidência maiores. Essa distorção começa a ser significativa por volta de θi≈75∘, onde a largura do feixe do laser passa a ser maior que a superfície de detecção do luxímetro. Também é possível que certo erro na medida tenha sido introduzido pela dificuldade de alinhar o luxímetro com o feixe incidente: a medida de EV deve ser feita observando a máxima iluminância detectada, que ocorre quando o feixe incide normalmente em sua superfície de detecção. Por meio da atividade desenvolvida, foi possível evidenciar empiricamente como a polarização determina a forma que a energia eletromagnética é refletida e, consequentemente, transmitida, pela água. Observou-se que a intensidade da luz refletida aumenta com o ângulo de incidência, exceto para a polarização paralela, que vai a zero no ângulo de Brewster. A partir dos resultados obtidos, os estudantes podem: (a) fazer a média aritmética e estimar o coeficiente de reflexão Rn⁢p da luz não polarizada; (b) calcular o coeficiente de transmissão Tn⁢p pela conservação da energia; e (c) ao menos sobre o ponto de vista qualitativo, construir argumentos, pautados nas evidências empíricas, sobre como a moeda e a relíquia poderiam desaparecer nas condições enunciadas na situação-problema. Fundamentados nesses conhecimentos, expomos uma possível explicação para o fenômeno na próxima seção. , apresentamos a montagem experimental e analisamos os dados. Na Seção 4 4. Resolvendo o Problema da Moeda e da Relíquia Antes de resolvermos a questão do desaparecimento da moeda e da relíquia, é importante destacar que, por mais que a atividade forneça as ferramentas teóricas para lidar com a questão de forma quantitativa, não se espera que um estudante faça uma análise completa do fenômeno. Mais do que obter respostas precisas, a riqueza da atividade consiste em tornar evidente aos estudantes como conhecimentos científicos podem ser mobilizados para atacar problemas complexos através da construção de representações simplificadas da realidade. Centraremos a explicação do fenômeno no desaparecimento da moeda porque, como dito na introdução, o problema da relíquia é fictício, enquanto o da moeda é real. Em termos físicos, afirmar que a moeda submersa é visível para um observador significa afirmar que a intensidade da luz que parte da moeda e chega aos olhos do observador é maior, ou comparável, com a intensidade da luz que é refletida na superfície da água, chegando aos seus olhos provinda de outras regiões (como a luz difusa do céu, por exemplo). Pela natureza do problema – a moeda desaparece ao longo da tarde, olhando para o oeste – assumimos a hipótese de que a reflexão da luz solar direta é a principal responsável por ofuscar a imagem da moeda. A situação está representada esquematicamente na Figura 9. Figure 9 Representação esquemática da reflexão da luz solar na água. Cada raio de luz vindo do Sol chega aos olhos do observador com intensidade diferente da inicial. A Figura 9 mostra dois raios de luz paralelos provenientes do Sol incidindo na superfície da água. Esses raios concorrem para formar a imagem na retina do observador, à direita na figura. Um deles reflete na superfície da água (a luz transmitida para a água não é mostrada para fins de clareza). Já o outro, entra na água, reflete na moeda e sai da água (aqui não são mostrados os raios de luz refletidos na interface). A iluminância da luz solar na superfície da Terra é da ordem de 100 klux, com o Sol a pino [22]. A medida que o Sol se move no céu, esse valor se modifica gradualmente em função da atenuação da luz pela atmosfera. Uma expressão para calcular a iluminância E0 da incidência direta da luz solar ao longo do dia, considerando o céu sem nuvens, é [23]: (8) E 0 = 127.500 ⁢ e ⁢ x ⁢ p ⁢ ( - 0 , 21 c ⁢ o ⁢ s ⁢ θ i ) ⁢ l ⁢ u ⁢ x , onde θi é o ângulo de incidência da luz solar na superfície10. A Equação 8 é derivada da lei de Beer-Lambert [24], sendo que o termo negativo representa o coeficiente de extinção da luz pela atmosfera11 e a função trigonométrica, a massa de ar atravessada pela luz solar, que muda ao longo do dia. Se em determinada hora do dia a luz solar incidir na água com ângulo de incidência θi, então a iluminância da luz refletida pela água é dada pelo coeficiente de reflexão (9) E r = E 0 ⁢ ( θ i ) ⁢ R n ⁢ p ⁢ ( θ i ) , conforme representado na Figura 9. Para calcular a iluminância da luz que passa pela água (refletindo na moeda), dividimos a descrição do raio de luz na Figura 9 em cinco partes, lembrando que E0=E0⁢(θi): Em “a ”, a iluminância da luz transmitida para a água é dada pelo coeficiente de transmissão Ea=E0⁢Tn⁢p⁢(θi). A mudança na direção de propagação é controlada pela lei de Snell n1⁢s⁢e⁢n⁢θi=n2⁢s⁢e⁢n⁢θt. Além disso, pode-se mostrar pelo emprego direto das equações do Quadro 1 que a luz não polarizada transmitida pela água permanece essencialmente não-polarizada, já que suas componentes paralelas e perpendiculares sofrem atenuações muito semelhantes. De “a ” para “b ” a luz percorre uma distância D perdendo energia por absorção e espalhamento na água. Pela lei de Beer-Lambert, sendo Eb a iluminância da luz em “b ” e Ea a iluminância da luz no ponto “a ”, vale: Eb=Ea⁢e-μ⁢D, onde μ é o coeficiente de atenuação linear, com unidade [μ]=m-1. Para águas de lagos, essa grandeza tem valores típicos na faixa de μ∈[0,7;11]⁢m-1 [25], dependendo da quantidade de algas ou sedimentos presentes. Assim, ao atingir o ponto “b ”, a iluminância do feixe é Eb=E0⁢Tn⁢p⁢(θi)⁢e-μ⁢D. De “b ” para “c ’’ ocorre reflexão da luz na superfície da moeda: novamente, parte da energia é perdida nesse processo, dependendo do ângulo de incidência. Como a superfície da moeda é metálica — digamos, de ouro — não podemos usar os modelos teóricos construídos, válidos apenas para meios dielétricos12. Ao incidir luz não polarizada no ouro, a luz refletida sofre mais atenuação na sua componente paralela em comparação com a componente perpendicular, sendo por isso considerada parcialmente polarizada (na direção perpendicular) [26]. No entanto, o coeficiente de reflexão no ouro é maior do que 90% para qualquer ângulo de incidência, em qualquer direção de polarização, no comprimento de onda considerado (670 nm) [27]. Por isso, consideramos uma boa aproximação considerar que a luz não polarizada se mantém não polarizada ao refletir na superfície do ouro. Assim, chamando o coeficiente de reflexão do ouro de k, a iluminância do feixe depois de refletido pela moeda é Ec=Eb⁢k, isto é: Ec=E0⁢Tn⁢p⁢(θi)⁢e-μ⁢D⁢k. De “c ” para “d ” ocorrem novamente perdas de energia pela atenuação da luz na água. Por simetria, o caminho percorrido é o mesmo que o de antes, logo a iluminância do feixe em “d ” fica: Ed=E0⁢Tn⁢p⁢(θi)⁢e-μ⁢D⁢k⁢e-μ⁢D. Finalmente, podemos calcular a iluminância do feixe no ponto “e ” pelo coeficiente de transmissão, com o cuidado de que agora a troca de meio é da água para o ar (inverte-se o índice de refração e os ângulos na equação), isto é, Ee=Ed⁢Tn⁢p⁢(θt). Assim, a iluminância da luz refletida pela moeda é dada pela expressão: (10) E e = E 0 ⁢ ( θ i ) ⁢ k ⁢ T n ⁢ p ⁢ ( θ i ) ⁢ T n ⁢ p ⁢ ( θ t ) ⁢ e - 2 ⁢ μ ⁢ D , conforme indicado na Figura 9. Repare que, nesse processo, desprezamos a atenuação da luz pelo ar entre a água e o observador. Além disso, consideramos a luz proveniente do Sol como essencialmente colimada, devido à grande distância entre o Sol e a Terra, que faz com que seus raios cheguem a sua superfície praticamente paralelos. Assim, reunindo esses termos, obtemos a expressão indicada na Figura 9 para a intensidade da luz que passou pela água. A distância D pode ser calculada com auxílio do triângulo formado na figura: D=h/cos⁡θt, onde h é a profundidade da moeda. 