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Complexidade* * Enquanto esse artigo é escrito e revisado o mundo é assolado pela pandemia COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019) que já causou milhões de mortes e infecções no globo e já deixa centenas de milhares de mortos no Brasil, sendo as pessoas pobres, negras, indígenas e mulheres as mais afetadas no País. Como variados fenômenos em Astrofísica, a COVID-19 é o exemplo mais atual de “complexidade”, de evento crítico, nesse momento da história e das ciências no mundo. em Astronomia e Astrofísica

Complexity in Astronomy and Astrophysics

Resumos

A Astronomia e a Astrofísica, em sinergia à Física e à Cosmologia Moderna e Contemporânea, têm como principal objetivo entender, por meio de métodos matemáticos, computacionais e observacionais, os processos (astro)físicos fundamentais relacionados à descrição cinemática, à evolução dinâmica, temporal e química de diferentes objetos celestes — planetas, estrelas, galáxias, aglomerados de galáxias, entre outros — e, ultimamente, a formação, constituição e evolução do Universo. Diferentemente de outras ciências básicas, os objetos astrofísicos, com raríssimas exceções, são extraterrestres, o que por si só, do ponto de vista prático, caracteriza a Astrofísica como uma ciência complexa. Discutimos no presente artigo o conceito de complexidade e fenômenos considerados bastante complicados e intrincados que têm demandado novas e desafiadoras abordagens teóricas e metodológicas à Astronomia e à Astrofísica, as quais seguem entre algumas das mais fascinantes ciências básicas do século XXI.

Palavras-chave
Complexidade; Astronomia e Astrofísica; caos; entropia; modelagem


Astronomy and Astrophysics, in synergy with Physics and Modern and Contemporary Cosmology, have as main goal to understand, by means of mathematical, computational and observational methods, the fundamental astro-physical processes related to the description of the kinematic, dynamic, temporal and chemical evolution of different celestial objects — planets, stars, galaxies, clusters of galaxies, among others — and, lately, the formation, constitution and evolution of the Universe. Unlike other basic sciences, astrophysical objects, with very rare exceptions, are extraterrestrial, which in itself, from a practical point of view, characterises Astrophysics as a complex science. We discuss in this article the concept of complexity and phenomena considered complicated and intricate that have demanded new and challenging theoretical and methodological approaches in Astronomy and Astrophysics, which are among some of the most fascinating basic sciences of the 21st century.

Keywords
Complexity; Astronomy and Astrophysics; chaos; entropy; modeling


1. Introdução

Entre as mais fascinantes das ciências básicas, a Astronomia e a Astrofísica têm o Cosmos como seu principal laboratório.O “céu estrelado” tem fascinado, há milênios, todas as civilizações que passaram pela Terra, as quais procuraram e têm procurado desenvolver diferentes maneiras de organizá-lo e decifrá-lo por meio de variadas perspectivas filosóficas, teóricas e metodológicas, alterando, ao longo de milênios, as nossas percepções acerca do Universo [11. L.A.P. Martins, Ciência & Educação 11, 305 (2005)., 22. R.A. Martins, O Universo: teorias sobre sua origem e evolução (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2012).]. Essas mudanças paradigmáticas [33. T. Kuhn, A estrutura das revoluções científicas (EditoraPerspectiva, São Paulo, 1988).] de percepção do “mundo” e de re(construção) de distintos modelos cosmológicos ao longo da história têm sido, elas mesmas, marcas indeléveis da “complexidade” em Astronomia e Astrofísica.

Ainda em uma contextualização histórica, argumentamos que Galileu Galilei (1564–1642) — quem primeiro usou o telescópio em 1609 com fins astronômicos, o que é visto como um evento crucial na História da Ciência e, marcadamente, na História da Astronomia — é um personagem fundamental1 1 Vale ressaltar que nesse texto interpretamos a ciência como uma construção coletiva. E, nesse sentido, destacamos que Galileu não é o único cientista por trás do contexto de mudanças científicas-filosóficas-culturais na Europa do século XVII, mas é, certamente, um dos mais importantes, principalmente para a Astronomia. Copérnico (1473–1543) foi de alguma forma o primeiro a descrever teoricamente o heliocentrismo (ideia já presente na Grécia) no livro Das revolu ções das esferas celestes (1543) , que fez uso do Urdi Lemma desenvolvido no século XIII para o Mu’ayyad al-Din al-’Urdi, o primeiro dos astrônomos Maragha a desenvolver um modelo não Ptolomaico das órbitas dos planetas [4, 5]. Galileu sempre se inspirou nas teorias de Copérnico, mas nunca teve interesse nos modelos de órbitas elípticas de Kepler (1609–1619). As teorias copernicanas, de fato, seguiam a crença da época de que todos os movimentos celestes deveriam corresponder a um movimento circular uniforme, mostrando novamente a complexidade do diálogo entre pensamento racional e paradigma científico aceito pela sociedade, até para pensadores inovadores como Galileu. Além disso, é importante destacar a contribuição de Francis Bacon (1561–1626) na Inglaterra e René Descartes (1596–1650) na França para a Revolução Científica europeia. para o que aqui discutimos como “complexidade na Astronomia e Astrofísica”. E isso se deve principalmente ao fato de que os desdobramentos intelectuais de Galileu, materializados por proposições teóricas e observações sistemáticas que desbancaram modelos secularmente enraizados, representam, em primeira aproximação no século XVII, a transição do mundo das “coisas simples” para o estado de “coisas complexas”.2 2 Não queremos dizer aqui que, com essa transição, a ciência moderna é um aprimoramento da ciência antiga.

Nos séculos XVIII e XIX, vale frisar, os estudos da Astronomia estiveram ainda muito limitados à medida do tempo, das posições e movimentos (variação da posição com o tempo) dos objetos astronômicos mais brilhantes no céu. Foi a partir das observações astronômicas de Galileu, por meio do telescópio, que novas possibilidades teórico-metodológicas se fizeram possível na Astronomia (e na Ciência Moderna) no que concerne a descrição espaço-temporal, cinemática, dinâmica e constitutiva dos objetos celestes. Além disso, como dado em seu Discursos e demonstrações matemáticas em torno de duas novas ciências (1638), foi também Galileu quem incorporou a matemática como uma ferramenta importante na análise dos fenômenos naturais, a qual também desenvolve papel fundamental na caracterização de “sistemas complexos” em ciências.

Formulada pelo físico inglês Isaac Newton (1643–1727) em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687), a Teoria da Gravitação Newtoniana3 3 Segundo a Lei da Gravitação Universal, todas as partículas de matéria no Universo são governadas por uma lei de força (F) que implica na atração dessas partículas na razão direta de suas massas (m1 e m2) e na razão inversa do quadrado de suas distâncias (R2) mútuas: F = Gm1m2/R2, onde G é a constante de gravitação (G = 6,67 10−11 m2kg−2). é, certamente, a Teoria Fundamental da Astronomia. Antes disso, os movimentos dos corpos celestes eram justificados seguindo os princípios filosóficos para o movimento do filósofo grego Aristóteles (385–323 A.C.), para o qual todos os corpos se moviam em direção ao seu lugar natural: por exemplo o fumo, uma substância muito parecida com o ar, tenderia a subir para se juntar com este elemento.4 4 Durante a Idade Média, século XIV, foi desenvolvido o conceito de impetum , baseado nas ideias do filósofo grego Hiparco, pelo polímata persa Avicena e o filósofo francês Jean Buridan (1301–1358). Segundo esta teoria um objeto lançado continua o seu movimento por algo interno, chamado ímpeto. Este movimento seria perpétuo se o objeto não tivesse uma tendência a alcançar o seu lugar natural no Universo. Newton mostrou que é possível fazer previsões quantitativas a partir de leis físicas bem definidas, consolidando o paradigma cartesiano. As Leis de Newton, base da Astronomia, são então descritas por meio de equações diferenciais.5 5 Definidas em Matemática como equações cujas incógnitas são uma função que aparece na equação sob a forma das respectivas derivadas, ou seja, especificam funções a partir da análise de sua taxa de variação. Dessa forma, diferentes condições iniciais aplicadas a uma equação universal podem levar a completamente diferentes trajetórias do sistema estudado. As Leis de Newton mostram como a estrutura matemática da ciência transforma a “complexidade” do Universo Aristotélico em um Universo elegantemente descrito por equações.

A Astrofísica, no entanto, um dos ramos mais promissores da Astronomia, surge apenas no final do século XIX, no âmbito do que significou o uso da Fotometria (como consequência do desenvolvimento da fotografia) e da Espectroscopia na determinação de parâmetros estelares fundamentais, embora não se possa também subestimar o impacto que o desenvolvimento de telescópios refratores e refletores nos séculos XIX e XX teve na Astronomia [66. K. Oliveira e M.F. Saraiva, Astronomia &Astrofísica (Livraria da Física, São Paulo, 2015)., 77. J. Binney, Astrophysics: a very short introduction (Oxford UniversityPress, Oxford, 2016).]. De fato, embalada por motivações científicas que se estenderam para além da descrição de quantidades físicas relacionadas à determinação da posição (onde) ou de demarcação do tempo (quando) dos objetos celestes, a Astrofísica consolida-se no século XX como uma ciência de fronteira, altamente atrelada à Física e à Cosmologia, passando a sistematizar a aplicação de leis da Física para descrever a origem, evolução, composição, distância e movimento de planetas, estrelas, galáxias e aglomerados de galáxias e, concomitantemente, entender como a radiação eletromagnética interage com a matéria, inaugurando também, na contemporaneidade, outras janelas de observação [88. A. Alves-Brito e N.T. Massoni, Astrofísica para a EducaçãoBásica: a origem dos elementos químicos no Universo (Editora Appris, Curitiba, 2019)., 99. LIGO Scientific Collaboration and Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. Atualmente a Astrofísica tem forte viés observacional, computacional e de simulação numérica, sendo responsável pela captação de uma grande quantidade de dados por noite (até milhares de trilhões de bytes), envolvendo massivos mapeamentos do céu de diferentes objetos astrofísicos, em diferentes faixas do espectro eletromagnético, que estão revolucionando nossa compreensão da natureza da Via Láctea e da formação e evolução de galáxias em geral [1010. I. Željko, T.C. Beers e J. Mario, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 50, 251 (2012).].

Consequentemente, não é exagero dizer que a Astrofísica Teórica, Observacional e Computacional revelam-se cruciais para o estudo, desenvolvimento e estabelecimento dos fundamentos da Cosmologia Científica Moderna e Contemporânea [66. K. Oliveira e M.F. Saraiva, Astronomia &Astrofísica (Livraria da Física, São Paulo, 2015)., 1111. R. Souza, Introdução à Cosmologia (Editora daUniversidade de São Paulo, São Paulo, 2019).], a qual tem forte viés observacional, computacional e estatístico, amparada por observações astrofísicas. De fato, o surgimento das estruturas no Universo é comumente considerado um dos fenômenos mais complexos da Natureza [1212. V. Springel, S.D.M. White, A. Jenkins, C.S. Frenk, N. Yoshida, L. Gao, J.Navarro, R. Thacker, D. Croton, J. Helly et al., Nature 435, 629 (2005)., 1313. M. Vogelsberger, S. Genel, V. Springel, P. Torrey, D. Sijacki, D. Xu, G.Snyder, S. Bird, D. Nelson e L. Hernquist, Nature 509, 177 (2014)., 1414. T. Naab e J.P. Ostriker, ARAA 55, (2017).]. Além disso, muitos sistemas físicos estudados em Astrofísica são complicados,o que é diferente de complexo, envolvendo inúmeros processos (astro)físicos que operam num grande intervalo de escalas físicas e temporais, ou seja, sistemas descritos de maneira direta e limitada por um conjunto de equações não lineares, o que nos impede, em primeira aproximação, de tratá-los como sistemas simples. Isso implica em dizer que quase todos os grandes problemas dinâmicos da Astrofísica Contemporânea, sobretudo aqueles ligados à cosmologia, formação e evolução química de galáxias, formação e dinâmica de sistemas galácticos e planetários, entre outros, exigem cálculos massivos de simulação numérica e computacional, que envolvem matemática, um vasto conjunto de observação e processamento de dados e aplicação de leis físicas, o que caracteriza, parcialmente nesse artigo, a expressão sistemas complexos.

De fato, as Teorias da Informação [1515. M. Prokopenko, F. Boschetti e A.J. Ryan, Complexity 15, (2009).] sugerem que nem todos os sistemas cuja evolução é complicada de calcular ou prever devem ser considerados verdadeiramente complexos no sentido físico. Processos puramente aleatórios são, por definição, quase impossíveis de ser estudados (ou ter suas propriedades previstas) em detalhes mas, no sentido estatístico, acabam sendo relativamente fáceis de serem tratados.

Embora não haja consenso sobre a melhor maneira de definir complexidade [1616. P.W. Anderson, Phys. Today 44, 9 (1991).], no presente texto enfatizamos que o termo é usado em sentido duplo: primeiro, associado à descrição de sistemas complexos, ligado ao conceito de caos e entropia,6 6 O conceito de entropia está relacionado à descrição do estado de equilíbrio estatístico de um sistema, o qual corresponde à partição mais provável (probabilidade) do sistema estudado. A Lei da Entropia, ou Segunda Lei da Termodinâmica, diz que os processos que t êm maior probabilidade de ocorrer num sistema isolado s ão aqueles em que a entropia aumenta ou permanece constante . ou seja, descrito por interações específicas e dependentes do tempo, que manifestam com frequência comportamento diversificado, não trivial e não esperado; e, segundo, também usado como sinônimo dos fenômenos que são bastante complicados, intrincados entre si, e que têm demandado novas abordagens teóricas, observacionais e experimentais para responder muitas das perguntas desafiadoras impostas pela Astrofísica Moderna e Contemporânea. Um verdadeiro fenômeno complexo requer uma quantidade significativa de informações para prever sua evolução no espaço de configuração, mesmo do ponto de vista de seu tratamento estatístico. E, nesse sentido, a imprevisibilidade é uma de suas características mais importantes, visto que sistemas complexos são previsíveis a curto prazo, mas não a longo prazo. E, como sabemos, as escalas de tempo são cruciais no entendimento dos fenômenos astrofísicos [1717. O. Regev Astrophysics, Chaos and Complexity, in: Encyclopedia of Complexity and Systems Science (Springer, Nova York, 2009)., 1818. G. Schueler, J Wash Acad Sci. 84, 3 (1996)., 1919. J. dos Anjos e C.L. Vieira, Um olhar para o futuro – desafios dafísica para o século 21 (FAPERJ, Rio de Janeiro, 2008).].

Em outras palavras, a “complexidade em Astronomia e Astrofísica” que abordamos no presente texto está também relacionada à forma como essa ciência de fronteira se relaciona hoje com a Matemática, com a Computação (coleta e análise de grande volume de dados e desenvolvimento de complexos sistemas de informação), com a Engenharia (por meio da construção de telescópios e desenvolvimento de instrumentação de qualidade), com a Química e tantas outras disciplinas das Ciências Naturais e Humanas (Figura 1) com o objetivo de responder algumas das perguntas mais fundamentais da Ciência Moderna e Contemporânea: como o Universo se formou, se constitui e evolui? Como as primeiras estrelas e galáxias se formaram? O que é a vida no contexto cósmico? Estamos sozinhos no Universo? Para onde vamos?

Figura 1
Astronomia e suas relações com outras áreas do conhecimento científico e tecnológico. Créditos: Office of Astronomy for Development/International Astronomical Union.

Numa abordagem introdutória e de revisão, com foco em estudantes de graduação e pós-graduação acadêmica e profissional, o nosso principal objetivo neste artigo é definir complexidade e trazer alguns exemplos de como esta é tratada na Astrofísica Moderna e Contemporânea. Como veremos posteriormente, o grande paradigma da Astrofísica é desvendar de que é feito 95% do Universo (matéria e energia escuras) e descrever processos astrofísicos em torno dos aproximadamente 5% conhecidos (matéria bariônica: mas ver [2020. J.M. Shull, B.D. Smith e C.W. Danforth, ApJ 759, 23 (2012).], que propõem que 30% da matéria bariônica é ainda desconhecido). As respostas a esses grandes enigmas exigem tratamentos (astro)físicos e desenvolvimento de metodologias estratégicas no âmbito dos sistemas complexos.

