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A física estatística da turbulência

The statistical physics of turbulence

Resumos

Realizamos um sobrevoo abrangente sobre a teoria estatística da turbulência, com a preocupação de embasá-la em noções importantes e consolidadas da dinâmica de fluidos, antes de nos aprofundarmos em discussões de modelos mais específicos, sujeitos a debates contemporâneos. A complexidade da turbulência traduz-se, na chamada abordagem estrutural, como o desafio de compreender, a partir da dinâmica de tubos de vorticidade, o transporte de energia das grandes para as pequenas escalas do escoamento, no limite singular de viscosidade nula. Propriedades estatísticas da cascata de energia, como o fenômeno da intermitência, são modeladas por meio de narrativas aparentemente diversas, associadas a processos estocásticos multiplicativos e, alternativamente, à formulação multifractal do espectro de singularidades do campo de velocidade turbulento. A síntese, fundamentação de primeiros princípios e integração dessas duas visões de modelagem à abordagem estrutural forma o corpo essencial das dificuldades teóricas atuais da turbulência.

Palavras-chave:
Turbulência; sistemas complexos; sistemas não-lineares; dinâmica de fluidos; física estatística


We give a broad overview of the statistical theory of turbulence, carefully basing it on important and consolidated notions of fluid dynamics, before going deeper into the discussion of specific models, prone to contemporary debates. In the so-called structural approach, the complexity of turbulence is perceived as the challenge to understand, from the point of view of vortex tubes dynamics, energy transport from large to small scales in the vanishing viscosity limit. The statistical properties of the energy cascade, such as the intermittency phenomenon, are modelled through seemingly diverse narratives associated to multiplicative stochastic processes or, alternatively, to the multifractal formulation of the singularity spectrum of the turbulent velocity field. The synthesis, the foundation from first principles and the integration of these two modelling strategies with the structural approach build up the essence of current theoretical challenges in turbulence.

Keywords
Turbulence; complex systems; nonlinear systems; fluid dynamics; statistical physics


1. Introdução

Ainda que o fenômeno da turbulência seja tão próximo da experiência cotidiana, como quando apreciamos a queda de água em uma cachoeira, o quebrar das ondas em uma praia ou, menos poeticamente, como na tensão emocional dos passageiros de um voo que atravessa áreas de instabilidade, ele encerra desafios científicos que o incluem na classe dos grandes problemas da Física [11. L. Moriconi, Ciência Hoje 42, 38 (2008).].

A história nos mostra que muitas conquistas importantes da ciência, mesmo que inicialmente distantes da esfera das aplicações práticas, fundamentaram inovações duradouras e de grande impacto social. No caso específico da pesquisa em turbulência, a força social que produz a transição do conhecimento puro para o domínio das aplicações está intimamente ligada a demandas de importância muito clara: na indústria química, em processos de misturas de reagentes químicos; na discussão das fontes renováveis de energia, no desenvolvimento de turbinas eólicas e “fazendas de vento” mais eficientes; na indústria aeronáutica, automobilística e naval, nos desenhos de máquinas que vençam melhor a resistência fluidodinâmica; em meteorologia, em modelos preditivos de formação de nuvens e precipitação; nas ciências ambientais, em ações para o controle do fluxo de entrada e saída de dióxido de carbono, oxigênio e outros gases na biosfera. A lista de aplicações poderia continuar com um número ainda maior de exemplos igualmente significativos.

A definição precisa do que consiste um escoamento turbulento é, curiosamente, motivo de confusão entre especialistas [22. H. Tennekes e J.L. Lumley, A First Course in Turbulence (MIT Press, Cambridge, 1972).]. Algumas de suas caraterísticas qualitativas importantes, entretanto, são aceitas com bastante consenso: (i) a evolução dinâmica de um escoamento turbulento possui uma janela temporal restrita de previsibilidade, (ii) escoamentos turbulentos são fortemente rotacionais e, em particular, (iii) densamente “povoados” por estruturas espaciais que carregam momento angular.

A aleatoriedade associada à evolução dos estados dinâmicos turbulentos sugere, naturalmente, que estes possam ser investigados a partir de ideias e ferramentas matemáticas da Física Estatística. De fato, o último apontamento das célebres notas manuscritas do curso de Física Estatística de E. Fermi [33. E. Fermi, Notes on Thermodynamics and Statistics (University of Chicago Press, Chicago, 1966).], parafraseado aqui como

(1) E ( k ) k - 5 3

é uma afirmação sobre o espectro de potência em um escoamento turbulento. Na relação acima, k refere-se ao número de onda dos modos de Fourier do campo de velocidade, ao passo que E(k) representa a densidade de energia cinética por unidade de massa e por unidade de número de onda.

A Relação (1), consequência imediata de trabalhos publicados por A.N. Kolgomorov em 1941 [44. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 30, 299 (1941)., 55. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 32, 16 (1941)., 66. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 31, 99 (1941).], é uma primeira (e excelente) resposta ao problema da distribuição espectral de energia turbulenta, lançado por G.I. Taylor em 1938 [77. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 164, 476 (1938).]. Trata-se de encontrar o análogo turbulento, no âmbito da dinâmica de fluidos, da distribuição espectral de Planck para a radiação de corpo negro na mecânica estatística.

Nosso propósito é discutir, dentro de um apanhado das características importantes do fenômeno da turbulência, quais são as ideias que estão por trás da Relação (1), quais são suas deficiências (o expoente de escala −5/3 deve ser corrigido, por exemplo) e a nova física que se abre a partir daí, assunto de enorme interesse atual.

A existência de uma lei de escala para o espectro de energia turbulento, tal como expresso pela Relação (1), pode ser interpretada contemporaneamente como uma manifestação do fenômeno de criticalidade auto-organizada, perspectiva que transporta o problema da turbulência para dentro do arcabouço dos sistemas complexos [88. R. Dickman, M.A. Muñoz, A. Vespignani e S. Zapperi, Braz. J. Phys. 30, 27 (2000).]. Esta contextualização é, de fato, um quebra-cabeças em processo de consolidação, como esclareceremos nas seções seguintes.

Temos em mente, como pano de fundo em nossas considerações, a classe dos sistemas complexos definida como o conjunto de sistemas fora do equilíbrio termodinâmico, cujas propriedades estatísticas de escala emergem espontaneamente, sem a necessidade de calibração (ou ajuste fino) de qualquer conjunto de variáveis de controle, a partir da interação de objetos elementares definidos em um nível muito mais fundamental de modelagem.

Os conceitos de complexidade e criticalidade auto-organizada trazem imediatamente à discussão o modelo paradigmático das avalanches em pilhas de areia, introduzido por P. Bak et al. em 1988 [99. P. Bak, C. Tang e K. Wiesenfeld, Phys. Rev. Lett. 59, 381 (1987).]. É instrutivo, portanto, confrontá-lo à visão de turbulência como um sistema complexo crítico auto-organizado. Os objetos e regras de modelagem a partir dos quais emergem propriedades estatísticas de escala são simples e bem definidos no problema das avalanches de areia; já na fenomenologia da turbulência, a caracterização precisa de quais são os objetos de interesse e quais são as regras de interação entre eles são problemas essencialmente abertos.

Fluxos turbulentos, cuja evolução global do campo de velocidade é caótica no sentido preciso dos sistemas dinâmicos [1010. G. Boffetta e S. Musacchio, Phys. Rev. Lett. 119, 054102 (2017).], isto é, caracterizada pela sensibilidade às condições iniciais (tal como indicada por expoentes de Lyapunov) possuem um grau elevado de auto-organização na forma de tubos de vorticidade, parametrizados por um número relativamente pequeno de graus de liberdade [1111. Z.S. She, E. Jackson e S.A. Orszag, Nature 344, 226 (1990)., 1212. M. Farge, G. Pellegrino e K. Schneider, Phys. Rev. Lett. 87, 054501 (2001).]. Este fato sugere, portanto, que fluxos turbulentos possam ser modelados como gases de vórtices , proposta central da abordagem estrutural da turbulência.

Vale salientarmos que turbulência, termo introduzido por Leonardo da Vinci ao redor do ano de 1500 (consta nos seus cadernos de estudos a palavra turbolenza , derivada do latim turba = multidão) para referir-se pictoricamente aos movimentos desordenados de fluidos como um agregado de estruturas (turbilhões), é hoje em dia um vasto campo de pesquisa, com ingredientes fenomenólogicos muito variados [1313. U. Frisch, Turbulence: the legacy of A.N. Kolmogorov (Cambridge University Press, Cambridge, 1995)., 1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000)., 1515. M. Verma, Energy Transfer in Fluid Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2019).]. Nossa discussão está centrada no que pode se denominar o problema mínimo da turbulência , voltado para o entendimento dos mecanismos subjacentes à turbulência estatisticamente homogênea e isotrópica em fluidos incompressíveis. Este é o problema fundamental, a partir do qual novos resultados e caminhos alternativos de compreensão podem vir a ter grande potencial heurístico no estudo da turbulência em contextos ainda mais complexos.