4.1. Explicação sobre o desaparecimentoda moeda Para avaliar a adequação do modelo construído, voltamos a analisar a situação ilustrada na Figura 2, produzida na cidade de Porto Alegre no dia 10/03/2021. De acordo com [28], no dia em questão, o ângulo de incidência solar variou no intervalo θi∈[26∘;90∘]. Nesse caso, θi=26∘ corresponde à posição mais alta do Sol no céu (12h35min) e θi=90∘ representa o por-do-sol (18h47min). Uma descrição detalhada de como obter o ângulo de incidência em função da hora de uma localidade qualquer da Terra pode ser consultada no Material Suplementar B, embora essa não seja uma discussão essencial para resolver o problema. Na Figura 2, a profundidade da cuba que continha a moeda era de h=10 cm. A água utilizada – apesar de ser de torneira – era razoavelmente límpida, por isso, nesta estimativa, adotamos μ=2⁢m-1 para o coeficiente de atenuação, apenas um pouco acima do valor típico de água cristalina, porém bastante abaixo do valor típico para água turva. Sobre o coeficiente de reflexão da luz, não encontramos na literatura o valor desse parâmetro para o material que compõe a moeda de 10 centavos usada (aço revestido com bronze) sob a incidência da luz do Sol. Supomos, no entanto, que esse valor deve ser menor que o do ouro puro, pois o bronze reflete menos a luz que nele incide; além disso, a superfície da moeda não é polida. Assim, usamos um valor conservador de k=0,6 para esse parâmetro. O resultado fornecido pelas Equações 9 e 10 está representado na Figura 10. Figure 10 Comparação entre os raios de luz solar refletidos diretamente pela água (Equação 9) e pela moeda (Equação 10). A intensidade da luz vai a zero com um ângulo de incidência de 90∘ porque o Sol se põe. Pela Figura 10, vemos que a intensidade da luz refletida pela moeda é maior que a refletida diretamente pela água na maior parte do tempo, indicando que a moeda é visível quando o Sol está alto no céu. Isso pôde ser verificado empiricamente, como mostra a Figura 2(b). Ao longo da tarde, a intensidade da luz solar refletida diretamente pela água aumenta, superando a luz refletida pela moeda, que diminui abruptamente. Isso ocorre quando as duas curvas na Figura 10 se cruzam, situação na qual a iluminância da luz vinda do Sol e da moeda é cerca de 12 klux13. Com isso, infere-se que a moeda desapareceria14. O ponto de cruzamento entre as linhas na Figura 10 é θi=75∘, que corresponde ao horário das 17h34min. Como se pode constatar pela Figura 2(c), a moeda não estava mais visível. Nessa foto, tomou-se o cuidado de alinhar a câmera simultaneamente com a posição da imagem do Sol e da imagem da moeda, como na Figura 9, já que nosso modelo assume essa geometria de raios de luz. 4.2. Explicação sobre o desaparecimentoda relíquia Para formular uma possível resposta para o problema da relíquia, precisamos apenas modificar os parâmetros usados. Admitindo h=2⁢m (relíquia em uma profundidade considerável na margem do lago), μ=0,7⁢m-1 (água de lago cristalina, como comentado) e k=0,9 (coeficiente de reflexão do ouro, assumindo que essa é a composição da relíquia), podemos prever que o desaparecimento ocorreria por volta das 15h20min. O cálculo foi feito para o mesmo dia e local anterior (Porto Alegre no dia 10/03/2021). Relembramos que o problema foi modelado comparando dois raios de luz que vêm diretamente do Sol. Esse desenvolvimento, feito em detrimento de uma descrição mais completa, – que leve em consideração, por exemplo, a reflexão difusa de vários raios de luz na relíquia – é uma representação que possivelmente superestima a iluminância que chega aos olhos do observador. Isso porque existem diversos ângulos possíveis de visada que permitem a visualização da relíquia sem a incidência direta da luz solar refletida (como a Figura 2(a)). Mesmo assim, a representação simplificada do evento nos permite dar respostas aproximadas para as questões feitas inicialmente. A primeira questão de pesquisa, “Quais fatores influenciam na intensidade da luz solar refletida pela superfície? ”, pode ser respondida pelo exame da Figura 8. A polarização da luz é um fator determinante na dinâmica da reflexão. Por exemplo, para luz polarizada paralelamente, existe um ângulo em que não há nenhuma luz refletida (ângulo de Brewster). Já a luz polarizada perpendicularmente é sempre refletida, aumentando de intensidade com o ângulo de incidência. A segunda questão de pesquisa, “Em quais condições a relíquia é visível para um observador parado na margem do lago? ”, pode ser respondida analisando a Figura 10, que representa o mesmo fenômeno responsável pelo desaparecimento da relíquia. A relíquia será visível quando a intensidade da luz que compõe sua imagem for maior, ou pelo menos comparável, com a da luz do Sol refletida na água. A partir de certo horário (ou ângulo de incidência) a intensidade da luz solar refletida na água cresce, enquanto a imagem da relíquia diminui de intensidade, favorecendo seu desaparecimento. , resolvemos o problema do desaparecimento da moeda e da relíquia, e na Seção 5 5. Considerações Finais e Conclusão Nesse artigo, descrevemos uma atividade didática, centrada no processo de modelagem científica, em nível de Física Geral IV, cujo objetivo era resolver um “mistério” envolvendo o desaparecimento de uma relíquia nas profundezas de um lago. Tínhamos como hipótese básica o fato de que a luz solar, refletida na superfície da água, ofuscava a imagem da relíquia, contribuindo para seu desaparecimento. Para solucionar o problema, mobilizamos conhecimentos científicos como o conceito de ângulo de Brewster , polarização e coeficientes de reflexão e transmissão da luz, além de construirmos um modelo teórico – calcado nas equações de Fresnel – para explicar os processos de transferência de energia luminosa entre o ar e a água. Esse modelo teórico foi avaliado por meio de uma investigação empírica, na qual se buscou estudar a reflexão da luz não polarizada pelas suas componentes polarizadas paralelas e perpendiculares ao plano de incidência. Para isso, utilizou-se um laser , uma cuba d’água, um luxímetro, hastes e suportes. A atividade se mostrou adequada para se explorar diversos aspectos do processo de modelagem científica. O conceito de controle de variáveis , no entanto, foi privilegiado. Uma situação em que isso fica evidente é quando os estudantes precisam controlar a direção de polarização da luz que incide na água, medir o ângulo de incidência da luz por algum método, bem como sua iluminância. Além disso, a atividade se mostrou propícia não apenas para evidenciar como experimentos são delineados e executados tendo em vista os pressupostos teóricos assumidos na construção do modelo subjacente à investigação, como também para ilustrar como tais modelos podem ser usados para descrever situações reais mais complexas. Através da investigação, buscamos responder às seguintes questões: “Quais fatores influenciam na intensidade da luz solar refletida pela superfície? Em quais condições a relíquia é visível para um observador parado na margem do lago? ”. A investigação realizada deu suporte empírico para a criação de explicações sobre o fenômeno: levando em consideração que a luz que vem diretamente do Sol é não polarizada, descrevemos o desaparecimento de uma moeda em termos da comparação entre a intensidade de raios de luz concorrentes, que refletem na moeda e na superfície da água. Em particular, determinamos o horário em que a moeda começaria a desaparecer em Porto Alegre (RS) no dia 10/03/2021 e confrontamos esse resultado com um experimento que corrobora a explicação construída. Ainda, fazendo algumas suposições, fornecemos respostas para o caso da relíquia. Por meio da atividade, o estudante não apenas desmistifica o desaparecimento da relíquia, como também adquire uma compreensão conceitual do fenômeno indicado na Figura 1. A atividade descrita foi aplicada em uma disciplina de Física Experimental IV do curso de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A metodologia de ensino utilizada foram os Episódios de Modelagem (EM) [8]. Resumidamente, os EM são caracterizados por serem atividades de cunho aberto, que valorizam a argumentação e tomada de decisão por parte dos alunos. Todos os EM são motivados por uma situação-problema instigante, com significado além do contexto acadêmico – nesse caso a questão da relíquia. Durante a aplicação deste EM, os estudantes tinham a liberdade de realizar experimentos sugeridos pelo professor ou de delinear seus próprios experimentos. Assim, além do experimento descrito nesse artigo, sugerimos outros dois: um semelhante, onde acrílico é utilizado em vez de água, e outro completamente diferente, no qual os estudantes avaliam o grau de adequação da lei de Malus com polarizadores. Entendemos que atividades como a descrita têm grande potencial instigante para o estudante na medida em que trazem para o contexto do laboratório didático situações contextualizadas que demandam a solução de problemas autênticos por meio do emprego de conhecimentos científicos. No presente caso, tal emprego se justificou pela necessidade de resolver um “mistério” evocado de uma situação que, por mais que fictícia, se amparou em um fenômeno real (o desaparecimento da moeda ou as pedras de um lago). Entendemos assim, que tais atividades podem contribuir para diminuir a distância entre teoria e prática no contexto dos cursos de Física, uma vez que o engajamento dos estudantes na resolução de um problema autêntico dá sentido aos conhecimentos científicos que estão sendo trabalhados. tecemos as conclusões e fazemos as considerações finais.