2. Complexidade

Em termos semânticos, a palavra complexusquer dizer, do Latim, “aquilo que está ligado ou tecido em conjunto”. No quotidiano, complexo torna-se sinônimo de complicado, ou seja, “aquilo que está à espera de simplificação”. Não há, até o presente momento, uma definição única, consensual, sobre complexidade. Como bem apresentado em [2121. N.T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fis. 30, 2 (2008).], coube ao físico-químico ganhador do Prêmio Nobel de Química 1977, Ilya Prigogine (1917–2003), uma inovadora interpretação de conceitos como tempo, caos e instabilidade. Descrevendo esses conceitos como fontes de ordem e desordem, Prigogine materializou uma “ciência em evolução”, cujos sistemas estáveis em Física passaram a ser considerados casos especiais de uma dinâmica estendida, sistemas estes distintos daqueles apresentados pelos casos clássicos (não baseados em trajetórias individuais) ou quânticos (funções de onda) até então conhecidos mas, alternativamente, descritos completamente por meio de uma formulação estatística. Em outras palavras, o estabelecimento de métodos estatísticos é fundamental para se estudar sistemas complexos na formulação de Prigogine.

O filósofo e sociólogo francês Edgar Morin analisa as circunstâncias da definição de complexidade da seguinte forma:

“A problemática da complexidade ainda é marginal no pensamento científico, no pensamento epistemológico e no pensamento filosófico. Quando vocês examinam os grandes debates da epistemologia anglo-saxônica entre Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, Hanson, Holton etc., vêem que eles tratam da racionalidade, da cientificidade, da não-cientificidade e não tratam da complexidade; e os bons discípulos franceses desses filósofos, vendo que a complexidade não está nos tratados de seus mestres, concluem que a complexidade não existe. […] Acontece que o problema da complexidade não é o da completude, mas o da incompletude do conhecimento. Num sentido, o pensamento complexo tenta dar conta daquilo em que os tipos de pensamento mutilante se desfaz, excluindo o que eu chamo de simplificadores […]. Por exemplo, se tentamos pensar no fato de que somos seres ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais, é evidente que a complexidade é aquilo que tenta conceber a articulação, a identidade e a diferença de todos esses aspectos, enquanto o pensamento simplificante separa esses diferentes aspectos, ou unifica-os por uma redução mutilante. Portanto, nesse sentido, é evidente que a ambição da complexidade é prestar contas das articulações despedaçadas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento. […] Dito isso, ao aspirar a multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta em seu interior um princípio de incompletude e de incerteza. Os trabalhos de Prigogine mostraram que estruturas turbilhonárias coerentes podiam nascer de perturbações que aparentemente deveriam ser resolvidas com turbulência. Entendemos que é nesse sentido que emerge o problema de uma relação misteriosa entre a ordem, a desordem e a organização. […]” (22, p. 175)22. E. Morin, Ciência em consciência (Bertrand Brasil, SãoPaulo, 2005)..

Do ponto de vista teórico, caos é um conceito puramente matemático. Em termos espaciais, o caos pode ser materializado por meio dos fractais [2323. T.A. Assis, J.G.V. Miranda, F.B. Mota, R.F.S. Andrade e C.M.C. Castilho, Rev.Bras. Ens. Fis. 30, 2304.1 (2008).]; temporalmente, pode ser descrito por meio de sistemas dinâmicos, ou seja, sistemas cujas configurações são capazes de mudar com o tempo. Esses sistemas, tão comuns em Astrofísica, são formados por variáveis e equações de movimento (equações dinâmicas). As variáveis, por sua vez, exprimem entidades que podem variar com o tempo, podendo ser múltiplas ou únicas, contínuas ou discretas. A escolha se baseia sempre na ideia de que o conhecimento completo de todas as variáveis é capaz de determinar exclusivamente, e ao mesmo tempo, o “estado” do sistema. O conjunto de todos os estados possíveis do sistema definirá um “espaço de fase”, cujos estados, em um instante de tempo próximo, serão calculados pelas “equações de movimento” a partir de um conjunto de “condições iniciais” ou “condições de contorno”.

Conforme discutido por [2424. G. Parisi, Physica A 263, 557 (1999).], um sistema é dito complexo se o seu comportamento depende fortemente dos detalhes envolvidos, numa descrição autoconsistente dos fenômenos naturais estudados. Um “sistema complexo”, por definição, consiste de muitos componentes em interação que, embora exibindo comportamentos físicos relevantes, não são consequência da interação entre suas várias componentes, e deverá seguir algumas características fundamentais: (i) os seus constituintes deverão interagir de maneira não linear e (ii) ser interdependentes; (iii) um sistema complexo deverá possuir uma estrutura que abrange várias escalas (iv) e deverá ser capaz de realizar comportamento emergente (teoria dos sistemas: o todo é mais do que a soma das partes) que, combinado à estrutura, leva à auto-organização; (v) o sistema complexo deverá também envolver uma interação entre caos e não caos e, por fim, (vi) envolverá uma interação entre cooperação e competição.

De forma ilustrativa, podemos entender complexidade recorrendo a um exemplo clássico do dia a dia em que podemos dispor, por exemplo, de bolinhas azuis e verdes em um vaso transparente de forma a organizar as bolinhas azuis abaixo das verdes. Nesse caso, o sistema “bolas azuis-verdes bem separadas” caracteriza-se como um estado de baixa entropia, já que podemos, em cada uma de suas partes, misturar “bolinhas azuis com bolinhas azuis” ou “bolinhas verdes com bolinhas verdes” sem alterar as propriedades do sistema substancialmente. Podemos também perturbar um pouco esse sistema, colocando, por exemplo, algumas bolinhas azuis na parte verde e vice-versa. Nesse caso, o sistema é classificado ainda como simples, pois poderemos separar bem as poucas bolinhas intrusas em cada uma das partes do sistema. No entanto, se procedermos com uma mistura mais radical das bolinhas coloridas, todo o sistema tenderá a uma complexidade em que será difícil separar, individualmente, as bolinhas de forma a resgatarmos o sistema original (bolinhas “azuis e verdes” bem separadas), até perder completamente a memória do estado inicial, onde as bolinhas azuis estavam abaixo das bolinhas verdes. Mesmo assim, embora possamos dizer que essa nova configuração do sistema alcançou alto grau de entropia, todo ele deve ainda ser tratado como um sistema simples (bolinhas do mesmo tamanho, num sistema isolado e sem interações). A Figura 2 sintetiza, para poucas dimensões (2 níveis), a ideia de complexidade:

Figura 2
Diagrama de Agregação adaptado e traduzido de [2525. S.E. Page, Annu Rev Sociol 41, 21 (2015).], sintetizando a ideia de como um sistema pode se estabelecer em estado de equilíbrio para então formar padrões, exibir complexidade e/ou até mesmo algum outro tipo de propriedade sem qualquer estrutura.

Nota-se, da Figura 2, que num determinado instante do diagrama um conjunto de agentes de nível micro (ant: fenômenos físicos, sociológicos, etc) realiza ações (canto inferior esquerdo), as quais se agregam para produzir fenômenos em níveis mais elevados (Ant). É interessante notar que os níveis macros podem produzir sua própria dinâmica no sistema e, do ponto de vista da definição de sistemas complexos, macro e micro podem essencialmente diferir um do outro, já que diferentemente dos sistemas simples, os sistemas complexos não normatizam sobre quais serão os tipos de fenômenos micro e macro que irão se desenvolver (25, para uma discussão completa)25. S.E. Page, Annu Rev Sociol 41, 21 (2015)..

3. Complexidade em Astrofísica

A Astrofísica Moderna e Contemporânea, como um ramo fundamental da Astronomia, trabalha em sinergia com a Física e a Cosmologia. E, nesse sentido, a especificação das condições iniciais dos problemas estudados bem como o conhecimento detalhado dos seus processos físicos em cada fase da evolução dos sistemas são aspectos cruciais que precisam ser considerados no estudo da complexidade em Astrofísica.

Nos últimos anos a área tem experimentado notável avanço devido sobretudo ao grande volume de dados obtidos por telescópios (acoplados a diferentes instrumentos) localizados em terra ou no espaço que têm fornecido uma grande quantidade de informação astrofísica que precisa ser processada, ano após ano, rapidamente. Se, por um lado, algoritmos combinados com arquiteturas de análise big data7 7 Embora a definição varie ao longo do tempo, big data representam conjuntos de dados cujos tamanhos (volume, velocidade e variedade) estão além da capacidade que ferramentas típicas de software de bancos de dados têm para capturá-los, armazená-los, gerenciá-los e analisá-los. [2626. Y. Zhang e Y. Zhao, Data Sci J, 14, 11 (2015).] tornam-se cada vez mais necessários no processo de produção de conhecimento em Astrofísica, por outro lado os processos físicos nos diferentes ambientes astrofísicos estudados também são complexos, complicados e/ou intrincados. De fato, de aglomerados de estrelas a aglomeração de galáxias, o Universo apresenta uma variedade de padrões e comportamentos complexos, cujas simulações requerem processamento computacional de interações não lineares, que devem levar em conta um grande número de elementos ligados como, por exemplo, as enormes escalas envolvidas em que se precisa resolver desde centenas de Mega (106) parsec quadrados (dimensão típica de um volume cosmológico, em que 1 parsec vale aproximadamente 3,086×1016 metros) até poucos parsec quadrados (característicos dos aglomerados globulares). Dessa forma, um dos desafios da Astrofísica Moderna é criar simulações capazes de abranger estas dimensões em um tempo inferior à idade do Universo (13,8 bilhões de anos). Mais do que isso, essas ferramentas computacionais devem ser capazes de nos permitir inferir sobre as condições iniciais e os processos físicos associados em cada fenômeno estudado que, por sua vez, nos ajudam a construir modelos capazes de prever as propriedades detalhadas de amostras representativas dos variados objetos/fenômenos estudados, modelos esses que precisam ser testados.

3.1. Tratamento físico-matemático

De maneira geral, os processos físicos mais importantes da Astrofísica são descritos por um conjunto de equações diferenciais parciais, capazes de descrever uma variedade de processos. Um sistema dinamicamente complexo frequentemente emerge de um conjunto limitado de condições iniciais e leis físicas que são aparentemente simples [2727. J.B. Glattfelder, A Universe Built of Information (Springer, Cham, 2019).]. E, nesse sentido, a Astrofísica não é uma exceção.

  • Equações Euler/Navier-Stokes para um gás:

Um plasma é, por definição, um gás em que pelo menos alguns átomos aparecem divididos em íons (positivamente) e elétrons (negativamente) carregados. Grande parte da matéria no Universo existe na forma de plasma. As equações Euler/Navier-Stokes para um gás são equações hiperbólicas de conservação para a dinâmica de um fluído, ou seja, ajudam a descrever como as variáveis dinâmicas densidade (ρ), temperatura (T) e velocidade (v) variam em todos os pontos de um dado volume com o tempo:

(1) ρ / t + ( ρ v ) = 0
(2) ( / t ) ( ρ v ) + ( ρ vv T + P ) = Π
(3) ( / t ) ( ρ e ) + [ ( ρ e + P ) v ] = ( Π v )

A equação (1) é conhecida como equação da continuidade, enquanto as equações (2) e (3) são conhecidas como Euler/Navier-Stokes.

  • Equação de Vlasov para matéria escura “não colisional” ou Sistema Poisson/Vlasov:

Estas equações surgem devido às dificuldades em se obter soluções realísticas para, por exemplo, sistemas não colisionais de estrelas. Se tratarmos, por exemplo, a função distribuição f(x,v) ao longo de uma trajetória à medida que esta varia com o tempo e, mais importante, se o Hamiltoniano for da forma H(x, v), teremos:

(4) d f / d t = f / t + ( f / x ) v + ( f / v ) ( φ / x )
(5) 2 φ ( x , t ) = 4 π G f ( x , v , t ) d v ,

em que φ(x, t) é, por exemplo, o potencial gravitacional de uma dada estrela num ponto x, com velocidade v. A equação de Poisson/Vlasov, também conhecida como equação não colisional de Boltzmann, representa uma teoria cinética que pode ser utilizada para estudar a evolução do sistema gravitacional de N-corpos gerado, baseada na hipótese de ser um sistema não colisional. Esta pressuposição possibilita substituir o estudo do movimento de N-corpos no seu potencial pelo estudo do movimento de uma partícula “teste” no potencial gerado do ‘fluído’, o qual é representado pela aproximação contínua (não colisional) do sistema de N-corpos. Define-se problema de N-corpos o estudo da evolução dinâmica de um sistema de N objetos (planetas, estrelas…) de uma certa massa m. Na formulação Newtoniana, as equações do movimento de cada um dos N objetos, em um sistema de referência inercial, são:

(6) d x / d t = v i
(7) d v i / d t = - 1 m i U x i
(8) U = - G 2 i , j = 1 ; j i N m i m j x i - x j ,