A fim de tornar o texto tão autocontido quanto possível, acenamos, na Seção 2 2. As equações de Navier-Stokes 2.1. Equação do movimento Após o enorme sucesso da mecânica Newtoniana na descrição do movimento de partículas pontuais, a generalização para o tratamento de corpos extensos era um passo natural, no que ficou conhecido como mecânica do contínuo . O caso de um corpo rígido , em que não há movimento relativo entre constituintes do sistema, é o mais simples e leva a leis que exibem notável analogia com as leis de Newton para uma partícula. Um dos grandes desenvolvedores da mecânica do contínuo foi Euler, que não somente avançou o problema do corpo rígido (com a introdução dos ângulos de Euler e de seu teorema da rotação por exemplo) mas foi também um dos precursores da dinâmica de fluidos. Se um corpo extenso não é perfeitamente rígido, é preciso considerar os efeitos das forças internas em sua deformação. Sobre um dado elemento de massa podem agir forças perpendiculares à sua superfície – dando origem a tensões normais, conhecidas simplesmente como pressões – ou paralelas a ela, produzindo as chamadas tensões de cisalhamento. Um sólido caracteriza-se por resistir a tensões de cisalhamento, deformando-se até que elas sejam equilibradas por forças internas. Em contrapartida, um fluido é um sistema que não é capaz de resistir a tensões de cisalhamento, por menores que sejam, deformando-se continuamente de modo a escoar. Foi Euler quem introduziu a ideia de um campo de pressão para descrever as forças internas de um fluido. Com isso ele deduziu a equação de conservação do momento linear de um elemento de fluido deslocando-se sem dissipação de energia, i.e., no caso de um fluido ideal [17, 18]. A observação central é que na ausência de viscosidade as forças internas são perpendiculares às superfícies de um elemento de fluido (que podem apenas “empurrar” uns aos outros) e portanto descritas como pressões. A diferença de pressão entre faces opostas da superfície produz uma aceleração na direção normal a elas. Ocorre que a aceleração de um elemento pode sinalizar dois tipos de fenômeno. Ainda que o escoamento seja estacionário e não varie temporalmente, o elemento pode mover-se entre regiões com velocidades distintas. Ou, mesmo em uma região espacialmente homogênea, o campo de velocidades pode estar variando no tempo. Matematicamente isso é expresso pela derivada material (ou advectiva ) DD⁢t, de modo que a aceleração local de fluido se escreva a = Du/Dt = ∂⁡u/∂⁡t + (u⋅∇)u, onde u(x,t) é o campo vetorial de velocidades e ∇=x^⁢∂/∂⁡x+y^⁢∂/∂⁡y+z^⁢∂/∂⁡z é o operador vetorial de diferenciação. Com esses ingredientes inseridos na segunda lei de Newton para um elemento de fluido – e o leitor encontrará a dedução detalhada em livros introdutórios de dinâmica de fluidos e turbulência (e.g. [14]) – obtém-se a chamada Equação de Euler para u(x,t), (2) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + f , sendo p(x,t) o campo de pressão e f(x,t) a resultante de eventuais forças externas, ambas por unidade de volume por unidade de massa. Euler identificou ainda uma questão fundamental: ao ser pressionado, um elemento poderia em princípio comprimir-se ou expandir-se, de modo que sua densidade variasse. Para levar isso em consideração, nas palavras do próprio Euler (em tradução livre), “é necessário conhecer a lei segundo a qual sua elasticidade depende da densidade (…), ou ainda de uma outra propriedade, como o calor” [17]. As relações entre densidade, pressão e temperatura só foram estabelecidas posteriormente com a termodinâmica e as equações de estado, entretanto Euler pôde desenvolver o caso incompressível , no qual a densidade do fluido permanece constante. De fato isso já foi utilizado ao escrevermos (2) sem a densidade: na prática ela é tomada como 1 com uma escolha conveniente de unidade de massa. Nessa situação a equação de continuidade leva a uma condição simples para o campo de velocidade, impondo-lhe divergência nula [14], (3) ∇ ⋅ u ⁢ ( x , t ) = 0 . As (2) e (3) juntas formam um conjunto completo de equações para os campos u(x,t) e p(x,t). A pressão é determinada tomando-se a divergência de (2) e substituindo-se (3), o que leva a uma equação de Poisson que pode ser resolvida empregando-se funções de Green. Isso explicita que além de não-linear, a equação de Euler é também não-local: o campo de pressão ajusta-se instantaneamente para manter o fluido incompressível. Esses são os fatores que tornam seu tratamento analítico um problema matematicamente difícil. É importante observar que a hipótese de incompressibilidade encontra grande aplicação prática, sendo uma excelente aproximação mesmo para o escoamento de gases quando as escalas de velocidade envolvidas são muito menores que a velocidade do som. Embora também forneça uma aproximação útil em algumas situações, a hipótese de fluido ideal por outro lado levava a dificuldades mais profundas. Onze anos após a publicação de Euler, d’Alembert mostrou que um objeto sólido movendo-se no interior de um fluido ideal em acordo com (2) e (3) não sofreria qualquer resistência ao movimento, o que ficou conhecido como paradoxo de d’Alembert [19]. A determinação do arrasto sobre um corpo submerso em um escoamento é um dos problemas centrais de ordem prática que a mecânica dos fluidos deveria resolver, e portanto o resultado de d’Alembert era drástico. Em seu trabalho pioneiro, Navier buscou incluir o efeito da viscosidade molecular na equação de Euler [20]. Ele recuperou um princípio antigo de Newton, que havia observado que a tensão cisalhante numa superfície do fluido é proporcional à sua taxa de deformação. Se a velocidade não varia espacialmente, um elemento de fluido apenas desloca-se sem deformar, portanto a taxa de deformação é determinada pelo gradiente de velocidade. Em notação moderna, se τij é a tensão de forças agindo na direção j sobre a superfície cuja normal está na direção i, então as observações de Newton levam a τij = μ(∂⁡uj/∂⁡xi + ∂⁡ui/∂⁡xj), onde a constante de proporcionalidade μ é uma propriedade do fluido chamada viscosidade dinâmica . Esse tipo de relação entre tensões e resposta de deformação é conhecida como relação constitutiva, e fluidos para os quais τij é linear com a deformação são ditos newtonianos. Comportamentos mais complexos são observados, existindo uma grande variedade de fluidos não-newtonianos [21] que dão origem a fenômenos surpreendentes, como nas populares demonstrações em que é possível até caminhar sobre uma mistura de água e amido de milho. Com o termo adicional de viscosidade newtoniana em (2), e novamente referimos o leitor a livros-textos para detalhes [14, 22], temos (4) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + ν ⁢ ∇ 2 ⁡ u + f , sendo a viscosidade dinâmicaν a razão entre μ e a densidade. As (3) e (4) em conjunto são conhecidas como equações de Navier-Stokes incompressíveis , em referência ainda ao influente trabalho de Stokes, que considerou o papel da viscosidade e estudou soluções em diversos cenários de relevância prática [20]. O trabalho de Saint-Venant em 1846 [23] mostrou que a origem do paradoxo de d’Alembert estava na desconsideração dos efeitos viscosos, e uma melhor compreensão veio mais tarde com o desenvolvimento da teoria da camada limite por Prandtl, em 1904 [19]. No entanto, destacamos que não há, ainda, uma solução completa e satisfatória do paradoxo de d’Alembert. Uma observação importante sobre as equações de Navier-Stokes é que enquanto os termos já presentes em (2) são exatos, o termo de viscosidade é fruto de um modelo, não sendo evidente se continua representando uma boa descrição de fluidos reais em situações extremas. As comparações de soluções numéricas com experimentos mostram, porém, excelente acordo dentro dos limites atingidos pelas simulações, e os fenômenos que discutiremos aqui são observados tanto em experimentos quanto em soluções numéricas. De todo modo, o estudo do comportamento das soluções de (4) é um problema importante na matemática e por isso fala-se às vezes em turbulência de Navier-Stokes . 2.2. O número de Reynolds A única propriedade do fluido que aparece em (4) é a viscosidade ν, que deve portanto codificar as diferenças observadas no escoamento de fluidos de naturezas distintas. Ademais, as equações devem conter a miríade de comportamentos observados em um mesmo fluido, como a água que flui suavemente em um riacho ou que cai violentamente de uma cachoeira. Ao adimensionalizar (4), Stokes percebeu uma similaridade muito geral, com um único parâmetro adimensional governando todos esses aspectos [24]. Se medirmos distâncias em termos de uma escala L típica que chamaremos de escala integral (como as dimensões de um objeto imerso ou de uma tubulação por exemplo), e velocidades em termos de uma escala típica de velocidades U (dada pela velocidade de injeção ou pelas diferenças de velocidade introduzidas por forças externas), então obtemos variáveis dinâmicas adimensionais com as mudanças (5) x → L ⁢ x , u → U ⁢ u , t → L U ⁢ t , f → U 2 L ⁢ f , p → U 2 ⁢ p , notando-se que nesse caso os operadores de diferenciação transformam-se conforme ∇→1L⁢∇ e ∂/∂⁡t→UL⁢∂/∂⁡t. Substituindo em (4) obtemos então as equações de Navier-Stokes adimensionalizadas, (6) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + 1 Re ⁢ ∇ 2 ⁡ u + f , onde (7) Re ≡ U ⁢ L ν é o chamado número de Reynolds (adimensional, uma vez que ν possui dimensões de comprimento ao quadrado por tempo). Ele contém toda a informação física além das condições de contorno e, consequentemente, é o único parâmetro a regular o comportamento observado em uma dada geometria. Embora essa similaridade tenha sido obtida primeiramente por Stokes, ela foi explorada e popularizou-se a partir do trabalho de Reynolds [25], que analisou experimentalmente a transição para a turbulência no escoamento em tubulações. Intuitivamente sabemos que o escoamento torna-se mais irregular em altas velocidades e que fluidos mais viscosos escoam de forma suave (ou laminar , pois camadas de fluido deslizam umas sobre as outras como lâminas), indicando que a turbulência aparece em altos números de Reynolds. Uma explicação com um sabor físico interessante vem ao reescrevermos (7) como a razão entre duas escalas de tempo, conforme (8) Re = U ⁢ L ν = L 2 / ν L / U ≡ τ d τ a . A escala advectiva τa = L/U relaciona-se às perturbações de velocidade na grande escala introduzidas pelas forças externas ou pela injeção, e por conseguinte ao tempo que as perturbações levam pra se propagar pelo comprimento do sistema L. A escala de tempo dissipativa τd = L2/ν por sua vez está associada à viscosidade, medindo o tempo típico que perturbações levam para serem dissipadas. Quando τd≪τa (Re≪1) as perturbações são suprimidas antes de perturbarem o sistema e o escoamento é laminar. Contudo, se τd≫τa (Re≫1) as perturbações se espalham pelo fluido antes que o mecanismo de dissipação aja, resultando em turbulência. Do ponto de vista matemático, o termo viscoso aumenta a regularidade da solução ao suavizar variações de velocidade entre elementos de fluidos próximos, que tendem a arrastar uns aos outros. Diz-se nesse caso que nas equações de Navier-Stokes a baixo número de Reynolds prevalece o perfil de equação diferencial parcial parabólica [26], correspondendo à dominância dos termos difusivos – tal qual a dissipação em (4). A equação de Euler, em que a viscosidade é exatamente nula, é classificada como uma lei de conservação hiperbólica, cujos casos não-lineares podem levar a ondas de choque e a soluções que tornam-se multivaluadas. É importante observar porém que a questão da convergência das soluções das equações de Navier-Stokes no limite ν→0 para soluções das equações de Euler está longe de ser trivial, em particular no caso tridimensional com fronteiras [27], em virtude da dificuldade em provar-se que as equações são bem postas nesses limites. A própria existência e unicidade de soluções não singulares – em todo tempo e para condições inicias suaves arbitrárias – das equações de Navier-Stokes é um problema matemático aberto, constituindo um dos famosos problemas do milênio do Clay Institute [28]. A transição para a turbulência com o sucessivo aumento do número de Reynolds dá origem a uma rica fenomenologia que guarda marcada semelhança com as propriedades específicas do sistema considerado, tal como a geometria. Embora seja possível manter escoamentos laminares em tubulações a Re muito altos com um extremo controle de perturbações e vibrações [29], instabilidades surgem a partir de um Re crítico e pequenas perturbações desencadeiam a transição. Um sistema arquetípico para estudo dessa transição é o escoamento em torno de um cilindro, cujos regimes observados estão esboçados na Fig. 1a, retirada das célebres Lectures on Physics de Feynman [30]. Figura 1 (a) Esquematização dos diversos padrões de escoamento ao redor de um cilindro, de acordo com o respectivo número de Reynolds (adaptado da Ref. [30]). (b) Resultado de um experimento didático realizado por J. Albright e colaboradores [32], no qual tinta é injetada na posição do cilindro para visualização dos vórtices da esteira de von Kármán. A simetria esquerda-direita (ou mais precisamente jusante-montante ) presente a baixíssimo Re é quebrada com a ocorrência de recirculações formando estruturas vorticais atrás do cilindro. A Re≈100 os vórtices já desprenderam-se e são carregados, formando o belo fenômeno da esteira de von Kármán [31], cuja visualização experimental mediante a injeção de tinta no escoamento é mostrada na Fig. 1b. Esse é um fenômeno comum a escoamentos em torno de obstáculos e pode ser observado facilmente em experimentos caseiros ou até mesmo na atmosfera pela presença de nuvens quando uma massa de ar contorna ilhas e outros obstáculos (o leitor encontrará belíssimas imagens na internet buscando por “Kármán vortex street” ). A Re ainda mais altos, regiões irregulares começam a se formar até que o escoamento após o cilindro apresenta um aspecto completamente turbulento. Uma descrição da física da transição laminar-turbulento é um tema fascinante de pesquisa [33] e tem atraído a atenção de muitos físicos, os quais vêm aplicando técnicas emprestadas de fenômenos críticos e transições de fase [34, 35, 36, 37] e até de modelos de dinâmica ecológica do tipo predador-presa [38]. A seguir comentamos muito brevemente sobre alguns mecanismos básicos de instabilidades hidrodinâmicas, frequentemente responsáveis pela propagação de perturbações no escoamento. 2.3. Instabilidades O exemplo discutido na seção anterior, no qual o escoamento ao redor de um cilindro torna-se progressivamente mais complexo à medida que o número de Reynolds aumenta, nos leva à formulação de perguntas interessantes. Como são produzidos os vórtices da esteira de von Kármán? Como são produzidos vórtices, de forma geral? É necessário que haja obstáculos para que vórtices sejam produzidos? É bem sabido que o escoamento de um fluido ideal invíscido (fluido de viscosidade nula), para o qual a vorticidade (9) ω ⁢ ( x , t ) ≡ ∇ × u ⁢ ( x , t ) anula-se em todo o domínio do fluido, é incapaz de produzir vorticidade no decorrer de sua evolução temporal. Este fato não é nada mais nada menos do que a tradução, na linguagem dos meios contínuos, da lei de conservação do momento angular. Por outro lado, não é difícil mostrar, a partir das Equações de Navier-Stokes, que o momento angular também seria conservado para o escoamento de fluidos viscosos se o campo de velocidade fosse definido em todo o espaço, sem a presença de superfícies materiais confinantes e sem a presença de forças externas que obviamente atuariam como fontes de momento angular (como em um liquidificador ou a força de Coriolis planetária que dispara o aparecimento de furacões e ciclones). Em outras palavras, obstáculos têm papel fundamental, porém não protagonismo exclusivo, na produção de vorticidade. Não existem, de fato, muitos mecanismos físicos distintos para a produção de vorticidade/vórtices. Os primeiros resultados datam das décadas finais do século XIX, no contexto da teoria de fluidos ideais por Lord Kelvin, Helmholtz e Rayleigh (os trabalhos deste último foram posteriormente aprofundados por Taylor) [39, 40, 41, 42, 43]. Estes autores mostraram que estruturas vorticais podem ser produzidas a partir de instabilidades dinâmicas, associadas, no escoamento, a regiões de cisalhamento (Kelvin-Helmholtz) ou a variações de densidade do fluido quando combinadas a gradientes de pressão (Rayleigh-Taylor). A Fig. 2 exemplifica estes fenômenos, no caso mais simples de fluxos bidimensionais. As instabilidades de Kelvin-Helmholtz e Rayleigh-Taylor ocorrem cotidianamente ao nosso redor, como no caso das formas do jato de vapor produzido pelo bico de uma chaleira. Figura 2 Evoluções temporais das instabilidades de Kelvin-Helmholtz (a) e Rayleigh-Taylor (b) em duas dimensões, com o registro de configurações em instantes de tempo sucessivos t1 < t2 < t3. Em (a), o ponto de partida é uma folha de vorticidade na forma de um “eneágono suavizado”. As setas indicam linhas de corrente nas vizinhanças da folha. Em (b), uma interface na forma de gota inicialmente em repouso separa dois meios de densidades ρ1 > ρ2. À medida que a gota cai, devido ao campo gravitacional dirigido para baixo, produz-se vorticidade. Em ambos os casos (a) e (b) observa-se a formação de estruturas vorticais na forma de volutas. Deve-se a Prandtl a descoberta revolucionária, em 1904, de que instabilidades relacionadas a cisalhamentos viscosos são particularmente significativas nas proximidades de superfícies materiais, nas quais a velocidade do fluido se anula (como resultado de forças moleculares atrativas) [44, 45, 46]. À região de transição nas imediações da superfície na qual a velocidade do fluido transiciona de zero para valores que já não dependem da distância à superfície dá-se o nome de camada limite . O achado de Prandtl consiste no fato de que a espessura de uma camada limite pode vir a ser dilatada abruptamente, a jusante do escoamento, fenômeno denominado de separação (ou descolamento ) da camada limite. Guiando-nos pelos padrões de escoamento da Fig. 1a, acrescentamos aqui que a fina camada limite que se forma ao redor do cilindro, laminar e estável para números de Reynolds muito pequenos é instabilizada e se descola da superfíce para números de Reynolds maiores. O gradiente adverso de pressão associado ao descolamento produz uma força que se opõe ao fluxo, fazendo com que no interior da camada limite dilatada pela separação sejam criados os vórtices da esteira de von Kármán. Veja a Fig. 3. Figura 3 Produção de vórtices de von Kármán. Uma linha de corrente γ contorna as proximidades do cilindro, na região de sua camada limite. A pressão no ponto A é maior do que no ponto B (gradiente adverso de pressão), fato que instabiliza a camada limite, provocando seu descolamento nas vizinhanças do ponto B. Nestas condições, o gradiente de pressão adverso é intenso o suficiente para inverter o sentido do escoamento na região de separação. Um vórtice de von Kármán V é assim produzido e subsequentemente transportado pelo escoamento a jusante do cilindro. , às equações de Navier-Stokes da hidrodinâmica de fluidos incompressíveis, ao problema da transição laminar-turbulento e aos mecanismos de criação de vórtices por instabilidades dinâmicas.