2. Interação da Radiação Eletromagnética com Meios Dielétricos

Para entender o desaparecimento da moeda, passamos a representar a situação de forma idealizada, levando em consideração apenas dois raios de luz provenientes do Sol, como ilustrado na Figura 3. Essa representação também considera a moeda como uma superfície perfeitamente plana, desprezando efeitos decorrentes de reflexão difusa. A comparação entre as intensidades refletidas e transmitidas na superfície da água desses raios de luz para diferentes ângulos de incidência determina a visibilidade da moeda. A intensidade da luz, por sua vez, pode ser estimada conhecendo-se a amplitude do campo elétrico associado à radiação, que varia quando a luz sofre reflexão/transmissão através de uma interface, dependendo da polarização da luz incidente e do ângulo de incidência.

Figure 3
Dois dos principais raios de luz que formam imagem na retina do observador em diferentes horas do dia. Um deles, refratado na superfície da água, reflete na moeda, contribuindo para a sua visualização; outro, reflete diretamente na superfície da água, não contribuindo para a visualização da moeda. A concorrência entre as intensidades de raios como esses ajudam a estimar se a moeda é visível ou não. A espessura das linhas que representam os raios de luz diminuem gradualmente até os olhos do observador, simbolizando a perda de intensidade.

Um modelo teórico que representa essa situação pode ser construído baseado nas equações de Fresnel, que descrevem a amplitude relativa do campo elétrico refletido e transmitido pela interface que separa dois meios. Através dessas equações, obtém-se os coeficientes de reflexão R e transmissão T, grandezas contrastáveis no laboratório didático que essencialmente relacionam as intensidades da luz ao sofrer reflexão/transmissão.

Ainda que a atividade seja dirigida para estudantes de graduação, como o público-alvo deste artigo são professores de Ensino Superior familiarizados com a manipulação das equações exploradas, optamos por expor nas subseções seguintes o modelo teórico utilizado sem qualquer demonstração. Uma dedução completa das equações, baseada na teoria eletromagnética clássica [9[9] J.D. Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, New York, 1962)., 10[10] P. Lorrain, Eletromagnetic fields and waves (W. H. Freeman and Company, New York, 1988)., 11[11] M. Born e E. Wolf, Principles of optics (Pergamon Press, New York, 1980)., 12[12] D.J. Griffiths, Eletrodinâmica (Pearson, São Paulo, 2015)., 13[13] E. Hecht, Optics (Addison Wesley, London, 2002).], é colocada à disposição no Material Suplementar A Material Suplementar A deste artigo. Nele, apresentamos a teoria de forma integral para: (i) destacar o processo de modelagem científica da situação física representada pela reflexão e transmissão da luz não polarizada pela interface entre dois meios; (ii) esclarecer alguns dos processos de interação da radiação com a matéria, podendo servir de material de apoio para professores interessados em aplicar essa atividade em sala de aula.

2.1. Luz polarizada

Considere uma onda eletromagnética, com irradiância Ii, em W/m2, incidindo na interface que separa dois meios. Após a interação, parte da luz é refletida com irradiância Ir, e parte é transmitida (It) através do meio. Define-se o coeficiente de reflexão R e transmissão T pela razão:

(1) R = I r I i ,
(2) T = I t I i .

Pela definição, os coeficientes representam o percentual da energia refletida e transmitida pela interface. A soma das intensidades da luz refletida e transmitida não pode ser maior que a intensidade da luz incidente; logo, valem as relações R<1 e T<1. Admitindo que não foi perdida energia para o meio, temos:

(3) R + T = 1 .

É possível determinar R e T no laboratório didático com a utilização de um luxímetro (caso o laboratório não disponha desse aparelho, o sensor de luminosidade de um celular pode ser usado3 3 Um aplicativo útil para esse fim é o PhysicsToolbox, que permite usar o sensor de luminosidade do telefone para medir iluminância. Nesse caso, é preciso verificar as especificações técnicas do sensor do celular para evitar danificá-lo com luz de intensidade muito elevada. ). Esse aparelho possui sensibilidade espectral apenas na região do visível e suas medidas levam em consideração a sensibilidade do olho humano aos diversos comprimentos de onda nessa faixa, através da chamada Função Luminosidade [14[14] CIE, The Basis of Physical Photometry – Technical Report, Commission Internationale de l’Éclairage, Vienna, (2019).]. Ao trabalhar com radiação monocromática, no entanto, a iluminância, em lux (1 lux = 1 lúmen por m2), é diretamente proporcional à irradiância absoluta. Por conta disso, em vez de medir a irradiância I um luxímetro mede a Iluminância EV, em lux – uma grandeza típica da fotometria [7[7] R. Weber, L.A. Heidemann e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200229 (2020).]. Conhecendo-se a eficácia luminosa de uma fonte de luz, podemos converter a irradiância em iluminância e vice-versa. Por exemplo, a eficácia luminosa do Sol é de 100 lm/W [15[15] P.J. Littlefair, Lighting Research and Technology 17, 162 (1985).]. Isso implica que, se uma região for iluminada pelo Sol com uma irradiância de 300 W/m2, a iluminância medida por um luxímetro será de 30 klux. Uma vez que R e T são definidos através da razão entre as mesmas grandezas (Eqs. 1 e 2), o resultado independe da unidade de medida utilizada ao calculá-los. A partir de agora, desenvolvemos expressões que permitem calcular esses coeficientes teoricamente.

Considere uma onda eletromagnética monocromática, linearmente polarizada4 4 A direção de polarização da luz é definida pela direção de oscilação do campo elétrico. , incidindo em um meio dielétrico, isotrópico e linear, como na Figura 4(a) e (b). A radiação está representada na forma de ondas planas, sendo polarizada perpendicularmente ao plano de incidência (Figura 4a) e paralelamente ao plano de incidência (Figura 4b). A representação da radiação por meio de ondas planas não diminui o grau de generalização dos resultados, já que toda radiação pode ser escrita como uma combinação de ondas planas. Estão representados apenas a amplitude do campo elétrico (E), para evidenciar a direção de polarização, o vetor de onda (k^), que determina a direção de propagação da luz, e os ângulos de incidência (θi), reflexão (θr) e transmissão (θt) pela superfície – considerada perfeitamente plana. A interface separa dois meios com índice de refração n1 e n2, tal que n2>n1.

Figure 4
Luz polarizada incidindo na interface entre dois meios. O plano de incidência corresponde ao plano da página. (a) Luz polarizada perpendicularmente ao plano de incidência. (b) Luz polarizada paralelamente ao plano de incidência.

Os primeiros resultados importantes que emergem dessa representação são as conhecidas identidades θi=θr (lei da reflexão) e n1senθi=n2senθt (lei de Snell), que podem ser derivadas a partir de imposições puramente cinemáticas sobre o comportamento ondulatório da luz.