para i = 1,…,N, onde m, x, e v são a massa, a posição e velocidade de cada objeto; U é a energia potencial e ||x|| é a norma euclidiana; G é a constante de gravitação universal (mais detalhes são dados na Seção 3.6 3.6. Caos e complexidade nos sistemasgravitacionais O estudo das interações gravitacionais mútuas de objetos celestes, com uma determinada massa m, é um dos problemas mais complexos da Astrofísica. Aplica-se à descrição da formação e dinâmica do Sistema Solar [42] e das estrelas em associações ou aglomerações ou, mais geralmente, em galáxias. Conhecido como problema de N-corpos, trata-se ainda de um campo de pesquisa em evolução, desde 1895, com os estudos do matemático francês Paul Painlevé (1863–1933). O problema dos N-corpos abrange vários problemas astrofísicos como o sistema Terra-Lua (N = 2 corpos), o Sistema Solar (N < 10 corpos) e sistemas estelares (N > 10 corpos). O problema de N-corpos é um sistema de equações diferenciais ordinárias que, para N ≥ 3, não tem solução geral (para condições iniciais aleatórias) no sentido de que a solução não pode ser reduzida a 6N-1 integrações independentes.19 Cada partícula (objeto, estrela, planeta) de um modelo de N-corpos representa um elemento no espaço de fases (3 dimensões para as posições e 3 para as velocidades). Uma lei de conservação (como a lei de conservação do momento angular ou da energia) é uma quantidade que fica constante na órbita e produz uma variedade20 no espaço de fases. Se um sistema tem duas leis de conservação independentes, elas produzem duas variedades e a órbita é então definida na intersecção das mesmas. Em um problema de N-corpos com N-1 leis de conservação, a intersecção entre as variedades identifica a solução como um sistema que é integrável. Enquanto o problema de 2-corpos é integrável porque tem 6 (x,y,z,vx,vy,vz)×2 corpos = 12 dimensões e 11 leis de conservação, a variedade do problema de 3-corpos tem 8 dimensões, já que 3 corpos tem 6×3 = 18 dimensões e 10 leis de conservação. Embora geralmente os problemas dinâmicos não tenham leis suficientes de conservação para resultar integráveis, isso não quer dizer que não haja uma órbita definida; ela apenas não é intersecção das variedades. No problema de 2-corpos, o centro de massa dos dois objetos segue um movimento linear e uniforme e, o momento angular e a energia do sistema, se conservam. A órbita relativa do objeto 1, com massa m1 e posição x1, e do objeto 2, com massa m2 e posição x2, pode ser escrita como: (18) μ ⁢ d 2 ⁢ r ¯ d ⁢ t = - G ⁢ m 1 ⁢ m 2 r 3 ⁢ r ¯ , onde μ é a massa reduzida do sistema e r a distância entre os dois objetos. Este problema tem solução analítica, em que há 3 métodos de solução para a equação (18): o método da força, da energia e de Lenz-Laplace [43, 44]. Os problemas dos N < 10 corpos são geralmente resolvidos no âmbito da dinâmica celeste e utilizam métodos perturbativos. O desenvolvimento da função perturbadora é um dos problemas mais complicados em Astrofísica (Mecânica Celeste Clássica), geralmente resolvido por meio de cálculos computacionais [45, 46, 47]. Quando no problema de N-corpos “N” é um número muito grande, maior que 105 (sistemas estelares e aglomerados de galáxias), ele passa a ser um problema de dinâmica estelar, tratado como um sistema contínuo através da mecânica estatística. Aqui é importante entender que nos sistemas gravitacionais as colisões diretas (como de duas bolas de sinuca que se chocam) são altamente improváveis e as colisões podem ser descritas como encontros, ou colisões de longo alcance, que causam uma pequena variação da velocidade de um objecto com respeito à sua velocidade inicial, como discutido sucessivamente no texto. A complexidade na Astrofísica aqui aparece também na necessidade de adaptar os conceitos da teoria mecânica, newtoniana, que estuda a evolução da órbita de cada estrela sob o efeito de uma força, no estudo de uma teoria cinética que trata a evolução do sistema como um todo [48]. Com isso em mente, para ter uma ideia das ordens de grandeza dos objetos celestes considerados (estrelas, aglomerados globulares, galáxias), podemos calcular a probabilidade de duas estrelas chocarem em uma galáxia. Considerando um sistema com um número N de estrelas distribuído homogeneamente numa esfera de raio r, a seção de choque para o impacto de duas estrelas é: (19) σ * = 4 ⁢ π ⁢ R s ⁢ o ⁢ l 2 Onde Rsol = 7×1010 cm é o raio do Sol e, cada estrela, resulta associada a um volume eficaz na forma: (20) N ⁢ λ g ⁢ σ * = 4 ⁢ π 3 ⁢ r 3 ou (21) λ g 2 ⁢ r = ( r R s ⁢ o ⁢ l ) 2 ⁢ 1 6 ⁢ N em que a quantidade λg é uma estimativa do livre caminho médio de uma estrela, ou seja, o caminho que esta pode percorrer dentro do sistema sem se chocar21 com uma outra estrela. Para uma galáxia elíptica temos valores típicos de N = 1011, r = 104 pc (raio da galaxia) e λg2⁢r∼1011: uma estrela deveria percorrer 1011 vezes a galáxia antes de colidir com uma outra estrela. Sendo que uma estrela demora centenas de milhões de anos para cruzar a galáxia, o tempo necessário para este hipotético encontro acontecer seria muito maior que a idade do Universo, o que nos leva a concluir que podemos excluir choques entre estrelas numa galáxia elíptica (resultados similares se obtém para galáxias espirais e aglomerados globulares). Como precedentemente dito, nos sistemas gravitacionais as colisões são conservativas e de longo alcance e a dinâmica estelar estuda o processo de difusão decorrente dessas “colisões” [48, 49]. A escala de tempo para que o processo difusivo leve o sistema ao equilíbrio (quando as estrelas “esquecem” suas velocidades iniciais) é da ordem de: (22) t e ⁢ q t c ⁢ r ∼ 0.1 ⁢ N l ⁢ n ⁢ ( N ) , onde teq é o momento em que o sistema alcança o equilíbrio, tcr é o tempo de cruzamento e N o número de estrelas. Para aglomerados globulares tcr∼106 anos e N ∼ 105 estrelas, o que resulta teq∼109 anos. A idade dos aglomerados globulares é estimada como sendo da ordem de 1010 anos: as iterações dois-a-dois são importantes e o sistema pode ser considerado colisional. No caso das galáxias, tcr∼108 anos, N ∼1011 estrelas e teq∼1017 anos, o que nos leva a concluir que as galáxias não tiveram tempo de relaxar levando em conta a idade do Universo e, portanto, são sistemas não colisionais. Isso permite descrever a evolução da função distribuição de uma estrela através da equação de Poisson-Vlasov, como explicado na Seção 3.1. Cada estrela interage com todas as outras em cada instante, produzindo coletivamente um campo médio ϕ⁢(r¯,t). É preciso, nesse caso, utilizar métodos matemáticos para encontrar a solução, como o método “dos momentos”, conhecido historicamente como as equações de Jeans [44, 48, 49]. Alternativamente é possível utilizar simulações de alta resolução de N-corpos, que podem também incorporar a dinâmica do gás à dinâmica estelar. Existem um número variado de simulações desse tipo publicamente disponíveis na literatura [50]. O agrupamento de galáxias nessas simulações é determinado por uma combinação de efeitos (expansão do espaço, condições iniciais, propriedades da matéria escura e da gravitação), o que torna muito difícil a compreensão da influência de cada uma dessas propriedades no tempo [51] estudaram as condições iniciais e finais de simulações N-corpos baseadas em modelos CDM e encontraram que estas simulações desenvolvem estruturas fractais independentemente de uma vasta escolha de condições iniciais e parâmetros cosmológicos. A natureza fractal do agrupamento de galáxias precisa de novos métodos e conceitos teóricos desenvolvidos na área da física estatística e complexidade. Além disso, trabalhos inovadores que buscam compreender a relação entre entropia e dinâmica estelar mostram que a equação de Vlasov não é válida durante a relaxação violenta, que a irreversibilidade temporal expressa pelo aumento da entropia não é devido à presença de caos, mas ao fato de que qualquer sistema gravitacional (na verdade qualquer sistema físico) é composto de um número finito de partículas (ou estrelas) [52, 53, 54]. Interpretar fisicamente as simulações criadas com o auxílio de supercomputadores é, talvez, uma das grandes complicações da Astrofísica Moderna. E, para completar, gostaríamos também de destacar que recentemente [55] o estudo das formas, espaçamentos e orientações das órbitas para sistemas exoplanetários têm tido destaque em Astrofísica. Temos hoje mais de 4 mil planetas catalogados fora do Sistema Solar, cujo conhecimento atual sobre sua ocorrência ao redor de outras estrelas, distâncias orbitais, excentricidades, espaçamentos orbitais, inclinações mútuas em sistemas multiplanetários, orientação do eixo de rotação da estrela hospedeira bem como as propriedades dos planetas em sistemas estelares binários têm sido investigados. Há um futuro promissor para a Astrofísica no que tange o estudo detalhado das altas excentricidades, dos planetas retrógrados detectados e de seus sistemas caóticos, bem como aspectos químio-dinâmicos da atmosfera desses planetas. ).

  • Equações de Transferência Radiativa:

Se a matéria está presente, então, de forma geral, a intensidade específica (Iν), ou seja, a energia por unidade de área e por unidade de tempo que está sendo emitida pela fonte, em um intervalo de freqüências, também muda ao longo da profundidade óptica, ou seja, a distância para a qual a intensidade decai de um fator “e”:

(9) I ν ( s ) = I ν ( s o ) exp [ s o s α ν ( s ) d s ] ,

em que Iν e αν são, respectivamente, a intensidade e o coeficiente de absorção num caminho ótico de s a so.

  • Magnetohidrodinâmica

O papel do campo magnético nos processos astrofísicos é um dos temas mais interessantes (e complexos) em Astronomia. A magnetohidrodinâmica é a parte da Astrofísica que estuda a evolução do campo magnético e do movimento de fluidos condutores, tais como os plasmas. A sua equação principal é dada por:

(10) v / t + ( v . ) v = F 1 / ρ ( P + ( B 2 ) / ( 2 μ o ) + ( ( B . ) B ) / ( μ o ρ ) ,

em que além das variáveis já conhecidas, inclui-se os campos elétricos e magnéticos, E(x,t) e B(x,t), respectivamente, a força eletromagnética F e a constante de permeabilidade magnética (μo).

  • Relatividade Geral:

A equação do campo de Einstein descreve como o espaço-tempo se curva pela matéria e, reciprocamente, como a matéria é influenciada pela curvatura do espaço-tempo, ou seja, como a curvatura cria a gravidade:

(11) G μ ν = ( 8 π G / c 4 ) T μ ν

onde Gμν é o tensor curvatura de Einstein e Tμν é o tensor energia-momento.

Além dessas equações básicas, a Astrofísica também trabalha com equações “complicadas” no âmbito do tratamento de evolução química [88. A. Alves-Brito e N.T. Massoni, Astrofísica para a EducaçãoBásica: a origem dos elementos químicos no Universo (Editora Appris, Curitiba, 2019)., 2828. W. Maciel, Fundamentos de Evolução Química daGaláxia (IAG/USP, São Paulo, 2020).], que não é, até o presente momento, uma teoria bem estabelecida como, por exemplo, a teoria de evolução estelar [2929. W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e EvoluçãoEstelar (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999).]. Com raras exceções (problema de 2 corpos, por exemplo), as equações (1) a (8) não têm soluções simples, precisando de auxílio computacional e ajustes observacionais.

Além disso, é importante destacar que muitos dos fenômenos em Astrofísica podem ser aproximados por “leis de potência”,8 8 De fato, devido às limitações impostas pelo Teorema Central do Limite, os sistemas complexos raramente são representados por estatísticas gaussianas. Matematicamente, o Teorema Central do Limite, ou Teorema Fundamental da Probabilidade e Estatística, remete-nos à convergência de soma de variáveis aleatórias no contexto de uma distribuição normal. as quais estão, em última análise, relacionadas a mudanças de fases ou estados críticos, onde um sistema de muitos corpos evolui de um estado de auto-organização para um estado completamente diferente. Com frequência, denominamos esses estados de complexos, os quais indicam padrões de auto-organização na evolução da complexidade. Uma “lei de potência” é uma relação matemática específica em que uma propriedade observável de um sistema, isto é, N(p), escrita em termos de uma variável p, pode ser escrita da seguinte forma:

(12) N ( p ) p k

A propriedade observável N(p) é proporcional a k-ésima potência de p. N(p) pode ser o número de objetos no sistema com uma propriedade de valor p ou qualquer outra relação entre propriedades mensuráveis como, por exemplo, a correlação entre dois objetos separados. Na prática, uma lei de potência é muito útil porque ela obedece ao princípio de autossimilaridade9 9 Elementos em que a mesma forma se repete sucessivamente em escalas cada vez menores. e invariância de escala. Parte da complexidade na Astronomia e Astrofísica emerge exatamente do tratamento matemático dos dados empíricos: como escolher entre vários modelos o que melhor representa a realidade, remarcando a importância dos erros de medidas, para definir a confiança do modelo (hipótese) escolhido, levando novamente em conta que o objeto astrofísico está muito longe, a anos-luz de distância do observador. Novamente, aparece aí o aspecto dual da complexidade nos sistemas e métodos de estudo em Astronomia e Astrofísica.

3.2. Cosmologia

A Cosmologia Moderna e Contemporânea [1111. R. Souza, Introdução à Cosmologia (Editora daUniversidade de São Paulo, São Paulo, 2019).], em sinergia com a Astrofísica, trabalha sob a hipótese do Princípio Cosmológico, isto é, o Universo é espacialmente homogêneo e isotrópico,10 10 Dizemos que o Universo é homogêneo quando feito da mesma substância, invariante por translação; e isotrópico quando é igual em todas as direções, invariante por rotação. e sua estrutura espaço-temporal obtida por sua massa, descrita no âmbito da Teoria da Relatividade Geral. A Figura 3 sumariza a História Térmica do Universo, ou seja, os principais processos físicos e astrofísicos, no âmbito do Modelo Cosmológico Padrão [ΛCDM-Lambda Cold Dark Matter11 11 Composição do Universo: matéria bariônica (ΩB = 0.05: elementos químicos da tabela periódica), matéria escura (ΩM = 0.27) e energia escura (ΩΛ = 0.68). : [66. K. Oliveira e M.F. Saraiva, Astronomia &Astrofísica (Livraria da Física, São Paulo, 2015)., 1212. V. Springel, S.D.M. White, A. Jenkins, C.S. Frenk, N. Yoshida, L. Gao, J.Navarro, R. Thacker, D. Croton, J. Helly et al., Nature 435, 629 (2005).], que explicam como nosso universo começou, há 13,8 bilhões de anos, em um plasma denso, quente e homogêneo, com flutuações quânticas de lugar para lugar e, desde então, numa evolução não linear, galáxias, estrelas, planetas e pessoas se formaram e/ou têm sido formados (8, para uma revisão recente)8. A. Alves-Brito e N.T. Massoni, Astrofísica para a EducaçãoBásica: a origem dos elementos químicos no Universo (Editora Appris, Curitiba, 2019)..

Figura 3
História Térmica do Universo. Créditos: NASA.

De maneira didática, podemos dividir temporalmente a História Térmica do Universo em dois grandes momentos: o Domínio da Radiação, que se estende do momento inicial t = 0 s (Big Bang) até 380 mil anos após o Big Bang e o Domínio da Matéria, compreendido entre 380 mil anos após o Big Bang(Recombinação, momento em que a Radiação Cósmica de Fundo, RCF, é originada) até os nossos dias. Nesse período, o Universo variou de um estado de simplicidade para um estado de complexidade, chegando a formar superestruturas ligadas gravitacionalmente e, a cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, a vida como a conhecemos. Mas como essas estruturas surgiram?

A evolução do Universo pode ser prevista a partir das equações de campo de Relatividade Geral, partindo do pressuposto de que a métrica do espaço-tempo, gαβ, é homogênea e isotrópica, gαβ = diag(−1,a2δij), em que “a” é o fator de escala e depende apenas do tempo (por simplificação, assume-se espaço plano). A dinâmica de “a” é dada por

(13) H 2 [ ( d a / d t ) / a ] 2 = [ ( 8 π G ) / 3 ] ρ ¯ ,

em que ρ¯ é a densidade média do Universo.