Em seguida, ao longo das Seções 3 3. Camada Limite Turbulenta: Uma Fábrica de Vórtices Podemos figurar, de maneira geral, uma camada limite sobre uma superfície como a região do escoamento que é “freada” pela existência de atrito viscoso superficial. Acredita-se que o entendimento detalhado deste fenômeno, um problema científico ainda bastante aberto, será a porta para a solução de vários desafios tecnológicos. Em muitos casos de interesse prático, o que se quer é reduzir as forças de arrasto (isto é, o atrito viscoso), como no movimento de aviões, automóveis ou embarcações. No contexto aeronáutico, um levantamento realizado pelo Wall Street Journal [47] estima que em um voo de 100 passageiros, o valor arrecadado com as passagens pagas por 29 destes será usada para pagar os gastos com combustível. Quando outros custos são contabilizados (taxas governamentais, manutenção, salários, etc) chega-se à espantosa conclusão de que o lucro da companhia área, por voo, advém de um único passageiro! Dessa maneira, qualquer solução tecnológica que leve a uma redução de cerca de 4% das forças de arrasto e, portanto, a uma economia de 4% em combustível, teria o potencial de duplicação de lucro (pois o combustível de um voo seria custeado, agora, por (1−0.04)×29∼28 passageiros). Vale a pena notar que avanços tecnológicos desta natureza serão muito bem-vindos no que diz respeito a questões ecológicas, uma vez que cerca de 14% da massa total de gases de efeito estufa produzidos pela ação humana global tem sua origem nos diversos meios de transporte [48]. A investigação da dinâmica de escoamentos próximos a superfícies tem como um ponto de atenção central o modelo paradigmático ilustrado na Fig. 4. Um fluxo uniforme de fluido de velocidade U⁢x^, produzido no “infinito” a montante, incide paralelamente sobre uma placa plana de espessura desprezível. Como hipótese simplificadora, supomos que não há variações do campo de pressão sobre a placa, de forma que o fluido não é acelerado ou retardado nas suas vizinhanças mais próximas. Figura 4 Um escoamento de velocidade uniforme U incide sobre uma placa plana (retângulo delgado horizontal verde), de espessura ideal nula e paralela ao plano xz. No corte mostrado, ao longo do plano xy, identificam-se três tipos de camadas-limites em sequência. A linha sólida sobre a placa indica, figurativamente, os pontos do espaço para os quais a velocidade do escoamento ao longo do eixo x vale 0.99U. A descrição do movimento do fluido sobre a placa não tem nada de óbvia e traz à luz problemas científicos importantíssimos, abertos até o presente momento. Observe que à distância x do bordo de ataque, podemos definir, analogamente a (8), as escalas de tempo advectiva e dissipativa (10) τ a = x U ⁢ e ⁢ τ d = x 2 ν , de modo que o perfil local do escoamento seja caracterizado pelo número de Reynolds (11) Re x = U ⁢ x ν . Valores pequenos e grandes de Rex correspondem, respectivamente, a posições sobre a placa mais próximas e mais afastadas do bordo de ataque. Esperamos, consequentemente, que a natureza do escoamento seja completamente diferente para esses casos assintóticos. De fato, esta expectativa é corroborada pela experimentação. Regiões suficientemente próximas do bordo de ataque, para as quais Rex≪1 apresentam um perfil de escoamento laminar e estacionário. Esta região foi descrita matematicamente com muito sucesso pela modelagem desenvolvida por Blasius [49], pesquisador do pioneiro laboratório de Prandtl em Göttingen. É comum definir a espessuraδ de uma camada limite (laminar ou não) como o valor de y≡δ para o qual u(x,δ) = 0.99U. Assim, a partir do bordo de ataque, é prevista (com sucesso) no tratamento de Blasius uma camada limite laminar de espessura δ∝x. À medida que nos afastamos do bordo de ataque e, dessa forma, observamos valores crescentes de Rex, experimentos nos mostram que a solução de Blasius torna-se instável e a camada limite laminar cede vez a uma região transicional e, então, mais a jusante do escoamento, a uma camada limite turbulenta (CLT), fatos perfeitamente condizentes com a discussão levantada na Seção II, sobre o papel do número de Reynolds como parâmetro essencial para classificação dos regimes de escoamento. A Fig. 4 esquematiza os três tipos de camada limite individualizados sobre a placa. Os números de Reynolds críticos para o aparecimento dos regimes transicional e turbulento são, respectivamente, Rex≃5×105 e Rex≃3×106 [50]. A CLT, além de não ser estacionária, é separada da região irrotacional do escoamento (mais afastada da placa) por uma interface rugosa flutuante. A espessura média da CLT cresce mais rapidamente com x do que a camada limite laminar, indicando que mais momento linear é retirado do escoamento incidente por unidade de tempo, o que leva a tensões tangenciais maiores. Acredita-se, com base apenas em experimentos e argumentos fenomenológicos – não há ainda teorias de primeiros princípios aqui – que δ∝xα, onde α≃0.8 [50]. É natural compreender, portanto, o mantra repetido por pesquisadores aplicados da área: “Reduza a espessura da camada limite turbulenta e, assim, reduza o arrasto viscoso”. Mantra que é desnecessário ser evocado pelos inspiradores golfinhos, tubarões e outros animais marinhos, para os quais, graças aos milhões de anos de seleção natural, a existência de arrasto viscoso não constitui problema. Acredita-se que a eficiência propulsiva desses seres seja devida a uma certa combinação de fatores, como a presença de texturas epidérmicas específicas, desenhos anatômicos hidrodinâmicos e mecanismos neurais de retorno fisiológico e muscular [51, 52, 53, 54]. Os fenômenos físicos associados ao arrasto viscoso turbulento na CLT ocorrem, de maneira geral, em escalas de comprimento surpreendentemente pequenas se comparadas às dimensões dos corpos ao redor dos quais desenvolve-se o escoamento. Os efeitos viscosos nas CLTs são produzidos nas vizinhanças da superfície material confinante (comumente chamada de parede no léxico da engenharia mecânica), em uma camada de fluido de espessura que é tipicamente da ordem de algumas unidades de comprimento viscoso , ℓ = ν/u∗, onde u∗ é uma escala de velocidade denotada como velocidade de atrito , determinada a partir da tensão de cisalhamento viscoso sobre a superfície. Voltando ao caso da aviação comercial, podemos estimar u∗≃5 m/s e ν≃10−5 m2/s, de modo que ℓ≃2μm sobre a fuselagem. A sustentação de um avião em voo deve-se a mecanismos físicos que se originam numa lâmina de ar ao redor da asa que tem uns poucos micrômetros de espessura! Há cerca de 90 anos, Prandtl e von Kármán formularam a famosa lei da parede que expressa os valores médios de velocidade na CLT como função da distância y à placa. A descrição de Prandtl–von-Kármán faz uso das escalas de velocidade, u∗, e comprimento, ℓ, típicas do escoamento, para introduzir velocidades e comprimentos adimensionalizados, u+≡u/u∗ e y+ = y/ℓ. Para distâncias pequenas da parede, y+ < 5, temos u+≃y+, enquanto que para y+ > 30, observa-se o seguinte perfil logarítmico de velocidades, (12) u + ⁢ ( y + ) = 1 κ ⁢ ln ⁡ y + + C , onde κ≃0.41 é a chamada constante de von Kármán e C≃5 (tais valores podem mudar em função das condições de contorno do escoamento). São conhecidos alguns argumentos fenomenológicos para o estabelecimento da lei da parede [14]. Entretanto, o cálculo sistemático das constantes adimensionais κ e C, desejável em uma teoria física rigorosa da camada limite turbulenta, é, até o presente momento, terra incognita na dinâmica de fluidos. A região de transição e a CLT revelam uma verdadeira fauna de estruturas e fenômenos dinâmicos intermitentes complexos, tais como ondas de Tollmien-Schlichting (na região de transição), rajadas de baixa velocidade (low spead streaks ), vórtices quase-escoamento-alinhados (quasi-streamwise vortices ), vórtices-grampo (hairpin vortices ), eventos de varredura (sweeps ) e ejeção (ejections ). As Refs. [55, 56] contém descrições detalhadas destas estruturas. A Fig. 5 esquematiza a configuração e um vórtice-grampo sobre uma placa plana e os eventos associados de ejeção (movimento de fluido para fora da placa) e varredura (movimento de fluido em direção à placa). A Fig. 6, fruto de simulações numéricas [57], exibe a profusão de vórtices-grampo nas CLTs, também observada em experimentos, após laboriosos tratamentos estatísticos [58]. Figura 5 Um vórtice-grampo que se propaga ao longo da direção x. Esta estrutura pode ser dividida em três partes: duas pernas, uma à esquerda e a outra à direita dos pontos A e B, respectivamente, e uma cabeça AB. A seta curvada entre os pontos A e B, indica o sentido de circulação de fluido ao redor da cabeça do vórtice-grampo. Figura 6 Vórtices-grampo obtidos em simulações numéricas diretas de uma camada limite turbulenta – imagem adaptada de [57]. A seta indica o sentido de movimento do fluido sobre a placa plana. Cores quentes (frias) representam módulo maior (menor) do campo de velocidade. O estudo de vórtices-grampo tem sido foco de atenção especial desde o início da década de 1980, como a chave para se modelar estatisticamente as CLTs. Os vórtices-grampo consistem de tubos de vorticidade que podem ser representados como a composição de dois vórtices paralelos quase-escoamento-alinhados e de circulações opostas, mais próximos às superfícies, e uma região tubular transversal mais elevada. O esforço de modelagem das CLTs por meio destas estruturas está inserida no contexto mais geral da abordagem estrutural da turbulência , discutida a seguir. e 4 4. Abordagem Estrutural da Turbulência Duas questões fundamentalmente importantes têm sido debatidas há décadas nas discussões sobre a modelagem estatística da turbulência: Estruturas com alto grau de coerência espaço-temporal – genericamente denominadas de estruturas coerentes – que transportam vorticidade, como os vórtices-grampo da Fig. 6 ou os tubos de vorticidade observados em simulações numéricas [59], tais como mostrados na Fig. 7, subsistem de fato a fluxos de números de Reynolds assintoticamente altos? Estas estruturas têm papel relevante na caracterização das propriedades estatísticas da turbulência (com enfâse nos casos de turbulência homogênea e isotrópica ou confinada por superfícies materiais)? Figura 7 Vórtices (regiões verde-claras) obtidos em simulações numéricas diretas de um escoamento turbulento homogêneo e isotrópico [59]. Os vórtices foram convencionalmente definidos, nestas simulações, como as regiões do fluido nas quais o módulo da vorticidade está além da sua média por mais de quatro desvios-padrões, isto é, |ω| > ⟨|ω|⟩ + 4σω. Uma grande parte da comunidade fluidodinâmica, seguidora da corrente estrutural, acredita em respostas afirmativas para (i) e (ii). A abordagem estrutural está enraizada na definição do campo de vorticidade (9) que é semelhante à lei de Ampère do eletromagnetismo, se considerarmos que os campos de vorticidade e velocidade são análogos ao campos de densidade de corrente elétrica e magnético, respectivamente. Da mesma forma como correntes elétricas produzem campo magnético, temos o “direito matemático” de imaginar que linhas de vorticidade são as fontes do campo de velocidade. Em outras palavras, o campo de velocidade de um fluxo turbulento pode ser derivado, de maneira geral, a partir do campo de vorticidade por meio da seguinte lei de Biot-Savart fluido-dinâmica: (13) u ⁢ ( x , t ) = 1 4 ⁢ π ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ′ ⁢ ω ⁢ ( x ′ , t ) × ( x - x ′ ) | x - x ′ | 3 . O objetivo central da abordagem estrutural da turbulência é desenvolver modelos que apresentem uma redução expressiva do número de graus de liberdade que descrevem exatamente os estados dinâmicos turbulentos, a partir do postulado de que um fluxo turbulento possa ser descrito como um gás de estruturas coerentes . Na linguagem da teoria da informação, diríamos que o que se almeja é uma compressão significativa do número de bits necessários para representar um estado turbulento. As estruturas coerentes são geralmente entendidas como domínios especiais de linhas de vorticidade “empacotadas”, isto é, tubos de vorticidade ou, simplesmente, vórtices, as fontes dominantes do campo de velocidade, a ser determinado pela aplicação direta da Eq. (13). O programa estrutural de investigação é fortemente motivado por estudos numéricos nos quais se demonstra que as flutuações de velocidade em diversos escoamentos turbulentos podem ser fielmente reproduzidas pela consideração de apenas cerca de 2% do número total de graus de liberdade dinâmicos, claramente ligados à parametrização de estruturas vorticais [12]. Trabalhos pioneiros de Perry e Chong [60] relacionados à modelagem de CLTs como um sistema de vórtices-grampo aleatoriamente dispersos no espaço motivaram diversos desenvolvimentos posteriores ao longo dos últimos 25 anos [56, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67]. Entre os aspectos fenomenológicos de maior atenção, destacamos descrições do fenômeno de arrasto viscoso, do comportamento intermitente amplificado do campo de velocidade na região próxima à parede e do balanço entre entre produção e dissipação de energia cinética turbulenta nas CLTs. É justo afirmar, entretanto, que apesar de progressos recentes consideráveis, a abordagem estrutural ainda não foi capaz de consolidar, de forma sistemática, resultados quantitativos expressivos, como a Lei da Parede (12). Podemos elaborar, aqui, uma analogia instrutiva entre a abordagem estrutural e desenvolvimentos da física estatística. Argumentos simples e bem conhecidos da teoria cinética dos gases conduzem à lei dos gases ideais, PV = nRT, a partir da suposição de que um gás ideal é definido como um sistema composto por um número enorme de partículas fracamente interagentes. A abordagem estrutural pode ser entendida, sob um prisma metodológico análogo, como uma teoria cinética da turbulência, na qual partículas são trocadas por estruturas vorticais, com as quais pretendemos derivar um certo número de leis fenomenológicas importantes. As dificuldades encontradas no contexto turbulento são evidentemente muito maiores: comparadas às partículas de um gás ideal, estruturas vorticais são mais complexas, não são indefinidamente estáveis e estão fortemente acopladas entre si. Fluxos turbulentos, como ponto de partida, são análogos aos gases não-ideais fortemente interagentes da mecânica estatística. 4.1. Mas, afinal, o que são vórtices? O que é um átomo de hidrogênio? Dez entre dez físicos responderão confiantemente a esta pergunta, de maneira bastante semelhante. Entretanto, por mais paradoxal que possa soar, frente à pergunta “o que é um vórtice?”, esperaremos encontrar muitas respostas qualitativamente e quantitativamente diferentes, ou, até mesmo, uma certa hesitação embaraçosa por parte de especialistas em dinâmica de fluidos. Vórtices ou estruturas coerentes, de maneira mais geral, não são objetos físicos que possuem definição única [68, 69]. Todos concordam, vagamente, que um vórtice deve representar uma estrutura do escoamento na qual elementos de fluido giram (não necessariamente em órbitas fechadas) ao redor de alguma direção do espaço. É o que observamos, por exemplo, quando abrimos o ralo de um tanque de água ou quando apreciamos os incríveis vídeos de tornados ou furacões. Nestes dois últimos casos, o “ralo” do escoamento é formado por camadas mais altas da atmosfera, para as quais o ar das camadas atmosféricas mais baixas é direcionado após convergir, em rotação, para o centro dessas estruturas. Tornados e furacões movem-se e este fato nos obriga a refinar a nossa vaga definição anterior: em um vórtice, elementos de fluido giram ao redor de alguma direção do espaço que desloca-se com o fluido . É claro que apesar de um certo melhoramento, essa definição de vórtice continua vaga e de pouca utilidade quantitativa. Ela aponta, entretanto, para a necessidade de que a definição em jogo seja invariante por transformações de Galileu. Isto é, ela não deve depender do estado de movimento relativo entre o observador e o fluido. Trajetórias de partículas não são, de fato, invariantes por transformações de Galileu. Consideremos a situação de um ciclista que observa o movimento de uma pequena mancha de tinta impregnada no pneu dianteiro de sua bicicleta. Para o ciclista, a mancha de tinta gira em uma órbita fechada ao redor do eixo de rotação definido pelo cubo dianteiro da bicicleta. Do ponto de vista de um observador parado na calçada, por outro lado, a mancha de tinta executa uma trajetória cicloidal que não orbita circularmente ao redor de eixo algum. Vórtices são tecnicamente definidos, portanto, com o auxílio de prescrições matemáticas postuladas. Vórtices são aquilo que queremos que sejam! A literatura a respeito deste assunto é interessante e extensa [12, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89], dignas de ocupar um longo artigo de revisão. , trazemos à luz, respectivamente, o papel importante que as estruturas vorticais têm em diversos fenômenos da dinâmica de fluidos, como em camadas limites e turbulência homogênea e isotrópica, e as ideias básicas da abordagem estrutural da turbulência.

