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A história que o filme Radioactive não conta e a percepção de alunos de licenciatura em física

The history that the Radioactive film does not tell and the perception of undergraduate physics students

Resumos

Apresentamos os resultados de um estudo que analisa o uso do filme Radioactive como vetor de popularização da ciência e como recurso didático para a discussão de aspectos sociológicos da atividade científica e da natureza da ciência na formação inicial de professores de física. Para tanto, analisamos o filme sob o ponto de vista de sua correspondência com os fatos históricos e discutimos como os alunos o perceberam durante sua exibição em um curso de licenciatura em física. A análise evidencia que a cinebiografia apresenta equívocos históricos que podem gerar uma compreensão errônea do contexto abordado na obra. A presente intervenção didática indica que o enredo de Radioactive pode ser usado para a introdução de discussões sobre um conteúdo da física do século 20 e para o debate de elementos da natureza da ciência, na medida em que envolveu os estudantes em formação inicial na apreciação do conteúdo histórico e científico apresentado, bem como na reflexão e comparação sobre as ideias que possuíam sobre a radioatividade e aquelas apresentadas no filme. Os licenciandos consideraram o filme um recurso potencialmente útil, desde que se leve em consideração a contextualização da obra no cenário dos registros históricos.

Palavras-chave:
Ensino de física; filme Radioactive; cinema e ensino de física


This paper presents the results of a study whose aim was to analyze the use of the movie Radioactive both as a vector for popularizing science and as a didactic resource for discussing the sociological aspects of the scientific activity and the nature of science in the initial training of teachers of Physics. We analyzed the film in relation to the historical facts and discussed how the students perceived it during its exhibition. The analysis suggests that the biopic presents historical misinterpretations that may generate erroneous understanding of the context approached. The didactic intervention indicates that the Radioactive storyline can be used for introducing discussions about one of the 20th century physics content and debating about elements of the nature of science. The engagement of students in the appreciation of historical and scientific contents presented in the movie as well as the reflection and comparison among ideas they had about radioactivity and those presented in the film were fundamental. The students considered the movie resourceful, as long as one takes into account the relationship between the work and the scenario of historical records.

Keywords
Physics teaching; movie Radioactive; cinema and physics teaching


1. Introdução

O tema deste artigo, uso pedagógico da história da ciência e do cinema, desperta o interesse de cientistas e professores há mais de um século, no caso da história [11. W.F. McComas, Am. Biol. Teach. 77, 485 (2015).], e há mais de 80 anos no caso do cinema [22. A. Elton e S. Road, The popularization of science through film (UNESCO, Paris, 1949).]. Usamos o termo pedagógico para incluir objetivos didáticos em sala de aula, assim como objetivos pertinentes à popularização da ciência. No caso específico do presente trabalho, ou seja, o uso de um biopic1 1 Biopic, ou Bio-Pic, é um jargão usado por profissionais do cinema, originado na expressão BIOgraphical PICture. como recurso didático na formação de professores de física para a educação básica, esses dois objetivos são atendidos. De um lado, trata-se de um filme comercial, e como tal destinado ao entretenimento. Por outro lado, mesmo com essa destinação, cabe a profissionais da educação avaliar o papel que o filme tem como vetor de popularização da ciência e como objeto de aprendizagem em sala de aula, quer seja na formação de professores de física e de química, ou em intervenção didática na educação básica.

Historiadores da ciência, professores/cientistas e críticos de arte, têm critérios bem diferentes para avaliar um filme do tipo biopic. Desde sempre, filmes históricos com eventos e personagens da ciência perturbam historiadores e cientistas. Rosenstone [33. R.A. Rosenstone, em Historical film: History and memory in media, editado por M. Landy (Rutgers University Press, New Brunswick, 2001).] reproduz uma reclamação feita em 1935, por Louis Gottschalk, da Universidade de Chicago, ao presidente da Metro-Goldwyn-Mayer:

Se a arte do cinema vai extrair seus temas tão generosamente da história, deve isso a seus patrocinadores e a seus próprios ideais mais elevados para obter maior precisão. Nenhum filme de natureza histórica deve ser oferecido ao público até que um historiador respeitável tenha a chance de criticá-lo e revisá-lo.

Ressalvas similares são naturalmente feitas por cientistas. Em um ensaio recente, David Kirby fez os seguintes comentários [44. D.A. Kirby, em Handbook of Public Communication of Science andTechnology, editado por M. Bucchi e B. Tench (Routledge, Abingdon, 2014).]:

Trabalhos acadêmicos que estudam o fenômeno dos consultores científicos argumentam que as apresentações da ciência na mídia de entretenimento revelam uma tensão não apenas entre as formas narrativas da mídia e as da ciência, mas também entre as necessidades da indústria do entretenimento e as da comunidade científica. (…) Cientistas e organizações científicas que trabalham em filmes populares gostariam que os cineastas mantivessem a precisão das representações científicas. Os cineastas, por outro lado, só precisam reivindicar a precisão de seus filmes e pedir aos cientistas que os ajudem a manter um nível aceitável de verossimilhança. Essa discrepância nos objetivos leva claramente a várias interpretações do termo “precisão”. Para os cientistas, a precisão requer a adesão à verossimilhança científica ao longo de um filme inteiro. Os cineastas consideram um filme cientificamente preciso se ele tiver alguma verossimilhança científica dentro das restrições de orçamento, tempo e narrativa.

Essas observações de Kirby norteiam nossa análise do filme Radioactive, em uma perspectiva do conhecimento público da ciência, uma área de pesquisa conhecida na literatura internacional pela sigla PUS (Public Understanding of Science ) [55. F. Vidal, Sci. Context 31, 129 (2018)., 66. F. Vidal, Sci. Context 31, 1 (2018).]. Do ponto de vista da utilização do filme como ferramenta didática, seguimos os ensinamentos de Barnett e colaboradores [77. M. Barnett, H. Wagner, A. Gatling, J. Anderson, M. Houle e A. Kafka, J. Sci. Educ. Technol. 15, 179 (2006)., 88. N. Barnett e A. Kafka, J. Coll. Sci. Teach. 36, 31 (2007).].

Em relação à questão da acurácia, autenticidade e fidelidade, cabe destacar a participação de Kip Thorne como consultor do filme Interstelar. Ao nosso conhecimento, é a primeira vez que um renomado físico participa tão ativamente na montagem de um filme comercial produzido em Hollywood. Bem antes desse filme, Kip Thorne já especulava sobre o assunto. Em 1985, quando Carl Sagan estava escrevendo seu livro Contato, ele perguntou a Kip Thorne se era verossímil a existência de um túnel de modo que alienígenas o atravessassem até chegar ao nosso planeta [99. C.A. dos Santos, Buraco negro, buraco branco e buraco de minhoca, dosponível em:https://cienciahoje.org.br/coluna/buraco-negro-buraco-branco-e-buraco-de-minhoca/(2015).
https://cienciahoje.org.br/coluna/buraco...
]. Em trabalho publicado em 1988, Kip Thorne e seus colaboradores apresentam cálculos afirmativos [1010. M.S. Morris e K.S. Thorne, Am. J. Phys. 56, 395 (1988).]. Imagens apresentadas em Interstelar foram obtidas por programadores da Double Negative Visual Effects, a partir de cálculos propostos por Kip Thorne [1111. O. James, E. Von Tunzelmann, P. Franklin e K.S. Thorne, Class. Quantum Gravity 32, 065001 (2015).]. Após a exibição do filme, artigos foram publicados com comentários a respeito desses cálculos e da acurácia científica do filme [1212. D. Clery, Science (80-.) 346, 800 (2014)., 1313. J.P. Luminet, arXiv:1503.08305 (2015).].

Algo parecido poderia ocorrer com Radioactive, mas parece que não foi o caso. Na ficha técnica do filme consta que o consultor científico foi Csaba Barta, Professor Associado do Institute of Medical Chemistry da Universidade Semmelweis, em Budapeste, que aparentemente não tem publicação na área de história da ciência nem em área científica correlata ao filme. Talvez seja essa uma razão para as falhas historiográficas do filme, conforme veremos mais adiante.

Da literatura brasileira sobre o uso de cinema no ensino de ciências, bem como sobre PUS, selecionamos trabalhos que consideramos marcos referenciais [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006)., 1515. J.N. Santos, Filmes como recurso mediador nas aulas de ciências:uma discussão sobre sua potencialidade a partir das interaço es . Tese deDoutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (2018)., 1616. B. Esteves, Domingo é dia de ciência: história de umsuplemento dos anos pós-guerra (Azougue Editorial, Rio de Janeiro, 2006)., 1717. R. Araújo, em História da Ciência no Cinema 2, editadopor B.J. Oliveira (Argumentum, Lisboa, 2007)., 1818. B.C. Almeida e R. Justi, Alexandria Rev. Educ. em Ciência e Tecnol. 12, 351 (2019)., 1919. E.C.P. Costa e M.D.M. Barros, Rev. Práxis 8, 27 (2016)., 2020. L. Massarani e I.C. Moreira, Public Underst. Sci. 14, 201(2005)., 2121. E.G. dos Santos, M.C.P. Araújo e G.S. Carvalho, Rev. Context. Educ. 34, 74 (2019)., 2222. R.R. Nascimento, R.A. Vicente e W.P. Santos, Educon 9, 1 (2015)., 2323. C.J. Machado e R.M.C.F. Silveira, Pro-Posições 31, e20170190 (2020)., 2424. A.S. Passou, W.V. Melo, L. Andrade e R.M.M. Pereira, em VIII EncontroNacional de Pesquisa em Educação em Ciências, editado por I. Martinse M. Giordan (ABRAPEC, Campinas, 2011)., 2525. C.A. dos Santos, em Midiatização da Ciência: cenários, desafios, possibilidades, editado por A.F. Neto (EDUEPB, Campina Grande, 2012).]. A abordagem conceitual sobre cinema e imaginário científico, apresentada por Oliveira [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006).], é uma boa referência para se estabelecer o contraponto entre as perspectivas cinematográficas, historiográficas e educacionais do filme que analisamos. Na introdução de seu artigo, diz Oliveira [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006).]:

Não apenas documentários e ficções científicas exprimem os conhecimentos desejados e os alcançados, mas até mesmo os dramas (profundos ou tolos) e as comédias revelam a penetração da ciência em nossa cultura. Isso faz dos filmes um ótimo material para análise da cultura e também para a compreensão da história da ciência. Seja através da reconstrução do passado ou do futuro pretérito, os filmes nos possibilitam re-visitar os eventos ocorridos ou imaginados. As transposições e as vivências que a linguagem cinematográfica possibilita são tão marcantes, que muitas vezes tornam-se referência de como a ciência e a técnica passam a ser percebidas por grande parte da sociedade. Mais do que aprendizagens derivadas das práticas educativas formais, as experiências vivenciadas nos filmes acabam compondo boa parte do arsenal simbólico através do qual a opinião pública passa a vislumbrar o alcance dos empreendimentos científicos e tecnológicos.

Quando trata da comparação entre filme didático e narrativa romanceada, Oliveira [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006).] diz que:

(…) filmes didáticos não mobilizam a emoção da mesma forma que as narrativas romanceadas. A exatidão sem dramaticidade é algo monótono. É com personagens e suas histórias que nos identificamos e nos projetamos. É nas tramas dessas narrativas que somos pegos. Fantasias e ficções falam de realidades que não aparecem noutros registros. Elas apresentam de uma forma não argumentativa, mas figurativa, as possibilidades da ciência e seus desdobramentos, permitindo uma visualização e uma vivência através da transposição que a linguagem cinematográfica possibilita e que se faz tão marcante.