Por meio das equações de Fresnel, é possível relacionar as amplitudes dos campos elétricos da radiação incidente, refletida e transmitida. A partir dessas amplitudes, calcula-se teoricamente os coeficientes de reflexão R e transmissão T pelo vetor de Poynting, que relaciona a amplitude do campo elétrico com a irradiância I da luz. No Quadro 1 apresentamos as expressões para cada tipo de polarização.

Quadro 1
Coeficientes de reflexão e transmissão da luz polarizada perpendicular ou paralela ao plano de incidência. Esses coeficientes são deduzidos no Material Suplementar A Material Suplementar A .

As equações no Quadro 1 permitem calcular a fração de energia refletida ou transmitida por uma interface, dependendo da polarização da luz. Lembramos que os ângulos de incidência e transmissão não são independentes, já que um pode ser escrito em função do outro pela lei de Snell, isto é: θt=sen-1[(n1/n2)senθi]. Portanto, para calcular os coeficientes de reflexão e transmissão, basta conhecer os índices de refração de cada meio e o ângulo de incidência.

Mostramos que é possível estimar a fração de energia refletida e transmitida pela interface ar-água quando a direção de polarização é perpendicular ou paralela ao plano de incidência. A luz do Sol, no entanto, não é polarizada. Abordamos essa situação na próxima subseção.

2.2. Luz não polarizada

Os coeficientes de reflexão e transmissão da luz não polarizada podem ser obtidos considerando o caso geral de luz linearmente polarizada em direção arbitrária. Considere a situação na qual a luz incidente (com ângulo de incidência θi arbitrário) tem polarização que forma um ângulo Φ com o plano de incidência, como representado na Figura 5. Nesse caso, a radiação tem, simultaneamente, componentes perpendiculares e paralelas ao plano de incidência e à direção de propagação da luz.

Por decomposição das componentes do campo elétrico, obtém-se os seguintes coeficientes de reflexão e transmissão, que são deduzidos no Material Suplementar A Material Suplementar A deste artigo:

(4) R Φ = R cos 2 Φ + R s e n 2 Φ e
(5) T Φ = T cos 2 Φ + T s e n 2 Φ ,

Figure 5
Luz polarizada em direção arbitrária. A linha verde contida no plano representa a luz incidente.

onde R, R, T e T estão especificados no Quadro 1. Usaremos esse resultado para estudar a luz não polarizada, como a que vem diretamente do Sol.

Luz não polarizada (ou luz natural) é caracterizada pela ausência de direção preferencial na oscilação do campo elétrico. Além disso, diferentes componentes do campo elétrico não apresentam coerência entre si, estando fora de fase. No entanto, é possível conceber que, a qualquer instante, a componente resultante do campo elétrico paralela ao plano de incidência é igual à componente perpendicular, situação na qual o ângulo Φ na Figura 5 é 45. Dessa forma, os coeficientes de reflexão Rnp e transmissão Tnp da luz não polarizada podem ser calculados substituindo Φ=45 nas Equações 4 e 5:

(6) R n p = R + R 2 e
(7) T n p = T + T 2 ,

ou seja, a média aritmética entre os coeficientes de reflexão e transmissão da luz polarizada paralela ou perpendicularmente ao plano de incidência (Quadro 1). A relação que expressa a conservação de energia é válida em todas as situações de polarização, de forma que é válido escrever, por exemplo: Rnp+Tnp=1.

É importante destacar que as equações apresentadas para descrever a reflexão e transmissão da luz são válidas apenas para meios dielétricos. A interação da luz com metais, por exemplo, é mais complicada porque as cargas livres desse meio absorvem parte da radiação. Não está no escopo desse artigo tratar desse tipo de interação em detalhes, apesar de utilizarmos resultados da literatura mais adiante para estimar a fração de energia refletida pela moeda e pela relíquia – supostamente metálica.

Nesta seção, foi apresentado um modelo para representar a interação da radiação eletromagnética com meios dielétricos. Essas relações dão suporte teórico às investigações empíricas que permitem dar sentido ao conceito de polarização da luz, bem como resolver o problema do desaparecimento da moeda e da relíquia. Na próxima seção, explicitamos a montagem usada na investigação e o processo de contrastação empírica entre as predições do modelo teórico e evidências experimentais.

3. Medida da Reflexão da Luz na Água

Nosso objetivo foi determinar a condição de visibilidade de objetos submersos na água quando a luz solar concorre para formação de sua imagem. Para isso, construímos um modelo teórico capaz de prever a intensidade da luz refletida e transmitida pela água. Por meio da investigação realizada, buscamos simultaneamente validar o modelo – avaliando sua capacidade preditiva – e construir evidência empírica que fundamenta explicações sobre o fenômeno.

3.1. Delineamento experimental e controle de variáveis

O experimento consistiu em incidir a luz de um laser com iluminância conhecida (EV0) em uma porção d’água de torneira e medir a iluminância da luz refletida (EV) para alguns ângulos de incidência (θi), como mostra a Figura 6. O ângulo de incidência é medido com auxílio de um anteparo. Foi possível, assim, calcular o coeficiente de reflexão da luz. O coeficiente de transmissão pôde ser calculado teoricamente a partir da Equação 3.

Figure 6
A posição do anteparo pode ser ajustada para que a luz refletida incida sempre na mesma altura “h” (p. ex. sua borda superior). Uma vez que “a” – a altura da superfície da água – permanece constante, apenas a distância “d” varia ao mudar o ângulo de incidência, sendo a única variável a ser medida cada vez que se muda a direção de incidência da luz.

A montagem da Figura 6 tem a vantagem de permitir o cálculo do ângulo de incidência θi com razoável precisão, tendo incertezas iguais ou menores que 0,5 nessa variável. Um aparente problema advém do fato de que a luz solar, alvo do nosso estudo, é policromática , enquanto o laser utilizado projeta luz monocromática . Destacamos, no entanto, que o modelo teórico foi originalmente concebido para descrever situações de radiação monocromática, de forma que um experimento usando qualquer fonte de luz não monocromática (p. ex., lâmpada incandescente) – simulando luz solar – deixaria de satisfazer esse pressuposto teórico. Esse fato não representa um problema porque, em vez de estudar a luz do Sol propriamente dita, podemos nos concentrar em entender o comportamento de uma componente específica do espectro eletromagnético solar (o laser utilizado tem comprimento de onda 670 nm). O entendimento promovido nesse estudo, ainda que limitado, pode servir de base para entender o comportamento mais complexo da radiação solar. Dessa forma, o professor tem a oportunidade de discutir um aspecto importante sobre a natureza da construção do conhecimento científico, a saber: experimentos científicos são sempre situações artificiais, controladas, que podem ser usadas para compreender um fenômeno complexo a partir de uma situação produzida.

De fato, uma maneira de estudar a luz não polarizada e monocromática – representando uma única componente da radiação proveniente diretamente do Sol – consiste em produzir, separadamente, luz polarizada paralela e perpendicular ao plano de incidência com um laser de comprimento de onda bem definido. Como vimos, a luz não polarizada pode ser representada simplesmente como a média aritmética entre as grandezas R e R. Podemos assim avaliar a reflexão da luz polarizada perpendicular e paralela ao plano de incidência, e via média aritmética desses resultados, obter o comportamento para luz não polarizada.

Assim, torna-se fundamental controlar a direção de polarização da luz do laser . Embora existam lasers potentes e/ou superestáveis, os lasers mais comuns nos laboratórios didáticos são os de gás He-Ne e o laser semicondutor (ponteira laser ). Enquanto os lasers semicondutores apresentam polarização linear imediatamente após ligados, os de gás geralmente demoram cerca de uma hora para estabilizar a direção de polarização, embora existam variedades de lasers de gás com polarização perfeitamente definida imediatamente ao serem ligados5 5 Em alguns lasers a oscilação da direção de polarização pode ser verificada colocando um polarizador na sua frente: observa-se que a luz projetada ascende e apaga em intervalos cada vez mais longos. [16[16] M.A. Cavalcanti, C. Tavolaro e D. Guimarães, Física na Escola 7, 73 (2006).]. Por conta dessa oscilação, da limitação de tempo das aulas de laboratório e do menor custo6 6 Lasers de diodo são relativamente baratos em comparação com os de gás. , recomenda-se a utilização de lasers semicondutores. O diodo laser utilizado nesse experimento foi da marca PHYWE® 41736.0E (670 nm, 7 mW, com adaptador de 12 mm). Independente da qualidade do laser utilizado, o tempo de estabilização pode aumentar com o uso rotineiro no laboratório. Por isso, neste experimento, como forma de estabilizar a direção de polarização da luz do laser , que pode oscilar levemente em função do tempo nesse tipo de instrumento, colocamos um polarizador na frente do equipamento. Assim, girando o laser e o polarizador, podemos incidir luz com polarização na direção desejada (perpendicular ou paralela ao plano de incidência) conforme indica a Figura 6.