Na Seção 5 5. A teoria Estatística da Turbulência Homogênea e Isotrópica 5.1. Cascata de Richardson e difusão anômala Até o fim do século XIX o movimento de fluidos foi abordado por uma estratégia puramente fluidodinamicista, i.e., com um tratamento direto das equações de movimento, em geral recorrendo a aproximações ou simplificações. Podemos destacar por exemplo o teorema da circulação de Kelvin, que estabeleceu propriedades fisicamente relevantes de fluidos ideais, além do trabalho de Stokes, que encontrou soluções de (4) desprezando o termo não-linear (equivalente ao caso Re→0) e iniciou o estudo de escoamentos irrotacionais [22]. O êxito na compreensão da turbulência porém era limitado, e ir além da análise de instabilidades mostrava-se difícil. Apenas após o sólido estabelecimento da mecânica estatística e da popularização de ideias da teoria de probabilidades na física (revigorada pela mecânica quântica no início do século XX), uma abordagem estatística à turbulência de fluidos finalmente começou a ser construída. O físico e meteorologista britânico L.F. Richardson teve um papel seminal ao realizar experimentos que revelaram as características peculiares da estatística turbulenta e ao conceber a cascata de energia , uma ideia que moldou a forma como pensamos a turbulência e que impactou o estudo de sistemas não-lineares [90]. Em uma equação diferencial linear, quando escrevemos a solução como uma superposição de “modos”, i.e., elementos de uma base ortogonal do espaço de funções, a linearidade garante que cada modo evolua independentemente dos outros modos e que sua contribuição à solução em todo tempo (medido como a energia associada ao modo) dependa da dinâmica interna do modo e não dos demais. O exemplo mais comum talvez seja a base de Fourier de senos e cossenos, empregada na equação de ondas e de difusão, com a expansão correspondente sendo a série de Fourier. Entretanto, uma das propriedades emblemáticas de uma equação não-linear é que, se a solução for expandida em uma base qualquer de funções, existe interação entre modos. Mesmo se iniciamos com somente um modo ou se energia for injetada em apenas um, novos modos podem surgir por essas interações, fenômeno responsável pela emergência de complexidade nas soluções. Decompondo-se o campo de velocidades em modos de Fourier, o modo u^⁢(k) de vetor de onda k pode ser interpretado como flutuações de velocidade em uma escala r∼1/|k|. A equação de Navier-Stokes no espaço de Fourier para a componente i de um modo assume a forma (14) ∂ ⁡ u ^ i ⁢ ( k ) ∂ ⁡ t + ( δ i ⁢ j - k i ⁢ k j k 2 ) ⁢ ∫ d 3 ⁢ q ⁢ ( ı ⁢ q m ) ⁢ u ^ m ⁢ ( k - q ) ⁢ u ^ j ⁢ ( q ) = - ν ⁢ k 2 ⁢ u ^ i ⁢ ( k ) + f ^ i ⁢ ( k ) , onde adotamos a convenção de somas sobre índices repetidos, ı é a unidade imaginária e o termo de pressão foi substituído pela solução da equação de Poisson mencionada na Seção 2.1 (dando origem ao termo contendo kikj, uma projeção em modos transversos que assegura a incompressibilidade). A forma (14) consequentemente explicita as interações entre modos a que nos referimos: a evolução do modo associado a um dado vetor de onda k depende dos demais modos q, justamente em virtude da não linearidade. Dessa maneira, se a força externa f injeta energia em uma escala típica L, criando flutuações de velocidade relevantes nessa escala, outros modos começarão a ser excitados e esperamos ver perturbações em escalas diferentes propagando-se pelo sistema. Mas na turbulência, como se dá essa propagação? Um fluido torna-se turbulento quando perturbações em escalas cada vez menores começam a emergir. Na água que flui de maneira muito suave em um canal por longas distâncias, a velocidade é praticamente constante em todos os pontos, logo as perturbações são nulas mesmo em escalas longas. Contudo, em uma região mais turbulenta, a velocidade varia rapidamente ponto a ponto, e temos flutuações de velocidade ocorrendo em distâncias pequenas. Essa ideia intuitiva já era explorada nas artes há tempos, e é muito didaticamente empregada na icônica xilogravura A Grande Onda de Kanagawa , do artista japonês Hokusai, que tornou-se uma das obras mais reconhecidas e reproduzidas mundialmente [91], mostrada na Fig. 8. Figura 8 A Grande Onda de Kanagawa (Kanagawa oki nami ura ), de Hokusai (c. 1831). Para criar o efeito dramático da turbulência, Hokusai insere escalas cada vez menores nas pontas das ondas. Ademais, o uso de estruturas contidas em estruturas maiores que por sua vez compõem outras ainda maiores, todas exibindo uma certa similaridade – de forma semelhante a um fractal – é de uma intuição extraordinária do artista, conforme veremos mais adiante. Richardson imaginou assim uma cascata em que a energia é injetada nas grandes escalas via a criação de estruturas de grande escala – turbilhões – e é transferida a escalas sucessivamente menores, com turbilhões quebrando-se em turbilhões menores, os quais produzirão outros ainda menores, uma imagem que costuma ser caricaturada em esquemas como o da Fig. 9. Isso ocorre até que as flutuações atinjam distâncias suficientemente pequenas para que os gradientes de velocidade tornem-se suficientemente grandes e a viscosidade atue, dissipando energia. Como mostra e equação (14), o termo de viscosidade ganha importância quando o módulo do vetor de onda cresce, i.e., nas pequenas escalas. Figura 9 Representação pictórica da cascata de Richardson. A grande intuição de Richardson foi diante disso perceber que a injeção de energia define a escala integral L do escoamento e a dissipação ocorre somente nas pequenas escalas, em virtude da viscosidade molecular. Essa transferência de energia das grandes para as pequenas escalas deveria estar contida na dinâmica das equações de Navier-Stokes, guiando as interações entre modos em (14). A busca de uma descrição quantitativa da cascata foi um problema de importância central para a turbulência e a primeira grande resposta foi a distribuição espectral de Kolmogorov referida na Eq. (1) e esboçada nas notas de Fermi. Aqui é interessante mencionar, retomando o diálogo com a arte, os famosos esboços de Leonardo da Vinci, que observou minuciosamente o movimento de turbilhões, aliando curiosidade científica a estudos artísticos. O leitor encontrará alguns dos desenhos em diversas referências [13, 92, 93, 94] e mecanismos de busca na internet, porém chamamos a atenção para uma das descrições que acompanham as imagens e que contém ideias qualitativas da cascata de Richardson, quase 500 anos antes [94]. Em tradução livre: … os menores turbilhões são quase incontáveis, e coisas grandes são rotacionadas somente pelos turbilhões grandes e não pelos pequenos, e coisas pequenas são giradas por turbilhões pequenos e grandes. O trecho retrata não somente a existência de estruturas de várias escalas (de fato, o próprio conceito de vórtice e estrutura coerente na turbulência pode ser rastreado até da Vinci), mas também o fato de que são as grandes que carregam a maior parte da energia – sendo assim capazes de rotacionar objetos grandes – enquanto os pequenos são os mais numerosos. Isso é consonante com a ideia de que turbilhões grandes originam vários menores, que por sua vez podem produzir ainda mais turbilhões menores e assim por diante, de modo que o número dos menores turbilhões seja enorme. Uma segunda notável contribuição de Richardson veio com a análise da dispersão de partículas transportadas por um fluido turbulento, um trabalho que abriu as portas para a análise estatística na turbulência. O desafio era entender como se comporta a distância média r(t) entre um par de partículas soltas no escoamento. A teoria da dispersão Browniana havia sido desenvolvida por Einstein no início do século [95], e uma de suas consequências é que partículas microscópicas imersas em um fluido em repouso difundem-se por ação do movimento aleatório das moléculas, de forma que a distância quadrática média entre pares cresce linearmente com o tempo, i.e., ⟨r(t)2⟩∼t. Esse resultado pode ser obtido a partir da equação de difusão (ou Lei de Fick), que rege a evolução da concentração de partículas ρ(r,t) conforme (15) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t = ∇ ⋅ ( D ⁢ ∇ ⁡ ρ ) , onde D é o coeficiente de difusão (suposto constante). Para partículas inicialmente concentradas na origem, a solução fornece uma concentração gaussiana ρ∼(1/4πDt)3/2exp⁡[−r2/(4Dt)] cuja variância 2Dt cresce linearmente com o tempo, mostrando que a dispersão de partículas cresce dessa maneira. Se no entanto o fluido fosse turbulento, experimentos indicavam um comportamento diferente. A realização de experimentos precisos era difícil à época, e o próprio Richardson conduziu alguns em que balões foram soltos na atmosfera e tiveram suas distâncias acompanhadas [90, 96]. A partir de uma coletânea de dados experimentais , ele convenceu-se de que a separação quadrática média dava-se seguindo (16) ⟨ r ⁢ ( t ) 2 ⟩ ∼ t 3 , ou seja, de maneira consideravelmente mais rápida que em uma difusão simples, um regime hoje chamado de superdifusivo e típico em sistemas complexos. A turbulência é, portanto, um mecanismo muito eficiente de mistura, o que explica porque mexemos o café com uma colher para espalhar o açúcar! Richardson interpretou o resultado em termos da ação de estruturas de várias escalas. Os turbilhões de tamanho típico ℓ∼r(t) são mais efetivos no processo de dispersão, que deve portanto depender da escala e com o conteúdo energético das escalas distribuindo-se de acordo com a cascata de energia. Nesse espírito, ele desenvolveu uma teoria pioneira de difusão anômala para a distribuição de probabilidades das distâncias entre partículas, generalizando a lei de Fick para o que chamou de “difusão não-Fickeana”: o caso em que o coeficiente de difusão D não é mais constante e varia com a escala [97]. Trabalhando em uma dimensão, por simplicidade, ele propôs em (15) um coeficiente de difusão D=K⁢r43 (sendo K constante), e com a troca de variáveis r′ = r1/3 obteve uma equação de difusão simples de solução também Gaussiana, ρ(r′,t)∼(4tK)−3/2exp⁡[−r′⁣2/(4tK/9)], cujo segundo momento estatístico em termos de r pode ser calculado analiticamente e fornece justamente (16). O estudo da difusão anômala desenvolveu-se enormemente desde então, encontrando aplicações em muitas áreas de sistemas complexos [98]. O resultado (16) contém informação profunda sobre a dinâmica turbulenta em Navier-Stokes, sendo uma manifestação da física estatística não trivial envolvida no sistema, e pôde ser entendido pela teoria de Kolmogorov discutida na Seção 5.4. Observamos que posteriormente Batchelor [99] refinou a teoria de Richardson mostrando que a tempos curtos a dispersão de pares guarda memória da separação inicial r0 entre as partículas e dá-se por um regime balístico, (17) ⟨ ( r ⁢ ( t ) - r 0 ) 2 ⟩ = f ⁢ ( r 0 ) ⁢ t 2 , sendo f uma função conhecida. O leitor perceberá que trata-se do comportamento esperado entre partículas que movem-se com velocidade constante. Para tempos longos essa memória é perdida, ocorrendo uma transição para o regime (16). Recentemente, a dispersão de Richardson foi descrita por um mecanismo físico simples de iteração de dispersões balísticas cujas propriedades variam com a escala seguindo a teoria de Kolmogorov [100]. A Fig. 10 mostra uma compilação de resultados experimentais e numéricos demonstrando os regimes (16) e (17) e o acordo com o modelo de [100]. É interessante notar como os experimentos reportados não atingem o regime de Richardson, uma consequência da enorme dificuldade envolvida nas técnicas experimentais de rastreamento de partículas [101]. Figura 10 Separação quadrática média entre pares de partículas como função do tempo (normalizado pelo tempo de transição entre regimes t0). Círculos: experimentos. Demais símbolos: simulações numéricas diretas das equações de Navier-Stokes. As leis de potência associadas aos regimes de Batchelor (17) e Richardson (16) estão indicadas. Linhas contínuas representam modelos discutidos em [100]. Figura reproduzida de [100]. Destacamos ainda que, mais tarde, discutiu-se como na turbulência plenamente desenvolvida (o limite Re→∞) o regime de dispersão de Richardson é atingido independente da separação inicial entre as partículas [102, 103, 105, 104, 106], ou em outras palavras, ele ocorre mesmo para partículas que partam infinitamente próximas! Esse fenômeno indica a não unicidade das trajetórias de partículas e ficou conhecido como estocasticidade espontânea [107, 106, 108]. Ele está relacionado a algumas propriedades matemáticas singulares do campo de velocidades no limite Re→∞ que discutiremos adiante e consiste em um dos mais instigantes temas de pesquisa atual. 