Evidências atuais sugerem que o Universo (estrutura complexa) emergiu de uma hierarquia de processos interconectados, onde vários mecanismos como, por exemplo, a expansão do espaço-tempo, a gravidade, a hidrodinâmica, processos radiativos e de gases químicos (ver Seção 3.1 3.1. Tratamento físico-matemático De maneira geral, os processos físicos mais importantes da Astrofísica são descritos por um conjunto de equações diferenciais parciais, capazes de descrever uma variedade de processos. Um sistema dinamicamente complexo frequentemente emerge de um conjunto limitado de condições iniciais e leis físicas que são aparentemente simples [27]. E, nesse sentido, a Astrofísica não é uma exceção. • Equações Euler/Navier-Stokes para um gás: Um plasma é, por definição, um gás em que pelo menos alguns átomos aparecem divididos em íons (positivamente) e elétrons (negativamente) carregados. Grande parte da matéria no Universo existe na forma de plasma. As equações Euler/Navier-Stokes para um gás são equações hiperbólicas de conservação para a dinâmica de um fluído, ou seja, ajudam a descrever como as variáveis dinâmicas densidade (ρ), temperatura (T) e velocidade (v) variam em todos os pontos de um dado volume com o tempo: (1) ∂ ⁡ ρ / ∂ ⁡ t + ∇ ⁡ ( ρ ⁢ v ) = 0 (2) ( ∂ / ∂ ⁡ t ) ⁢ ( ρ ⁢ v ) + ∇ ⁡ ( ρ ⁢ vv T + P ) = ∇ ⁡ Π (3) ( ∂ / ∂ ⁡ t ) ⁢ ( ρ ⁢ e ) + ∇ ⁡ [ ( ρ ⁢ e + P ) ⁢ v ] = ∇ ⁡ ( Π ⁢ v ) A equação (1) é conhecida como equação da continuidade, enquanto as equações (2) e (3) são conhecidas como Euler/Navier-Stokes. • Equação de Vlasov para matéria escura “não colisional” ou Sistema Poisson/Vlasov: Estas equações surgem devido às dificuldades em se obter soluções realísticas para, por exemplo, sistemas não colisionais de estrelas. Se tratarmos, por exemplo, a função distribuição f(x,v) ao longo de uma trajetória à medida que esta varia com o tempo e, mais importante, se o Hamiltoniano for da forma H(x, v), teremos: (4) d f / d t = ∂ f / ∂ t + ( ∂ f / ∂ x ) ⋅ v + ( ∂ f / ∂ v ) ⋅ ( − ∂ φ / ∂ x ) (5) ∇ 2 φ ( x , t ) = 4 π G ∫ f ( x , v , t ) d v , em que φ(x, t) é, por exemplo, o potencial gravitacional de uma dada estrela num ponto x, com velocidade v. A equação de Poisson/Vlasov, também conhecida como equação não colisional de Boltzmann, representa uma teoria cinética que pode ser utilizada para estudar a evolução do sistema gravitacional de N-corpos gerado, baseada na hipótese de ser um sistema não colisional. Esta pressuposição possibilita substituir o estudo do movimento de N-corpos no seu potencial pelo estudo do movimento de uma partícula “teste” no potencial gerado do ‘fluído’, o qual é representado pela aproximação contínua (não colisional) do sistema de N-corpos. Define-se problema de N-corpos o estudo da evolução dinâmica de um sistema de N objetos (planetas, estrelas…) de uma certa massa m. Na formulação Newtoniana, as equações do movimento de cada um dos N objetos, em um sistema de referência inercial, são: (6) d ⁢ x / d ⁢ t = v i (7) d ⁢ v i / d ⁢ t = - 1 m i ⁢ ∂ ⁡ U ∂ ⁡ x i (8) U = - G 2 ⁢ ∑ i , j = 1 ; j ≠ i N m i ⁢ m j ∥ x i - x j ∥ , para i = 1,…,N, onde m, x, e v são a massa, a posição e velocidade de cada objeto; U é a energia potencial e ||x|| é a norma euclidiana; G é a constante de gravitação universal (mais detalhes são dados na Seção 3.6). • Equações de Transferência Radiativa: Se a matéria está presente, então, de forma geral, a intensidade específica (Iν), ou seja, a energia por unidade de área e por unidade de tempo que está sendo emitida pela fonte, em um intervalo de freqüências, também muda ao longo da profundidade óptica, ou seja, a distância para a qual a intensidade decai de um fator “e”: (9) I ν ( s ) = I ν ( s o ) exp [ − ∫ s o s α ν ( s ′ ) d s ′ ] , em que Iν e αν são, respectivamente, a intensidade e o coeficiente de absorção num caminho ótico de s a so. • Magnetohidrodinâmica O papel do campo magnético nos processos astrofísicos é um dos temas mais interessantes (e complexos) em Astronomia. A magnetohidrodinâmica é a parte da Astrofísica que estuda a evolução do campo magnético e do movimento de fluidos condutores, tais como os plasmas. A sua equação principal é dada por: (10) ∂ v / ∂ t + ( v . ∇ ) v = F − 1 / ρ ∇ ( P + ( B 2 ) / ( 2 μ o ) + ( ( B . ∇ ) B ) / ( μ o ρ ) , em que além das variáveis já conhecidas, inclui-se os campos elétricos e magnéticos, E(x,t) e B(x,t), respectivamente, a força eletromagnética F e a constante de permeabilidade magnética (μo). • Relatividade Geral: A equação do campo de Einstein descreve como o espaço-tempo se curva pela matéria e, reciprocamente, como a matéria é influenciada pela curvatura do espaço-tempo, ou seja, como a curvatura cria a gravidade: (11) G μ ⁢ ν = ( 8 ⁢ π ⁢ G / c 4 ) ⁢ T μ ⁢ ν onde Gμν é o tensor curvatura de Einstein e Tμν é o tensor energia-momento. Além dessas equações básicas, a Astrofísica também trabalha com equações “complicadas” no âmbito do tratamento de evolução química [8, 28], que não é, até o presente momento, uma teoria bem estabelecida como, por exemplo, a teoria de evolução estelar [29]. Com raras exceções (problema de 2 corpos, por exemplo), as equações (1) a (8) não têm soluções simples, precisando de auxílio computacional e ajustes observacionais. Além disso, é importante destacar que muitos dos fenômenos em Astrofísica podem ser aproximados por “leis de potência”,8 as quais estão, em última análise, relacionadas a mudanças de fases ou estados críticos, onde um sistema de muitos corpos evolui de um estado de auto-organização para um estado completamente diferente. Com frequência, denominamos esses estados de complexos, os quais indicam padrões de auto-organização na evolução da complexidade. Uma “lei de potência” é uma relação matemática específica em que uma propriedade observável de um sistema, isto é, N(p), escrita em termos de uma variável p, pode ser escrita da seguinte forma: (12) N ⁢ ( p ) ∝ p k A propriedade observável N(p) é proporcional a k-ésima potência de p. N(p) pode ser o número de objetos no sistema com uma propriedade de valor p ou qualquer outra relação entre propriedades mensuráveis como, por exemplo, a correlação entre dois objetos separados. Na prática, uma lei de potência é muito útil porque ela obedece ao princípio de autossimilaridade9 e invariância de escala. Parte da complexidade na Astronomia e Astrofísica emerge exatamente do tratamento matemático dos dados empíricos: como escolher entre vários modelos o que melhor representa a realidade, remarcando a importância dos erros de medidas, para definir a confiança do modelo (hipótese) escolhido, levando novamente em conta que o objeto astrofísico está muito longe, a anos-luz de distância do observador. Novamente, aparece aí o aspecto dual da complexidade nos sistemas e métodos de estudo em Astronomia e Astrofísica. ), se acoplaram de uma forma não linear, regulando o fluxo de energia através de escalas que, por sua vez, levou à formação de vazios cósmicos, filamentos, galáxias e aglomerados de galáxias [1212. V. Springel, S.D.M. White, A. Jenkins, C.S. Frenk, N. Yoshida, L. Gao, J.Navarro, R. Thacker, D. Croton, J. Helly et al., Nature 435, 629 (2005)., 1313. M. Vogelsberger, S. Genel, V. Springel, P. Torrey, D. Sijacki, D. Xu, G.Snyder, S. Bird, D. Nelson e L. Hernquist, Nature 509, 177 (2014)., 3030. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020).]. Mas como a complexidade se desenvolveu no Cosmos? Quais são as leis da complexidade e o que as causam? Estas são perguntas sem respostas até o presente momento.

Sabemos, por exemplo, que, por alguma razão, o Universo se auto-organizou numa grande variação de escalas e sem intervenção externa, passando pela transição de um ambiente extremamente homogêneo (altas temperaturas e densidades na singularidade do Big Bang), em que variações/flutuações de densidade, ρ/ρ¯10-5, ocorrem num espaço-tempo que se resfria à medida que se expande com o tempo, até um ambiente hierarquicamente mais complexo, com ρ/ρ¯104-105, numa escala de 106 parsec.

Como mostra a Figura 4, a solução das equações que governam a formação e evolução de estruturas no Universo exigem soluções complicadas e só podem ser usadas quando δ≪1. No caso de problemas não lineares (δ≥1) o problema é contornado por aproximações. Quando o contraste de densidade inicial (ρ/ρ¯) entra no horizonte,12 12 Em cosmologia, o horizonte é definido como um dado local em que se tem a maior distância observável. Os fótons de eventos que aconteceram a uma distância superior ao horizonte não terão tempo suficiente de chegar ao observador. ele é menor que o comprimento de Jeans13 13 Na teoria de perturbação, o comprimento de Jeans é definido como RJ = cs(Gρ)−1/2, em que cs é a velocidade do som no meio, e representa o raio onde a energia térmica que causa a expansão da nuvem de gás é balanceada pela força gravitacional, que causa o colapso da nuvem. Consequentemente, uma perturbação de raio inferior ao raio de Jeans não pode colapsar e continua oscilando. para a matéria (bariônica e escura) na era da radiação, de forma que a perturbação passa a oscilar até o momento da equipartição da matéria (aeq). Neste momento, a matéria escura se torna a componente dominante e a perturbação de matéria escura volta a crescer. Sendo a matéria bariônica estritamente acoplada à radiação, ela não pode crescer e continua oscilando. Quando a matéria bariônica se separa da radiação (recombinação: arec) ela também volta a crescer e cai nos poços de potenciais criados pela matéria escura que, no entanto, cresce de um fator a/recaeq igual a ∼21ΩMh2, dando origem às estrelas e galáxias.14 14 O “little h” é definido como o parâmetro adimensional de Hubble, ou seja, quando a constante de Hubble Ho = 100 h kms−1Mpc−1. Nota-se, novamente, que as flutuações de densidade são leis de potência [3131. P. Coles e F. Lucchin, Cosmology: The Origin and Evolution of CosmicStructure, Second Edition (Wiley-VCH, Hoboken, 2002).].

Figura 4
Flutuações de densidade em função do tempo. Para maior clareza, as curvas estão deslocadas verticalmente. Créditos: figura retirada de [3030. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020).], com a autorização do autor.

Conforme discutido e bem apresentado em [3030. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020).], a existência de estruturas em grandes escalas e de vazios na distribuição de galáxias têm sido conhecidos em Astrofísica por décadas. No que tange a estatística de distribuição de galáxias, a relação entre essas estruturas é geralmente inferida aplicando uma análise estatística padrão introduzida e desenvolvida pelo cosmólogo James Peebles, ganhador do prêmio nobel de Física 2019. A análise assume implicitamente que a distribuição de galáxias é homogênea em uma escala muito pequena, de forma que o sistema seja caracterizado por apresentar pequenas flutuações sobre uma densidade média.

Na prática, se tivermos um sistema de N pontos distribuídos aleatoriamente em um volume V, a probabilidade de encontrar um ponto em um pequeno volume dV é dada por dP = n dV, onde n = N/V é a densidade numérica. A expressão dP = n2 dV1 dV2 nos dá a probabilidade dP de encontrar 2 objetos, cada um em um volume dV, independente da distância entre os dois volumes. Se houver aglomerações, a probabilidade passa a depender da separação entre os dois volumes do sistema. Resumidamente, a função de correlação de dois pontos, ξ(r), é o método usado para quantificar essas aglomerações:

(14) d P n 2 [ 1 + ξ ( r ) ] d 3 r 1 d 3 r 2

Para as posições projetadas, a equação (14) pode ser descrita como:

(15) d P n 2 [ 1 + ω ( θ ) ] d Ω 1 d Ω 2 ,

em que Ω1 e Ω2 são elementos de ângulos sólidos com separação angular θ.

Para galáxias, a função de correlação observada é descrita por:

(16) ξ ( r ) = ( r / r 0 ) - 1 , 8 ,

com r0 = 5 h−1Mpc, no intervalo de escalas entre ∼50 h–1kpc e ∼10 h–1Mpc. O comprimento de correlação (r0) é da ordem da distância típica entre galáxias espirais de campo. A complexidade aqui se encontra, também, em entender o porquê as galáxias de tipo tardio tendem a se aglomerar menos que as elípticas e lenticulares [3030. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020)., 3232. H. Mo, F. Van den Bosch e S. White, Galaxy Formation and Evolution (Cambridge University Press, Cambridge, 2010).].

A distância comóvel, ou seja, a distância entre dois eventos ou observadores em repouso em relação à expansão do Universo, será então dada por:

(17) R c z = c / H o 0 z d z / E ( z ) ; E 2 ( z ) ( z + 1 ) 2 ( 1 + Ω M z ) - z ( z + 2 ) Ω Λ ,

em que H(z)≡HoE(z) e, Ho, a constante de Hubble. A evolução dinâmica do Universo é determinada pela constante de Hubble e pelas densidades de matéria escura (ΩM) e energia escura (ΩΛ).

A Figura 5 mostra um exemplo de simulações15 15 Sabemos que em grandes escalas e interações de galáxias as simulações numéricas utilizam a Mecânica Newtoniana e não a Teoria da Relatividade Geral. Isso se deve ao fato de que nos domínios de campo gravitacional estes têm baixa intensidade ((potencial gravitacional)/c2≪1) e a matéria é não relativística (v/c ≪ 1), sendo “c” a velocidade da luz. contemporâneas com base num número grande de partículas, no contexto do Virgo Consortium [3333. A. Jenkins, C.S. Frenk, F.R. Pearce, P.A. Thomas, J.M. Colberg, S.D.M. White, H.M.P. Couchman, J.A. Peacock, G. Efstathiou e A.H. Nelson, ApJ 499, 20 (1998).], em que se nota que no cenário ΛCDM, os filamentos são mais bem definidos e os vazios são maiores a redshift z = 0, enquanto que no cenário SCDM (do inglês, Standard Cold Dark Matter, ou seja, Universo dominado por matéria escura fria), praticamente não há grandes estruturas em z = 3. Do ponto de vista da complexidade, para além do desconhecimento de todos os ingredientes físicos e processos que estão interconectados, a resolução das simulações numéricas é baixa, da ordem de dezenas de kpc, o que não permite resolver as galáxias ou estruturas menores. Além disto, cada simulação, com um modelo cosmológico diferente, necessita de dezenas de horas (nos menores casos) até meses de processamento em supercomputadores paralelos.

Figura 5
Simulação de dois diferentes cenários cosmológicos, ΛCDM (ΩΛ = 0,7, ΩM = 0,3, h = 0,7) e SCDM (ΩM = 1, h = 0,5), mostrados na época atual (z = 0) e em z=3. A profundidade da fatia do Universo nos painéis tem um décimo da largura. Cada simulação tem 2563 partículas. Créditos: figura retirada de [3333. A. Jenkins, C.S. Frenk, F.R. Pearce, P.A. Thomas, J.M. Colberg, S.D.M. White, H.M.P. Couchman, J.A. Peacock, G. Efstathiou e A.H. Nelson, ApJ 499, 20 (1998).], Virgo Consortium.

3.3. Aglomerados de galáxias

Sabemos que, do ponto de vista estatístico, sem as pequeníssimas flutuações de temperatura e densidade no espectro de potência da RCF, ou seja, na chamada superfície de último espalhamento que corresponde ao momento em que o Universo se torna transparente em relação à RCF, nós não existiríamos porque a formação de estruturas seria improvável. Quando analisado em detalhes, o espectro de potência da RCF nos alerta que flutuações de cerca de 10 minutos de arco correspondem a estruturas de ∼2,0 – 2,5 1014 Massas do Sol (1 Massa do Sol = 1,99 × 1030 kg), cuja escala de massa corresponde aos aglomerados de galáxias.

Os aglomerados de galáxias são as maiores estruturas gravitacionalmente ligadas no Universo e que seguem se formando hoje em dia. Em termos de massa, são constituídos principalmente de matéria escura (80–85% da massa total, obtida indiretamente), meio intra-aglomerado (plasma difuso) e galáxias (detectadas em diferentes faixas do espectro eletromagnético, correspondendo a 2–3% da massa total). Ao cair no intenso potencial gravitacional destes objetos, a matéria gasosa se choca e experimenta movimentos bastante turbulentos, comportamentos complexos estes que são modelados por meio de simulações numéricas avançadas. Com a ajuda de supercomputadores se pode estudar a formação e evolução destas estruturas, dissecando o surgimento de padrão complexo ao longo de seu caminho evolutivo (30, e referências lá citadas)30. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020)..