Essa conceituação leva-nos a uma discussão sobre a relação entre precisão das representações científicas e a liberdade poética usada em filmes biográficos. Nesse sentido, adotamos o ponto de vista de Kirby, apresentado acima [44. D.A. Kirby, em Handbook of Public Communication of Science andTechnology, editado por M. Bucchi e B. Tench (Routledge, Abingdon, 2014).].

Mais adiante, faremos um contraponto entre essa concepção idealizada por Oliveira e a narrativa apresentada no filme Radioactive .

Das referências que selecionamos na literatura nacional, apenas duas assemelham-se ao presente trabalho. Em sua tese de doutorado, intitulada “Filmes como recurso mediador nas aulas de ciências: uma discussão sobre sua potencialidade a partir das interações”, José Nunes dos Santos usa filmes comerciais para tratamento didático de conceitos científicos relacionados à ecologia e ao sistema nervoso, em classes do ensino fundamental [1515. J.N. Santos, Filmes como recurso mediador nas aulas de ciências:uma discussão sobre sua potencialidade a partir das interaço es . Tese deDoutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (2018).]. Para tratar da ecologia, o autor usa o filme “Procurando Nemo”, já o sistema nervoso foi trabalhado no contexto do filme “A teoria de tudo”, um biopic sobre Stephen Hawking. É esta parte da tese que tem boa aderência ao nosso trabalho, razão pela qual faremos uma breve discussão no contexto do nosso referencial metodológico, que foi definido antes de conhecermos a tese em pauta.

Embora tenha apresentado uma boa descrição do filme, o autor não analisou o filme do ponto de vista de sua contribuição à história científica de Hawking e limitou-se a usá-lo para abordar o “sistema nervoso, avanço das ciências, o uso de tecnologias para auxílio na vida de pessoas deficientes” [1515. J.N. Santos, Filmes como recurso mediador nas aulas de ciências:uma discussão sobre sua potencialidade a partir das interaço es . Tese deDoutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (2018).]. Macilwain, por exemplo, considera perturbador que o filme só apresente superficialmente a trajetória científica de Hawking [2626. C. Macilwain, Nature 518, 139 (2015).].

Conforme detalharemos, o filme Radioactive pretende apresentar a complexa personalidade de Marie Curie, sua resiliência e obstinação em busca de seus objetivos científicos. Avaliamos que o filme apresenta falhas historiográficas importantes, razão pela qual consideramos importante abordá-lo com alunos de licenciatura em física, sob o ponto vista historiográfico, o que inclui uma discussão da natureza da ciência, e sob o ponto de vista de sua utilidade como vetor do conhecimento público da ciência.

Nessa mesma linha de Radioactive, há um filme produzido em 1943 pela Metro-Goldwyn-Mayer, e que foi analisado por Robson Araújo [1717. R. Araújo, em História da Ciência no Cinema 2, editadopor B.J. Oliveira (Argumentum, Lisboa, 2007).]. Assim como no presente caso, Araújo afirma que em Madame Curie:

O enredo, predominantemente biográfico, apresenta um excesso de dramaticidade em algumas cenas que envolvem o trabalho científico. No entanto, a história simples da vida do casal Curie chama mais a atenção e é capaz de comover e aumentar a nossa estima pelos dois cientistas e seus trabalhos no campo da radioatividade.

Ambos os filmes têm a mesmo fonte historiográfica básica, o livro de Ève Curie [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).].

Breve revisão do filme

Essa não é uma revisão de críticos de cinema. Pretende-se aqui tão somente pontuar a correspondência entre a ficção e os fatos históricos registrados na literatura. Para uma revisão do ponto de vista cinematográfico, sobre adequação de determinadas sequências e definição de linhas de tempo, e sobre uso de recursos cenográficos e ficcionais, recomendamos a leitura de Ouellette [2828. J. Ouellette, Ars Technica, disponível em:https://arstechnica.com/gaming/2020/07/review-rosamund-pike-is-riveting-as-marie-curie-in-uneven-biopic-radioactive/,accessado em 10/11/2020.
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] e de Paintner [2929. R. Paintner, Review: Marie Curie biopic ‘Radioactive’ loses track ofit protagonist, disponível em:https://kutv.com/news/entertainment/review-marie-curie-biopic-radioactive-misplaces-it-protagonist.
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], e para uma revisão de cunho similar ao presente trabalho, recomendamos a leitura de McGinty [3030. G. McGinty, Clin. Imaging 67, 191 (2020).], Lu [3131. D. Lu, New Sci. 25, 32 (2020).] e Pacchioni [3232. G. Pacchioni, Nat. Rev. Mater. 5, 557 (2020).]. Todavia, por uma questão de completeza destacamos alguns pontos importantes apresentados nessas revisões.

Em sua revisão, Paintner [2929. R. Paintner, Review: Marie Curie biopic ‘Radioactive’ loses track ofit protagonist, disponível em:https://kutv.com/news/entertainment/review-marie-curie-biopic-radioactive-misplaces-it-protagonist.
https://kutv.com/news/entertainment/revi...
] expõe sentimento similar ao nosso, quando o filme intercala imagens do lançamento da bomba atômica em Hiroshima, do teste de bomba atômica no deserto de Nevada, do acidente de Chernobyl, e até mesmo de uma criança sendo levada para tratamento de radioterapia em hospital de Chicago. Tudo isso parece que o roteiro de Jack Thorne tem a ver com os efeitos da radiação, e não com a biografia de Madame Curie. Painter lamenta esse tipo de distração no roteiro.

Ao lerem a revisão de Ouellette [2828. J. Ouellette, Ars Technica, disponível em:https://arstechnica.com/gaming/2020/07/review-rosamund-pike-is-riveting-as-marie-curie-in-uneven-biopic-radioactive/,accessado em 10/11/2020.
https://arstechnica.com/gaming/2020/07/r...
], leitores que não conhecem a história e a obra do casal Curie pensarão que quase tudo que é narrado no filme de fato ocorreu. De acordo com Ouellette, Marjane Satrapi, a diretora do filme, consultou diários e cartas de Marie, e consultou a neta do casal Curie, Hélène Langevin-Joliot, filha de Irène e Frédéric Joliot-Curie. Então, os equívocos históricos expostos no filme, alguns dos quais consideramos imperdoáveis, certamente foram determinados pela estrutura dramática da narrativa, e não pela falta de conhecimento. Ouellette também não apreciou as intercalações mencionadas acima.

Uma cena que consideramos tocante, que também teve efeito similar na apreciação de Ouellette, é quando Marie fica ao lado do caixão aberto de Pierre, antes do funeral. Por um momento ela se apresenta com um rígido controle emocional, até soltar um uivo desesperado e cair num choro de profunda tristeza. Essa cena resume o profundo sentimento de abandono de Marie após a morte de Pierre, expresso em seu diário, parte do qual encontra-se em Curie [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).] e em Montero [3333. R. Montero, A ridícula ideia de nunca mais te ver (Todavia,São Paulo, 2013).].

Em seu breve editorial para a Clinical Imaging, Geraldine McGinty [3030. G. McGinty, Clin. Imaging 67, 191 (2020).] faz críticas severas ao filme, com as quais concordamos inteiramente. Ela critica o fato de que a Amazon distribui o filme com o rótulo de história real, e sugere que o mesmo pode ser usado em escolas, como material educacional. Ela sugere que a Amazon deveria fazer uma espécie de ressalva, dizendo na apresentação do filme que se trata de uma obra de ficção baseada em alguns fatos reais, para estimular a busca pelos fatos históricos.

A propósito, nessa linha de argumentação de McGinty podemos usar o título caricato da amostra de cinema do Centro de Astrofísica de Harvard, citado por Oliveira [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006).], “Tudo que aprendi sobre ciência foi pelos filmes”, para afirmar que, como veremos mais adiante, o filme Radioactive deixou de apresentar aspectos fundamentais sobre a radioatividade. Não se sabe se por uma questão epistemológica ou simples decisão a respeito do encadeamento do enredo.

Em sua resenha para a New Scientist, Donna Lu [3131. D. Lu, New Sci. 25, 32 (2020).] não critica as inconsistências históricas do filme. Ela reforça as conexões que o filme tem com a realidade, mesmo que o enredo seja forçado. Por exemplo, ela menciona o primeiro encontro entre Marie e Pierre, sem fazer qualquer referência ao fato de que a cena é absolutamente fictícia. Também quando relata a ida de Marie para o laboratório de Pierre, Lu segue o roteiro do filme e diz que Marie foi rejeitada por vários cientistas, o que não é verdade. Todavia, Lu destaca corretamente os exageros feitos no uso dos materiais radioativos para finalidades inadequadas. Por exemplo, a cena que se repete algumas vezes, na qual Marie examina um vidro contendo material radioativo emitindo sua bela radiação esverdeada. Existem registros históricos que Marie transportava frascos desses materiais em seus bolsos e nas gavetas das escrivaninhas.

Assim como Donna Lu [3131. D. Lu, New Sci. 25, 32 (2020).], em sua resenha para a Nature Reviews, Giulia Pacchioni [3232. G. Pacchioni, Nat. Rev. Mater. 5, 557 (2020).] relata os eventos apresentados no filme praticamente sem crítica a respeito de suas autenticidades. Por exemplo, Pacchioni reproduz uma informação equivocada narrada no filme, quando Pierre, pela primeira vez relata as descobertas dizendo que passaram quatro anos investigando o fenômeno. Em sua resenha, Pacchioni diz que:

Depois de anos de esforços, o anúncio de Marie de suas descobertas sobre radioatividade (um termo que ela introduziu) e da identificação não de um, mas de dois novos elementos, polônio e rádio, marcou sua ascensão à fama [3232. G. Pacchioni, Nat. Rev. Mater. 5, 557 (2020).]. (Tradução nossa)

Como descreveremos mais adiante, Marie Curie publicou seus mais importantes trabalhos sobre a radioatividade ao longo de 1898, menos de um ano antes de iniciar a pesquisa no assunto [3434. M.S. Curie, Comptes Rendus 126, 1101 (1898)., 3535. P. Curie e M.S. Curie, Comptes Rendus 127, 175 (1898)., 3636. P. Curie, M.S. Curie e G. Bémont, Comptes Rendus 127, 1215 (1898).].

Portanto, pelo que vimos na literatura o trabalho que aqui se apresenta é o primeiro a analisar o filme sob o ponto de vista de sua correspondência com os fatos históricos.

2. A história que o filme não conta

É extensa a literatura sobre a vida e a obra do casal Marie e Pierre Curie, de modo que citamos as referências mais aderentes ao nosso trabalho [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938)., 3333. R. Montero, A ridícula ideia de nunca mais te ver (Todavia,São Paulo, 2013)., 3434. M.S. Curie, Comptes Rendus 126, 1101 (1898)., 3535. P. Curie e M.S. Curie, Comptes Rendus 127, 175 (1898)., 3636. P. Curie, M.S. Curie e G. Bémont, Comptes Rendus 127, 1215 (1898)., 3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997)., 3838. F. Giroud, Marie Curie (Martins Fontes, São Paulo, 1989)., 3939. R.A. Martins, Rev. Soc. Bras. Hist. Cienc, 1 (2003)., 4040. R.A. Martins, Becquerel e a descoberta da radioatividade: umaanálise crítica (Livraria da Física, São Paulo, 2012)., 4141. N. Pasachoff, Marie Curie and the Science of Radioactivity (OxfordUniversity Press, Oxford, 1996)., 4242. E.S. Barr, Phys. Teach. 2, 251 (1964)., 4343. L. Badash, Phys. Today 56, 37 (2003).], ou seja, mencionamos a literatura que aborda os tópicos controversos tratados no enredo do filme. Faremos isso na ordem em que as cenas aparecem, indicando o ponto em que se inicia a sequência.