No experimento, medimos os ângulos de incidência θi e calculamos os coeficientes de reflexão para cada tipo de polarização, de forma que foi possível construir uma tabela com R(θi) e R(θi). Usamos, então, as equações do Quadro 1 para fazer o ajuste de uma curva aos dados experimentais. Mantivemos o índice de refração do ar constante igual a 1 e deixamos o índice de refração da água variar, sendo o parâmetro de ajuste. O ângulo de transmissão θt foi escrito em função do ângulo de incidência usando a lei de Snell.

Explicitamos a montagem experimental utilizada na Figura 7.

Figure 7
Na esquerda, a ponteira do luxímetro presa a uma haste; no centro, sobre o trilho, uma cuba com água; e na direita, o laser e o polarizador (montados sobre a mesma haste de apoio). Os materiais usados para apoiar o laser , luxímetro e polarizador foram hastes, eixos giratórios, garras de aço, muflas duplas e simples. A cuba d’água foi apoiada sobre um trilho.

Para calcular o coeficiente de reflexão da luz, é preciso conhecer a iluminância EV0 (antes de incidir na água) e a iluminância EV (depois de refletida na água), de forma que R=EV/EV0. Todas as medidas de iluminância foram feitas com um luxímetro da marca PHYWE® (Modelo Handmeßgerät Lux 07197.00). Assim, medimos a iluminância da luz (EV0) depois de passar pelo polarizador e assumimos que esse valor não muda até que atinja a água. Essa medida foi feita uma única vez antes do experimento. A mesma hipótese é aceita para a luz refletida, isto é, qualquer ponto do feixe refletido tem a mesma iluminância. Esse argumento se apoia no fato de que a variação da largura do feixe do laser , assim como a atenuação da luz no ar, é desprezível a curtas distâncias [17[17] N.C. Ahlquist e R.J. Charlson, Journal of the air pollution control association 17, 467 (1967).]. Assim, os dados coletados para cada novo ângulo de incidência são EV e “d” (ver Figura 6).

As medidas ocorreram da seguinte forma: primeiro, o laser foi fixado firmemente em alguma posição incidindo luz na água contida em uma cuba sobre o trilho. A seguir, o anteparo foi colocado sobre o trilho, de forma que a luz refletida pela água estivesse em um plano que contém o trilho e o anteparo, conforme a Figura 6. Com isso, obtivemos os parâmetros “a”, “d” e “h”, necessários para calcular o ângulo de incidência θi. Feito isso, o anteparo foi removido do trilho e a posição da haste que apoia o laser pôde ser alterada (o que não muda o ângulo de incidência do laser , já que a mesa sobre a qual a haste e o laser estão apoiados é plana) para que a luz refletida pela água incidisse no luxímetro, colocado ao lado do trilho. Nesse ponto, ajustamos o ângulo e altura do luxímetro para que a luz refletida incidisse normalmente em sua superfície de detecção. Antes de tomar as medidas, as luzes da sala foram apagadas para garantir que apenas a luz do laser incidisse no detector. Apesar de atenuada pelo polarizador, a luz do laser ainda representa perigo à visão. Por isso, é preciso sempre tomar cuidado para não incidir a luz laser nos olhos, tanto direta quanto refletida. Repetimos esse processo para ângulos cada vez maiores.

O arranjo experimental indicado na Figura 7 permite que o laser e o polarizador girem em torno do eixo que contém o feixe emitido pelo próprio laser , de forma a produzir a polarização perpendicular ou paralela ao plano de incidência. A polarização da luz emitida pelo laser pode ser determinada empiricamente incidindo o feixe na água em diferentes ângulos: se para algum ângulo não houver luz refletida (ângulo de Brewster), então a polarização é paralela. A partir daí, para obter a polarização perpendicular, basta girar o laser e o polarizador por 90. Uma forma de verificar se a nova polarização do laser está na direção correta é verificar se a iluminância inicial EV0, depois de passar pelo polarizador, é igual à medida anterior. Esse procedimento de controle também justifica a presença do polarizador no experimento.

3.2. Resultados experimentais e o processode contrastação empírica

Para realizar a coleta de dados, utilizou-se um laser com iluminância EV0=(18,55±0,01)klux, medida depois da luz passar pelo polarizador. Para cada configuração de polarização, mediu-se a iluminância EV da luz refletida para diversos ângulos de incidência uma única vez, depois que o sistema estabilizava (o conjunto, montado sobre uma mesa, vibrava por algum tempo cada vez que o ângulo era alterado). Os valores obtidos de R e R para cada ângulo θi são apresentados na Figura 8, junto com os respectivos ajustes de curva para a polarização paralela e perpendicular ao plano de incidência.

Figure 8
Dados experimentais e ajuste de curva do modelo teórico aos dados. Os ajustes foram feitos utilizando as funções para R e R do Quadro 1.

Os ajustes foram implementados com o programa SciDAVis 2.3.0, na plataforma Windows 10, usando o algorítimo de Levenberg-Marquardt (parte do programa) e ponderando as incertezas na variável dependente 7 7 Por exemplo, para a polarização paralela, as incertezas das medidas para ângulos próximos de 80 graus são aproximadamente 7 vezes maiores do que para pequenos ângulos. Em função disso e da natureza da equação ajustada, a qualidade do ajuste obtido é bastante sensível aos procedimentos utilizados. Assim, com o método utilizado neste artigo, se não consideradas as incertezas dos dados, o valor ajustado para o índice de refração da água seria n∥=1,25±0,02, implicando uma diferença de 0,08 em relação ao valor ajustado ponderando-se as incertezas na variável dependente. . Como já mencionado, assumimos que o índice de refração do ar vale n1=nar=1 e o índice de refração da água n2=nH2O=n foi deixado como parâmetro de ajuste. Os coeficientes de determinação8 8 O coeficiente de determinação informa o quanto do erro de previsão é eliminado ao usar o método de regressão dos mínimos quadrados. Assim, um R2=0,988 implica que 98,8% do erro (soma dos quadrados dos resíduos) na variável dependente foi eliminado. Uma discussão conceitual interessante sobre o coeficiente R2 pode ser consultada em [18]. R2 obtidos (0,988 e 0,996) em ambos os casos mostram que o modelo de reflexão da luz na água se ajusta bem aos dados. Também observa-se concordância – dentro do limite de incerteza atribuído pelo método de ajuste – entre os valores obtidos para o índice de refração da água:

n = 1 , 33 ± 0 , 01 , n = 1 , 31 ± 0 , 01 .

A literatura aponta um índice de refração de nH2O=1,331±0,001 para água destilada a 20C no comprimento de onda do laser usado na investigação (670 nm) [19[19] S. Kedenburg, M. Vieweg, T. Gissibl e H. Giessen, Optical Materials Express 2, 1588 (2012)., 20[20] M. Daimon e A. Masumura, Applied Optics 46, 3811 (2007).]. Tendo em vista que o experimento foi realizado com água de torneira, que contém minerais e impurezas [21[21] E. Richter, A. Fornaro, C. Lago e L. Angnes, Química Nova 30, 1147 (2007).] não presentes na água destilada, a diferença entre o valor ajustado e o resultado da literatura não foi considerada um problema.