Vazza [3434. F. Vazza, Mon. Not. R. Astron. Soc 465, 4942 (2017).], em particular, mostra como a entropia da informação associada à flutuação de distintas variáveis, tanto no espaço quanto no tempo, é capaz de nos ajudar a medir o grau de complexidade dos diferentes componentes que formam os aglomerados de galáxias. Usando métodos estatísticos bem definidos em [1515. M. Prokopenko, F. Boschetti e A.J. Ryan, Complexity 15, (2009).], o autor consegue medir conteúdo de informação de simulações numéricas. No artigo, o autor estuda o surgimento de padrões evolutivos complexos com um símbolo estatístico de análise do fluxo de dados produzidos por simulações cosmológicas de última geração envolvendo a formação de aglomerados de galáxias. Ele mede quantos bits de informação são necessários para prever a evolução dos campos de energia de uma forma estatística, oferecendo uma maneira de quantificar quando, onde e como o gás cósmico se comporta de maneira complexa. O pesquisador conclui que a grande parte dos comportamentos complexos é encontrada nas regiões periféricas dos aglomerados de galáxias, onde fluxos supersônicos geram choques e grandes flutuações de energia ao longo de algumas dezenas de milhões de anos. O autor também demonstra que a evolução da energia magnética nos aglomerados estudados requer pelo menos duas vezes mais bits do que para os outros campos de energia. Além disso, ele verifica que quando o resfriamento radiativo e o feedback (ver Seção 3.4 3.4. Propriedades das galáxias O Telescópio Espacial Hubble (TEH) alterou completamente a nossa visão do Universo, sobretudo no que tange o estudo de galáxias. O Hubble Ultra Deep Field (HUDF, Figura 6), em particular, uma “foto” de um pedaço minúsculo do céu tirada em 2002 pelo TEH, tem sido revisitada várias vezes, desde então, para fornecer uma das imagens mais distantes do Universo observável que se tem em Astrofísica. O HUDF é também uma das imagens mais famosas da Astrofísica. Ela nos ajuda a estimar a existência de 200–400 bilhões de galáxias no Universo, as quais cobrem um conjunto variado de parâmetros que, por si só, dificultam a construção de uma teoria única capaz de explicar como as galáxias se formaram. Figura 6 Hubble Ultra Deep Field. Esse pequeno pedaço do céu mostra a variedade de galáxias em diferentes faixas do espectro eletromagnético, que nos ajudam a desvendar os detalhes da história de como as galáxias surgiram no Universo. Créditos: NASA. Do ponto de vista técnico, toda e qualquer teoria precisa explicar, da forma mais completa possível, como se dá a distribuição de probabilidades dos parâmetros galácticos principais. Entre eles destacam-se: morfologia, luminosidade, massa estelar, tamanho, brilho superficial, fração de gás, distribuição química, cores, efeitos ambientais, atividade nuclear e variação galáctica com redshift [13, 14, 32]. Para complicar ainda mais, muitos destes parâmetros estão estatisticamente correlacionados. É interessante notar que no Universo se encontram principalmente quatro tipos de galáxias de várias massas: espirais (com braços em forma de espiral), lenticulares (disco + bojo, sem braço espiral), elíptica (redonda) e irregulares. Por que o Universo criou estes tipos de galáxias e não um tipo só de muitas diferentes classes? Quais leis da física estão por trás disso e qual o papel da massa das galáxias e do ambiente onde se encontram em sua evolução? Sabemos que as galáxias a alto redshift têm formas irregulares, com clumps e alta formação estelar, mas como explicar essas propriedades? [14, 32]. Como mostra a Figura 7, o processo de formação de galáxias é complexo, envolvendo relações intrincadas que passam por processos de instabilidades gravitacionais, resfriamento/aquecimento do gás, campo magnético, trocas de massa e energia, entendimento da taxa de formação estelar e como esta depende de outros parâmetros e processos de fusão e feedback (explosões de supernovas, presença de buraco negro central e atividade nucelar galáctica). Além disso, é muito complexo/complicado descrever a evolução química e dinâmica de galáxias [35, 36], bem como se dá a síntese de suas populações estelares (número de estrelas, idade, metalicidade, massa, cinemática, luminosidade, cor e etc) em suas múltiplas dimensões [37]. As interações do meio interestelar [38] e intergaláctico [39] também são complexas de serem descritas e/ou modeladas. Todos esses processos acontecem em conjunto e/ou competem entre si em escalas variadas de tempo nem sempre fáceis de serem dimensionadas e contextualizadas — como, por exemplo, as escalas de tempo de Hubble (idade do Universo), dinâmico (tempo de queda livre), de resfriamento (razão entre as energias térmicas e das taxas de perdas do gás), de formação estelar (envolve os tempos típicos envolvidos nos processos de formação das estrelas), de enriquecimento químico (desde o nascimento até a morte das estrelas), de fusão (tempo de espera do halo até sua fusão com objeto similar) e de fricção dinâmica (por perda de energia, tempo relacionado ao espiralamento de um satélite ao centro do objeto companheiro). Figura 7 Processos de formação e evolução dos principais tipos galácticos no Universo. AGN corresponde a núcleos ativos de galáxias, que estão associados à presença de buracos negros supermassivos no centro de galáxias; starbursté relativo a intenso surto de formacão estelar. Créditos: figura traduzida de [32]. É também interessante notar que a complexidade de uma dada galáxia em estudo é também proporcional à sua vizinhança ao observador e, consequentemente, à variedade de observações e detalhes existentes. Por exemplo, a Via Láctea, nossa galáxia, apresenta uma população estelar no halo complexa devido provavelmente ao contínuo acréscimo de galáxias anãs próximas. Além disso, estudos apontam que existe migração estrelar no disco da Via Láctea e que tampouco conseguimos demonstrar se a Via Láctea tem um bojo clássico (formação rápida) ou um pseudo bojo (formação secular) ou de que forma essas duas propriedades acontecem ao mesmo tempo [35, 40]. Na medida em que novos telescópios e instrumentos nos permitem enxergar detalhes e aprimorar nosso entendimento das galáxias (Integrated Field Unit, Ultra Deep Data, etc), integrar todas essas propriedades em um único modelo químio-dinâmico das galáxias [36] levando em conta a quantidade sempre maior de observações é, com certeza, um dos grandes desafios da Astrofísica Extragaláctica. ) da formação da galáxia são considerados, o gás cósmico em geral duplica seu grau de complexidade.

De todo jeito, do ponto de vista da Astrofísica, a dificuldade de medida da “complexidade” em aglomerados de galáxias pode ser pensada levando-se em conta dois efeitos ambientais bem discutidos e conhecidos na literatura especializada [3030. G.B. Lima-Neto, Astronomia Extragaláctica e Cosmologia (IAG/USP, São Paulo, 2020).]:

  • (i)

    Efeitos do aglomerado nas galáxias: segregação morfológica (diferenças significativas entre o campo e os aglomerados: aglomerados ricos e regulares com mais galáxias elípticas e lenticulares enquanto os aglomerados pobres e irregulares apresentam mais galáxias espirais); relação densidade-morfologia (as galáxias elípticas e lenticulares se encontram especialmente na parte central do aglomerado); presença de galáxias gigantes cD (as maiores galáxias elípticas conhecidas); perda de gás nas galáxias espirais; efeito Butcher-Oemler (excesso de galáxias azuis em relação à esperada sequência vermelha das galáxias elípticas); efeito de maré (perda de estrelas menos gravitacionalmente ligadas).

  • (ii)

    Efeitos das galáxias no aglomerado: enriquecimento metálico16 16 Em Astrofísica, todos os elementos químicos naturais da tabela periódica mais pesados que H e He são denominados metais. Metalicidade é a computação de todos os metais num certo ambiente astrofísico. e aquecimento do meio intra-aglomerado; injeção de partículas relativísticas; luz difusa do intra-aglomerado; além dos efeitos de passagens e colisão pelo fato das galáxias estarem próximas umas às outras nos aglomerados.

3.4. Propriedades das galáxias

O Telescópio Espacial Hubble (TEH) alterou completamente a nossa visão do Universo, sobretudo no que tange o estudo de galáxias. O Hubble Ultra Deep Field (HUDF, Figura 6), em particular, uma “foto” de um pedaço minúsculo do céu tirada em 2002 pelo TEH, tem sido revisitada várias vezes, desde então, para fornecer uma das imagens mais distantes do Universo observável que se tem em Astrofísica. O HUDF é também uma das imagens mais famosas da Astrofísica. Ela nos ajuda a estimar a existência de 200–400 bilhões de galáxias no Universo, as quais cobrem um conjunto variado de parâmetros que, por si só, dificultam a construção de uma teoria única capaz de explicar como as galáxias se formaram.

Figura 6
Hubble Ultra Deep Field. Esse pequeno pedaço do céu mostra a variedade de galáxias em diferentes faixas do espectro eletromagnético, que nos ajudam a desvendar os detalhes da história de como as galáxias surgiram no Universo. Créditos: NASA.

Do ponto de vista técnico, toda e qualquer teoria precisa explicar, da forma mais completa possível, como se dá a distribuição de probabilidades dos parâmetros galácticos principais. Entre eles destacam-se: morfologia, luminosidade, massa estelar, tamanho, brilho superficial, fração de gás, distribuição química, cores, efeitos ambientais, atividade nuclear e variação galáctica com redshift [1313. M. Vogelsberger, S. Genel, V. Springel, P. Torrey, D. Sijacki, D. Xu, G.Snyder, S. Bird, D. Nelson e L. Hernquist, Nature 509, 177 (2014)., 1414. T. Naab e J.P. Ostriker, ARAA 55, (2017)., 3232. H. Mo, F. Van den Bosch e S. White, Galaxy Formation and Evolution (Cambridge University Press, Cambridge, 2010).]. Para complicar ainda mais, muitos destes parâmetros estão estatisticamente correlacionados.

É interessante notar que no Universo se encontram principalmente quatro tipos de galáxias de várias massas: espirais (com braços em forma de espiral), lenticulares (disco + bojo, sem braço espiral), elíptica (redonda) e irregulares. Por que o Universo criou estes tipos de galáxias e não um tipo só de muitas diferentes classes? Quais leis da física estão por trás disso e qual o papel da massa das galáxias e do ambiente onde se encontram em sua evolução? Sabemos que as galáxias a alto redshift têm formas irregulares, com clumps e alta formação estelar, mas como explicar essas propriedades? [1414. T. Naab e J.P. Ostriker, ARAA 55, (2017)., 3232. H. Mo, F. Van den Bosch e S. White, Galaxy Formation and Evolution (Cambridge University Press, Cambridge, 2010).].

Como mostra a Figura 7, o processo de formação de galáxias é complexo, envolvendo relações intrincadas que passam por processos de instabilidades gravitacionais, resfriamento/aquecimento do gás, campo magnético, trocas de massa e energia, entendimento da taxa de formação estelar e como esta depende de outros parâmetros e processos de fusão e feedback (explosões de supernovas, presença de buraco negro central e atividade nucelar galáctica). Além disso, é muito complexo/complicado descrever a evolução química e dinâmica de galáxias [3535. B. Barbuy, C. Chiappini e O. Gerhard, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 56, 6.1 (2018)., 3636. K. Nomoto, C. Kobayashi e N. Tominaga, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 51, 457 (2013).], bem como se dá a síntese de suas populações estelares (número de estrelas, idade, metalicidade, massa, cinemática, luminosidade, cor e etc) em suas múltiplas dimensões [3737. C. Conroy, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 51, 393 (2013).]. As interações do meio interestelar [3838. W.J. Maciel, Astrofísica do Meio Interestelar (Editora daUniversidade de São Paulo, São Paulo, 2002).] e intergaláctico [3939. M. McQuinn, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 54, 313 (2016).] também são complexas de serem descritas e/ou modeladas. Todos esses processos acontecem em conjunto e/ou competem entre si em escalas variadas de tempo nem sempre fáceis de serem dimensionadas e contextualizadas — como, por exemplo, as escalas de tempo de Hubble (idade do Universo), dinâmico (tempo de queda livre), de resfriamento (razão entre as energias térmicas e das taxas de perdas do gás), de formação estelar (envolve os tempos típicos envolvidos nos processos de formação das estrelas), de enriquecimento químico (desde o nascimento até a morte das estrelas), de fusão (tempo de espera do halo até sua fusão com objeto similar) e de fricção dinâmica (por perda de energia, tempo relacionado ao espiralamento de um satélite ao centro do objeto companheiro).

Figura 7
Processos de formação e evolução dos principais tipos galácticos no Universo. AGN corresponde a núcleos ativos de galáxias, que estão associados à presença de buracos negros supermassivos no centro de galáxias; starbursté relativo a intenso surto de formacão estelar. Créditos: figura traduzida de [3232. H. Mo, F. Van den Bosch e S. White, Galaxy Formation and Evolution (Cambridge University Press, Cambridge, 2010).].

É também interessante notar que a complexidade de uma dada galáxia em estudo é também proporcional à sua vizinhança ao observador e, consequentemente, à variedade de observações e detalhes existentes. Por exemplo, a Via Láctea, nossa galáxia, apresenta uma população estelar no halo complexa devido provavelmente ao contínuo acréscimo de galáxias anãs próximas. Além disso, estudos apontam que existe migração estrelar no disco da Via Láctea e que tampouco conseguimos demonstrar se a Via Láctea tem um bojo clássico (formação rápida) ou um pseudo bojo (formação secular) ou de que forma essas duas propriedades acontecem ao mesmo tempo [3535. B. Barbuy, C. Chiappini e O. Gerhard, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 56, 6.1 (2018)., 4040. J. Bland-Hawthorn e O. Gerhard, Annual Reviews of Astronomy & Astrophysics 54, 529 (2016).]. Na medida em que novos telescópios e instrumentos nos permitem enxergar detalhes e aprimorar nosso entendimento das galáxias (Integrated Field Unit, Ultra Deep Data, etc), integrar todas essas propriedades em um único modelo químio-dinâmico das galáxias [3636. K. Nomoto, C. Kobayashi e N. Tominaga, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 51, 457 (2013).] levando em conta a quantidade sempre maior de observações é, com certeza, um dos grandes desafios da Astrofísica Extragaláctica.

3.5. Interação de galáxias: o caso do par“Antena”.

Um outro exemplo importante de complexidade em Astrofísica, já lembrado em subseções anteriores, diz respeito ao papel da evolução secular17 17 Escala de tempo associada é maior que o tempo dinâmico do objeto, ou seja, para um sistema de massa M e raio R, o tempo dinâmico (tdin) é dado por tdin = (3π/16 Gρ)−1/2, onde ρ é a densidade média = 3M/4πR3 e, o tempo de queda livre (tempo de colapso de uma esfera), tql, dado por tql = tdin/(2)−1/2. das galáxias, ou seja, eventos astrofísicos associados à evolução das populações estelares das diferentes componentes galácticas (halo, bojo e disco), à transferência de matéria nessas componentes (por intermédio de barras ou da queda de gás), às fusões e canibalismos galácticos (muito comuns no Universo), além de outros eventos. Estes processos alteram as galáxias em todos os seus aspectos morfológicos, fotométricos e espectroscópicos os quais, novamente, tornam esses estudos complexos.

A Figura 8 apresenta uma das imagens mais bonitas e, do ponto de vista dos processos físicos envolvidos, “complexas” da Astrofísica: o flagrante de canibalismo (fusão) entre as galáxias NGC 4038 e NGC 4039, par localizado a cerca de 62 milhões de anos-luz (1 ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de km) da Terra. Os longos braços do par lembram o formato de uma antena e, por isso, o nome do par, produzidos provavelmente por forças de maré geradas na colisão, há mais de 100 milhões de anos e que está em curso. Os processos de colisão/fusão desencadeiam a formação de milhões de estrelas em nuvens de poeira e gás nas galáxias, sendo que algumas estrelas (as mais massivas, que vivem milhões de anos) já explodiram como Supernovas do Tipo II.

Figura 8
NGC 4038 e NGC 4039: um dos mais famosos flagrantes de canibalismo galáctico no Universo, conhecido como “Galáxias Antena”. Composição de imagem feita a partir de observações realizadas pelo Observatório de raios-X Chandra (azul), Telescópio Espacial Hubble (dourado e marrom) e pelo Telescópio Espacial Spitzer (vermelho). Créditos: NASA.

As diferentes cores das imagens não nos deixam dúvidas: trata-se de um sistema complexo que, para ser descrito, precisa-se levar em conta (i) os efeitos das enormes nuvens de gás interestelar quentes que foram injetadas com ricos depósitos de elementos químicos oriundos das explosões de supernova e que foram certamente misturados às novas gerações de estrelas e planetas; (ii) os remanescentes de estrelas massivas, buracos negros e estrelas de nêutrons, cujas assinaturas (fontes pontuais brilhantes na Figura 8) são resultado do material que cai sobre eles; (iii) a grande quantidade de berçários estelares vistos na região de sobreposição entre as duas galáxias; (iv) e os enormes filamentos de poeira, em que se destacam regiões de formação estelar recente e de estrelas antigas.

Dessa forma, do ponto de vista estatístico e dos sistemas complexos, conforme aplicado em [4141. J.C. Torrel, C. Lattaud e J.C. Heudin, Lecture Notes of the Institute for Computer Sciences, Social-Informatics and Telecommunications Engineering 5, 18887 (2009).], para se estudar detalhadamente o par Antena é preciso reproduzir: (i) suas interações internas; (ii) suas interações locais e aquelas aplicadas a uma distância curta; (iii) as interações de longo alcance e (iv) o meio ambiente. Os autores apontam que simulações clássicas do fenômeno são baseados em modelos top-down18 18 Nas abordagens “top-down”, define-se modelos cada vez mais precisos, capazes de levar em conta o variado número de parâmetros e elementos dos sistemas em estudo. Utilizam-se algoritmos focados no tipo de problema físico (experimento) que se quer resolver, otimizando o tempo/custo de interação e se levando em conta um número realista de partículas. que exigem milhares de partículas de massa pontual. Alternativamente, o autor apresenta uma abordagem para simulação cosmológica, baseada em um sistema multi-agente hierárquico, reduzindo em demasiado o número de elementos necessários para simular o par NGC 4038/4039.

3.6. Caos e complexidade nos sistemasgravitacionais

O estudo das interações gravitacionais mútuas de objetos celestes, com uma determinada massa m, é um dos problemas mais complexos da Astrofísica. Aplica-se à descrição da formação e dinâmica do Sistema Solar [4242. F.C. Adams, Annual Review of Astronomy & Astrophysics 48, 47 (2010).] e das estrelas em associações ou aglomerações ou, mais geralmente, em galáxias. Conhecido como problema de N-corpos, trata-se ainda de um campo de pesquisa em evolução, desde 1895, com os estudos do matemático francês Paul Painlevé (1863–1933). O problema dos N-corpos abrange vários problemas astrofísicos como o sistema Terra-Lua (N = 2 corpos), o Sistema Solar (N < 10 corpos) e sistemas estelares (N > 10 corpos).