O filme inicia em 1934, com Marie Curie caminhando em direção ao seu gabinete, onde consulta alguns manuscritos. Em seguida, ela encontra-se no laboratório, no qual trabalham vários assistentes, e sofre um desmaio. Enquanto é levada para o hospital, o filme apresenta uma retrospectiva, na qual Madame Curie relembra vários momentos de sua vida, com início no dia em que se encontrou com Pierre Curie, numa rua de Paris, em 1893. Essa, e outras cenas irreais serão discutidas a seguir. Transcrições dos diálogos de algumas dessas cenas usadas pelos alunos são apresentadas no Material Suplementar 1 Apêndice 1. .

2.1. Sequência 1 (00:03:14,243) – Marieencontra Pierre

O encontro dos dois, em plena rua de Paris é absolutamente fictício. Mesmo para quem não tem a menor ideia da biografia dos dois, a cena pode parecer forçada. Marie chegou a Paris em outubro de 1891, e logo ingressou na Faculdade de Ciências da Sorbonne [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938)., 4141. N. Pasachoff, Marie Curie and the Science of Radioactivity (OxfordUniversity Press, Oxford, 1996)., 4242. E.S. Barr, Phys. Teach. 2, 251 (1964).]. Em 1893 recebeu o diploma de licenciatura em física e, no ano seguinte, o diploma de matemática. Continuou em Paris com uma bolsa de estudo da Fundação Alexandrovitch, durante 15 meses. Depois disso, contou com a ajuda do professor Gabriel Lippmann para ser contratada pela Sociedade de Apoio à Indústria Nacional, para desenvolver um estudo sobre propriedades magnéticas de aços, objetivando a obtenção de imãs permanentes [4444. G. Gooday, Spontaneous Gener. A J. Hist. Philos. Sci. 3, 68 (2009).]. Apesar desse apoio, o professor Lippmann não foi capaz de aumentar o espaço necessário para Marie realizar o trabalho em seu laboratório. Mas ele não a expulsou do laboratório como sugere o filme. Marie continuou trabalhando, mesmo com as limitações de espaço. Nesse ínterim, ela encontrou-se com um amigo polonês em lua de mel em Paris. Joseph Kowalski era físico e conhecia Pierre Curie, que já era famoso na época pelos seus trabalhos sobre magnetismo. Kowalski logo imaginou que Marie poderia mudar-se para o laboratório de Pierre, ou pelo menos Pierre poderia sugerir alguma solução melhor do que o laboratório de Lippmann. Foi em um jantar organizado por Kowalski, em algum dia da primavera de 1894, que Marie e Pierre encontraram-se pela primeira vez.

2.2. Sequência 2 (00:03:53,544) – Marie e oProf. Gabriel Lippmann

Nessa sequência, Marie interrompe uma reunião do prof. Lippmann com alguns visitantes, para protestar contra a retirada de seus equipamentos, aparentemente do laboratório de Gabriel Lippmann. Não há registro da existência desse evento. Marie reclamava do pouco espaço que tinha no laboratório, mas não consta que ela tenha chegado ao tipo de reclamação encenada no filme. Lippmann responde rispidamente e sugere que ela crie seu próprio laboratório, o que também deve ter sido um recurso dramático usado pelos autores do enredo do filme. Não conhecemos registro histórico de que Lippmann pediu para Marie Curie deixar seu laboratório. Sabemos que ela estava incomodada com o pouco espaço, que foi resolvido depois que ela conheceu Pierre Curie.

Na sequência, desdobramentos do evento Lippmann, em discussão com sua irmã, que lhe sugere pedir desculpas. Ela rejeita e diz que vai encontrar uma solução ao seu modo. Após, são apresentadas duas cenas em que dois chefes de laboratórios rejeitam suas propostas de pesquisas. As cenas são inteiramente fictícias. Nas cenas subsequentes, o filme transmite a ideia de que Marie mudou-se para o laboratório de Pierre após as rejeições. Como descreveremos adiante, os registros históricos mostram que não foi bem assim.

2.3. Sequência 3 (00:06:46,690) – Exibiçãoda Bailarina Loie Fuller

Depois das cenas com as rejeições, Marie entra em um teatro no qual ocorre a apresentação da bailarina Loie Fuller. Entre os presentes, Pierre. Ela se aproxima e os dois têm uma conversa que não corresponde à realidade dos fatos. Pierre menciona a tese de Marie sobre propriedades magnéticas de aços. Na verdade, o que o personagem de Pierre chama de tese, é um relatório que Marie fez para a Sociedade de Apoio à Indústria, que financiou o estudo. Sabemos que Marie só terminou o relatório depois do seu casamento. Na sequência ele diz ter escutado que ela havia sido expulsa do laboratório no qual trabalhava, ou seja do laboratório de Lippmann. Depois dessa conversa ela se muda para o laboratório de Pierre, e o filme sugere que ela está trabalhando em algo que vai desembocar nas descobertas da radioatividade. Ela manipula algum líquido em um balão de Erlenmeyer. Os registros históricos mostram que, ao mudar para o laboratório de Pierre, ela continua seu trabalho sobre propriedades magnéticas de aço, que utiliza equipamentos completamente diferentes daqueles utilizados em laboratório de química.

Os registros históricos mostram, ainda, que na primavera de 1894 eles se conhecem. Em 26 de julho de 1895 eles se casam. Marie continua trabalhando no laboratório de Lippmann. Em meados de 1896, Pierre conseguiu um cantinho em seu laboratório para onde Marie levou seus equipamentos de magnetismo. No final de 1897 ela conclui o relatório sobre as propriedades magnéticas de aços [4545. M.S. Curie, Propriétés magnétiques des aciers trempés (1898).], e começa a busca por um tema para seu doutorado. Em 16 dezembro de 1897, dois meses após o nascimento de Irène, a primeira filha do casal, Marie começa a fazer seus primeiros experimentos, conforme relata Martins [3939. R.A. Martins, Rev. Soc. Bras. Hist. Cienc, 1 (2003).]:

Suas primeiras atividades consistiram em testes preliminares e familiarização com o aparelho – certamente sob a orientação de Pierre Curie. A manipulação do aparelho não era muito simples – exigia uma certa prática para regular manualmente a força exercida sobre o cristal piezoelétrico. Os primeiros experimentos mediram a condutividade do ar sob ação tanto de raios X quanto do urânio metálico.

No dia 12 de abril de 1898, Lippmann apresentou à Academia de Ciências de Paris a primeira comunicação de Marie, intitulada Rayons émis par les composés de l’uranium et du thorium [3434. M.S. Curie, Comptes Rendus 126, 1101 (1898).]. O principal resultado dessa comunicação foi a comprovação de que o tório emitia o mesmo tipo de radiação do urânio, um resultado também obtido na mesma época, e de modo independente, por Gerhard Schmidt. Foi a primeira vez que um material, além do urânio era observado e que se comportava de modo similar. Ainda não existiam os termos radioatividade, nem material radioativo. Naquela época tudo se referia às radiações urânicas .

2.4. Sequência 4 (00:13:23,208) –O equipamento de Pierre

O filme dá um salto do laboratório para o Hospital de Paris e mostra Marie se recusando a entrar no hospital, onde Pierre diz que está o equipamento. A recusa deve ser um artifício do enredo para reforçar a ideia apresentada em outras cenas, do trauma de Marie por causa da morte de sua mãe. Mas, não faz sentido que a balança de quartzo e o eletrômetro de quadrantes, os equipamentos que Marie passará a utilizar, estejam no hospital.

Marie volta ao laboratório, pensa na morte da mãe, e logo depois Pierre chega com a balança de quartzo, mas ele diz que é um eletrômetro de quadrante. Um erro grosseiro no roteiro do filme, pois o que Pierre mostra não é o eletrômetro, é a balança de quartzo, inventada por Pierre, em colaboração com seu irmão Jacques. Na Figura 1 são exibidos os equipamentos básicos usados por Marie e Pierre.

Figura 1
Equipamentos básicos usados por Marie e Pierre Curie em seus experimentos com materiais radioativos: (A) câmara de ionização; (B) balança de quartzo; (C) eletrômetro de quadrante, inventado por Kelvin e aperfeiçoado por Pierre.

Na sequência há um jantar, no qual participam Marie, Pierre e um casal não identificado. Uma cena similar aconteceu na realidade, mas não nas circunstâncias sugeridas no filme. Provavelmente o autor do roteiro esteja se referindo ao físico polonês Joseph Kowalski e sua esposa, conforme discutimos na Sequência 1.

O filme relata o casamento, os momentos idílicos e a volta ao laboratório, no momento em que chega o carregamento de uma grande quantidade de pechblenda, o famoso minério de urânio, do qual Marie e Pierre Curie vão descobrir o polônio e o rádio. O filme sugere que o minério chegou ao laboratório logo depois do casamento, o que não é verdade. Eles se casaram em julho 1895, e o minério só chegou entre o final de 1897 e início de 1898. Com exceção da data, o enredo é fiel aos fatos históricos, mas volta a se equivocar quando apresenta o momento em que o casal comunica seus resultados em uma reunião, aparentemente na Academia Francesa de Ciências. É Pierre quem inicia o comunicado, e diz que o trabalho lhes tomou quatro anos. Trata-se de uma informação absolutamente irreal. Em primeiro lugar, naquela época Pierre ainda não era da Academia e, portanto, não podia apresentar trabalho em suas reuniões. Em segundo lugar, conforme discutimos na Sequência 3, o primeiro trabalho, assinado por Marie, foi apresentado à Academia Francesa de Ciências em 12 de abril de 1898, pelo prof. Gabriel Lippmann (Figura 2).

Figura 2
Primeira comunicação de Marie Curie sobre materiais radioativos, apresentada por Gabriel Lippmann, na reunião de 12 de abril de 1898 da Academia das Ciências, em Paris.

É de se notar o fato de ter sido Lippmann a apresentar esse trabalho de Marie. Ele não trabalhava na área, mas tinha sido o mentor científico de Marie. Os outros dois candidatos para fazer essa apresentação, Poincaré e Becquerel, provavelmente não tivessem proximidade pessoal com Marie, nem soubessem do trabalho que ela estava desenvolvendo. Tanto é que as duas comunicações seguintes, ainda em 1898, foram apresentadas por Henri Becquerel. A primeira, assinada por Marie e Pierre, intitulada Sur une substance nouvelle radio-active, contenue dans la pechblende [3535. P. Curie e M.S. Curie, Comptes Rendus 127, 175 (1898).], em 16 de julho (Figura 3a), e a segunda, intitulada Sur une nouvelle substance fortement radioactive, contenue dans la pechblende [3636. P. Curie, M.S. Curie e G. Bémont, Comptes Rendus 127, 1215 (1898).], em 26 de dezembro (Figura 3b).