A maior fonte de erro desse experimento consistiu na dificuldade em produzir polarização perpendicular ao plano de incidência – exatamente a medida que gerou maior divergência com resultados da literatura para o índice de refração. Ao contrário da polarização paralela, obtida pela observação do desaparecimento da luz refletida no ângulo de Brewster, a polarização perpendicular foi estabelecida girando 90 o laser e o polarizador a partir da posição com polarização paralela, introduzindo erro nesse processo. Dessa forma, garantimos que a luz do laser tem a mesma direção de polarização do polarizador, isto é, perpendicular ao plano de incidência9 9 Tomamos o cuidado de verificar se a iluminância medida após a luz atravessar o polarizador era a mesma nas duas polarizações. Além disso, constatamos que a iluminância não se alterava com o tempo, evidenciando que, de fato, a direção de polarização do laser se manteve estável. . Outra fonte de erro é uma pequena distorção observada na luz refletida do laser para ângulos de incidência maiores. Essa distorção começa a ser significativa por volta de θi75, onde a largura do feixe do laser passa a ser maior que a superfície de detecção do luxímetro. Também é possível que certo erro na medida tenha sido introduzido pela dificuldade de alinhar o luxímetro com o feixe incidente: a medida de EV deve ser feita observando a máxima iluminância detectada, que ocorre quando o feixe incide normalmente em sua superfície de detecção.

Por meio da atividade desenvolvida, foi possível evidenciar empiricamente como a polarização determina a forma que a energia eletromagnética é refletida e, consequentemente, transmitida, pela água. Observou-se que a intensidade da luz refletida aumenta com o ângulo de incidência, exceto para a polarização paralela, que vai a zero no ângulo de Brewster. A partir dos resultados obtidos, os estudantes podem: (a) fazer a média aritmética e estimar o coeficiente de reflexão Rnp da luz não polarizada; (b) calcular o coeficiente de transmissão Tnp pela conservação da energia; e (c) ao menos sobre o ponto de vista qualitativo, construir argumentos, pautados nas evidências empíricas, sobre como a moeda e a relíquia poderiam desaparecer nas condições enunciadas na situação-problema.

Fundamentados nesses conhecimentos, expomos uma possível explicação para o fenômeno na próxima seção.

4. Resolvendo o Problema da Moeda e da Relíquia

Antes de resolvermos a questão do desaparecimento da moeda e da relíquia, é importante destacar que, por mais que a atividade forneça as ferramentas teóricas para lidar com a questão de forma quantitativa, não se espera que um estudante faça uma análise completa do fenômeno. Mais do que obter respostas precisas, a riqueza da atividade consiste em tornar evidente aos estudantes como conhecimentos científicos podem ser mobilizados para atacar problemas complexos através da construção de representações simplificadas da realidade. Centraremos a explicação do fenômeno no desaparecimento da moeda porque, como dito na introdução, o problema da relíquia é fictício, enquanto o da moeda é real.

Em termos físicos, afirmar que a moeda submersa é visível para um observador significa afirmar que a intensidade da luz que parte da moeda e chega aos olhos do observador é maior, ou comparável, com a intensidade da luz que é refletida na superfície da água, chegando aos seus olhos provinda de outras regiões (como a luz difusa do céu, por exemplo). Pela natureza do problema – a moeda desaparece ao longo da tarde, olhando para o oeste – assumimos a hipótese de que a reflexão da luz solar direta é a principal responsável por ofuscar a imagem da moeda. A situação está representada esquematicamente na Figura 9.

Figure 9
Representação esquemática da reflexão da luz solar na água. Cada raio de luz vindo do Sol chega aos olhos do observador com intensidade diferente da inicial.

A Figura 9 mostra dois raios de luz paralelos provenientes do Sol incidindo na superfície da água. Esses raios concorrem para formar a imagem na retina do observador, à direita na figura. Um deles reflete na superfície da água (a luz transmitida para a água não é mostrada para fins de clareza). Já o outro, entra na água, reflete na moeda e sai da água (aqui não são mostrados os raios de luz refletidos na interface).

A iluminância da luz solar na superfície da Terra é da ordem de 100 klux, com o Sol a pino [22[22] Y. Younju, M.J. Woo e K. Sooyoung, Energy and Buildings 118, 1 (2016).]. A medida que o Sol se move no céu, esse valor se modifica gradualmente em função da atenuação da luz pela atmosfera. Uma expressão para calcular a iluminância E0 da incidência direta da luz solar ao longo do dia, considerando o céu sem nuvens, é [23[23] IES Calculation Procedures Committee, Recommended Practice for the Calculation of Daylight Availability. Journal of the Illuminating Engineering Society 13, 381 (1984).]:

(8) E 0 = 127.500 e x p ( - 0 , 21 c o s θ i ) l u x ,

onde θi é o ângulo de incidência da luz solar na superfície10 10 Observe que para θi=0∘ (Sol a pino), E0≈100⁢k⁢l⁢u⁢x. . A Equação 8 é derivada da lei de Beer-Lambert [24[24] A.B. Kostinski, Optical Society of America 18, 1929 (2001).], sendo que o termo negativo representa o coeficiente de extinção da luz pela atmosfera11 11 O coeficiente de extinção seria -0,80 se o céu estivesse parcialmente encoberto com nuvens [23]. Com céu nublado a Equação 8 não se aplica, pois sem a incidência direta de Sol, a maior parte da luz incidente em qualquer superfície é fruto do espalhamento pela atmosfera. e a função trigonométrica, a massa de ar atravessada pela luz solar, que muda ao longo do dia. Se em determinada hora do dia a luz solar incidir na água com ângulo de incidência θi, então a iluminância da luz refletida pela água é dada pelo coeficiente de reflexão

(9) E r = E 0 ( θ i ) R n p ( θ i ) ,

conforme representado na Figura 9. Para calcular a iluminância da luz que passa pela água (refletindo na moeda), dividimos a descrição do raio de luz na Figura 9 em cinco partes, lembrando que E0=E0(θi):

  1. Em “a ”, a iluminância da luz transmitida para a água é dada pelo coeficiente de transmissão Ea=E0Tnp(θi). A mudança na direção de propagação é controlada pela lei de Snell n1senθi=n2senθt. Além disso, pode-se mostrar pelo emprego direto das equações do Quadro 1 que a luz não polarizada transmitida pela água permanece essencialmente não-polarizada, já que suas componentes paralelas e perpendiculares sofrem atenuações muito semelhantes.

  2. De “a ” para “b ” a luz percorre uma distância D perdendo energia por absorção e espalhamento na água. Pela lei de Beer-Lambert, sendo Eb a iluminância da luz em “b ” e Ea a iluminância da luz no ponto “a ”, vale: Eb=Eae-μD, onde μ é o coeficiente de atenuação linear, com unidade [μ]=m-1. Para águas de lagos, essa grandeza tem valores típicos na faixa de μ[0,7;11]m-1 [25[25] M. Shen, H. Duan, Z. Cao, K. Xue, S. Loiselle e H. Yesou, Remote Sensing 9, 1246 (2017).], dependendo da quantidade de algas ou sedimentos presentes. Assim, ao atingir o ponto “b ”, a iluminância do feixe é Eb=E0Tnp(θi)e-μD.

  3. De “b ” para “c ’’ ocorre reflexão da luz na superfície da moeda: novamente, parte da energia é perdida nesse processo, dependendo do ângulo de incidência. Como a superfície da moeda é metálica — digamos, de ouro — não podemos usar os modelos teóricos construídos, válidos apenas para meios dielétricos12 12 Uma discussão mais precisa sobre a reflexão da luz nos metais é complicada e foge do escopo deste artigo, tendo em vista que a atividade é planejada para alunos em nível de Física Geral. . Ao incidir luz não polarizada no ouro, a luz refletida sofre mais atenuação na sua componente paralela em comparação com a componente perpendicular, sendo por isso considerada parcialmente polarizada (na direção perpendicular) [26[26] R.B. Wilsey, ETD collection for University of Nebraska – Lincoln 8, 391 (1915).]. No entanto, o coeficiente de reflexão no ouro é maior do que 90% para qualquer ângulo de incidência, em qualquer direção de polarização, no comprimento de onda considerado (670 nm) [27[27] A.D. Rakić, A.B. Djurišić, J.M. Elazar e M.L. Majewski, Applied Optics 37, 5271 (1998).]. Por isso, consideramos uma boa aproximação considerar que a luz não polarizada se mantém não polarizada ao refletir na superfície do ouro. Assim, chamando o coeficiente de reflexão do ouro de k, a iluminância do feixe depois de refletido pela moeda é Ec=Ebk, isto é: Ec=E0Tnp(θi)e-μDk.