O problema de N-corpos é um sistema de equações diferenciais ordinárias que, para N ≥ 3, não tem solução geral (para condições iniciais aleatórias) no sentido de que a solução não pode ser reduzida a 6N-1 integrações independentes.19 19 Em 1909 o astrônomo finlandês Karl Sundman (1873–1944) achou a solução geral para o problema de 3-corpos em termos de uma série de potências uniformemente convergentes. Cada partícula (objeto, estrela, planeta) de um modelo de N-corpos representa um elemento no espaço de fases (3 dimensões para as posições e 3 para as velocidades). Uma lei de conservação (como a lei de conservação do momento angular ou da energia) é uma quantidade que fica constante na órbita e produz uma variedade20 20 Uma variedade é um espaço topológico. Cada ponto de uma variedade de dimensão n tem uma vizinhança que é homeomorfa ao espaço euclidiano de dimensão n; por exemplo, uma variedade unidimensional inclui a reta e a circunferência. As variedades bidimensionais são chamadas de superfícies. no espaço de fases. Se um sistema tem duas leis de conservação independentes, elas produzem duas variedades e a órbita é então definida na intersecção das mesmas. Em um problema de N-corpos com N-1 leis de conservação, a intersecção entre as variedades identifica a solução como um sistema que é integrável. Enquanto o problema de 2-corpos é integrável porque tem 6 (x,y,z,vx,vy,vz)×2 corpos = 12 dimensões e 11 leis de conservação, a variedade do problema de 3-corpos tem 8 dimensões, já que 3 corpos tem 6×3 = 18 dimensões e 10 leis de conservação. Embora geralmente os problemas dinâmicos não tenham leis suficientes de conservação para resultar integráveis, isso não quer dizer que não haja uma órbita definida; ela apenas não é intersecção das variedades.

No problema de 2-corpos, o centro de massa dos dois objetos segue um movimento linear e uniforme e, o momento angular e a energia do sistema, se conservam. A órbita relativa do objeto 1, com massa m1 e posição x1, e do objeto 2, com massa m2 e posição x2, pode ser escrita como:

(18) μ d 2 r ¯ d t = - G m 1 m 2 r 3 r ¯ ,

onde μ é a massa reduzida do sistema e r a distância entre os dois objetos. Este problema tem solução analítica, em que há 3 métodos de solução para a equação (18): o método da força, da energia e de Lenz-Laplace [4343. A. Winter, The analytical foundation of celestial mechanics (Princeton University Press, Princeton, 1947)., 4444. L. Ciotti, Lecture Notes on Stellar Dynamics (Scuola normale Superiore, Pisa, 2000).].

Os problemas dos N < 10 corpos são geralmente resolvidos no âmbito da dinâmica celeste e utilizam métodos perturbativos. O desenvolvimento da função perturbadora é um dos problemas mais complicados em Astrofísica (Mecânica Celeste Clássica), geralmente resolvido por meio de cálculos computacionais [4545. S. Ferraz-Mello, Canonical Perturbation Theories (Springer-Verlag New York, Nova York, 2007)., 4646. T.A. Michtchenko, S. Ferraz-Mello e C. Beaugé, EAS 42, 315 (2010)., 4747. S. Ferraz-Mello, C. Beaugé, H.A. Folonier e G.O. Gomes, EPJST 229, 1441 (2020).].

Quando no problema de N-corpos “N” é um número muito grande, maior que 105 (sistemas estelares e aglomerados de galáxias), ele passa a ser um problema de dinâmica estelar, tratado como um sistema contínuo através da mecânica estatística. Aqui é importante entender que nos sistemas gravitacionais as colisões diretas (como de duas bolas de sinuca que se chocam) são altamente improváveis e as colisões podem ser descritas como encontros, ou colisões de longo alcance, que causam uma pequena variação da velocidade de um objecto com respeito à sua velocidade inicial, como discutido sucessivamente no texto. A complexidade na Astrofísica aqui aparece também na necessidade de adaptar os conceitos da teoria mecânica, newtoniana, que estuda a evolução da órbita de cada estrela sob o efeito de uma força, no estudo de uma teoria cinética que trata a evolução do sistema como um todo [4848. L. Beraldo e Silva, Propriedades dinâmicas da matéria escura. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2015).]. Com isso em mente, para ter uma ideia das ordens de grandeza dos objetos celestes considerados (estrelas, aglomerados globulares, galáxias), podemos calcular a probabilidade de duas estrelas chocarem em uma galáxia. Considerando um sistema com um número N de estrelas distribuído homogeneamente numa esfera de raio r, a seção de choque para o impacto de duas estrelas é:

(19) σ * = 4 π R s o l 2

Onde Rsol = 7×1010 cm é o raio do Sol e, cada estrela, resulta associada a um volume eficaz na forma:

(20) N λ g σ * = 4 π 3 r 3

ou

(21) λ g 2 r = ( r R s o l ) 2 1 6 N

em que a quantidade λg é uma estimativa do livre caminho médio de uma estrela, ou seja, o caminho que esta pode percorrer dentro do sistema sem se chocar21 21 Sendo as colisões de estrelas altamente improváveis, podemos, alternativamente, definir o livre caminho médio como o caminho que a estrela percorre até que a mudança na velocidade dela, causada pelo potencial do sistema, seja superior à sua velocidade. com uma outra estrela. Para uma galáxia elíptica temos valores típicos de N = 1011, r = 104 pc (raio da galaxia) e λg2r1011: uma estrela deveria percorrer 1011 vezes a galáxia antes de colidir com uma outra estrela. Sendo que uma estrela demora centenas de milhões de anos para cruzar a galáxia, o tempo necessário para este hipotético encontro acontecer seria muito maior que a idade do Universo, o que nos leva a concluir que podemos excluir choques entre estrelas numa galáxia elíptica (resultados similares se obtém para galáxias espirais e aglomerados globulares). Como precedentemente dito, nos sistemas gravitacionais as colisões são conservativas e de longo alcance e a dinâmica estelar estuda o processo de difusão decorrente dessas “colisões” [4848. L. Beraldo e Silva, Propriedades dinâmicas da matéria escura. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2015)., 4949. J. Binney e S. Tremaine. Galactic Dynamics: Second Edition (Princeton University Press, Princeton, 2008).]. A escala de tempo para que o processo difusivo leve o sistema ao equilíbrio (quando as estrelas “esquecem” suas velocidades iniciais) é da ordem de:

(22) t e q t c r 0.1 N l n ( N ) ,

onde teq é o momento em que o sistema alcança o equilíbrio, tcr é o tempo de cruzamento e N o número de estrelas. Para aglomerados globulares tcr∼106 anos e N ∼ 105 estrelas, o que resulta teq∼109 anos. A idade dos aglomerados globulares é estimada como sendo da ordem de 1010 anos: as iterações dois-a-dois são importantes e o sistema pode ser considerado colisional. No caso das galáxias, tcr∼108 anos, N ∼1011 estrelas e teq∼1017 anos, o que nos leva a concluir que as galáxias não tiveram tempo de relaxar levando em conta a idade do Universo e, portanto, são sistemas não colisionais. Isso permite descrever a evolução da função distribuição de uma estrela através da equação de Poisson-Vlasov, como explicado na Seção 3.1 3.1. Tratamento físico-matemático De maneira geral, os processos físicos mais importantes da Astrofísica são descritos por um conjunto de equações diferenciais parciais, capazes de descrever uma variedade de processos. Um sistema dinamicamente complexo frequentemente emerge de um conjunto limitado de condições iniciais e leis físicas que são aparentemente simples [27]. E, nesse sentido, a Astrofísica não é uma exceção. • Equações Euler/Navier-Stokes para um gás: Um plasma é, por definição, um gás em que pelo menos alguns átomos aparecem divididos em íons (positivamente) e elétrons (negativamente) carregados. Grande parte da matéria no Universo existe na forma de plasma. As equações Euler/Navier-Stokes para um gás são equações hiperbólicas de conservação para a dinâmica de um fluído, ou seja, ajudam a descrever como as variáveis dinâmicas densidade (ρ), temperatura (T) e velocidade (v) variam em todos os pontos de um dado volume com o tempo: (1) ∂ ⁡ ρ / ∂ ⁡ t + ∇ ⁡ ( ρ ⁢ v ) = 0 (2) ( ∂ / ∂ ⁡ t ) ⁢ ( ρ ⁢ v ) + ∇ ⁡ ( ρ ⁢ vv T + P ) = ∇ ⁡ Π (3) ( ∂ / ∂ ⁡ t ) ⁢ ( ρ ⁢ e ) + ∇ ⁡ [ ( ρ ⁢ e + P ) ⁢ v ] = ∇ ⁡ ( Π ⁢ v ) A equação (1) é conhecida como equação da continuidade, enquanto as equações (2) e (3) são conhecidas como Euler/Navier-Stokes. • Equação de Vlasov para matéria escura “não colisional” ou Sistema Poisson/Vlasov: Estas equações surgem devido às dificuldades em se obter soluções realísticas para, por exemplo, sistemas não colisionais de estrelas. Se tratarmos, por exemplo, a função distribuição f(x,v) ao longo de uma trajetória à medida que esta varia com o tempo e, mais importante, se o Hamiltoniano for da forma H(x, v), teremos: (4) d f / d t = ∂ f / ∂ t + ( ∂ f / ∂ x ) ⋅ v + ( ∂ f / ∂ v ) ⋅ ( − ∂ φ / ∂ x ) (5) ∇ 2 φ ( x , t ) = 4 π G ∫ f ( x , v , t ) d v , em que φ(x, t) é, por exemplo, o potencial gravitacional de uma dada estrela num ponto x, com velocidade v. A equação de Poisson/Vlasov, também conhecida como equação não colisional de Boltzmann, representa uma teoria cinética que pode ser utilizada para estudar a evolução do sistema gravitacional de N-corpos gerado, baseada na hipótese de ser um sistema não colisional. Esta pressuposição possibilita substituir o estudo do movimento de N-corpos no seu potencial pelo estudo do movimento de uma partícula “teste” no potencial gerado do ‘fluído’, o qual é representado pela aproximação contínua (não colisional) do sistema de N-corpos. Define-se problema de N-corpos o estudo da evolução dinâmica de um sistema de N objetos (planetas, estrelas…) de uma certa massa m. Na formulação Newtoniana, as equações do movimento de cada um dos N objetos, em um sistema de referência inercial, são: (6) d ⁢ x / d ⁢ t = v i (7) d ⁢ v i / d ⁢ t = - 1 m i ⁢ ∂ ⁡ U ∂ ⁡ x i (8) U = - G 2 ⁢ ∑ i , j = 1 ; j ≠ i N m i ⁢ m j ∥ x i - x j ∥ , para i = 1,…,N, onde m, x, e v são a massa, a posição e velocidade de cada objeto; U é a energia potencial e ||x|| é a norma euclidiana; G é a constante de gravitação universal (mais detalhes são dados na Seção 3.6). • Equações de Transferência Radiativa: Se a matéria está presente, então, de forma geral, a intensidade específica (Iν), ou seja, a energia por unidade de área e por unidade de tempo que está sendo emitida pela fonte, em um intervalo de freqüências, também muda ao longo da profundidade óptica, ou seja, a distância para a qual a intensidade decai de um fator “e”: (9) I ν ( s ) = I ν ( s o ) exp [ − ∫ s o s α ν ( s ′ ) d s ′ ] , em que Iν e αν são, respectivamente, a intensidade e o coeficiente de absorção num caminho ótico de s a so. • Magnetohidrodinâmica O papel do campo magnético nos processos astrofísicos é um dos temas mais interessantes (e complexos) em Astronomia. A magnetohidrodinâmica é a parte da Astrofísica que estuda a evolução do campo magnético e do movimento de fluidos condutores, tais como os plasmas. A sua equação principal é dada por: (10) ∂ v / ∂ t + ( v . ∇ ) v = F − 1 / ρ ∇ ( P + ( B 2 ) / ( 2 μ o ) + ( ( B . ∇ ) B ) / ( μ o ρ ) , em que além das variáveis já conhecidas, inclui-se os campos elétricos e magnéticos, E(x,t) e B(x,t), respectivamente, a força eletromagnética F e a constante de permeabilidade magnética (μo). • Relatividade Geral: A equação do campo de Einstein descreve como o espaço-tempo se curva pela matéria e, reciprocamente, como a matéria é influenciada pela curvatura do espaço-tempo, ou seja, como a curvatura cria a gravidade: (11) G μ ⁢ ν = ( 8 ⁢ π ⁢ G / c 4 ) ⁢ T μ ⁢ ν onde Gμν é o tensor curvatura de Einstein e Tμν é o tensor energia-momento. Além dessas equações básicas, a Astrofísica também trabalha com equações “complicadas” no âmbito do tratamento de evolução química [8, 28], que não é, até o presente momento, uma teoria bem estabelecida como, por exemplo, a teoria de evolução estelar [29]. Com raras exceções (problema de 2 corpos, por exemplo), as equações (1) a (8) não têm soluções simples, precisando de auxílio computacional e ajustes observacionais. Além disso, é importante destacar que muitos dos fenômenos em Astrofísica podem ser aproximados por “leis de potência”,8 as quais estão, em última análise, relacionadas a mudanças de fases ou estados críticos, onde um sistema de muitos corpos evolui de um estado de auto-organização para um estado completamente diferente. Com frequência, denominamos esses estados de complexos, os quais indicam padrões de auto-organização na evolução da complexidade. Uma “lei de potência” é uma relação matemática específica em que uma propriedade observável de um sistema, isto é, N(p), escrita em termos de uma variável p, pode ser escrita da seguinte forma: (12) N ⁢ ( p ) ∝ p k A propriedade observável N(p) é proporcional a k-ésima potência de p. N(p) pode ser o número de objetos no sistema com uma propriedade de valor p ou qualquer outra relação entre propriedades mensuráveis como, por exemplo, a correlação entre dois objetos separados. Na prática, uma lei de potência é muito útil porque ela obedece ao princípio de autossimilaridade9 e invariância de escala. Parte da complexidade na Astronomia e Astrofísica emerge exatamente do tratamento matemático dos dados empíricos: como escolher entre vários modelos o que melhor representa a realidade, remarcando a importância dos erros de medidas, para definir a confiança do modelo (hipótese) escolhido, levando novamente em conta que o objeto astrofísico está muito longe, a anos-luz de distância do observador. Novamente, aparece aí o aspecto dual da complexidade nos sistemas e métodos de estudo em Astronomia e Astrofísica. . Cada estrela interage com todas as outras em cada instante, produzindo coletivamente um campo médio ϕ(r¯,t). É preciso, nesse caso, utilizar métodos matemáticos para encontrar a solução, como o método “dos momentos”, conhecido historicamente como as equações de Jeans [4444. L. Ciotti, Lecture Notes on Stellar Dynamics (Scuola normale Superiore, Pisa, 2000)., 4848. L. Beraldo e Silva, Propriedades dinâmicas da matéria escura. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2015)., 4949. J. Binney e S. Tremaine. Galactic Dynamics: Second Edition (Princeton University Press, Princeton, 2008).]. Alternativamente é possível utilizar simulações de alta resolução de N-corpos, que podem também incorporar a dinâmica do gás à dinâmica estelar. Existem um número variado de simulações desse tipo publicamente disponíveis na literatura [5050. L. Wang, R. Spurzem, S. Aarseth, K. Nitadori, P. Berczik, M.B.N. Kouwenhovene T. Naab, Mon. Not. R. Astron. Soc 450, 4070 (2015).]. O agrupamento de galáxias nessas simulações é determinado por uma combinação de efeitos (expansão do espaço, condições iniciais, propriedades da matéria escura e da gravitação), o que torna muito difícil a compreensão da influência de cada uma dessas propriedades no tempo [5151. F. Syros Labini, L. Pietronero, arXiv:0102320v1 (2001).] estudaram as condições iniciais e finais de simulações N-corpos baseadas em modelos CDM e encontraram que estas simulações desenvolvem estruturas fractais independentemente de uma vasta escolha de condições iniciais e parâmetros cosmológicos. A natureza fractal do agrupamento de galáxias precisa de novos métodos e conceitos teóricos desenvolvidos na área da física estatística e complexidade.

Além disso, trabalhos inovadores que buscam compreender a relação entre entropia e dinâmica estelar mostram que a equação de Vlasov não é válida durante a relaxação violenta, que a irreversibilidade temporal expressa pelo aumento da entropia não é devido à presença de caos, mas ao fato de que qualquer sistema gravitacional (na verdade qualquer sistema físico) é composto de um número finito de partículas (ou estrelas) [5252. L. Beraldo e Silva, W. de Siqueira Pedra, L. Sodré, E.L.D. Perico e M.Lima, Astrophys. J. 846, 125 (2017)., 5353. L. Beraldo e Silva, W. de Siqueira Pedra, M. Valluri, L. Sodré e J.B.Bru, Astrophys. J. 870, 128 (2019)., 5454. L. Beraldo e Silva, W. de Siqueira Pedra e M. Valluri, Astrophys. J. 872, 20 (2019).]. Interpretar fisicamente as simulações criadas com o auxílio de supercomputadores é, talvez, uma das grandes complicações da Astrofísica Moderna.