Figura 3
Comunicações do casal Marie e Pierre Curie, apresentadas por Henri Becquerel na Academia das Ciências, em Paris: (a) 16 de julho de 1898; (b) 26 de dezembro de 1898.

Na comunicação de 12 de abril, na qual Marie relata seus primeiros estudos, ela diz que examinou uma grande quantidade de materiais, incluindo a pechblenda. Ela ainda não dispunha daquela enorme quantidade de minério que o filme mostra, logo após o casamento. Ela também não tinha colaboração direta de Pierre; ele tinha apenas sugerido os equipamentos que conhecia muito bem, como a balança de quartzo, inventada por ele e pelo seu irmão Jacques Curie, e o eletrômetro de quadrante inventado por Kelvin, mas por ele aperfeiçoado. Ela informa que o trabalho foi efetuado na Escola Municipal de Física e Química Industrial, onde Pierre era professor, e que o urânio usado nas pesquisas foi doado por Henri Moissan, que ganharia o Nobel de Química de 1906. Os sais e óxidos foram cedidos por outros colegas, como Étard, Lacroix e Demarçay.

Nessa comunicação, Marie apresenta os seguintes resultados que serão relevantes para a história da radioatividade [3434. M.S. Curie, Comptes Rendus 126, 1101 (1898).].

Dois minerais de urânio: a pechblenda e a calcolita são muito mais ativos do que o próprio urânio. É provável que esses minerais contenham um elemento muito mais ativoque o urânio. Eu reproduzi uma amostra de calcolita com produtos puros, que não apresentou atividade maior do que qualquer sal de urânio (Tradução nossa)

Na comunicação de 16 de julho, em colaboração com Pierre, é anunciada a descoberta do polônio, 60 vezes mais radioativo do que o urânio metálico. Depois de uma extensa descrição dos métodos químicos de separação dos elementos, e dos métodos físicos de medida da radioatividade, eles dizem que não conseguiram isolar o elemento, mas acreditam que [3535. P. Curie e M.S. Curie, Comptes Rendus 127, 175 (1898).]:

a substância que retiramos da pechblenda contém um metal ainda não identificado. Por suas propriedades químicas deve ser vizinho do bismuto. Se a existência desse novo metal se confirmar, propomos denominá-lo polônio, em homenagem ao país de um dos autores (Tradução nossa)

Finalmente, a descoberta do rádio, também presente em amostras de pechblenda, é anunciada na comunicação de 26 de dezembro [3636. P. Curie, M.S. Curie e G. Bémont, Comptes Rendus 127, 1215 (1898).]. Trata-se de um elemento parecido com o bário, por suas propriedades químicas, 900 vezes mais ativo que o urânio metálico. Eles propõem o nome de rádio para esse novo elemento.

Portanto, em vez de fazer Pierre dizer que levaram quatro anos para chegarem às conclusões, seria mais interessante, a nosso ver, dizer o que a historiografia registra que eles levaram menos de um ano para descobrirem dois elementos radioativos e os fundamentos essenciais da radioatividade, e mais do que isso, que o grande sucesso dos estudos se deveu ao instrumental e à metodologia usada pelo casal Curie.

Usamos as palavras de Oliveira [1414. B.J. Oliveira, História, Ciências, Saúde – Manguinhos 13, 133 (2006).], para reforçar o que afirmamos acima: “uma boa análise de filmes deveria levar em conta as estruturas da linguagem cinematográfica e a composição de seus vários elementos. Todavia, nosso objetivo é a discussão das concepções de ciência e de cientistas neles contidos, e, portanto, se restringe aos conteúdos dos filmes”. Não importa saber se causa mais impacto narrativo dizer que eles levaram quatro anos para obterem os resultados. Os registros históricos mostram que Becquerel observou o fenômeno em fevereiro de 1896, e que a comunidade científica o acompanhou em vários estudos durante aproximadamente seis meses sem chegarem à conclusão sobre a natureza do fenômeno. As pesquisas ficaram estagnadas durante quase dois anos, até que Marie e Pierre Curie começaram seus estudos. Em menos de um ano, graças à mudança do paradigma experimental, ou seja, graças à substituição do método de filmes fotográficos pelo método da câmara de ionização, o casal Curie conseguiu descobrir o polônio, o rádio e identificar o fenômeno como algo novo, característico da estrutura nuclear.

O arranjo experimental utilizado por Marie e Pierre Curie é esquematicamente apresentado na Figura 4. Resumidamente, o procedimento é assim: o material a ser investigado é colocado na câmara de ionização (A). O ar ionizado produz cargas nas placas do condensador no interior da câmara. Essas cargas produzem correntes que são detectadas pelo eletrômetro, em valor proporcional ao desvio de um feixe de luz que incide no fio que o sustenta. Uma corrente oposta é produzida pela balança de quartzo, quando sobre seu prato é colocado alguma massa. Quando as duas correntes são iguais, o feixe de luz volta à marca zero. Assim, é possível determinar o efeito ionizante por meio da massa colocada na balança. O eletrômetro é capaz de medir corrente elétrica na faixa de 10−12 A.

Figura 4
Representação esquemática do arranjo experimental usado por Marie e Pierre Curie em seus experimentos com materiais radioativos. Esquema extraído de Martins [4646. R.A. Martins, em Da revolução científica àrevolução tecnológica: Tópicos de história da físicamoderna e contemporânea, editado por C.A. dos Santos (Livraria da Física,São Paulo, 2019).].

A grande quantidade de material que Marie e Pierre, graciosamente, receberam de uma mina austríaca, na verdade mais de uma tonelada, só chegou ao laboratório em algum momento não especificado na literatura à nossa disposição, durante o ano de 1899. Ao contrário do que sugere o filme, essa grande quantidade de material não foi tratada a mão. O químico André Debierne foi quem adaptou para a escala industrial, os procedimentos usados no laboratório [4747. X. Roqué, Les Cahiers de Science & Vie 24, 46 (1994).].

2.5. Sequência 5 (00:42:45,835) –O Nobel de 1903

Na presença de Irène, Marie embala Ève, enquanto Pierre informa que o trabalho deles está concorrendo ao Prêmio Nobel de Física. A cena é puramente fictícia. Eles ganharam o prêmio em 1903, um ano antes da cena sugerida no filme, uma vez que Ève nasceu no dia 6 de dezembro de 1904. No verão de 1903, Pierre foi sigilosamente informado por Gustav Mittag-Leffler, matemático sueco, membro da Academia Sueca de Ciências (ASC), de que apenas ele e Henri Becquerel haviam sido indicados para o prêmio. Em 6 de agosto, Pierre responde: Se é verdade que alguém está pensando seriamente em mim, desejo muito ser considerado juntamente com a Madame Curie no que diz respeito à nossa pesquisa sobre materiais radioativos [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).].

Portanto, a cena corresponde aos fatos históricos quanto ao teor do diálogo, mas não quanto à cronologia.

A sequência seguinte mostra Marie no laboratório, com Irène. Ela pede uma cadeira a Paul. Até àquele ponto do filme, não fica claro que se trata de Paul Langevin, um ex-estudante de Pierre que anos depois teria um relacionamento amoroso com Marie. Naquele momento deveria estar ocorrendo a solenidade da premiação em Estocolmo, e o filme mostra Pierre, em Estocolmo, revisando seu discurso. Mas a cena também é fictícia. O casal Curie não foi a Estocolmo naquele ano. E de novo, o filme apresenta Pierre tossindo e expelindo sangue.

Por diversos outros problemas de saúde eles só puderam ir a Estocolmo em 1905, quando em 6 de junho Pierre apresentou sua palestra Nobel. Imaginamos que o casal considerou que apenas um deveria apresentar a palestra, e se decidiram por Pierre. Foi uma palestra curta, apenas seis páginas datilografadas, nas quais Pierre insiste na importância fundamental de Marie na condução da pesquisa. O final da sua palestra é profético, embora naquela oportunidade ninguém poderia imaginar o poder destrutivo da fissão nuclear, que só viria a ser descoberta em 1938:

Pode-se até pensar que o rádio pode se tornar muito perigoso em mãos criminosas, e aqui a questão pode ser levantada se a humanidade se beneficia de conhecer os segredos da Natureza, se ela está pronta para lucrar com isso ou se esse conhecimento não será prejudicial para isso. O exemplo das descobertas de Nobel é característico, pois poderosos explosivos permitiram ao homem realizar um trabalho maravilhoso. São também um meio terrível de destruição nas mãos de grandes criminosos que conduzem os povos para a guerra. Eu sou um daqueles que acreditam como Nobel que a humanidade obterá mais bem do que mal com as novas descobertas [4848. P. Curie, Nobel Prize Organization, disponível em:https://www.nobelprize.org/uploads/2018/06/pierre-curie-lecture.pdf,acessado em 10/11/2020.
https://www.nobelprize.org/uploads/2018/...
]. (Tradução nossa)

O filme mostra Pierre pronunciando o início desse parágrafo, ao mesmo tempo em que apresenta o Enola Gay transportando a bomba atômica, momentos antes de seu lançamento sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945. O filme intercala o discurso de Pierre com cenas do ataque a Hiroshima.

A sequência seguinte mostra a chegada de Pierre em casa, onde Marie junta as bonecas que as crianças deixaram pelo chão. Como já dissemos, a cena é fictícia, porque Marie estava com Pierre em Estocolmo, quando ele pronunciou a conferência Nobel. O filme mostra Marie muito agressiva, como se Pierre estivesse usurpando o seu trabalho. Uma cena que se justifica apenas para criar um ambiente de tensão cenográfica. Pelo que se sabe, jamais houve esse tipo de atrito. Em certo momento ela diz que ele não deveria ter ido sem ela. Pura ficção, exagero cenográfico. Depois de uma longa sequência de cenas inverossímeis, se bem que apropriadas para manter a tensão dramática da narrativa. O filme apresenta cenas da menina Marie e do menino Pierre no campo, observando diversos aspectos da natureza, tais como pequenos animais e pedras nas águas de um rio. O filme pula para a cena em que Pierre é atropelado por uma carroça, e vem a falecer, em 19 de abril de 1906. Marie expressa em choro angustiado toda sua dor.

2.6. Sequência 6 (00:58:36,351) – Marie énomeada Professora Titular da Sorbonne

O retorno de Marie às atividades de pesquisa é representado por uma rápida apresentação dela limpando a vidraria do laboratório. Na sequência, há uma breve reunião entre cientistas da Sorbonne e Marie, para convidá-la a se submeter ao cargo de professor titular da Sorbonne, vago com a morte de Pierre. A rispidez com que ela trata os colegas que a convidam não é verossímil. O sentimento que ela expressa em seu diário, no início de maio, contradiz a cena apresentada no filme:

Convidaram-me a lhe suceder, meu Pierre: no seu curso e a na direção de seu laboratório. Eu aceitei. Não sei se é bom ou ruim. Você sempre me disse que gostaria que eu desse um curso na Sorbonne. Eu gostaria pelo menos de fazer um esforço para continuar o trabalho. Às vezes me parece que essa é a maneira mais fácil de viver, outras vezes me parece que sou louca para aceitar isso [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).]. (Tradução nossa)

Na sequência há uma longa conversa entre ela e Paul Langevin. No filme ele não é identificado. Apenas os conhecedores da história sabem de quem se trata. Após, Marie é recebida com aplausos em um anfiteatro da Sorbonne. Ao seu lado, Langevin, aparentemente para ajudá-la na manipulação dos equipamentos. Mas, são cenas breves, intercaladas com cenas em Nevada, em 1961, onde os Estados Unidos da América fazem um teste com uma bomba atômica. Trata-se de um evento real, ocorrido entre 1961 e 1962, não exatamente da maneira como foi apresentado no filme.