  4. De “c ” para “d ” ocorrem novamente perdas de energia pela atenuação da luz na água. Por simetria, o caminho percorrido é o mesmo que o de antes, logo a iluminância do feixe em “d ” fica: Ed=E0Tnp(θi)e-μDke-μD.

  5. Finalmente, podemos calcular a iluminância do feixe no ponto “e ” pelo coeficiente de transmissão, com o cuidado de que agora a troca de meio é da água para o ar (inverte-se o índice de refração e os ângulos na equação), isto é, Ee=EdTnp(θt).

Assim, a iluminância da luz refletida pela moeda é dada pela expressão:

(10) E e = E 0 ( θ i ) k T n p ( θ i ) T n p ( θ t ) e - 2 μ D ,

conforme indicado na Figura 9. Repare que, nesse processo, desprezamos a atenuação da luz pelo ar entre a água e o observador. Além disso, consideramos a luz proveniente do Sol como essencialmente colimada, devido à grande distância entre o Sol e a Terra, que faz com que seus raios cheguem a sua superfície praticamente paralelos. Assim, reunindo esses termos, obtemos a expressão indicada na Figura 9 para a intensidade da luz que passou pela água. A distância D pode ser calculada com auxílio do triângulo formado na figura: D=h/cosθt, onde h é a profundidade da moeda.

4.1. Explicação sobre o desaparecimentoda moeda

Para avaliar a adequação do modelo construído, voltamos a analisar a situação ilustrada na Figura 2, produzida na cidade de Porto Alegre no dia 10/03/2021. De acordo com [28[28] https://www.suncalc.org/, acessado em 12/03/2021.
https://www.suncalc.org/...
], no dia em questão, o ângulo de incidência solar variou no intervalo θi[26;90]. Nesse caso, θi=26 corresponde à posição mais alta do Sol no céu (12h35min) e θi=90 representa o por-do-sol (18h47min). Uma descrição detalhada de como obter o ângulo de incidência em função da hora de uma localidade qualquer da Terra pode ser consultada no Material Suplementar B Material Suplementar B , embora essa não seja uma discussão essencial para resolver o problema.

Na Figura 2, a profundidade da cuba que continha a moeda era de h=10 cm. A água utilizada – apesar de ser de torneira – era razoavelmente límpida, por isso, nesta estimativa, adotamos μ=2m-1 para o coeficiente de atenuação, apenas um pouco acima do valor típico de água cristalina, porém bastante abaixo do valor típico para água turva. Sobre o coeficiente de reflexão da luz, não encontramos na literatura o valor desse parâmetro para o material que compõe a moeda de 10 centavos usada (aço revestido com bronze) sob a incidência da luz do Sol. Supomos, no entanto, que esse valor deve ser menor que o do ouro puro, pois o bronze reflete menos a luz que nele incide; além disso, a superfície da moeda não é polida. Assim, usamos um valor conservador de k=0,6 para esse parâmetro. O resultado fornecido pelas Equações 9 e 10 está representado na Figura 10.

Figure 10
Comparação entre os raios de luz solar refletidos diretamente pela água (Equação 9) e pela moeda (Equação 10). A intensidade da luz vai a zero com um ângulo de incidência de 90 porque o Sol se põe.

Pela Figura 10, vemos que a intensidade da luz refletida pela moeda é maior que a refletida diretamente pela água na maior parte do tempo, indicando que a moeda é visível quando o Sol está alto no céu. Isso pôde ser verificado empiricamente, como mostra a Figura 2(b). Ao longo da tarde, a intensidade da luz solar refletida diretamente pela água aumenta, superando a luz refletida pela moeda, que diminui abruptamente. Isso ocorre quando as duas curvas na Figura 10 se cruzam, situação na qual a iluminância da luz vinda do Sol e da moeda é cerca de 12 klux13 13 Para fins de comparação, considere a situação em que se olha diretamente para uma lâmpada LED, de 4000 lúmens. Admitindo que a lâmpada seja pontual, projetando toda sua potência luminosa em um feixe com abertura total de 60∘ (como um cone de ângulo sólido ∼0,84 Sr), a iluminância a uma distância de 63 cm da lâmpada é de ∼12 klux. Essa estimativa foi feita a partir da definição de iluminância: potência luminosa (4000 lúmens) dividido pela área (A =0,84×0,632=0,33 m2). . Com isso, infere-se que a moeda desapareceria14 14 O desaparecimento da moeda aconteceria também no horário da manhã, porém em ordem inversa: no amanhecer estaria invisível, passando a ser visível em torno do meio dia. De fato, o gráfico na Figura 10 é simétrico para horários do amanhecer ao meio dia. . O ponto de cruzamento entre as linhas na Figura 10 é θi=75, que corresponde ao horário das 17h34min. Como se pode constatar pela Figura 2(c), a moeda não estava mais visível. Nessa foto, tomou-se o cuidado de alinhar a câmera simultaneamente com a posição da imagem do Sol e da imagem da moeda, como na Figura 9, já que nosso modelo assume essa geometria de raios de luz.

4.2. Explicação sobre o desaparecimentoda relíquia

Para formular uma possível resposta para o problema da relíquia, precisamos apenas modificar os parâmetros usados. Admitindo h=2m (relíquia em uma profundidade considerável na margem do lago), μ=0,7m-1 (água de lago cristalina, como comentado) e k=0,9 (coeficiente de reflexão do ouro, assumindo que essa é a composição da relíquia), podemos prever que o desaparecimento ocorreria por volta das 15h20min. O cálculo foi feito para o mesmo dia e local anterior (Porto Alegre no dia 10/03/2021).

Relembramos que o problema foi modelado comparando dois raios de luz que vêm diretamente do Sol. Esse desenvolvimento, feito em detrimento de uma descrição mais completa, – que leve em consideração, por exemplo, a reflexão difusa de vários raios de luz na relíquia – é uma representação que possivelmente superestima a iluminância que chega aos olhos do observador. Isso porque existem diversos ângulos possíveis de visada que permitem a visualização da relíquia sem a incidência direta da luz solar refletida (como a Figura 2(a)). Mesmo assim, a representação simplificada do evento nos permite dar respostas aproximadas para as questões feitas inicialmente.

A primeira questão de pesquisa, “Quais fatores influenciam na intensidade da luz solar refletida pela superfície? ”, pode ser respondida pelo exame da Figura 8. A polarização da luz é um fator determinante na dinâmica da reflexão. Por exemplo, para luz polarizada paralelamente, existe um ângulo em que não há nenhuma luz refletida (ângulo de Brewster). Já a luz polarizada perpendicularmente é sempre refletida, aumentando de intensidade com o ângulo de incidência.

A segunda questão de pesquisa, “Em quais condições a relíquia é visível para um observador parado na margem do lago? ”, pode ser respondida analisando a Figura 10, que representa o mesmo fenômeno responsável pelo desaparecimento da relíquia. A relíquia será visível quando a intensidade da luz que compõe sua imagem for maior, ou pelo menos comparável, com a da luz do Sol refletida na água. A partir de certo horário (ou ângulo de incidência) a intensidade da luz solar refletida na água cresce, enquanto a imagem da relíquia diminui de intensidade, favorecendo seu desaparecimento.