5.2. Taylor e a teoria estatística O resultado (16) de Richardson possui um aspecto adicional extremamente poderoso: a ideia de universalidade na turbulência. Vimos nas seções 2 e 3 que a presença de obstáculos e superfícies produz uma fenomenologia muito rica, com a física próxima a paredes exibindo características marcadamente distintas daquelas mais distantes. Isso não é exatamente surpreendente, dado que superfícies são responsáveis por quebrar a invariância de Galileu das equações de Navier-Stokes. A equação (16) porém não faz qualquer menção a direções. Richardson tinha em mente uma situação em que as partículas estão muito distantes de quaisquer superfícies e pontos onde a turbulência está sendo produzida. Essa era uma ótima hipótese em seus experimentos com balões por exemplo, uma vez que a turbulência na atmosfera em altitudes suficientemente grandes já não deve sofrer influência do efeito do solo. A hipótese fundamental na análise de Richardson é, portanto, a restauração das simetrias de translação e rotação, o que produz uma turbulência homogênea e isotrópica . Apoiando-se na figura da cascata de energia, essa deve ser a turbulência característica das pequenas escalas, já que os mecanismos de injeção de energia tipicamente quebram as simetrias e agem nas grandes escalas. O brilhante físico britânico G.I. Taylor reconheceu esse aspecto do resultado de Richardson e fundou o que hoje conhecemos como teoria estatística da turbulência homogênea e isotrópica [7, 109, 110]. Sua proposta é desvendar a natureza universal da turbulência por meio de leis estatísticas, revelando a estrutura das pequenas escalas e, por conseguinte, o que há de mais fundamental na própria dinâmica interna de um escoamento turbulento. Embora o comportamento exato de um escoamento turbulento fosse errático e imprevisível, o que evidenciava-se era que leis previsíveis e reprodutíveis poderiam ser deduzidas no âmbito estatístico, de forma semelhante ao que acontecera na teoria cinética dos gases por exemplo. Em nota histórica, mencionamos que Taylor fora orientado por J.J. Thomson em Cambridge e ficou conhecido ao publicar, ainda como estudante de graduação, um artigo mostrando que a interferência de luz visível resultava em franjas mesmo com fontes de luz extremamente fracas, as quais levaram 3 meses para produzir uma imagem suficientemente clara em uma chapa fotográfica [111]. Embora nem o efeito fotoelétrico de Einstein nem as expressões ‘quanta de luz’ ou ‘fótons’ sejam mencionadas no artigo, hoje interpreta-se o experimento como se um fóton fosse emitido por vez, e o resultado frequentemente aparece em abordagens pedagógicas como a verificação de que efeitos de interferência não resultam da interferência entre dois fótons diferentes [112]. É interessante que apesar do trabalho com Thomson, Taylor não tenha enveredado pelo excitante desbravamento da nascente física quântica, optando por construir uma carreira na mecânica dos fluidos em que foi extremamente bem sucedido e considerado “um dos mais notáveis cientistas do século XX” [113, 114]. Como objeto matemático, Taylor buscou descrever as funções de correlação (ou correlatores ) do campo de velocidades. As funções de correlação são objetos fundamentais na descrição estatística de variáveis flutuantes. Com elas é possível calcular o valor esperado de observáveis físicos relevantes e sob certas hipóteses pode ser mesmo possível reconstruir a distribuição estatística completa desses observáveis. Acima de tudo, elas fornecem uma valiosa intuição a respeito das propriedades físicas de um sistema que flutua, refletindo suas simetrias. A função de correlação mais simples do campo de velocidades turbulento é o correlator velocidade-velocidade, ou função de correlação de dois pontos, (18) R i ⁢ j ⁢ ( x , x ′ , t , t ′ ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x ′ , t ′ ) ⟩ , onde a notação ⟨𝒪⟩ representa a média de um observável 𝒪. Nesse ponto é importante chamar atenção para o que queremos dizer com ‘média’. Embora seja um fenômeno inerentemente fora do equilíbrio, podemos pensar em uma turbulência estacionária no sentido estatístico, i.e., em que as propriedades estatísticas não variem no tempo. Essa situação é atingida quando a taxa de injeção de energia é igual à taxa de dissipação, o que eventualmente ocorre se a taxa de injeção for mantida constante, pois estruturas de escalas cada vez menores vão sendo criadas, e, conforme argumentamos anteriormente, estruturas de pequenas escalas são muito eficientes em dissipar energia. A turbulência já foi, por causa disso, chamada de uma “máquina infernal de dissipar energia” [115]. Nesse regime estacionário, médias podem ser tomadas temporalmente. Porém uma outra maneira de considerar médias é por meio dos ensembles estatísticos , um conceito introduzido por Gibbs na mecânica estatística [116]. A ideia é tomar médias sobre réplicas – ou realizações – do sistema produzidas ou a partir de condições iniciais diferentes ou empregando realizações distintas, porém estatisticamente equivalentes, dos mecanismos externos de injeção de energia. A equivalência entre essas duas formas de considerar médias está por trás da chamada hipótese ergódica, da qual faremos uso indiscriminado aqui. A estacionariedade leva-nos a uma primeira conclusão acerca do Rij de (18): trata-se de uma função somente de t−t′. De modo análogo, a hipótese de homogeneidade espacial garante que Rij dependa somente de x′−x, enquanto a isotropia restringe-o ainda mais, impondo que seja um tensor cartesiano de segunda ordem. Taylor analisou funções de correlação em um mesmo tempo, as quais definimos, incorporando essas simetrias, como (19) R i ⁢ j ⁢ ( r ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x + r ⁢ e ^ 1 , t ) ⟩ , onde escolhemos um sistema de eixos com direção do versor da base e^1 definida por r. Esse correlator tem uma importância fundamental ao oferecer uma forma de medir como a energia se distribui pelas escalas do sistema. Em outras palavras, através dele é possível quantificar a cascata de Richardson! Taylor foi responsável por formular o problema dessa maneira, mas uma primeira solução veio mais tarde com Kolmogorov. O ponto é que 12⁢Ri⁢i⁢(0)=12⁢⟨u2⟩, que é a densidade de energia média. Assim, definindo o espectro de energia tridimensional E3d(k) como a transformada de Fourier de Rii(r) (a qual, por isotropia, dependerá somente do módulo do vetor de onda k = |k|), temos, pela transformada inversa, (20) R i ⁢ i ⁢ ( r ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ e i ⁢ k ⋅ r ⁡ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) . Em r=0, (21) R i ⁢ i ⁢ ( 0 ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) = ∫ 0 ∞ d k ⁢ 4 ⁢ π ⁢ k 2 ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) , onde realizamos a integral angular. Definindo agora o espectro de energia , mencionado na introdução e na Eq. (1), segundo E(k) = 2πk2E3d, obtemos finalmente (22) 1 2 ⁢ ⟨ u 2 ⟩ = ∫ 0 ∞ d k ⁢ E ⁢ ( k ) , que descreve a densidade de energia total como uma soma particionada entre as energias dos modos de Fourier. Encontrar E(k) seria entender como a energia se distribui entre as diferentes escalas r∼1/k do sistema, uma informação intimamente vinculada à dinâmica turbulenta, e portanto em última instância à dinâmica das equações de Navier-Stokes no regime turbulento. A inclusão da dinâmica era um problema mais difícil que logo passou a ser atacado, entretanto alguns aspectos cinéticos da teoria estatística foram antes desenvolvidos por Taylor e outros, deduzindo consequências das hipóteses de homogeneidade, isotropia e incompressibilidade que poderiam ser testadas. A isotropia faz por exemplo com que várias das componentes do tensor Rij sejam semelhantes, no entanto há que se separar alguns casos. O comportamento de (19) é diferente quando envolve uma componente de velocidade na própria direção e^1 em comparação a casos com apenas componentes ortogonais, já que o vetor r introduz uma direção privilegiada na discussão. R11(r) é a função de correlação de dois pontos longitudinal e R22(r) = R33(r) são funções de correlação de dois pontos transversais, essas idênticas por isotropia. Se considerarmos correlatores adimensionalizados pela variância de uma das componentes da velocidade (todas idênticas por isotropia), obtemos objetos que devem exibir um comportamento universal em sistemas turbulentos diversos, desde que as hipóteses de homogeneidade e isotropia se verifiquem. Ademais, von Kármán deduziu, puramente a partir dessas hipóteses, a seguinte relação entre correlações longitudinais e transversais [117] (23) R 22 ⁢ ( r ) = R 11 ⁢ ( r ) + r 2 ⁢ d d ⁢ r ⁢ R 11 ⁢ ( r ) , cuja demonstração pedagógica o leitor encontraŕá em textos introdutórios [14, 118, 119]. Seu grande apelo é a simplicidade na verificação experimental. Comprovar diretamente se um escoamento é compatível com homogeneidade e isotropia requer a medição simultânea do campo de velocidades em uma enorme quantidade de pontos do espaço, um desafio que ainda hoje não é simples em três dimensões. A verificação de (23) por outro lado requer a medida em somente dois pontos. Trabalhando com dados de [120], Taylor observou experimentalmente [7] a relação (23), que tornou-se um método consagrado para avaliar o grau de isotropia em experimentos e simulações numéricas de fluidos turbulentos. Note que como as correlações caem com a distância, temos dR11/dr < 0 e consequentemente (23) mostra que as correlações transversais decaem mais rapidamente que as longitudinais. Uma utilidade adicional dos Correlatores (19) é a definição quantitativa precisa da escala integral L (dos maiores turbilhões do escoamento) e por conseguinte do número de Reynolds em escoamentos homogêneos e isotrópicos. A Definição (7) inclui L, que é evidente em situações com obstáculos ou fronteiras, mas que agora está implicitamente associada à escala de injeção de energia. Ela pode então ser definida como uma escala típica de correlação, conforme por exemplo (24) L = ∫ 0 ∞ R 22 ⁢ ( r ) u 0 2 ⁢ d r , onde u02=R11⁢(0)=R22⁢(0)=R33⁢(0) é a variância de uma componente da velocidade (u0 também é comumente denominada velocidade quadrática média ou urms). Desse modo, o número de Reynolds é dado por Re = Lu0/ν. Este número de Reynolds refere-se, pois, a flutuações na grande escala L. Taylor identificou uma outra escala característica da turbulência, contudo relativa a flutuações locais, a microescala de Taylor (25) λ = u 0 ⟨ ( ∂ ⁡ u 1 / ∂ ⁡ x 1 ) 2 ⟩ , em que o gradiente de velocidade é empregado. O número de Reynolds-Taylor Reλ = λu0/ν é normalmente o parâmetro adimensional mais utilizado para descrever experimentos e simulações numéricas de escoamentos homogêneos e isotrópicos. Cabe aqui um breve comentário sobre soluções numéricas das equações de Navier-Stokes. Os formidáveis desafios de instrumentação na obtenção de resultados experimentais precisos faz com que hoje a fonte mais abundante de dados para a verificação de teorias estatísticas da turbulência homogênea e isotrópica sejam as chamadas simulações numéricas diretas (conhecidas pela sigla em inglês DNS), como a retratada na Fig. 7, de [59]. Nelas, as equações de Navier-Stokes no espaço de Fourier (14) são discretizadas em uma rede e integradas temporalmente. As condições de contorno periódicas naturais da base de Fourier asseguram a homogeneidade. Contudo, como fica claro de (14), o cálculo do termo não linear diretamente no espaço de Fourier não é imediato. O chamado método pseudoespectral é uma forma mais eficiente de obtê-lo [121], e consiste em computar derivadas ∂⁡ui/∂⁡xj no espaço de Fourier a partir de u^i, passar ao espaço físico para o cômputo de (u⋅∇)u via multiplicações simples, e finalmente voltar ao espaço de Fourier para prosseguir com a integração de (14). A disponibilidade do algoritmo da transformada rápida de Fourier faz com que essas trocas de espaço funcional sejam vantajosas computacionalmente. O fator primordial de limitação é a resolução espacial, visto que quanto mais turbulento o regime, menores são as estruturas e as escalas em que ocorre dissipação. Para que toda a gama de escalas ativas seja bem resolvida, o número de pontos necessários na discretização da rede cresce muito rapidamente com o número de Reynolds. O estado da arte dessas simulações encontra-se atualmente em um número de Reynolds-Taylor de Reλ∼1300, com a solução discretizada em uma rede de 163843 pontos [122]. Note que somente para armazenar em memória as três componentes do campo de velocidade em um dado instante nesta resolução, utilizando-se precisão simples, são necessários 3×163843×4 bytes, isto é, quase 53000 gigabytes ou 53 terabytes! 