Marie e Langevin aparecem conversando no laboratório, falando de Pierre. Marie lamenta não ter sido tão amorosa com Pierre, quanto ele o foi com ela. Há um breve momento de diálogo sensual, ao final do qual eles se beijam. A cena seguinte é no quarto da casa de Marie, ao amanhecer. Irène e Ève abrem a porta do quarto e surpreende Langevin na cama de sua mãe. Ao que se sabe, a cena é fictícia. Aliás, a sequência não guarda correspondência cronológica entre a narrativa e os fatos históricos. Se é verdade que Marie e Langevin tiveram uma relação amorosa, essa não foi logo após a morte de Pierre, como sugere o filme, e certamente eles não dormiram na residência de Marie. O envolvimento amoroso dos dois teve início entre a primavera e o verão de 1910, quando Langevin aluga um pequeno apartamento para seus encontros. O romance transformou-se em um escândalo público, largamente explorado pela mídia parisiense [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997)., 3838. F. Giroud, Marie Curie (Martins Fontes, São Paulo, 1989).], e no filme isso é representado, inicialmente, pelos olhares recriminadores de algumas senhoras na rua, enquanto Marie caminha ao lados das filhas. Mais adiante, a esposa de Langevin aparece acusando Marie de ter roubado seu marido. Expressa preconceitos xenófobos, que na realidade são explorados pela mídia. Embora importante do ponto de vista humano, sobretudo pelo sofrimento que impôs aos dois, não aprofundaremos aqui o evento por considerá-lo fora do escopo de nosso trabalho.

Enquanto Marie implora que uma mulher faça uma sessão espírita para que ela possa conversar com Pierre, carros de bombeiros são mostrados em Chernobyl, em 1986, um exagero cenográfico colocado na narrativa. Ao nosso ver, completamente desnecessário. Na cena seguinte, ela aparece em uma conversa com a irmã, e o assunto é o romance com Langevin, que terminará, mas a ira popular não arrefece. A cena é finalizada com a apresentação de aglomerações de pessoas em frente à sua casa mandando-a voltar para a Polônia.

2.7. Sequência 7 (01:20:14,119) – PrêmioNobel de 1911

O que importa, do ponto de vista da história da ciência, é que nesse turbilhão de eventos perturbadores, a ASC lhe concede o Prêmio Nobel de Química de 1911, evento que o filme inicialmente mostra quando ela recebe um telegrama, em casa, na presença das filhas. Ela deve ter recebido o telegrama na Sorbonne e não em casa. Ela comenta com as crianças que a Academia deseja que ela não compareça à solenidade, para evitar controvérsias desnecessárias. O diálogo é inverossímil. A Academia não faria uma deselegância dessa ordem no telegrama de anúncio da premiação.

Houve de fato um movimento no âmbito da Academia, inicialmente para avaliar a conveniência de lhe atribuir o prêmio. Nesse sentido, o embaixador sueco na França foi contatado para fornecer um cenário da situação [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).]. O relato do embaixador minimizando a gravidade do caso, convenceu a Academia a conceder o prêmio. Todavia, a imprensa francesa não gostou da decisão da ASC, e vários jornais, Le Temps, Journal, Le Petit Journal, L’Action française, L’Intransigeant, entre outros, fizeram uma brutal campanha contra a indicação de Marie Curie ao Prêmio Nobel de Química de 1911, com a exposição de algumas das cartas de amor de Marie Curie a Langevin. Em resposta a esse movimento difamatório, Madame Curie recebe apoio de vários cientistas famosos: Jean Perrin, Henri Poincaré, Émile Borel, Albert Einstein, Ernest Rutherford, Jacques Curie, entre outros.

Um dia antes da imprensa publicar as cartas, Marie escreve para Svante Arrhenius, importante membro da ASC, e Prêmio Nobel de Química de 1903, dizendo-se temerosa de que sua presença na solenidade causasse algum mal-estar, em função dos rumores na imprensa francesa sobre o escândalo amoroso. Arrhenius responde dizendo que eles não acreditavam na imprensa, e que ela seria bem recebida [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).]. Todavia, quando eles tiveram conhecimento das cartas publicadas pelos jornais franceses, Arrhenius mudou de posição e sugeriu que Marie Curie não fosse à cerimônia. Disse mais: se a Academia tivesse conhecimento dessas cartas não teria lhe concedido o prêmio. A atitude de Arrhenius, que era amigo de Marie, provocou a seguinte resposta:

Você me sugere que eu adie a aceitação do Prêmio Nobel que acaba de ser concedido a mim, e você dá esta explicação de que a Academia de Estocolmo, se tivesse sido avisada, provavelmente teria decidido não me dar o prêmio, a menos que eu pudesse explicar publicamente os ataques de que fui objeto. Se esse fosse o sentimento geral da Academia, eu ficaria profundamente desapontada. Mas não acredito que seja minha responsabilidade supor as intenções e opiniões da Academia. Devo, portanto, agir de acordo com minhas convicções. A ação que você aconselha parece ser um grave erro de minha parte. Na verdade, o prêmio foi concedido pela descoberta do rádio e do polônio. Acredito que não haja conexão entre meu trabalho científico e os fatos da vida privada…. Não posso aceitar a ideia em princípio de que a apreciação do valor do trabalho científico deva ser influenciada por calúnias e difamações relativas à vida privada. Estou convencida de que essa opinião é compartilhada por muitas pessoas. Estou muito triste por você não ter essa opinião [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).].

Na sequência, Marie e sua filha Irène viajam de trem para Estocolmo. O Filme não mostra, mas, além de Irène, Bronia, irmã de Marie as acompanhou na viagem. Na recepção, alguém do cerimonial informa que o movimento de mulheres em Estocolmo estava apoiando-a. No início da solenidade, uma cena aparentemente verossímil, mas fictícia: antes que ela comece a falar, as mulheres a aplaudem de pé; atitude seguida pelos homens. Não conhecemos registro na literatura de que isso tenha ocorrido. O filme apresenta cenas da sua conferência intercaladas pelo movimento de soldados, em alusão à Primeira Guerra Mundial, na qual Madame Curie teve participação importante, como descreveremos mais adiante. Seu discurso, além de ser uma síntese da história da radioatividade até aquele momento, é um comovente exemplo de altivez, precisão conceitual e reconhecimento à colaboração de outros cientistas [4949. M. Curie, Radium and the new concepts in chemistry, disponívelem: https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1911/marie-curie/lecture/,acessado em 18/08/2020.
https://www.nobelprize.org/prizes/chemis...
].

Há cerca de 15 anos, a radiação de urânio foi descoberta por Henri Becquerel, e dois anos depois, o estudo desse fenômeno foi estendido a outras substâncias, primeiro por mim, depois por Pierre Curie e por mim. Este estudo levou-nos rapidamente à descoberta de novos elementos, cuja radiação, embora sendo análoga à do urânio, era muito mais intensa. Todos os elementos que emitem tal radiação eu denominei de radioativos, e a nova propriedade da matéria revelada nesta emissão recebeu o nome de radioatividade. Graças a esta descoberta de novas substâncias radioativas muito poderosas, particularmente o rádio, o estudo da radioatividade progrediu com uma rapidez impressionante: as descobertas se seguiram em rápida sucessão, e era óbvio que uma nova ciência estava em desenvolvimento. A Academia Sueca de Ciências teve a gentileza de celebrar o nascimento desta ciência ao conceder o Prêmio Nobel de Física aos primeiros trabalhadores na área, Henri Becquerel, Pierre Curie e Marie Curie (1903). Daquela época em diante, vários cientistas se dedicaram ao estudo da radioatividade. Permitam-me relembrar um deles que, pela certeza do seu juízo, e pela ousadia das suas hipóteses e pelas muitas investigações realizadas por ele e pelos seus alunos, conseguiu não só aumentar os nossos conhecimentos, mas também em classificá-lo com grande clareza; ele forneceu uma espinha dorsal para a nova ciência, na forma de uma teoria muito precisa e admiravelmente adequada ao estudo dos fenômenos. Fico feliz em lembrar que Rutherford veio a Estocolmo em 1908 para receber o Prêmio Nobel como uma recompensa bem merecida por seu trabalho. (…) É, portanto, minha tarefa apresentar a vocês o rádio em particular como um novo elemento químico, e deixar de lado a descrição dos muitos fenômenos radioativos que já foram descritos nas Conferências Nobel de H. Becquerel, P. Curie e E. Rutherford. Antes de abordar o assunto desta palestra, gostaria de lembrar que as descobertas do rádio e do polônio foram feitas por Pierre Curie em colaboração comigo. Também estamos em débito com Pierre Curie pela pesquisa básica no campo da radioatividade, que tem sido realizada sozinho, e em colaboração com seus alunos. O trabalho químico destinado a isolar o rádio no estado de sal puro e a caracterizá-lo como um novo elemento foi feito especialmente por mim, mas está intimamente ligado ao nosso trabalho comum. Sinto, assim, que interpreto corretamente a intenção da Academia de Ciências ao supor que a atribuição desta elevada distinção a mim é motivada por este trabalho comum e, portanto, presta homenagem à memória de Pierre Curie. Recordo-vos de início que uma das propriedades mais importantes dos elementos radioativos é a de ionizar o ar nas suas proximidades (Becquerel). Quando um composto de urânio é colocado em uma placa de metal A situada em frente a outra placa B e uma diferença de potencial é mantida entre as placas A e B, uma corrente elétrica é instalada entre essas placas; esta corrente pode ser medida com precisão em condições adequadas e servirá como uma medida da atividade da substância. A condutividade transmitida ao ar pode ser atribuída à ionização produzida pelos raios emitidos pelos compostos de urânio. Em 1897, usando este método de medição, empreendi um estudo da radiação de compostos de urânio, e logo estendi esse estudo a outras substâncias, com o objetivo de descobrir se radiação desse tipo ocorre em outros elementos. Descobri dessa forma que, dos outros elementos conhecidos, apenas os compostos de tório se comportam como os compostos de urânio. (…) Para concluir, gostaria de enfatizar a natureza da nova química dos corpos radioativos. Toneladas de material precisam ser tratadas para extrair o rádio do minério. As quantidades de rádio disponíveis em um laboratório são da ordem de um miligrama, ou de um grama no máximo, valendo esta substância 400.000 francos por grama. Muitas vezes foi manuseado material em que a presença de rádio não pôde ser detectada pela balança, nem mesmo pelo espectroscópio. No entanto, temos métodos de medição tão perfeitos e tão sensíveis que somos capazes de saber exatamente as pequenas quantidades de rádio que estamos usando. A análise radioativa por métodos eletrométricos nos permite calcular dentro de 1% um milésimo de miligrama de rádio e detectar a presença de 10−10 gramas de rádio diluído em alguns gramas de material. Esse método é o único que poderia ter levado à descoberta do rádio, tendo em vista a diluição dessa substância no minério. A sensibilidade dos métodos é ainda mais notável no caso da emanação de rádio, que pode ser detectada quando a quantidade presente atinge, por exemplo, apenas 10−10 mm3. Como a atividade específica de uma substância é aproximadamente em proporção inversa à vida média, o resultado é que se a vida média for muito breve, a reação radioativa pode atingir uma sensibilidade sem precedentes. Também estamos acostumados a lidar atualmente em laboratório com substâncias cuja presença só nos é mostrada por suas propriedades radioativas, mas que, no entanto, podemos determinar, dissolver, reprecipitar de suas soluções e depositar eletroliticamente. Isso significa que temos aqui um tipo inteiramente separado de química, para a qual a ferramenta atual que usamos é o eletrômetro, não o equilíbrio, e que podemos muito bem chamar de química do imponderável.