E, para completar, gostaríamos também de destacar que recentemente [5555. J.N. Winn e D.C. Fabrycky, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 53, 409 (2015).] o estudo das formas, espaçamentos e orientações das órbitas para sistemas exoplanetários têm tido destaque em Astrofísica. Temos hoje mais de 4 mil planetas catalogados fora do Sistema Solar, cujo conhecimento atual sobre sua ocorrência ao redor de outras estrelas, distâncias orbitais, excentricidades, espaçamentos orbitais, inclinações mútuas em sistemas multiplanetários, orientação do eixo de rotação da estrela hospedeira bem como as propriedades dos planetas em sistemas estelares binários têm sido investigados. Há um futuro promissor para a Astrofísica no que tange o estudo detalhado das altas excentricidades, dos planetas retrógrados detectados e de seus sistemas caóticos, bem como aspectos químio-dinâmicos da atmosfera desses planetas.

3.7. Evolução química: a vida no contexto cósmico

Já discutimos, até aqui, de que forma se dá, do ponto de vista da complexidade, a formação do Universo, 13,8 bilhões de anos atrás, e como esse tem evoluído desde então.

A Figura 9 representa esquematicamente como se dá a evolução química na Via Láctea (e outras galáxias) desde o Big Bang. O processo galáctico de evolução química [2828. W. Maciel, Fundamentos de Evolução Química daGaláxia (IAG/USP, São Paulo, 2020)., 3535. B. Barbuy, C. Chiappini e O. Gerhard, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 56, 6.1 (2018)., 3636. K. Nomoto, C. Kobayashi e N. Tominaga, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 51, 457 (2013).] envolve complexas relações entre as componentes de gás e de estrelas via trocas de massa, momentum e energia. No processo de produção e interpretação das abundâncias calculadas de diferentes elementos químicos em galáxias [5656. C. Kobayashi, A.I. Karakas e M. Lugaro, Astrophys J. 900, 179 (2020).], outros processos complexos precisam ser levados em conta como, por exemplo, a função de massa inicial das estrelas,22 22 Função empírica que descreve a distribuição em massa de uma certa população estelar (IMF). a taxa de formação estelar, as explosões de supernovas (e como elas alteram o ambiente em que estrelas são formadas), os processos de aquecimento e resfriamento do meio interestelar e inter e intra-galáctico, o cômputo da perda de massa em estrelas e os processos de condensação e evaporação. Além disso, a luminosidade e as cores das populações estelares dependem fortemente da idade, da função de massa inicial e da metalicidade das estrelas; a eficiência de resfriamento do gás também depende fortemente de sua metalicidade. A poeira interestelar também é uma componente importante para se pensar a complexidade de descrição dos processos químicos, uma vez que dependendo da presença de poeira a extinção interestelar reduz drasticamente o brilho das galáxias/estrelas observadas.

Figura 9
Representação esquemática do processo de evolução químio-dinâmica da Via Láctea. Créditos: figura retirada de [88. A. Alves-Brito e N.T. Massoni, Astrofísica para a EducaçãoBásica: a origem dos elementos químicos no Universo (Editora Appris, Curitiba, 2019).].

Em geral, o número de parâmetros livres dos modelos de evolução química são pequenos mas, por outro lado, as incertezas sobre diferentes inputs/outputs são muito grandes. Os modelos químio-dinâmicos não apenas descrevem a evolução química do gás e das estrelas, mas também seguem os processos físicos relacionados à montagem dos componentes galácticos (acréscimo de gás, fusões, fluxos radiais de gás e ventos galácticos). Devido à sua complexidade, várias abordagens simplificadas dos modelos químio-dinâmicos têm sido usadas [3535. B. Barbuy, C. Chiappini e O. Gerhard, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 56, 6.1 (2018).].

O Sistema Solar, o nosso lugar no Universo, formou-se há aproximadamente 4,5 bilhões de anos [4242. F.C. Adams, Annual Review of Astronomy & Astrophysics 48, 47 (2010).]. No contexto da discussão que aqui trazemos, podemos dizer que, em primeira aproximação, o Sistema Solar forma um sistema simples, porque podemos escrever as Leis de Newton para a gravidade e para o movimento e, com grande precisão, obter órbitas e trajetórias de planetas, satélites e etc. Essas leis, como esperado, também devem valer para os mais de 4 mil exoplanetas catalogados fora do Sistema Solar que, na prática, também são fundamentais para nos ajudar a entender como o nosso próprio Sistema se formou. Se quisermos ser mais precisos, podemos ainda dizer que a formação do Sistema Solar é um exemplo clássico do que denominamos “sistema complicado”, que é diferente de “sistema complexo”. E, como já sinalizamos até aqui, sistemas “complexos” e/ou “complicados” levam muito mais tempo para serem entendidos do ponto de vista físico de que os sistemas ditos “simples”.

No entanto, é no próprio Sistema Solar, cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, que um outro exemplo de fenômeno “complexo” acontece no Universo: as primeiras manifestações de vida como nós a conhecemos hoje, tópico principal de pesquisa em Astrobiologia [5757. D. Galante, E.P. Silva, F. Rodrigues, J. Horvath e M.G.B. Avellar (orgs), Astrobiologia: uma ciência emergente (IAG/USP, São Paulo, 2016).] que, embora também seja um ramo da Astrofísica, foge ao domínio de um único campo de conhecimento. Embora não saibamos os detalhes dos processos astrofísicos relacionados à formação do Sistema Solar, sabemos que este se formou a partir de uma nuvem molecular gigante e fria (temperaturas da ordem de 10–100 kelvin), composta basicamente de gás e poeira. Esse material, composto 98% de hidrogênio e hélio e de 2% de todos os outros elementos químicos da tabela periódica (oriundos de estrelas que nasceram, viveram e morreram antes do Sol), foi usado para formar a nossa estrela, planetas e outros objetos/constituintes do Sistema Solar. Em condições físicas favoráveis, e como consequência das mudanças nas condições ambientais do jovem planeta, a Terra favorece a evolução química molecular que, por sua vez, beneficia o aparecimento de células pelo menos 0,5–1 bilhão de ano depois da formação do Sistema Solar. Estruturas mais complexas, incluindo homo sapiens, são então formadas como parte do processo evolutivo de adaptação (Figura 10). O surgimento da vida como a conhecemos, em certo sentido, marca alterações no estado local do Universo, onde há uma transição de um estado (nuvem de gás e poeira) para outro qualitativamente diferente (sistema Terra).

Figura 10
Representação artística das diferentes etapas de evolução do Universo, do Big Bang ao surgimento do DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico), cruciais para o armazenamento genético e de produção proteínas dos seres vivos. Créditos: JPL/NASA.

Aproximadamente 5% do Universo é composto de átomos, sendo hidrogênio e hélio os mais abundantes. Dos 0,1% restantes, metade compreende átomos de oxigênio e um quarto é carbono. Todos os outros elementos químicos se distribuem nos 0,025% restantes. Entre as mais de cerca de 200 moléculas descobertas no espaço, as moléculas orgânicas, ou seja, aquelas que contêm carbono, são as mais comuns. É a versatilidade do carbono em suas ligações químicas que impulsiona a complexidade da química no Universo, sem a qual não haveria vida como a conhecemos. Esses diferentes elementos químicos são principalmente produzidos em processos complexos que envolvem a formação, evolução e morte de estrelas de diferentes massas [88. A. Alves-Brito e N.T. Massoni, Astrofísica para a EducaçãoBásica: a origem dos elementos químicos no Universo (Editora Appris, Curitiba, 2019)., 2929. W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e EvoluçãoEstelar (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999).]. A própria formação de um espectro estelar (e do Sol, a estrela que melhor conhecemos, onde podemos medir com precisão a quantidade dos diferentes elementos químicos formados nas atmosferas estelares), envolve fenômenos físicos e astrofísicos complexos que juntam transportes de energia radiativa e tantos outros fenômenos que pouco conhecemos (difusão, convecção, etc). [5858. M. Asplund, Annual Review of Astronomy & Astrophysics 43, 481 (2005)., 5959. M. Asplund, N. Grevesse, A.J. Sauval e P. Scott. Annual Review of Astronomy& Astrophysics 47, 481 (2009).], por exemplo, discutem a complexidade na determinação das abundâncias de quase todos os elementos químicos disponíveis quando se usa modelos hidrodinâmicos tridimensionais, realistas e dependentes do tempo da atmosfera solar. Há também sutilezas sobre os dados atômicos das linhas atômicas e moleculares usadas bem como sobre como computar desvios realistas do equilíbrio termodinâmico local (LTE) na atmosfera das estrelas e tantos outros fenômenos pouco conhecidos (ou descritos) pela Física Estelar Canônica [2929. W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e EvoluçãoEstelar (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999).].

De todo jeito, é interessante pensar que para entendermos o surgimento da vida na Terra (especular e buscar por ela em outras partes do Sistema Solar ou fora dele), a Astrobiologia lida o tempo inteiro com a questão das escalas, no sentido de que há, marcadamente, a presença sistemática de sistemas dentro de sistemas, ou seja, a vida surge na Terra, que faz parte de um sistema planetário específico, na periferia de uma entre as bilhões de galáxias que, por sua vez, fazem parte de um grupo local de galáxias, dentro de aglomerados de galáxias. Além disso, as bases da vida estão abrigadas dentro de moléculas de DNA, cromossomos, núcleos celulares, que também estão dentro das células e assim segue a cadeia. Esses padrões não são aleatórios. Eles têm a ver com fenômenos já previamente discutidos (emergência, escala e hierarquia) no contexto dos sistemas complexos, cruciais para interpretar resultados da Astrobiologia.

Mais recentemente, [6060. J.S. Greaves, A.M.S. Richards, W. Bains, P.B. Rimmer, H. Sagawa, D.L.Clements, S. Seager, J.J. Petkowski, C. Sousa-Silva, S. Ranjan et al., Nature Astronomy, 10.1038/s41550-020-1174-4 (2020).] reportaram a detecção de fosfina (PH3) na atmosfera de Vênus, numa proporção de 20 moléculas por 1 bilhão, em que origens não biológicas para a molécula são pouco prováveis, mas não completamente descartadas. Esse achado é outro exemplo de “complexidade” em Astrofísica. Por um lado, embora Vênus seja um planeta telúrico muito próximo à Terra (pensando a zona de habitabilidade23 23 Refere-se, tecnicamente, às características predominantes em certas regiões da Via Láctea, dentro de escalas temporais adequadas, que favorecem o surgimento de vida complexa. ) e, em alguns aspectos, um dos mais parecidos ao nosso próprio planeta em termos de sua dimensão e estrutura interna, Vênus também tem diferenças consideráveis: não tem campo magnético e, a atmosfera dele, é 5 vezes mais densa do que a vista na Terra. A atmosfera de Vênus é coberta por uma nuvem opaca, de forma que não podemos ver diretamente a superfície do planeta. Por conta das altas densidades atmosférica, as temperaturas na superfície podem atingir 500 graus Celsius, o que dificulta encontrar água na superfície.

Para além disso, com discutido em [6161. C. Sousa-Silva, S. Seager, S. Ranjan, J.J. Petkowski, Z. Zhan, R. Hu e W.Bains, Astrobiology, 20, 235 (2020).], os processos químicos e biológicos de produção de fosfina são complexos. A detecção e reprodução sintética em laboratório do espectro observado são permeadas de incertezas e dificuldades. Sabemos que, na Terra, bactérias criam fosfina retirando fosfato de minerais, acrescentando hidrogênio e finalmente liberando fosfina. No entanto, a maior dificuldade é realmente a comparação teórica/observacional e interpretação dos resultados, ou seja, como de fato saber o que acontece na atmosfera de Vênus uma vez que as simulações-computacionais envolvem processos físicos complexos com pouco (ou nenhum) teste observacional? De maneira geral, o estudo da atmosfera de planetas do Sistema Solar e de fora dele segue sendo um grande desafio para a Astrofísica mas, por outro lado, um dos campos mais interessantes a serem explorados nos próximos anos no que diz respeito à busca de gases de assinaturas biológicas no Universo.

4. Considerações Finais

A Astronomia e a Astrofísica, em sinergia à Física e à Cosmologia Moderna e Contemporânea, têm mudado completamente a nossa visão do Universo e a nossa representação do mundo. Diferentemente de outras ciências básicas, os objetos astrofísicos, com raríssimas exceções, são extraterrestres, o que por si só, do ponto de vista prático, já pode ser interpretado como uma marca indelével de complexidade. Se, por um lado, a Astronomia e Astrofísica experimentaram nos últimos anos avanços tecnológicos/instrumentais imprescindíveis que, sem dúvidas, trouxeram complexidade para o campo, por outro lado a construção de supercomputadores e códigos sofisticados são ainda necessários para processar e simular muitos dos fenômenos físicos que acontecem em diferentes ambientes astrofísicos e que nos dão indícios de como, por exemplo, as galáxias se formaram, se aglomeram e formam o tecido (espaço-tempo) do Universo. A atual geração de códigos para simulações cosmológicas — ver, por exemplo, Arepo24 24 Arepo é um código maciçamente paralelo para sistemas gravitacionais de N-corpos e magneto-hidrodinâmica, otimizado para trabalhar tanto no contexto da Física Newtoniana quanto nos arcabouços cosmológicos. Trata-se de um código flexível que pode ser aplicado a uma variedade de problemas da Astrofísica, oferecendo uma série de algoritmos de simulação sofisticados. Disponível em: <https://arepo-code.org/wp-content/userguide/ index.html>. Acesso em 22 set. 2020. —, é extensa e muito complexa, códigos com mais de 380 mil linhas, o que é um grande desafio para o futuro.

Argumentamos, particularmente, que existem muitos campos novos para que cientistas trabalhando em Astrofísica explorem, criem e apontem novos progressos metódicos e conceituais na ciência. Sabemos, por exemplo, que do ponto de vista da evolução do Universo nos últimos 13,8 bilhões de anos, a complexidadetem aumentado. E, nesse caso, não necessariamente simplicidade está relacionada a “ordem” e, complexidade, à “desordem”. Enquanto a entropia do Universo segue aumentando, tudo o que podemos dizer, certamente, é que “sistemas complexos” requerem mudança de “entropia”.