5.3. Lei zero da turbulência e a equação de Kármán-Howarth As primeiras consequências da teoria estatística aplicada à dinâmica de Navier-Stokes foram exploradas ainda por Taylor [109], que analisou a equação de balanço de energia. Tomando-se o produto escalar de (4) com o campo u, integrando-se sobre todo espaço e em seguida realizando-se uma média, obtém-se (26) d d ⁢ t ⁢ E ¯ = - ν 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ + ∫ d 3 ⁢ x ⁢ ⟨ f ⋅ u ⟩ , onde E¯ é a densidade de energia média total (27) E ¯ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ 1 2 ⁢ ⟨ u 2 ⁢ ( x , t ) ⟩ . As parcelas provenientes dos termos advectivo (u⋅∇)u e de pressão −∇⁡p, responsáveis somente pela redistribuição da energia, anulam-se por integrações por partes combinadas com a condição de incompressibilidade. A interpretação de (27) é imediata: a energia no sistema é dissipada pela ação da viscosidade ν e injetada pela força externa f. Identificamos assim as taxas médias de dissipação e injeção de energia, respectivamente, (28) ⟨ ϵ ⟩ = ν 2 ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ , e (29) ⟨ ϵ in ⟩ = ⟨ f ⋅ u ⟩ , e ambas devem coincidir no regime estacionário, (30) ν 2 ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ = ⟨ f ⋅ u ⟩ . Entretanto, para uma dada força externa f é possível aumentar o número de Reynolds reduzindo-se a viscosidade ν, e a turbulência plenamente desenvolvida (no limite Re→∞) equivale ao limite ν→0. Essa observação e (30) indicam que os gradientes do campo de velocidade devem divergir no limite Re→∞, com o campo tornando-se irregular. Sob outro ângulo, é preciso que, no limite em que a viscosidade vai a zero, a taxa de dissipação de energia tenda para um valor constante! Esse fato anti-intuitivo notado por Taylor é uma hipótese subjacente às teorias estatísticas que o sucederam, inclusive à teoria de Kolmogorov da próxima seção, e por isso é às vezes chamado de lei zero da turbulência . Ele vem sendo confirmado por experimentos e simulações numéricas diretas [123, 124], conforme mostrado na Fig. 11 [123], contudo a obtenção de uma prova matemática permanece um problema aberto. Figura 11 Taxa média de dissipação de energia normalizada como função do número de Reynolds-Taylor em diversas simulações numéricas [123]. Observa-se uma convergência para um valor constante conforme Reλ cresce, em acordo com a lei zero da turbulência. Figura reproduzida de [123]. A lei zero expressa o que no jargão da física teórica se conhece como uma anomalia , que é a não restauração de uma simetria no limite em que o parâmetro responsável pela quebra da simetria se anula. A viscosidade é responsável pela quebra da simetria de reversão temporal, em virtude da introdução de dissipação. Não obstante, o que a Fig. 11 indica é que no limite ν→0 a dissipação não se anula e a simetria de reversão temporal não é restaurada. Em vista disso, a lei zero é também conhecida como anomalia dissipativa . A (26) fornece uma equação dinâmica para a densidade de energia, porém após o trabalho seminal de Taylor com os correlatores de velocidade seria natural buscar a dinâmica a que obedecem. T. von Kármán e L. Howarth deduziram essa equação [125], um trabalho que levou a um impacto profundo na teoria da turbulência. Descreveremos alguns passos e consequências, enquanto a demonstração detalhada pode ser encontrada em livros-texto como [126], além da referência original. Considerando-se por simplicidade uma situação sem força externa, logo não estacionária (mas homogênea e isotrópica), a derivada temporal de (19) fornece (31) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ R i ⁢ j ⁢ ( r , t ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ ∂ ⁡ u j ⁢ ( x + r , t ) ∂ ⁡ t ⟩ + ⟨ u j ⁢ ( x + r , t ) ⁢ ∂ ⁡ u i ⁢ ( x + r , t ) ∂ ⁡ t ⟩ . Substituindo-se as derivadas temporais do lado direito pela equação de Navier-Stokes, obtém-se três tipos de termos, provenientes dos termos convectivos, viscosos e de gradiente de pressão. Os termos de gradiente de pressão de (31 anulam-se na turbulência isotrópica. No termo convectivo surgem funções de correlação de dois pontos triplas, como (32) R i ⁢ j ⁢ k ⁢ ( r , t ) ≡ ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x , t ) ⁢ u k ⁢ ( x + r , t ) ⟩ . Aqui tocamos no problema de fechamento da turbulência: para determinarmos a evolução da função de correlação de dois pontos precisamos de funções triplas, cujas evoluções por sua vez necessitam das quádruplas e assim por diante. Uma estratégia de modelagem muito popular, em particular na engenharia, é o truncamento dessa hierarquia de equações em alguma ordem, modelando-se o comportamento da correlação de ordem mais alta. Trata-se de uma abordagem bem sucedida no numericamente em escoamentos de interesse prático. Referimo-nos a [14] para uma introdução pedagógica aos modelos mais tradicionais. Considerando-se todas as representações de tensores isotrópicos de ordem 2 e 3, bem como relações de isotropia como (23), é possível escrever Rij e Rijk como funções apenas dos correlatores longitudinais R11 e R111 respectivamente. Dessa forma, e definindo então os correlatores longitudinais adimensionalizados pela variância de uma componente, u02=R11⁢(0), (33) f ≡ f ⁢ ( r , t ) = R 11 ⁢ ( r ) u 0 2 e K ≡ K ⁢ ( r , t ) = R 111 ⁢ ( r ) u 0 3 , é possível mostrar que (31) leva a (34) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ( u 0 2 ⁢ f ) = u 0 3 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ K ) + 2 ⁢ ν ⁢ u 0 2 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ ∂ ⁡ f ∂ ⁡ r ) , a equação de Kármán-Howarth, um resultado deduzido exatamente a partir da dinâmica de Navier-Stokes e das hipóteses de homogeneidade e isotropia. Naturalmente, ela sofre do problema de fechamento: tanto f quanto K são funções desconhecidas. Todavia, diversos resultados interessantes emanam de (34) e o leitor encontrará um bom compêndio nas referências [118, 126]. O mais significativo entre eles é indiscutivelmente a lei dos 4/5 de Kolmogorov, explorada na próxima seção, que tornou-se o resultado mais importante de toda a teoria estatística da turbulência. 5.4. Kolmogorov e a teoria K41 A.N. Kolmogorov foi um um dos maiores matemáticos do século XX, sendo considerado o pai da teoria moderna das probabilidades, que desenvolveu nos anos 30. Ele nutriu constante interesse por problemas relacionados à física, tendo dado contribuições fundamentais à mecânica clássica por exemplo. Em 1941, carregado de uma exímia intuição física, aplicou, em uma série de três artigos que transformaram a área [4, 5, 6], algumas de suas ideias de probabilidades ao problema da turbulência no limite de altos números de Reynolds, tratando o campo de velocidades como uma variável aleatória. Sua teoria ficou conhecida desde então como K41. Com a imagem da cascata de Richardson em mente, Kolmogorov formulou hipóteses sobre a universalidade de observáveis estatísticos [4]. Sua primeira hipótese traduz a ideia levantada na Seção 5.2 de universalidade nas pequenas escalas, configurando uma hipótese de isotropia local. O mecanismo de injeção de energia introduz em geral anisotropia nas grades escalas, contudo nas escalas menores a redistribuição da energia pela cascata restaura as simetrias. Dessa maneira, Kolmogorov supôs que em um escoamento turbulento com número de Reynolds suficientemente grande a estatística dos movimentos de pequena escala têm uma forma universal dependente somente da viscosidade ν e da taxa média de dissipação de energia, o ⟨ϵ⟩ de (28), uma vez que são os parâmetros dimensionais restantes independentes da escala integral L. Essa hipótese possui consequências físicas bastante significativas. A primeira delas é que, combinando esses dois parâmetros, é possível construir um único conjunto de grandezas com dimensões de comprimento, tempo e velocidade, as chamadas escalas de Kolmogorov, respectivamente (35) η = ( ν 3 ϵ ) 1 / 4 (36) u η = ( ϵ ⁢ ν ) 1 / 4 (37) τ η = ( ν ϵ ) 1 / 2 , onde omitimos ⟨⋅⟩ em ϵ para não carregar a notação, o que faremos até o fim dessa seção. O fato de estarem ligadas à viscosidade já é um forte indicativo de que são escalas características dos menores turbilhões existentes, onde a energia é dissipada. De fato, o número de Reynolds equivalente que formam é Reη = ηuη/ν = 1, mostrando que o escoamento é suave e dominado pela viscosidade nessas escalas. Ademais, combinando (35) e (36) podemos escrever a taxa de dissipação como ϵ = ν(uη/η)2, e comparando essa forma com a definição de ϵ em (28) vemos que uη/η caracteriza os gradientes de velocidade. Uma consequência profunda da primeira hipótese de Kolmogorov é que a estatística de observáveis do campo de velocidade adimensionalizado pelas escalas (35–37), como u/uη, simplesmente não pode depender de ν e ϵ, uma vez que não é possível construir um parâmetro adimensional com essas duas grandezas. Ele deve ser, dessa maneira, universal. Por essa razão a hipótese de Kolmogorov é conhecida como hipótese de similaridade: a estatística do campo de velocidade nas pequenas escalas deve ser similar quando este é reescalados pelas escalas de Kolmogorov. Uma terceira consequência interessante diz respeito à larga gama de escalas da cascata turbulenta. Vimos que o mecanismo de injeção de energia define uma escala integral L, associada aos grandes turbilhões, enquanto η caracteriza as menores estruturas do escoamento. A partir da relação dimensional ϵ∼u03/L, onde u02 é a escala de velocidades típica, definida por exemplo como na Eq. (33), é imediato ver que a razão entre a escala integral e a de Kolmogorov é (38) L η = ( L ⁢ u 0 ν ) 3 / 4 = Re 3 / 4 , revelando como a extensão da cascata cresce com o número de Reynolds. Vemos aqui de forma explícita a questão da complexidade computacional mencionada no fim da Seção 5.2. Em uma simulação tridimensional, se quisermos resolver as escalas de η a L precisamos de uma rede discretizada em um número de pontos que cresce com (L/η)3∼Re9/4. O tempo de simulação também cresce: se a resolução temporal for τη, para alcançarmos o tempo de revolução do grandes turbilhões T∼L/u0 precisamos de um número de passos temporais da ordem de T/τη∼Re1/2. O custo computacional total de uma simulação numérica direta de Navier-Stokes deve por conseguinte crescer com Re11/4, uma potência bastante alta do número de Reynolds! Fundamentado nessa definição das escalas que delimitam a cascata, Kolmogorov propôs uma segunda hipótese de similaridade. Para números de Reynolds suficientemente grandes, há uma faixa de escalas r que são muito menores que a escala integral L porém ainda muito maiores que η de modo a não sofrerem influência nem do mecanismo de injeção de energia e nem da viscosidade. No regime estacionário, ϵ representa tanto a taxa média de injeção de energia nas grandes escalas quanto a de dissipação nas pequenas. Nessas escalas r a energia é somente transferida para escalas menores por efeitos inerciais, e portanto por estacionariedade a taxa média de transferência de energia é também ϵ. Concluímos assim que a estatística nessa faixa de escalas η≪r≪L, denominada faixa inercial , deve depender somente de ϵ e do próprio r. Com apenas esse parâmetro dimensional, construímos as escalas de velocidade e de tempo típicas dos turbilhões na escala r como (39) u r = ( ϵ ⁢ r ) 1 / 3 (40) τ r = ( r 2 / ϵ ) 1 / 3 , as quais decrescem com r. Diversas novas consequências importantes advêm dessa hipótese, uma das mais significativas sendo a resposta para o desafio levantado por Taylor acerca da distribuição espectral de energia na cascata turbulenta, E(k) em (22), ao menos para a faixa inercial. Nessa faixa, pela segunda hipótese de similaridade, E(k) deve depender somente de ϵ, além do próprio k. Vemos de (22) que kE(k) possui unidades de velocidade ao quadrado, i.e., k⁢E⁢(k)∼ur2∼(ϵ⁢r)2/3∼(ϵ/k)2/3. E assim, por análise dimensional simples, deduzimos que (41) E ⁢ ( k ) = C K ⁢ ϵ 2 / 3 ⁢ k - 5 / 3 , onde CK é uma constante universal. Esse é o celebrado espectro de Kolmogorov mencionado na Eq. (1) e presente nas notas de Fermi. A verificação experimental de (41) não foi imediata em virtude da dificuldade de se pós-processar medidas em escoamentos com um número de