2.8. Sequência 8 (01:24:44,958) – Irène convence Marie a se envolver na Guerra

As cenas seguintes certamente foram elaboradas para uma acomodação ao plano dramático da narrativa, mas resultam em exagerada mistificação dos fatos históricos. A adolescente Irène leva Marie Curie a um hospital militar para convencê-la a instalar equipamentos de raios-X nos campos de batalha. Para quem conhece a história, trata-se de uma sequência bizarra. Ao nosso conhecimento, não há registro na literatura que indique a autenticidade dessa sequência [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997)., 3838. F. Giroud, Marie Curie (Martins Fontes, São Paulo, 1989)., 4343. L. Badash, Phys. Today 56, 37 (2003)., 5050. N. Loriot, Irène Joliot-Curie (Maxi-Livres, Nimes, 1995).]. O que se sabe é que no verão de 1914, Irène e Ève, acompanhadas de uma babá, estavam de férias em uma casa alugada na Bretanha, enquanto em Paris Marie enfrenta a burocracia e a falta de recursos para instalar equipamentos de raios-X a serem usados nas frentes de batalha. Esse esforço é representado no filme por meio de um diálogo fictício que ela tem com o prof. Lippmann, que o filme sugere ser Ministro Sênior de Ciência, cargo inexistente na França. E Lippmann jamais ocupou qualquer cargo de ministro.

A participação de Irène, só teve início no final de setembro, quando Marie permitiu que ela lhe acompanhasse. Era uma jovem de 17 anos, completados no dia 12 daquele mês. Ao lado da mãe, Irène presenciou e participou de uma empreitada de gigantesco sucesso. Em 1918, a França tinha 500 unidades radiológicas fixas, e 300 unidades móveis. Aproximadamente 400 médicos radiologistas, com 800 homens e 150 mulheres como auxiliares. Nos últimos dois anos da guerra algo como um milhão de soldados foram examinados com raios-X [4343. L. Badash, Phys. Today 56, 37 (2003).].

2.9. Sequência 9 (01:27:52,173) – Marie conhece Frédéric Joliot

Depois dessa ácida discussão com Lippmann, 1914, o filme dá um salto temporal e mostra Marie, em sua casa em conversa com Frédéric Joliot e Irène, na presença de Ève. Uma sequência completamente irreal. Se a cena fosse minimamente real, deveria ter marcado a memória da menina Ève. Ainda adolescente, ela se mete na conversa, em assunto de adulto. Em seu livro sobre a família, Ève não faz qualquer referência ao evento [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).]. Dá-se a entender que é ali que Marie Curie conhece Frédéric, e ao mesmo tempo toma conhecimento do relacionamento amoroso entre ele e Irène, e que ela não sabia o que ele estudava e que era o líder do projeto. Essa última parte é sugerida por um comentário de Irène. A sequência exibida no filme tem apenas traços com a realidade. Depois de casados, em 9 de outubro de 1926 [5050. N. Loriot, Irène Joliot-Curie (Maxi-Livres, Nimes, 1995).], o casal Joliot-Curie costumava almoçar quatro vezes por semana na residência de Marie Curie [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).]. Mas, na cena do filme Ève aparenta ter menos de 15 anos, o que significa dizer que era o ano de 1919–1920. No entanto, Madame Curie só conheceu Frédéric no outono de 1924, por recomendação de Paul Langevin [5151. J.A. Del Regato, Int. J. Radiat. Oncol. Biol. Phys. 6, 621 (1980).]. Ela o empregou como preparador pessoal no Institute du Radium . Seu primeiro trabalho, sob orientação de Marie Curie, foi publicado em 1927, e tratava de um novo método para o estudo de depósitos eletrolíticos de rádioelementos. Irène começou a trabalhar ao lado da sua mãe em 1918, e já era assistente quando Frédéric chegou ao laboratório. De acordo com Ève, foi em uma manhã de 1926 que Irène disse em casa que ia ficar noiva de Frédéric [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).].

Bem, o encontro é irreal, Madame Curie faz perguntas sem sentido na vida real, porque ela já sabe do que se tratava, uma vez que era tudo orientado por ela. Mas, o assunto que discutem é real. É justamente a linha de trabalho que Irène e Frédéric desenvolvem e que os levará a descobrir a radioatividade artificial e ao Prêmio Nobel de Química de 1935 (Figura 5).

Figura 5
Irène e Frédéric Joliot-Curie em 1935, ano em que ganharam o Prêmio Nobel de Química.

2.10. Sequência 10 (01:31;44,296) –Marie, Irène e o Prof. Lippmann

Depois dessas cenas com Frédéric, o filme retrocede para o início da guerra, e mostra Marie e Irène em uma reunião com Lippmann e o ministro da guerra. Este evento não aconteceu na vida real, mas ele faz referência a um fato histórico, que é a doação das medalhas do Prêmio Nobel. O evento histórico não teve o ar dramático que o filme sugere, ele foi mais singelo. Conforme relato de Ève Curie, tudo aconteceu antes mesmo de Marie Curie começar sua campanha pelas instalações dos equipamentos de raios-X [2727. E. Curie, Madame Curie (Gallimard, Paris, 1938).]. Nos primeiros meses da guerra, o governo pede que os franceses contribuam com o envio de ouro, a título de empréstimo. Marie tinha algumas moedas de ouro em casa e queria juntar com as duas medalhas. Também tinha o dinheiro do Prêmio Nobel de 1911, depositado em um banco sueco, ainda intacto, que ela também pretendia emprestar ao governo. Gostaria de ouvir a opinião de Irène sobre essa ideia. Com a aprovação de Irène, Marie levou as moedas de ouro e as medalhas. No banco, o funcionário recebeu as moedas, mas negou-se a aceitar as medalhas.

2.11. Sequência 11 (01:34:02,604) –Marie e Irène no campo de batalha

Depois dessas cenas com o ministro da guerra, temos outra sequência fictícia. Marie e Irène viajam em um pequeno caminhão dirigido por Marie para a frente de batalha. Elas conversam sobre o trabalho de Irène e Frédéric. Dois erros históricos graves. Em primeiro lugar, a cena real é entre 1915 e 1917 (Figura 6); Irène está recém saindo da adolescência. Ela só começará a trabalhar no laboratório de Marie depois da guerra, e em segundo lugar, elas só conhecerão Frédéric em 1924.

Figura 6
Fotografias durante a I Guerra Mundial. (A) Auxiliada por Irène, Marie ensina técnicas de radiologia a oficiais do corpo expedicionário estadunidense (Les Cahiers de Science & Vie, n. 24, 1994); (B) Marie a bordo do serviço móvel de radiologia (Wikimedia Commons); (C) Irène a bordo do serviço móvel de radiologia [5050. N. Loriot, Irène Joliot-Curie (Maxi-Livres, Nimes, 1995).].

Contexto do estudo junto a estudantes de física licenciatura

Para avaliar o papel que filmes biográficos possuem como vetor de popularização da ciência e como objeto de aprendizagem na formação de professores de física, utilizamos como espaço de investigação as aulas da disciplina intitulada “Metodologias de Ensino de Física e Estágio Curricular Supervisionado II (MEFECS II)”, ofertada no 1° semestre de cada ano letivo. Ela faz parte da estrutura curricular da Física Licenciatura do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil, e é indicada no 7° semestre do curso. Trata-se de uma disciplina obrigatória e possui uma carga horária de 120 horas, 60 horas destinadas ao estudo teórico dos conteúdos que constam no seu programa curricular e 60 horas para o desenvolvimento do estágio curricular supervisionado, por parte dos acadêmicos, em escolas da rede pública de ensino.

O programa da disciplina contempla, entre outros, os seguintes tópicos: a) o papel da História e Filosofia da Ciência no Ensino de Física; b) a Natureza da Ciência e o Ensino da Física; c) a inserção da Física Moderna e Contemporânea na escola média; d) o uso de produções audiovisuais no Ensino de Física (documentários, filmes e vídeos, etc.); e) a leitura de textos literários, de divulgação científica e/ou originais de cientistas no ambiente escolar.

No primeiro semestre de 2020 optamos por exibir a obra cinematográfica objeto do presente trabalho. Neste semestre, a disciplina contou com 16 alunos matriculados, 10 homens e 6 mulheres. Para o desenvolvimento de nosso estudo, dedicamos um conjunto de 12 aulas, três encontros com 4 horas cada um. O primeiro encontro foi destinado para a discussão do papel da História e Filosofia da Ciência no Ensino de Física. Nesse encontro, utilizamos como bibliografia básica, discutida em sala de aula, os artigos de Brush [5252. S.G. Brush, Interchange 20, 60 (1989).], Matthews [5353. M.R. Matthews, Sci. Educ. 1, 11 (1992).] e Hottecke e Silva [5454. D. Höttecke e C.C. Silva, Sci. Educ. 20, 293 (2011).].

No segundo encontro focamos atenção na discussão de aspectos da Natureza da Ciência e o Ensino da Física. Para tanto, utilizamos os artigos de Silva e Moura [5555. C.C. Silva, B.A. Moura, Rev. Bras. Ensino Física 30, 1602.1 (2008).], Forato, Martins e Pietrocola [5656. T.C.M. Forato, R.A. Martins e M. Pietrocola, em: Temas História eFilos. da Ciência no Ensino, editado por L.O. Peduzzi, A.F. Martins e J.M.H.Ferreira (EDUFRN, Natal, 2012).] e Moura [5757. B.A. Moura, Rev. Bras. História da Ciência 7, 32 (2014).].

O terceiro encontro foi utilizado na discussão de Radioactive. As duas primeiras horas foram usadas para que os alunos assistissem o filme, o qual se encontra disponível em plataformas digitais. Na terceira hora, realizamos um debate sobre o filme. Na quarta hora aplicamos um questionário, composto por dez (10) perguntas, a ser respondido pelos licenciandos. O questionário foi disponibilizado no Google Classroom. Mais adiante apresentamos algumas respostas que nos parecem relevantes, em virtude do objetivo de nosso estudo. O questionário completo é apresentado no material suplementar 2 Apêndice 2. .

Destacamos que seguimos os preceitos éticos constantes na Resolução n° 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, mediante solicitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos estudantes.

3. A percepção de Alunos de Licenciatura

Vários autores argumentam a favor do uso de episódios da História da Ciência para a discussão de aspectos da Natureza da Ciência (NDC) em sala de aula [1818. B.C. Almeida e R. Justi, Alexandria Rev. Educ. em Ciência e Tecnol. 12, 351 (2019)., 5555. C.C. Silva, B.A. Moura, Rev. Bras. Ensino Física 30, 1602.1 (2008)., 5858. T.C.M. Forato, A natureza da ciência como saber escolar: um estudode caso a partir da história da luz. Tese Doutorado, Universidade de SãoPaulo, São Paulo (2009)., 5959. R.A. Martins, em Estud. História e Filos. das CiênciasSubsídios para Apl. no Ensino, editado por C.C. Silva (Livraria daFísica, São Paulo, 2006).], uma vez que oferecem uma visão mais profunda e detalhada do processo de construção do conhecimento científico [5555. C.C. Silva, B.A. Moura, Rev. Bras. Ensino Física 30, 1602.1 (2008).]. Para Martins [5959. R.A. Martins, em Estud. História e Filos. das CiênciasSubsídios para Apl. no Ensino, editado por C.C. Silva (Livraria daFísica, São Paulo, 2006).]