5. Considerações Finais e Conclusão

Nesse artigo, descrevemos uma atividade didática, centrada no processo de modelagem científica, em nível de Física Geral IV, cujo objetivo era resolver um “mistério” envolvendo o desaparecimento de uma relíquia nas profundezas de um lago. Tínhamos como hipótese básica o fato de que a luz solar, refletida na superfície da água, ofuscava a imagem da relíquia, contribuindo para seu desaparecimento. Para solucionar o problema, mobilizamos conhecimentos científicos como o conceito de ângulo de Brewster , polarização e coeficientes de reflexão e transmissão da luz, além de construirmos um modelo teórico – calcado nas equações de Fresnel – para explicar os processos de transferência de energia luminosa entre o ar e a água. Esse modelo teórico foi avaliado por meio de uma investigação empírica, na qual se buscou estudar a reflexão da luz não polarizada pelas suas componentes polarizadas paralelas e perpendiculares ao plano de incidência. Para isso, utilizou-se um laser , uma cuba d’água, um luxímetro, hastes e suportes. A atividade se mostrou adequada para se explorar diversos aspectos do processo de modelagem científica. O conceito de controle de variáveis , no entanto, foi privilegiado. Uma situação em que isso fica evidente é quando os estudantes precisam controlar a direção de polarização da luz que incide na água, medir o ângulo de incidência da luz por algum método, bem como sua iluminância. Além disso, a atividade se mostrou propícia não apenas para evidenciar como experimentos são delineados e executados tendo em vista os pressupostos teóricos assumidos na construção do modelo subjacente à investigação, como também para ilustrar como tais modelos podem ser usados para descrever situações reais mais complexas.

Através da investigação, buscamos responder às seguintes questões: “Quais fatores influenciam na intensidade da luz solar refletida pela superfície? Em quais condições a relíquia é visível para um observador parado na margem do lago? ”. A investigação realizada deu suporte empírico para a criação de explicações sobre o fenômeno: levando em consideração que a luz que vem diretamente do Sol é não polarizada, descrevemos o desaparecimento de uma moeda em termos da comparação entre a intensidade de raios de luz concorrentes, que refletem na moeda e na superfície da água. Em particular, determinamos o horário em que a moeda começaria a desaparecer em Porto Alegre (RS) no dia 10/03/2021 e confrontamos esse resultado com um experimento que corrobora a explicação construída. Ainda, fazendo algumas suposições, fornecemos respostas para o caso da relíquia. Por meio da atividade, o estudante não apenas desmistifica o desaparecimento da relíquia, como também adquire uma compreensão conceitual do fenômeno indicado na Figura 1.

A atividade descrita foi aplicada em uma disciplina de Física Experimental IV do curso de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A metodologia de ensino utilizada foram os Episódios de Modelagem (EM) [8[8] L.A. Heidemann, I.S. Araujo e E.A. Veit, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, 1504 (2016).]. Resumidamente, os EM são caracterizados por serem atividades de cunho aberto, que valorizam a argumentação e tomada de decisão por parte dos alunos. Todos os EM são motivados por uma situação-problema instigante, com significado além do contexto acadêmico – nesse caso a questão da relíquia. Durante a aplicação deste EM, os estudantes tinham a liberdade de realizar experimentos sugeridos pelo professor ou de delinear seus próprios experimentos. Assim, além do experimento descrito nesse artigo, sugerimos outros dois: um semelhante, onde acrílico é utilizado em vez de água, e outro completamente diferente, no qual os estudantes avaliam o grau de adequação da lei de Malus com polarizadores.

Entendemos que atividades como a descrita têm grande potencial instigante para o estudante na medida em que trazem para o contexto do laboratório didático situações contextualizadas que demandam a solução de problemas autênticos por meio do emprego de conhecimentos científicos. No presente caso, tal emprego se justificou pela necessidade de resolver um “mistério” evocado de uma situação que, por mais que fictícia, se amparou em um fenômeno real (o desaparecimento da moeda ou as pedras de um lago). Entendemos assim, que tais atividades podem contribuir para diminuir a distância entre teoria e prática no contexto dos cursos de Física, uma vez que o engajamento dos estudantes na resolução de um problema autêntico dá sentido aos conhecimentos científicos que estão sendo trabalhados.

Agradecimentos

Agradecemos professora Cilaine Veronica Teixeira e ao professor Ricardo Rego Bordalo Correia pelas cr ticas e sugest es feitas sobre as atividades descritas neste artigo.

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  • 1
    Estamos assumindo que a luz solar é muito mais intensa do que qualquer outra fonte luminosa no ambiente. Isso é plausível, como mostra a Figura 2(c), tirada com a câmera orientada na direção oeste ao entardecer, tentando visualizar a moeda.
  • 2
    Apesar de o olho humano compensar diferenças de luminosidade, adaptando sua resposta sensitiva como uma função logarítmica da intensidade luminosa [4[4] C.S. Bridgman, Journal of the Optical Society of America 43, 733 (1953).], como pretendemos tão somente responder ao questionamento da arqueóloga, desconsideramos esse efeito.
  • 3
    Um aplicativo útil para esse fim é o PhysicsToolbox, que permite usar o sensor de luminosidade do telefone para medir iluminância. Nesse caso, é preciso verificar as especificações técnicas do sensor do celular para evitar danificá-lo com luz de intensidade muito elevada.
  • 4
    A direção de polarização da luz é definida pela direção de oscilação do campo elétrico.
  • 5
    Em alguns lasers a oscilação da direção de polarização pode ser verificada colocando um polarizador na sua frente: observa-se que a luz projetada ascende e apaga em intervalos cada vez mais longos.
  • 6
    Lasers de diodo são relativamente baratos em comparação com os de gás.
  • 7
    Por exemplo, para a polarização paralela, as incertezas das medidas para ângulos próximos de 80 graus são aproximadamente 7 vezes maiores do que para pequenos ângulos. Em função disso e da natureza da equação ajustada, a qualidade do ajuste obtido é bastante sensível aos procedimentos utilizados. Assim, com o método utilizado neste artigo, se não consideradas as incertezas dos dados, o valor ajustado para o índice de refração da água seria n=1,25±0,02, implicando uma diferença de 0,08 em relação ao valor ajustado ponderando-se as incertezas na variável dependente.
  • 8
    O coeficiente de determinação informa o quanto do erro de previsão é eliminado ao usar o método de regressão dos mínimos quadrados. Assim, um R2=0,988 implica que 98,8% do erro (soma dos quadrados dos resíduos) na variável dependente foi eliminado. Uma discussão conceitual interessante sobre o coeficiente R2 pode ser consultada em [18[18] O Raciocínio para o R2, disponível em: https://pt.khanacademy.org/math/ap-statistics/bivariate-data-ap/assessing-fit-least-squares-regression/a/r-squared-intuition, acessado em 18/01/2021.
    https://pt.khanacademy.org/math/ap-stati...
    ].
  • 9
    Tomamos o cuidado de verificar se a iluminância medida após a luz atravessar o polarizador era a mesma nas duas polarizações. Além disso, constatamos que a iluminância não se alterava com o tempo, evidenciando que, de fato, a direção de polarização do laser se manteve estável.
  • 10
    Observe que para θi=0 (Sol a pino), E0100klux.
  • 11
    O coeficiente de extinção seria -0,80 se o céu estivesse parcialmente encoberto com nuvens [23[23] IES Calculation Procedures Committee, Recommended Practice for the Calculation of Daylight Availability. Journal of the Illuminating Engineering Society 13, 381 (1984).]. Com céu nublado a Equação 8 não se aplica, pois sem a incidência direta de Sol, a maior parte da luz incidente em qualquer superfície é fruto do espalhamento pela atmosfera.
  • 12
    Uma discussão mais precisa sobre a reflexão da luz nos metais é complicada e foge do escopo deste artigo, tendo em vista que a atividade é planejada para alunos em nível de Física Geral.
  • 13
    Para fins de comparação, considere a situação em que se olha diretamente para uma lâmpada LED, de 4000 lúmens. Admitindo que a lâmpada seja pontual, projetando toda sua potência luminosa em um feixe com abertura total de 60 (como um cone de ângulo sólido 0,84 Sr), a iluminância a uma distância de 63 cm da lâmpada é de 12 klux. Essa estimativa foi feita a partir da definição de iluminância: potência luminosa (4000 lúmens) dividido pela área (A =0,84×0,632=0,33 m2).
  • 14
    O desaparecimento da moeda aconteceria também no horário da manhã, porém em ordem inversa: no amanhecer estaria invisível, passando a ser visível em torno do meio dia. De fato, o gráfico na Figura 10 é simétrico para horários do amanhecer ao meio dia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2020
  • Revisado
    13 Jul 2021
  • Aceito
    13 Jul 2021
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