Reynolds suficientemente alto para que a faixa inercial seja visível. Evidências estavam presentes em [127] porém a primeira observação categórica veio somente em 1961, portanto 20 anos depois, em um experimento realizado por uma embarcação de 66 metros de comprimento em um esteiro no Canadá [128]. Conforme reportado, a energia nas grandes escalas era tamanha que o barco era consideravelmente carregado, e o número de Reynolds girava em torno de 108. Uma verificação a partir de dados mais recentes [129] é mostrada na Fig. 12, onde indicamos a faixa inercial postulada por Kolmogorov bem como a faixa dissipativa e a região do espectro dominada pelas grandes escalas. A obtenção da constante de Kolmogorov CK e a asserção de sua universalidade é um ponto mais delicado. Uma compilação de dados indica, apesar de ruídos consideráveis, um valor consistente com a universalidade e CK = 0.53 ± 0.05 [130]. A obtenção de CK por uma via analítica é um problema instigante, e modelos baseados em técnicas de grupo de renormalização foram propostos com limitado sucesso [131, 132, 133]. Figura 12 Espectro de energia, em escala dilog (unidades arbitrárias de energia E(k) e número de onda k) obtido a partir de séries temporais (disponíveis na base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [129]) para um escoamento em túnel de vento com número de Reynolds Re = 3×104. Uma outra consequência da segunda hipótese de Kolmogorov, que segue diretamente de (40), é uma explicação dimensional para a dispersão de Richardson (16). Vemos que as escalas de tempo associadas a uma escala r na faixa inercial de fato variam como r2∼τr3. Como observação adicional, salientamos que as hipóteses de Kolmogorov contêm, como hipótese subjacente, a lei zero da turbulência, fato do qual estava perfeitamente ciente. Realmente, no limite Re→∞ a taxa de dissipação de energia só vai sobrar como parâmetro adicional se não tender a zero! Embora siga imediatamente das hipóteses de similaridade, (41) não aparece de forma explícita no trabalho de Kolmogorov, tendo sido deduzida nessa forma por Obukhov [134, 135], um de seus estudantes cujo trabalho na teoria da turbulência é também notável e possui muitos pontos de interseção com o de Kolmogorov. Uma forma completamente equivalente entretanto, escrita no espaço físico (em oposição ao de Fourier), aparece para as chamadas funções de estrutura . A introdução das funções de estrutura como objetos estatísticos relevantes em lugar dos correlatores foi um passo aparentemente simples mas crucial de Kolmogorov, evidenciando sua intuição física. A função de estrutura de ordem q equivale ao momento estatístico de ordem q dos incrementos de velocidade na escala r, i.e., (42) S q L ⁢ ( r ) = ⟨ [ u 1 ⁢ ( x + r ⁢ e ^ 1 , t ) - u 1 ⁢ ( x , t ) ] q ⟩ em que consideramos o incremento de velocidade longitudinal. De modo análogo, utilizamos a componente u2 ou u3 para a função de estrutura transversal SqT. A (42) pode ser escrita em uma forma independente de coordenadas, (43) S q L ⁢ ( r ) = ⟨ { [ u ⁢ ( x + r , t ) - u ⁢ ( x , t ) ] ⋅ r ^ } q ⟩ , no entanto evitaremos ao máximo complicações na notação e frequentemente denotaremos os incrementos na escala r simplesmente por δru e as funções de estrutura por Sq(r), ressaltando eventuais distinções entre os casos transversal e longitudinal. A intuição por trás da introdução das funções de estrutura é de que incrementos de velocidade são objetos invariantes de Galileu. Dois pontos separados por uma distância r são carregados conjuntamente por turbilhões de escalas maiores, e isso se refletirá nos correlatores. Os incrementos na escala r, por outro lado, são observáveis que espelham as flutuações de velocidade típicas de estruturas da escala r. Dessa maneira, ao contrário dos correlatores, a função de estrutura em uma escala r na faixa inercial deve obedecer à segunda hipótese de similaridade e depender apenas de ϵ. Por análise dimensional, Kolmogorov então obteve para a função de estrutura de ordem 2 a chamada lei dos 2/3 , (44) S 2 ⁢ ( r ) = C ⁢ ϵ 2 / 3 ⁢ r 2 / 3 , que é a contrapartida de (41) no espaço físico (C é uma outra constante universal). Ela expressa como a função de estrutura de ordem 2 escala com r, e mostra que S2(r)/r2/3 deve ser universal na faixa inercial de um sistema turbulento. Ainda em 1941, Kolmogorov publicou um outro resultado sobre as funções de estrutura na turbulência, porém dessa vez valendo-se de argumentos mais rigorosos [5]. Ele partiu da equação de Kármán-Howarth (34), uma equação exata derivada de Navier-Stokes, reescrevendo-a na linguagem das funções de estrutura. É fácil ver que em termos das funções f e K de (33) temos (45) S 2 L ⁢ ( r ) = 2 ⁢ u 0 2 ⁢ ( 1 - f ⁢ ( r ) ) e S 3 L ⁢ ( r ) = 6 ⁢ u 0 3 ⁢ K ⁢ ( r ) , e torna-se então um exercício simples mostrar que (34) leva a (46) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ S 2 L + 1 3 ⁢ r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ S 3 L ) = 2 ⁢ ν r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ S 2 L ) - 4 3 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ , onde usa-se que ⟨ϵ⟩=-32⁢dd⁢t⁢u02, uma vez que a densidade de energia média é E=12⁢⟨u2⟩=12⁢⟨u12+u22+u32⟩=32⁢⟨u02⟩. Aqui voltamos com ⟨⋅⟩ em ϵ para enfatizar seu papel de parâmetro constante. No regime estacionário o primeiro termo à esquerda de (46) se anula, enquanto no limite de alto Reynolds o termo viscoso é desprezável na faixa inercial. Isso nos deixa com (47) 1 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ S 3 L ) = - 4 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ , que pode ser imediatamente integrada, fornecendo (48) S 3 L ⁢ ( r ) = - 4 5 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ ⁢ r , a consagrada lei dos 4/5 de Kolmogorov . Conforme veremos na seção a seguir, os resultados de K41 provenientes de argumentos de escala e similaridade precisam ser revistos à luz de objeções teóricas e resultados experimentais surgidos nos décadas seguintes. A lei dos 4/5 por outro lado, como um resultado exato de Navier-Stokes no limite de alto Reynolds, permanece intacta. Ela serve por esse motivo como uma bússola para esforços de modelagem da turbulência, os quais devem ser capazes de reproduzir ao menos alguns de seus aspectos. Um desses aspectos de enorme relevância é o fato de que incrementos de velocidade longitudinais possuem terceiro momento estatístico negativo, dado que ⟨ϵ⟩ é positivo. Em outras palavras, a distribuição de incrementos é assimétrica, com incrementos negativos mais prováveis que positivos. Acompanhando-se elementos de fluido no escoamento (na visão Lagrangiana da turbulência), o efeito é que esses elementos tendem a frear mais bruscamente do que acelerar, de maneira análoga ao que ocorre no trânsito de automóveis (sendo esse um dos grandes responsáveis por engarrafamentos [136]). Isso foi recentemente associado à irreversibilidade introduzida pela cascata de energia, cujo mecanismo de transferência de energia das grandes para as pequenas escalas quebra a simetria de inversão temporal [137, 138]. Não é coincidência, portanto, que a existência de uma taxa de dissipação ϵ finita esteja diretamente ligada à assimetria temporal. Embora seja evidente pelo uso das funções f e K da equação de Kármán-Howarth, vale frisar que (48) é válida somente para incrementos de velocidade longitudinais, e que incrementos transversais têm assimetria nula, por isotropia (um incremento transversal numa distância r pode ser transformado em outro numa distância −r por uma rotação). É interessante notar que dimensionalmente a lei dos 4/5 está completamente em acordo com o que esperaríamos da hipótese de similaridade: se ϵ é o único parâmetro dimensional disponível, uma grandeza de dimensão de velocidade ao cubo na escala r é formada com ϵr. Uma extrapolação dessa ideia para a função de estrutura de ordem arbitrária indicaria o comportamento de escala (49) S q ⁢ ( r ) ∼ C q ⁢ ⟨ ϵ ⟩ q / 3 ⁢ r q / 3 ∼ r q / 3 , o chamado comportamento de escala K41. Essa observação levou a uma reinterpretação contemporânea das hipóteses de Kolmogorov [13, 139, 140], entendidas agora como conjecturas associadas à restauração das simetrias de Navier-Stokes no limite Re→∞, em particular da invariância de escala. A equação de Euler (2) exibe uma invariância de escala muito geral, mantendo-se invariante frente aos reescalonamentos x→λx, u→λhu e t→λ1−ht para um h arbitrário. Nas equações de Navier-Stokes, é necessário reescalarmos ainda a viscosidade como ν→λ1 + hν para manter a simetria. Vemos de (39) que isso implica ϵ→λ3h−1ϵ. A hipótese de similaridade de Kolmogorov dessa maneira corresponde a dizer que ⟨ϵ⟩ deve ser constante e igual a S3L/r independente da escala, o que fixa h = 1/3 e leva à Eq. (49). Apesar do extraordinário progresso representado pela teoria de Kolmogorov, veremos que a generalização representada por (49) não encontra respaldo nas observações experimentais. Ao tratar esse problema mais de 20 anos depois da publicação dos trabalhos originais da fenomenologia K41, o próprio Kolmogorov inaugurou toda uma nova área que transbordou os limites da pesquisa em turbulência. Discutimos alguns desses aspectos a seguir. 5.5. Intermitência e multifractalidade Uma estimativa probabilística simples nos indica que se o campo de intensidade de vorticidade na Fig. 7 apresentasse flutuações gaussianas ao redor da sua média, as regiões verde-claras ocupariam uma fração de volume de cerca de 3×10−3% do volume total do fluido, fato evidentemente invalidado pela observação. Se realizássemos uma viagem no interior do escoamento turbulento da Fig. 7, perceberíamos que em boa parte do trajeto, ao passarmos pelas regiões escuras de pouca energia cinética, as condições de voo seriam ótimas. Entretanto, de tempos em tempos, com probabilidade não desprezível, encontraríamos as regiões verde-claras, isto é, tornados de intensidades extremamente intensas, colocando em risco a nossa travessia. Esse tipo de fenômeno – eventos intensos e repentinos que quebram a monotonia característica de uma evolução dinâmica dominada, na maior parte do tempo, por flutuações “bem comportadas” – denomina-se intermitência . É um aspecto marcante de muitos sistemas não-lineares e sistemas críticos auto-organizados, como revelado no paradigmático toy model das avalanches em pilhas de areia [9]. Observa-se, de fato, intermitência em avalanches de neve [141], atividade cerebral [142], terremotos [143], arritmias cardíacas [144], flutuações de potência em geradores eólicos ou solares de energia [145], etc. O fenômeno da intermitência das flutuações turbulentas, problema central da teoria estatística da turbulência, foi descoberto experimentalmente por Batchelor e Townsend em 1949 [146]. Intermitência turbulenta está associada à existência de flutuações intensas, não-gaussianas, de observáveis físicos como diferenças ou gradientes de velocidade, vorticidade, circulação, etc., bem como a desvios importantes da fenomenologia K41, observados conclusivamente em meados da década de 1980 [147]. Os experimentos então realizados indicaram que as funções de estrutura não seguem as previsões da fenomenologia K41 para momentos estatísticos de ordens suficientemente altas. Ainda é válida, porém, a relação geral de escala (50) S q ⁢ ( r ) ∼ r ζ q , com expoentes universais ζq que dependem, agora, não-linearmente da ordem q dos momentos estatísticos. A Fig. 13 ilustra os expoentes ζq encontrados nos experimentos de Anselmet et al. [147] e em simulações numéricas recentes [148]. Nota-se ali, a inadequação da teoria K41, na qual ζq = q/3, evidente a olhos vistos para os expoentes de escala de ordens q > 4. Figura 13 Expoentes de escala para as funções de estrutura longitudinais de ordem q, definidas em (43). Resultados experimentais (escoamentos em duto e jatos livres [147]) e numéricos [148] são comparados às curvas obtidas pelas expressões analíticas (49), (71), (79) e (92). O debate sobre os porquês dos desvios da teoria K41 promove essencialmente, como veremos abaixo, duas narrativas que não são necessariamente incompatíveis entre si. Em uma das perspectivas, com prioridade histórica, os desvios são atribuídos à estrutura multiplicativa da cascata de energia turbulenta; na outra perspectiva, os desvios são modelados a partir de postulados sobre a organização estatística de possíveis estruturas singulares do campo de velocidade. Cascatas Multiplicativas e Intermitência Logo no ano seguinte à publicação dos trabalhos de Kolmogorov em 1941, críticas