O estudo adequado de alguns episódios históricos também permite perceber o processo social (coletivo) e gradativo de construção do conhecimento, permitindo formar uma visão mais concreta e correta da real natureza da ciência, seus procedimentos e suas limitações – o que contribui para a formação de um espírito crítico e desmitificação do conhecimento científico, sem, no entanto, negar seu valor. A ciência não brota pronta, na cabeça de “grandes gênios”. Muitas vezes, as teorias que aceitamos hoje foram propostas de forma confusa, com muitas falhas, sem possuir uma base observacional e experimental [5959. R.A. Martins, em Estud. História e Filos. das CiênciasSubsídios para Apl. no Ensino, editado por C.C. Silva (Livraria daFísica, São Paulo, 2006).].

Moura [5757. B.A. Moura, Rev. Bras. História da Ciência 7, 32 (2014).] define a NDC como um conjunto de elementos que tratam da construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico, o que pode abranger desde questões internas, tais como método científico e relação entre experimento e teoria, até outras externas, como a influência de elementos sociais, culturais, religiosos e políticos na aceitação ou rejeição de ideias científicas (p. 32). Para esse autor, a compreensão da NDC é considerada um dos preceitos fundamentais para a formação de alunos e professores mais críticos e integrados com o mundo e a realidade em que vivem [5757. B.A. Moura, Rev. Bras. História da Ciência 7, 32 (2014).].

Pensamos que Radioactive apresenta um importante episódio da História da Ciência e contempla elementos da chamada NDC. No entanto, para afirmarmos que Radioactive é uma cinebiografia apropriada para a discussão de elementos da NDC na formação de professores de física, tais como a relação da ciência com a cultura e a sociedade, o caráter mutável das teorias científicas, a humanização das cientistas e dos cientistas, entre outros, torna-se fundamental sua avaliação junto a estudantes em formação inicial.

Passamos a apresentar os dados coletados junto aos estudantes de licenciatura em física, que nos parecem mais significativos em função do propósito de nosso estudo. As respostas comentadas aqui encontram-se no Material Suplementar 2 Apêndice 2. .

No primeiro eixo de análise, focamos nossa atenção em aspectos da NDC (questões de gênero, relação entre desenvolvimento da ciência e o contexto político-social e o funcionamento/desenvolvimento da ciência).

Perguntamos aos estudantes o que o filme abordava. Eles foram unanimes em afirmar que a obra trata da biografia de Marie Curie, como podemos observar pela leitura das respostas de P2 e P3. No entanto, há estudantes que especificaram o estudo da radioatividade, a descoberta do Rádio e do Polônio, como os feitos de Marie e Pierre afetaram o mundo na época e os prós e contras da radioatividade, como elementos abordados pela produção, como em P5, P6 e P11.

Dos 14 estudantes, somente na resposta da aluna P7 é possível perceber referência a questões de gênero na Ciência. Tomamos emprestada a definição de Scott [6060. J.W. Scott, Am. Hist. Rev. 91, 1053 (1986).], para a qual “…o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. Nas últimas décadas, evidenciamos um aumento significativo do debate acerca das questões de gênero na Ciência, motivado principalmente por uma persistente baixa proporção de mulheres em carreiras relacionadas à ciência e tecnologia [6161. C.B. Vidor, A. Danielsson, F. Rezende e F. Ostermann, Rev. Bras. Pesqui. emEduc. em Ciências 20, 1133 (2020).]. Esse aumento é percebido, por exemplo, pela constituição, em 2003, de uma Comissão de Relações de Gênero pelo Conselho da Sociedade Brasileira de Física, substituta posteriormente, em 2015, pelo Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero. Outro indicativo é o número de artigos publicados em revistas indexadas e de trabalhos apresentados em congressos científicos.

Com relação às questões de gênero presentes em Radioactive, perguntamos aos estudantes se elas estão presentes no drama biográfico e, a maneira pela qual são manifestadas. Ainda, como percebiam essas questões, especificamente no campo das Ciências. Com essas perguntas, esperávamos que os estudantes manifestassem as dificuldades enfrentadas por Marie Curie em sua carreira científica e as percepções deles sobre esse tema.

As respostas permitem inferir que há um consenso entre os estudantes em relação à presença de questões de gênero e como elas são manifestadas na obra. Dividimos as respostas em duas categorias, aquelas que fazem referência explícita de cenas do filme, para justificar a presença de questões de gênero, e aquelas que não fazem referência explícita. Na primeira categoria citamos, como exemplos, as respostas de P4 e P8, as quais estão amparadas no argumento da sub-representação das mulheres nas Ciências. Para P4 (mulher) o cenário atual é semelhante ao da época de Marie Curie. Já para P8 (homem) o cenário atual melhorou em comparação com o anterior.

Na segunda categoria citamos, como exemplos, as respostas de P2, P5, P11 e P12. Para sustentar suas respostas, as estudantes P2 e P12 citam a cena que ocorre no início do filme, descrita anteriormente, na Sequência 2 (00:03:53,544). O diálogo está transcrito no Material Suplementar 1 Apêndice 1. . Na cena, Marie Curie invade uma reunião na Faculdade de Ciências de Paris, a qual é conduzida por Gabriel Lippmann, nomeado Professor de Física Matemática da Faculdade de Ciências de Paris em 1883. Após três anos, ele se tornou professor de Física Experimental e foi nomeado Diretor do Laboratório de Pesquisa.

Outras duas cenas são citadas nas respostas de P2, P5 e P9. Uma delas é a que Pierre informa a Marie que o trabalho deles estava concorrendo ao Prêmio Nobel, pela descoberta da Radioatividade, mas somente o nome dele era mencionado na honraria (ver Sequência 5 (00:42:45,835) e Material Suplementar 1 Apêndice 1. ).

A outra cena mencionada é aquela em Marie está em casa, medindo a altura de suas filhas, e recebe um telegrama da Academia de Ciências da Suécia (ver Sequência 7 (01:20:14,119) e Material Suplementar 1 Apêndice 1. ).

Nessa mesma sequência 7, Marie viaja com Irène para Estocolmo para receber o seu segundo prêmio Nobel e é recebida na academia por um homem (ator), supostamente Arrhenius, embora o filme não especifique quem seja (ver transcrição do diálogo no Material Suplementar 1 Apêndice 1. ).

Quinn [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).] relata que a Academia Francesa de Ciências apenas apresentava e publicava pesquisas de seus membros, entre os quais não se incluíam, naquele momento, Pierre e Marie. Além disso, a academia não aceitava mulheres, o que “…dificultava ainda mais a circulação dos manuscritos. Era difícil fazer alguém apresentar um trabalho de mulher” [3737. S. Quinn, Marie Curie – uma vida (Scipione, São Paulo, 1997).]. Podemos afirmar que, o fato de ser mulher era um obstáculo adicional para Marie, o que dificultava a divulgação dos resultados de seus estudos.

Adentramos em mais questionamentos sobre aspectos da NDC ao perguntarmos qual relação os estudantes estabeleciam entre o desenvolvimento da ciência e o contexto político-social retratado no filme. Com essa questão esperamos que eles manifestassem a interferência da Primeira Guerra Mundial na vida da cientista e a participação dela nesse conflito. As respostas (P2, P4, P5, P10 e P11) mostram que os alunos estabeleceram relação entre o contexto político-social e o desenvolvimento de aplicações da ciência para fins médicos. P2 e P4 apontam o fato de Marie e Ìrene participarem na frente de batalha. Essa constatação é evidenciada numa sequência de cenas. A primeira é aquele em que Írene leva a mãe a um hospital para ver soldados que tiveram membros amputados (ver Sequência 8 (01:24:44,958) e Material Suplementar 1 Apêndice 1. ).

A segunda é aquela (Sequência 10 (01:31:44,296) e Material Suplementar 1 Apêndice 1. ) em que Marie vai até o Ministro Sênior da Ciência (Lippmann) pedir recursos financeiros para montar unidades móveis de Raios-X, apelidadas de Petites Curies (Pequenas Curies).

A terceira é aquela em que Marie vai, junto com Ìrene, até o Ministro da Guerra solicitar patrocínio e oferece suas medalhas do Nobel como garantia (Material Suplementar 1 Apêndice 1. ). É de conhecimento que o exército francês não financiou as unidades móveis de Curie. A ajuda para a construção do primeiro carro veio da União das Mulheres da França. Para os demais, Marie pediu doações para mulheres francesas ricas.

Diferentemente de P2 e P4, que mencionam o desenvolvimento de aplicações da ciência para fins médicos, o estudante P5 destaca que o avanço da ciência proporcionou a produção de armas que foram utilizadas na segunda grande guerra, para bombardear cidades japonesas. De maneira semelhante, P11 ressalta o desenvolvimento de armas de guerra, mencionando a cena que reproduz o teste nuclear realizado em Nevada, nos Estados Unidos. Como já exposto, Radioactive rememora três acontecimentos históricos que marcaram a humanidade: o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, em 1945; o teste nuclear subterrâneo ocorrido em Nevada, em 1961 e; o acidente nuclear de Chernobyl ocorrido em 1986.

Em continuidade, os estudantes deveriam manifestar suas visões acerca do funcionamento/desenvolvimento da ciência.

Pérez e colaboradores [6262. D.G. Pérez, I.F. Montoro, J.C. Alís, A. Cachapuz e J. Praia,Ciência Educ. 7, 125 (2001).] enumeram um conjunto de visões deformadas sobre o trabalho científico presentes no imaginário de professores, entre as quais estão:

  • (a)

    visão empírico-indutivista e ateórica

    É uma concepção que destaca o papel “neutro” da observação e da experimentação (não influenciadas por ideias apriorísticas), esquecendo o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo.

  • (b)

    visão rígida (algorítmica, exata, infalível, …)

    Apresenta-se o “método científico” como um conjunto de etapas a seguir mecanicamente. Por outro lado, destaca-se o que se supõe ser um tratamento quantitativo, controle rigoroso etc., esquecendo – ou, inclusive, recusando – tudo o que se refere a‘ criatividade, ao carácter tentativo, a‘ dúvida.

  • (c)

    visão aproblemática e ahistórica (portanto, dogmática e fechada)

    Transmitem-se os conhecimentos já elaborados, sem mostrar os problemas que lhe deram origem, qual foi a sua evolução, as dificuldades encontradas etc., e não dando igualmente a conhecer as limitações do conhecimento científico atual nem as perspectivas que, entretanto, se abrem.

  • (d)

    visão exclusivamente analítica

    Destaca a necessária divisão parcelar dos estudos, o seu carácter limitado, simplificador. Porém, esquece os esforços posteriores de unificação e de construção de corpos coerentes de conhecimentos cada vez mais amplos, ou o tratamento de “problemas-ponte” entre diferentes campos de conhecimento que podem chegar a unificar-se, como já se verificou tantas vezes e que a História da Ciência evidencia.