Discutimos no presente artigo como o conceito de complexidade e de sistemas complexose/ou bastante complicados e intrincados têm demandado novas e desafiadoras abordagens teóricas e metodológicas para a Astronomia e a Astrofísica, as quais seguem entre algumas das mais fascinantes ciências básicas do século XXI, exatamente pela robustez de seus desdobramentos teóricos/numéricos, experimentais/numéricos, observações, hipóteses, coleta, processamento e análise de dados, os quais nos permitem inferir sobre perguntas fundamentais que nos perseguem há milênios: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Dr. L. Beraldo e Silva e aos Professores Drs. Fabricio Ferrari e Laerte Sodré pelas conversas inspiradoras e sugestões valiosas no que concerne às ideias apresentadas na Seção 3.6 3.6. Caos e complexidade nos sistemasgravitacionais O estudo das interações gravitacionais mútuas de objetos celestes, com uma determinada massa m, é um dos problemas mais complexos da Astrofísica. Aplica-se à descrição da formação e dinâmica do Sistema Solar [42] e das estrelas em associações ou aglomerações ou, mais geralmente, em galáxias. Conhecido como problema de N-corpos, trata-se ainda de um campo de pesquisa em evolução, desde 1895, com os estudos do matemático francês Paul Painlevé (1863–1933). O problema dos N-corpos abrange vários problemas astrofísicos como o sistema Terra-Lua (N = 2 corpos), o Sistema Solar (N < 10 corpos) e sistemas estelares (N > 10 corpos). O problema de N-corpos é um sistema de equações diferenciais ordinárias que, para N ≥ 3, não tem solução geral (para condições iniciais aleatórias) no sentido de que a solução não pode ser reduzida a 6N-1 integrações independentes.19 Cada partícula (objeto, estrela, planeta) de um modelo de N-corpos representa um elemento no espaço de fases (3 dimensões para as posições e 3 para as velocidades). Uma lei de conservação (como a lei de conservação do momento angular ou da energia) é uma quantidade que fica constante na órbita e produz uma variedade20 no espaço de fases. Se um sistema tem duas leis de conservação independentes, elas produzem duas variedades e a órbita é então definida na intersecção das mesmas. Em um problema de N-corpos com N-1 leis de conservação, a intersecção entre as variedades identifica a solução como um sistema que é integrável. Enquanto o problema de 2-corpos é integrável porque tem 6 (x,y,z,vx,vy,vz)×2 corpos = 12 dimensões e 11 leis de conservação, a variedade do problema de 3-corpos tem 8 dimensões, já que 3 corpos tem 6×3 = 18 dimensões e 10 leis de conservação. Embora geralmente os problemas dinâmicos não tenham leis suficientes de conservação para resultar integráveis, isso não quer dizer que não haja uma órbita definida; ela apenas não é intersecção das variedades. No problema de 2-corpos, o centro de massa dos dois objetos segue um movimento linear e uniforme e, o momento angular e a energia do sistema, se conservam. A órbita relativa do objeto 1, com massa m1 e posição x1, e do objeto 2, com massa m2 e posição x2, pode ser escrita como: (18) μ ⁢ d 2 ⁢ r ¯ d ⁢ t = - G ⁢ m 1 ⁢ m 2 r 3 ⁢ r ¯ , onde μ é a massa reduzida do sistema e r a distância entre os dois objetos. Este problema tem solução analítica, em que há 3 métodos de solução para a equação (18): o método da força, da energia e de Lenz-Laplace [43, 44]. Os problemas dos N < 10 corpos são geralmente resolvidos no âmbito da dinâmica celeste e utilizam métodos perturbativos. O desenvolvimento da função perturbadora é um dos problemas mais complicados em Astrofísica (Mecânica Celeste Clássica), geralmente resolvido por meio de cálculos computacionais [45, 46, 47]. Quando no problema de N-corpos “N” é um número muito grande, maior que 105 (sistemas estelares e aglomerados de galáxias), ele passa a ser um problema de dinâmica estelar, tratado como um sistema contínuo através da mecânica estatística. Aqui é importante entender que nos sistemas gravitacionais as colisões diretas (como de duas bolas de sinuca que se chocam) são altamente improváveis e as colisões podem ser descritas como encontros, ou colisões de longo alcance, que causam uma pequena variação da velocidade de um objecto com respeito à sua velocidade inicial, como discutido sucessivamente no texto. A complexidade na Astrofísica aqui aparece também na necessidade de adaptar os conceitos da teoria mecânica, newtoniana, que estuda a evolução da órbita de cada estrela sob o efeito de uma força, no estudo de uma teoria cinética que trata a evolução do sistema como um todo [48]. Com isso em mente, para ter uma ideia das ordens de grandeza dos objetos celestes considerados (estrelas, aglomerados globulares, galáxias), podemos calcular a probabilidade de duas estrelas chocarem em uma galáxia. Considerando um sistema com um número N de estrelas distribuído homogeneamente numa esfera de raio r, a seção de choque para o impacto de duas estrelas é: (19) σ * = 4 ⁢ π ⁢ R s ⁢ o ⁢ l 2 Onde Rsol = 7×1010 cm é o raio do Sol e, cada estrela, resulta associada a um volume eficaz na forma: (20) N ⁢ λ g ⁢ σ * = 4 ⁢ π 3 ⁢ r 3 ou (21) λ g 2 ⁢ r = ( r R s ⁢ o ⁢ l ) 2 ⁢ 1 6 ⁢ N em que a quantidade λg é uma estimativa do livre caminho médio de uma estrela, ou seja, o caminho que esta pode percorrer dentro do sistema sem se chocar21 com uma outra estrela. Para uma galáxia elíptica temos valores típicos de N = 1011, r = 104 pc (raio da galaxia) e λg2⁢r∼1011: uma estrela deveria percorrer 1011 vezes a galáxia antes de colidir com uma outra estrela. Sendo que uma estrela demora centenas de milhões de anos para cruzar a galáxia, o tempo necessário para este hipotético encontro acontecer seria muito maior que a idade do Universo, o que nos leva a concluir que podemos excluir choques entre estrelas numa galáxia elíptica (resultados similares se obtém para galáxias espirais e aglomerados globulares). Como precedentemente dito, nos sistemas gravitacionais as colisões são conservativas e de longo alcance e a dinâmica estelar estuda o processo de difusão decorrente dessas “colisões” [48, 49]. A escala de tempo para que o processo difusivo leve o sistema ao equilíbrio (quando as estrelas “esquecem” suas velocidades iniciais) é da ordem de: (22) t e ⁢ q t c ⁢ r ∼ 0.1 ⁢ N l ⁢ n ⁢ ( N ) , onde teq é o momento em que o sistema alcança o equilíbrio, tcr é o tempo de cruzamento e N o número de estrelas. Para aglomerados globulares tcr∼106 anos e N ∼ 105 estrelas, o que resulta teq∼109 anos. A idade dos aglomerados globulares é estimada como sendo da ordem de 1010 anos: as iterações dois-a-dois são importantes e o sistema pode ser considerado colisional. No caso das galáxias, tcr∼108 anos, N ∼1011 estrelas e teq∼1017 anos, o que nos leva a concluir que as galáxias não tiveram tempo de relaxar levando em conta a idade do Universo e, portanto, são sistemas não colisionais. Isso permite descrever a evolução da função distribuição de uma estrela através da equação de Poisson-Vlasov, como explicado na Seção 3.1. Cada estrela interage com todas as outras em cada instante, produzindo coletivamente um campo médio ϕ⁢(r¯,t). É preciso, nesse caso, utilizar métodos matemáticos para encontrar a solução, como o método “dos momentos”, conhecido historicamente como as equações de Jeans [44, 48, 49]. Alternativamente é possível utilizar simulações de alta resolução de N-corpos, que podem também incorporar a dinâmica do gás à dinâmica estelar. Existem um número variado de simulações desse tipo publicamente disponíveis na literatura [50]. O agrupamento de galáxias nessas simulações é determinado por uma combinação de efeitos (expansão do espaço, condições iniciais, propriedades da matéria escura e da gravitação), o que torna muito difícil a compreensão da influência de cada uma dessas propriedades no tempo [51] estudaram as condições iniciais e finais de simulações N-corpos baseadas em modelos CDM e encontraram que estas simulações desenvolvem estruturas fractais independentemente de uma vasta escolha de condições iniciais e parâmetros cosmológicos. A natureza fractal do agrupamento de galáxias precisa de novos métodos e conceitos teóricos desenvolvidos na área da física estatística e complexidade. Além disso, trabalhos inovadores que buscam compreender a relação entre entropia e dinâmica estelar mostram que a equação de Vlasov não é válida durante a relaxação violenta, que a irreversibilidade temporal expressa pelo aumento da entropia não é devido à presença de caos, mas ao fato de que qualquer sistema gravitacional (na verdade qualquer sistema físico) é composto de um número finito de partículas (ou estrelas) [52, 53, 54]. Interpretar fisicamente as simulações criadas com o auxílio de supercomputadores é, talvez, uma das grandes complicações da Astrofísica Moderna. E, para completar, gostaríamos também de destacar que recentemente [55] o estudo das formas, espaçamentos e orientações das órbitas para sistemas exoplanetários têm tido destaque em Astrofísica. Temos hoje mais de 4 mil planetas catalogados fora do Sistema Solar, cujo conhecimento atual sobre sua ocorrência ao redor de outras estrelas, distâncias orbitais, excentricidades, espaçamentos orbitais, inclinações mútuas em sistemas multiplanetários, orientação do eixo de rotação da estrela hospedeira bem como as propriedades dos planetas em sistemas estelares binários têm sido investigados. Há um futuro promissor para a Astrofísica no que tange o estudo detalhado das altas excentricidades, dos planetas retrógrados detectados e de seus sistemas caóticos, bem como aspectos químio-dinâmicos da atmosfera desses planetas. .

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    C. Sousa-Silva, S. Seager, S. Ranjan, J.J. Petkowski, Z. Zhan, R. Hu e W.Bains, Astrobiology, 20, 235 (2020).
  • *
    Enquanto esse artigo é escrito e revisado o mundo é assolado pela pandemia COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease 2019) que já causou milhões de mortes e infecções no globo e já deixa centenas de milhares de mortos no Brasil, sendo as pessoas pobres, negras, indígenas e mulheres as mais afetadas no País. Como variados fenômenos em Astrofísica, a COVID-19 é o exemplo mais atual de “complexidade”, de evento crítico, nesse momento da história e das ciências no mundo.
  • 1
    Vale ressaltar que nesse texto interpretamos a ciência como uma construção coletiva. E, nesse sentido, destacamos que Galileu não é o único cientista por trás do contexto de mudanças científicas-filosóficas-culturais na Europa do século XVII, mas é, certamente, um dos mais importantes, principalmente para a Astronomia. Copérnico (1473–1543) foi de alguma forma o primeiro a descrever teoricamente o heliocentrismo (ideia já presente na Grécia) no livro Das revolu ções das esferas celestes (1543) , que fez uso do Urdi Lemma desenvolvido no século XIII para o Mu’ayyad al-Din al-’Urdi, o primeiro dos astrônomos Maragha a desenvolver um modelo não Ptolomaico das órbitas dos planetas [44. G. Saliba, Isis 70, 571 (1979)., 55. G. Saliba, The Astronomical Work of Mu’ayyad al-Din al-’Urdi (d.1266): A Thirteenth Century Reform of Ptolemaic Astronomy (Markaz dirāsātal-waḥda al-’arabiyya, Beirut, 1990).]. Galileu sempre se inspirou nas teorias de Copérnico, mas nunca teve interesse nos modelos de órbitas elípticas de Kepler (1609–1619). As teorias copernicanas, de fato, seguiam a crença da época de que todos os movimentos celestes deveriam corresponder a um movimento circular uniforme, mostrando novamente a complexidade do diálogo entre pensamento racional e paradigma científico aceito pela sociedade, até para pensadores inovadores como Galileu. Além disso, é importante destacar a contribuição de Francis Bacon (1561–1626) na Inglaterra e René Descartes (1596–1650) na França para a Revolução Científica europeia.
  • 2
    Não queremos dizer aqui que, com essa transição, a ciência moderna é um aprimoramento da ciência antiga.
  • 3
    Segundo a Lei da Gravitação Universal, todas as partículas de matéria no Universo são governadas por uma lei de força (F) que implica na atração dessas partículas na razão direta de suas massas (m1 e m2) e na razão inversa do quadrado de suas distâncias (R2) mútuas: F = Gm1m2/R2, onde G é a constante de gravitação (G = 6,67 10−11 m2kg−2).
  • 4
    Durante a Idade Média, século XIV, foi desenvolvido o conceito de impetum , baseado nas ideias do filósofo grego Hiparco, pelo polímata persa Avicena e o filósofo francês Jean Buridan (1301–1358). Segundo esta teoria um objeto lançado continua o seu movimento por algo interno, chamado ímpeto. Este movimento seria perpétuo se o objeto não tivesse uma tendência a alcançar o seu lugar natural no Universo.
  • 5
    Definidas em Matemática como equações cujas incógnitas são uma função que aparece na equação sob a forma das respectivas derivadas, ou seja, especificam funções a partir da análise de sua taxa de variação.
  • 6
    O conceito de entropia está relacionado à descrição do estado de equilíbrio estatístico de um sistema, o qual corresponde à partição mais provável (probabilidade) do sistema estudado. A Lei da Entropia, ou Segunda Lei da Termodinâmica, diz que os processos que t êm maior probabilidade de ocorrer num sistema isolado s ão aqueles em que a entropia aumenta ou permanece constante .
  • 7
    Embora a definição varie ao longo do tempo, big data representam conjuntos de dados cujos tamanhos (volume, velocidade e variedade) estão além da capacidade que ferramentas típicas de software de bancos de dados têm para capturá-los, armazená-los, gerenciá-los e analisá-los.
  • 8
    De fato, devido às limitações impostas pelo Teorema Central do Limite, os sistemas complexos raramente são representados por estatísticas gaussianas. Matematicamente, o Teorema Central do Limite, ou Teorema Fundamental da Probabilidade e Estatística, remete-nos à convergência de soma de variáveis aleatórias no contexto de uma distribuição normal.
  • 9
    Elementos em que a mesma forma se repete sucessivamente em escalas cada vez menores.
  • 10
    Dizemos que o Universo é homogêneo quando feito da mesma substância, invariante por translação; e isotrópico quando é igual em todas as direções, invariante por rotação.
  • 11
    Composição do Universo: matéria bariônica (ΩB = 0.05: elementos químicos da tabela periódica), matéria escura (ΩM = 0.27) e energia escura (ΩΛ = 0.68).
  • 12
    Em cosmologia, o horizonte é definido como um dado local em que se tem a maior distância observável. Os fótons de eventos que aconteceram a uma distância superior ao horizonte não terão tempo suficiente de chegar ao observador.
  • 13
    Na teoria de perturbação, o comprimento de Jeans é definido como RJ = cs()−1/2, em que cs é a velocidade do som no meio, e representa o raio onde a energia térmica que causa a expansão da nuvem de gás é balanceada pela força gravitacional, que causa o colapso da nuvem. Consequentemente, uma perturbação de raio inferior ao raio de Jeans não pode colapsar e continua oscilando.
  • 14
    O “little h” é definido como o parâmetro adimensional de Hubble, ou seja, quando a constante de Hubble Ho = 100 h kms−1Mpc−1.
  • 15
    Sabemos que em grandes escalas e interações de galáxias as simulações numéricas utilizam a Mecânica Newtoniana e não a Teoria da Relatividade Geral. Isso se deve ao fato de que nos domínios de campo gravitacional estes têm baixa intensidade ((potencial gravitacional)/c2≪1) e a matéria é não relativística (v/c ≪ 1), sendo “c” a velocidade da luz.
  • 16
    Em Astrofísica, todos os elementos químicos naturais da tabela periódica mais pesados que H e He são denominados metais. Metalicidade é a computação de todos os metais num certo ambiente astrofísico.
  • 17
    Escala de tempo associada é maior que o tempo dinâmico do objeto, ou seja, para um sistema de massa M e raio R, o tempo dinâmico (tdin) é dado por tdin = (3π/16 Gρ)−1/2, onde ρ é a densidade média = 3M/4πR3 e, o tempo de queda livre (tempo de colapso de uma esfera), tql, dado por tql = tdin/(2)−1/2.
  • 18
    Nas abordagens “top-down”, define-se modelos cada vez mais precisos, capazes de levar em conta o variado número de parâmetros e elementos dos sistemas em estudo. Utilizam-se algoritmos focados no tipo de problema físico (experimento) que se quer resolver, otimizando o tempo/custo de interação e se levando em conta um número realista de partículas.
  • 19
    Em 1909 o astrônomo finlandês Karl Sundman (1873–1944) achou a solução geral para o problema de 3-corpos em termos de uma série de potências uniformemente convergentes.
  • 20
    Uma variedade é um espaço topológico. Cada ponto de uma variedade de dimensão n tem uma vizinhança que é homeomorfa ao espaço euclidiano de dimensão n; por exemplo, uma variedade unidimensional inclui a reta e a circunferência. As variedades bidimensionais são chamadas de superfícies.
  • 21
    Sendo as colisões de estrelas altamente improváveis, podemos, alternativamente, definir o livre caminho médio como o caminho que a estrela percorre até que a mudança na velocidade dela, causada pelo potencial do sistema, seja superior à sua velocidade.
  • 22
    Função empírica que descreve a distribuição em massa de uma certa população estelar (IMF).
  • 23
    Refere-se, tecnicamente, às características predominantes em certas regiões da Via Láctea, dentro de escalas temporais adequadas, que favorecem o surgimento de vida complexa.
  • 24
    Arepo é um código maciçamente paralelo para sistemas gravitacionais de N-corpos e magneto-hidrodinâmica, otimizado para trabalhar tanto no contexto da Física Newtoniana quanto nos arcabouços cosmológicos. Trata-se de um código flexível que pode ser aplicado a uma variedade de problemas da Astrofísica, oferecendo uma série de algoritmos de simulação sofisticados. Disponível em: <https://arepo-code.org/wp-content/userguide/ index.html>. Acesso em 22 set. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Revisado
    21 Dez 2020
  • Aceito
    23 Dez 2020
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br