  • (e)

    visão acumulativa de crescimento linear

    O desenvolvimento científico aparece como fruto de um crescimento linear, puramente acumulativo.

  • (f)

    visão individualista e elitista

    Os conhecimentos científicos aparecem como obras de gênios isolados, ignorando-se o papel do trabalho coletivo e cooperativo, dos intercâmbios entre equipes … Em particular faz-se crer que os resultados obtidos por um só cientista ou equipe podem ser suficientes para verificar, confirmando ou refutando, uma hipótese ou toda uma teoria.

  • (g)

    visão socialmente neutra da ciência

    Esquecem-se as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS) e proporciona-se uma imagem deformada dos cientistas como seres “acima do bem e do mal”, fechados em torres de marfim e alheios a‘ necessidade de fazer opções.

Os autores destacam a importância da detecção dessas visões deformadas, para que os professores se tornem conscientes e modifiquem suas concepções epistemológicas acerca da natureza da ciência e da construção do conhecimento científico. Nos parece significativo que isso ocorra na formação de professores. Diante disso, por meio das respostas dos estudantes (P2, P3, P4, P6, P8, P12 e P13), procuramos evidenciar possíveis visões deformadas acerca do funcionamento da ciência. As respostas indicam que os estudantes reconhecem a ciência como um empreendimento coletivo, feita com investimento financeiro e humano (P4), influenciada pelo contexto social (P2, P8) e cultural (P4), usada para diferentes fins (P4). Podemos inferir que os estudantes não manifestaram, ao menos em suas respostas, visões deformadas do trabalho científico. Pensamos que as cenas de Radioactive e, principalmente, o debate ocorrido e as leituras realizadas tenham colaborado para tanto.

Passamos a apresentar os resultados do segundo eixo, o qual é centrado nos aspectos relativos ao ensino das Radiações Ionizantes e da Radioatividade na formação de professores de física. Perguntamos aos estudantes se identificaram na fala dos personagens referência aos efeitos dos Raios-X e ao fenômeno da Radioatividade. Eles deveriam mencionar quais e comentar/justificar as respostas. Perguntamos, ainda, o que podemos inferir sobre a Radioatividade após assistir o filme. Com essas questões, buscamos indícios de entendimento dos Raios-X e compreensão do fenômeno da Radioatividade pelos estudantes.

As respostas dadas permitem inferir que os estudantes centram suas respostas nas aplicações dos raios-x, bem como seus efeitos no corpo humano (P4, P8, P9, P10 e P12). Por outro lado, estudantes com maior comprometimento acadêmico e/ou com maior atenção nas cenas do filme, parecem responder as questões mais detalhadamente, é o caso, por exemplo, dos estudantes P2, P4, P9 e P12, os quais expressaram a radioatividade de diferentes maneiras, como destacado nas citações.

Na segunda pergunta, questionamos se havia relação dos assuntos abordados no filme com conteúdos que os estudantes estudaram em disciplinas da graduação. Eles deveriam mencionar quais conteúdos e as disciplinas em que eles estão presentes ou foram discutidos. Ainda, deveriam manifestar possíveis diferenças na maneira como os assuntos foram apresentados no curso de graduação e na obra cinematográfica. Objetivamos com essa questão conhecer se os assuntos abordados no filme eram familiares aos estudantes e a maneira pela qual eles foram discutidos na formação inicial.

A leitura das respostas (P2, P3, P4, P5, P6, P10, P11 e P12) indica que os assuntos presentes no filme (conceituais e históricos) parecem ser pouco explorados ou abordados de maneira sucinta nas disciplinas da graduação cursadas pelos estudantes. Quando são ensinados, os assuntos ficam restritos as disciplinas de História da Física e Física Moderna 1.

As respostas dadas pelos estudantes nos remetem para a questão posta por Monteiro e colaboradores [6363. M.A. Monteiro, R. Nardi e J.B.B. Filho, em: Ensino Ciências eMatemática, I temas sobre a formação professores, editado por R.Nardi (Fundação Editora da UNESP, São Paulo, 2009).]. Ao apresentarem as dificuldades de um grupo de professores em introduzir a física do século 20 no ensino médio, os autores questionam se cursos de formação de professores de Física estão trabalhando a física do século 20 em uma perspectiva que possibilite introduzi-la na educação básica [6363. M.A. Monteiro, R. Nardi e J.B.B. Filho, em: Ensino Ciências eMatemática, I temas sobre a formação professores, editado por R.Nardi (Fundação Editora da UNESP, São Paulo, 2009).].

Além da Física do século 20, podemos destacar a dificuldade de se colocar em prática de sala de aula a inclusão de aspectos históricos e filosóficos da ciência [6464. A.M.P. Carvalho e A.I. Vannucchi, Sci. Educ. 9, 427 (2000).], e a principal razão para esta dificuldade parece estar na formação do professor [6565. M.R. Matthews, Science teaching: the role of history and philosophyof science. Philos. Educ. Res. Libr (Routledge, Abingdon, 1994).].

Vale a pena destacar que na estrutura curricular em que os respondentes estão inseridos existe a disciplina intitulada “Radiações e Radioproteção”, explicitada por P6. No entanto, ela é optativa para a licenciatura e obrigatória para o Bacharelado, como destacou P5. Dos 14 respondentes, 3 optaram por cursar a referida disciplina, entre os quais P2, P5 e P6.

Os estudantes reconhecem a diferença entre a abordagem utilizada na obra fílmica, para inserir os assuntos, e a maneira pela qual eles foram tratados na graduação. As respostas indicam predominância de abordagem focada no formalismo conceitual e matemático na graduação e histórica na obra fílmica. No entanto, apenas P3 destacou a “liberdade poética” dos filmes e o cuidado que devemos ter com esses, sendo necessário a clareza das “diferenças entre fatos históricos e eventos dramatúrgicos incluídos nos filmes”.

Com as últimas duas questões, estamos interessados em conhecer as percepções dos estudantes sobre a utilização do filme para fins didáticos. Perguntamos para eles qual é o valor pedagógico do filme, ou seja, se consideram que ele pode ser utilizado para ensinar física. Além disso, os estudantes deveriam dissertar sobre os aspectos usualmente não abordados no Ensino de Física e contemplados pelo filme que na percepção deles seriam bastante pertinentes em aulas de Física no Ensino Médio.

Com essa questão, esperávamos que os alunos manifestassem as potencialidades e limitações do filme enquanto recurso didático. Ainda, manifestassem a pertinência da inserção de conteúdos da Física do século 20 na educação básica e destacassem a abordagem histórica como possibilidade de inserção.

Os estudantes (P2, P3, P4, P5, P8 e P12) manifestaram concordância no uso do filme para fins didáticos, com destaque para alguns elementos, entre eles: a) o cuidado com cenas fantasiosas e erros históricos apresentados ao longo da obra; b) a importância do debate de questões de gênero, pouco presentes em livros e no contexto escolar e; c) a necessidade de expandir o debate acerca das ciências por meio da contextualização histórica, social, econômica e política, buscando evidenciar a natureza da ciência.

Gallagher [6666. J.J. Gallagher, Sci. Educ. 75, 121 (1991).] argumenta que a escola e os veículos de comunicação desempenham importante papel na construção do imaginário da população acerca da ciência e de sua natureza. Para esse autor

Embora o papel da mídia, especialmente da televisão, na formação da imagem pública da ciência possa ser muito importante, são as escolas que têm a oportunidade de influenciar a imagem da ciência de todos os nossos cidadãos, uma vez que todos os jovens são obrigados a se matricular em ciência durante os anos do ensino fundamental e médio. (p. 121)

Pensamos que Radioactive pode exercer influência na formação de imagens sobre a ciência e sua natureza por cinéfilos e pelo público em geral. Todavia, compete à escola gerar discussões que visem a formação de imagens não deformadas do trabalho científico. As discussões podem ocorrer por meio de episódios históricos, como exposto por Silva e Moura [5555. C.C. Silva, B.A. Moura, Rev. Bras. Ensino Física 30, 1602.1 (2008).].

“O estudo de episódios históricos pode oferecer uma ampla discussão sobre o processo de construção e divulgação de determinadas teorias científicas, suas influências sobre a sociedade da época e a sua eventual rejeição, o que mostra que a natureza da ciência não é simples e tampouco de fácil entendimento, mas rica em detalhes e extremamente fascinante aos olhos de quem a vê (p. 1602–9).

O enredo de Radioactive pode ser um dos caminhos para introduzir discussões sobre conteúdos de Física Moderna e acerca de elementos da NDC em sala de aula. Contudo, devemos ter cautela quanto ao uso de filmes nessas discussões. Essa constatação foi percebida e pontuada pelos estudantes participantes de nosso estudo.

4. Considerações Finais

Radioactive não foge à regra de filmes similares, genericamente classificados como biopic. Para atender ao limite de tempo de projeção e a requisitos cenográficos, alguns elementos da história são sacrificados na narrativa ficcional. Em se tratando do uso desses filmes como recurso pedagógico, é imperativo que algumas precauções sejam consideradas, dependendo do nível de fidelidade do filme aos fatos históricos. No caso de fidelidade em alto grau, a utilização do filme poderá nortear uma discussão mais tranquila e imediata do contexto histórico tratado na obra ficcional. Por outro lado, quando a narrativa ficcional se afasta muito ou mesmo deturpa os registros históricos, o professor deve orientar a discussão do filme no sentido de desmistificar a narrativa ficcional. Um exemplo desse processo é apresentado na seção A história que o filme não conta . No presente estudo, o filme foi utilizado para analisarmos, por meio da percepção de alunos de licenciatura em física, o seu uso como recurso didático na inserção de discussões referes a alguns aspectos sociológicos da atividade científica, aspectos da natureza da ciência e aderência da narrativa ao conteúdo de disciplinas ofertadas aos estudantes.

A questão de gênero na ciência presente na obra fílmica foi destacada por alguns alunos, no que se refere à sub-representação das mulheres. Para alguns, de modo similar ao que acontece nos dias atuais, enquanto para outros a situação atual é melhor do que àquela enfrentada por Marie Curie. No que se refere ao contexto sócio-político, os alunos destacaram o fato de que Marie e Irène participaram da Primeira Guerra Mundial, inclusive na frente de batalha. Também estabeleceram o nexo em função das aplicações médicas. Um dos alunos destacou o fato de que a descoberta da radioatividade resultou na produção da bomba utilizada na Segunda Guerra Mundial.

Na percepção dos 16 alunos, é pouca a aderência do filme aos conteúdos vistos em disciplinas do curso, De acordo com esses alunos, o tema é eventualmente abordado nas disciplinas de física moderna e história da física. Apenas um aluno destacou a liberdade poética dos filmes e o cuidado que devemos ter com esses, sendo necessário a clareza das diferenças entre fatos históricos e eventos dramatúrgicos incluídos nos filmes .

Quanto à utilização do filme para fins didáticos, a percepção dos alunos é que se trata de um recurso potencialmente útil, desde que se leve em consideração a contextualização da obra no cenário dos registros históricos.

Consideramos que nosso estudo pode auxiliar professores de física, em atividade docente e em formação inicial, quando do uso de Radioactive na discussão de aspectos da história da ciência e da radioatividade.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online

Apêndice 1.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2021
  • Revisado
    05 Mar 2021
  • Aceito
    12 Mar 2021
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