importantes foram levantadas por Landau sobre os fundamentos da fenomenologia K41. Landau apontou, muito pertinentemente, que a taxa de dissipação de energia ϵ poderia apresentar flutuações espaço-temporais relevantes e, assim, comprometer a validade da lei dos 2/3 das funções de estrutura de segunda ordem, sem afetar, entretanto, a lei dos 4/5. Não existem registros formais exatos sobre a maneira pela qual a crítica de Landau foi conduzida e é graças à tradição de relatos orais da comunidade científica que indicamos a sua linha de argumentação, a seguir. A lei dos 4/5 sugere que flutuações de diferenças longitudinais de velocidade definidas em uma escala de comprimento r, isto é, δru, satisfaçam a identidade estatística (51) ( δ r ⁢ u ) 3 ∼ ϵ ⁢ r . Acima, o símbolo ∼ não deve ser confundido com proporcionalidade ou equivalência em comportamento assintótico, como é costume empregá-lo. O uso desse símbolo em (51) indica, precisamente, que os dois lados da relação devem ser entendidos como variáveis aleatórias que têm propriedades estatísticas semelhantes (a interpretação a ser adotada para o símbolo ∼ deverá, de agora em diante, ficar clara pelo contexto). Podemos escrever, portanto, que (52) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ q 3 ⟩ ⁢ r q 3 . Nota-se, assim, que o procedimento de Kolmogorov, efetivamente, é supor – eis a objeção imediata de Landau – que (53) ⟨ ϵ q 3 ⟩ = ⟨ ϵ ⟩ q 3 , para deduzir, a partir daí e de (52) que ζ2 = 2/3. Em outras palavras, a hipótese (53) da fenomenologia K41 situa esta última como uma teoria de campo médio. A crítica de Landau não foi desprezada por Kolmogorov e há quem possa acreditar que o próprio estaria completamente ciente, mais do que ninguém, das dificuldades da sua hipótese de campo médio. Foram necessárias duas décadas, entretanto, até que Obukhov [149] e, independentemente, Kolmogorov [150], propusessem uma solução fenomenológica para o problema das flutuações da taxa de dissipação, conhecida como teoria OK62. A solução, curiosamente, utiliza ideias probabilísticas que foram introduzidas por Kolmogorov naquele mesmo ano marcante de 1941, no problema completamente diverso da distribuição de tamanhos de grãos de rocha em amostras geológicas [151]. Como ponto de partida da teoria OK62 define-se a taxa de dissipação granulada à escala de comprimento r, (54) ϵ r ⁢ ( x ) ≡ ν 2 ⁢ ∫ B r ⁢ ( x ) d 3 ⁢ x ⁢ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 , onde Br(x) representa uma bola de raio r centrada em x. Em vez de (51), a identidade estatística que devemos explorar é, agora, baseada na hipótese de similaridade refinada [149, 150], (55) ( δ r ⁢ u ) 3 ∼ ϵ r ⁢ r , na qual adicionalmente, supõe-se que (56) ⟨ ϵ r q ⟩ ∼ r τ ⁢ ( q ) , onde τ(q) é algum expoente de escala q-dependente. Reunindo (55) e (56), chegamos rapidamente à conclusão de que (57) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ r q 3 ⟩ ⁢ r q 3 ∼ r ζ q , onde (58) ζ q = q 3 + τ ⁢ ( q 3 ) . Obviamente, o próximo passo é modelar a função τ(q). É neste estágio de discussão da teoria OK62 que entra em cena o conceito de cascata multiplicativa de energia. Vamos supor que a cascata de energia esteja estruturada na forma de turbilhões que fragmentam-se sucessivamente a partir de um grande turbilhão de dimensão linear L0 em turbilhões de tamanhos L1, L2, …, com (59) L 1 = L 0 a > L 2 = L 0 a 2 > … > L n = L 0 a n > … , onde a > 1 é um fator de reescala das fragmentações sucessivas, interpretado como um parâmetro de modelagem. À escala Ln = L0/an associamos a taxa de dissipação granulada ϵn. Escrevemos, tautologicamente, que (60) ϵ n = ϵ 0 ⁢ W n ⁢ W n - 1 ⁢ … ⁢ W 1 , onde (61) W n ≡ ϵ n ϵ n - 1 . É natural conjecturar que se as escalas sucessivas estão suficientemente afastadas entre si e que se a cascata se reproduz de forma auto-similar, então os fatores Wn são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas. Em sentido estatístico, definimos a variável aleatória W para a qual (62) W ∼ W 1 ∼ W 2 ∼ … ∼ W n . Uma deficiência da definição (60) é que ela pode levar a taxas de dissipação de energia flutuantes, em contradição com o fato de que o transporte de energia é conservativo na faixa inercial. Para driblar esta dificuldade, impomos a invariância da taxa de dissipação escala a escala em um sentido médio global. Isto é, exigimos que (63) ⟨ ϵ n ⟩ = ϵ 0 , o que pela Eq. (60) nos dá (64) ⟨ W ⟩ = 1 e, adicionalmente, (65) ⟨ ϵ n q ⟩ = ϵ 0 q ⁢ ⟨ W q ⟩ n ∼ L n log a ⁡ ⟨ W q ⟩ , levando, em notação auto-explicativa, a (66) S q ⁢ ( L n ) ≡ ⟨ ( δ n ⁢ v ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ n q 3 ⟩ ⁢ L n q 3 ∼ ⟨ W q 3 ⟩ n ⁢ L n q 3 ∼ L n ζ q , com (67) ζ q = q 3 + log a ⁡ ⟨ W q 3 ⟩ . A pincelada final é considerar que o número de escalas seja grande o suficiente para supor que a distribuição de probabilidades da taxa de dissipação, ou, equivalentemente, dos W’s, seja um ponto fixo estável no espaço das distribuições de probabilidade [152]. A fenomenologia OK62 corresponde à escolha de um ponto fixo de distribuição lognormal, naturalmente associado a variáveis aleatórias W cujos momentos são limitados por cotas superiores e inferiores. Nas definições da fenomenologia OK62, toma-se, convencionalmente, a=2 e (68) W = 2 - x , onde x é uma variável aleatória gaussiana, de média x¯ e variância σ2. A condição (64) produz um vínculo entre x¯ e σ: (69) x ¯ = σ 2 2 ⁢ ln ⁡ 2 . Temos, portanto, (70) ⟨ W q ⟩ = ⟨ 2 - x ⁢ q ⟩ = 2 - x ¯ ⁢ q ⁢ ( 1 - q ) . De acordo com a Relação (67), encontramos, então, (71) ζ q = q 3 - μ 18 ⁢ q ⁢ ( q - 3 ) , onde μ≡2⁢x¯, como se costuma definir na literatura. Usando μ≃0.17 [153], obtém-se um acordo bastante razoável de (71) com resultados experimentais e numéricos, como mostrado na Fig. 13. É realmente digno de nota que a teoria OK62 foi proposta cerca de duas décadas antes de seu primeiro teste experimental por Anselmet e colaboradores em 1983. Formalismo Multifractal Um caminho histórico completamente diferente para a formulação dos expoentes de escala ζq está também, intimamente ligado à robusta lei (51). Onsager observou, em 1949, que a anomalia dissipativa poderia ser entendida no contexto de um fluido ideal a partir da conjectura de que o campo de velocidade turbulento não seria diferenciável [154]. Estruturas singulares do campo de velocidade encarregariam-se de dissipar toda a energia que é injetada nas grandes escalas do escoamento. Mais precisamente, Onsager lançou a hipótese de que h = 1/3 é o maior valor de h para o qual (72) lim r → 0 ⁡ | δ r ⁢ u | r h resulta finito, sob a condição de que a energia cinética do escoamento não seja conservada. A conjectura de Onsager tornou-se um teorema apenas no ano de 2018, após laboriosas destilações de rigor matemático desde a sua apresentação original [155, 156]. Em linguagem mais formal, denotamos por expoente de Hölder local o maior valor de h para o qual o limite (72) é finito. Valores de h > 0 estão associados a campos de velocidade contínuos, ao passo que h < 1 indica campos cujos grafos são rugosos, isto é, não diferenciáveis. As medições dos expoentes de escala ζq mostradas na Fig. 13 sugerem, em função das considerações acima, que devem existir regiões do escoamento para as quais os expoentes de Hölder são menores do que 1/3. O formalismo multifractal, proposto por Frisch e Parisi em 1983 [16], propõe uma realização da visão de Onsager que é capaz de oferecer um caminho para o cálculo de ζq. Motivados pela introdução de ideias geométricas na modelagem da turbulência por Mandelbrot [157, 158], supomos que há, agora, uma ampla faixa de expoentes de Hölder h, associados no espaço a conjuntos geométricos de dimensão fractal D(h), o chamado espectro de singularidades . Este postulado fenomenológico significa, por definição, que nossas observações das diferenças de velocidade em uma escala de comprimento r indicariam comportamento singular (73) δ r ⁢ u ∼ r h , no qual h é encontrado com densidade de probabilidade (74) ρ ⁢ ( h ) ∼ r 3 - D ⁢ ( h ) . Podemos escrever, conjugando as duas relações acima, que (75) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ∫ d h ⁢ ρ ⁢ ( h ) ⁢ r h ⁢ q ∼ ∫ d h ⁢ r h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) . Tomando o limite r→0, a aproximação de ponto-de-sela nos dá o comportamento assintótico da integral em (75). Obtemos (76) S q ⁢ ( r ) ∼ r inf h ⁢ [ h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) ] , isto é, (77) ζ q = inf h ⁢ [ h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) ] . Assim, vemos que os expoentes de escala ζq podem ser interpretados como transformadas de Legendre da codimensão fractal 3−D(h). Apesar de diversas, as formulações de cascata multiplicativa e multifractal da intermitência não são incompatíveis entre si. De fato, não é difícil mostrar que os expoentes de escala da fenomenologia OK62, (71), podem ser obtidos pela substituição, em (76), de uma função quadrática de h para o espectro de singularidades D(h), em ótimo acordo com determinações experimentais [159]. Pode-se provar por argumentos gerais que os expoentes de escala ζq são funções côncavas e monotonicamente crescentes de q, fato verificado em experimentos e simulações numéricas. A propriedade de monotonicidade crescente, entretanto, não é satisfeita por (71) em ordens q suficientemente altas. Para corrigir este problema, She e Lévêque [160] propuseram uma expressão alternativa para ζq que na linguagem multifractal implica no espectro de singularidades (78) D ⁢ ( h ) = 1 + 2 ⁢ c - 3 ⁢ h - 1 ln ⁡ c ⁢ [ 1 - ln ⁡ ( 2 ⁢ c - 1 - 3 ⁢ h 2 ⁢ ln ⁡ c ) ] , onde c = 2/3. De (77) e (78) segue-se que (79) ζ q = 2 ⁢ c - 1 3 ⁢ q + 2 ⁢ ( 1 - c q 3 ) , em acordo bastante significativo com as medições mostradas na Fig. 13. É interessante observarmos que se as flutuações do campo de velocidade são dominadas por apenas um único expoente de Hölder h, em um conjunto espacial de dimensão fractal DF, então o expoente de escala das funções de estrutura é imediatamente escrito como (80) ζ q = h ⁢ q + 3 - D F . Por outro lado, a Eq. (79) ganha a forma assintótica, no limite de q muito grande, (81) ζ q ≃ q 9 + 2 que aponta, tendo-se em vista (80), para a relevância de estruturas fractais de dimensão DF = 1, possivelmente associadas a tubos delgados de vorticidade, no comportamento estatístico das flutuações mais intensas das diferenças de velocidade. De maneira análoga à formulação lognormal da teoria OK62, os expoentes de escala de She-Lévêque podem, alternativamente, ser deduzidos na modelagem da cascata multiplicativa por meio de fatores de transferência de energia W definidos como variáveis aleatórias log-poissonianas [161]. Distribuições de Probabilidade Não-Gaussianas As Relações Assintóticas (73) e (74), válidas na faixa inercial, podem ser refinadas, com alguns ingredientes fenomenológicos a mais, para transformarem-se em igualdades [162]. As equações assim definidas podem ser manipuladas para a derivação das distribuições de probabilidades das diferenças de velocidade ao longo das escalas do escoamento, cobrindo completamente toda a faixa inercial. A comparação entre as distribuições de probabilidade multifractais e as empíricas [163] é excelente, como mostrado na Fig. 14. Figura 14 Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, das diferenças longitudinais de velocidade para diversas escalas de comprimento. Os pontos correspondem aos resultados de um experimento de jato livre turbulento [163] e as linhas sólidas às predições analíticas do formalismo multifractal [162]. As distribuições foram deslocadas verticalmente para fins de visualização (as escalas diminuem de baixo para cima). Figura adaptada da Ref. [162]. Desta figura nota-se um dos traços fenomenológicos mais marcantes da intermitência. Quanto menor é a escala analisada, maior é a curtose da distribuição de probabilidade, cujo aspecto torna-se evidentemente não-gaussiano para as menores escalas do escoamento. Em poucas palavras, as flutuações de velocidade quebram a simetria de invariância de escala (auto-similaridade) que, ingenuamente, esperariamos recuperar estatisticamente na faixa inercial (como seria o caso na teoria K41). Ao fenômeno de violação de auto-similaridade na turbulência, dá-se o nome de anomalia de escala . As flutuações de diferenças de velocidade para escalas do escoamento que são comparáveis a escala integral são essencialmente gaussianas, fato que pode ser verificado rapidamente na Fig. 14. A razão física é simples. Para grandes separações, as flutuações de velocidade estão descorrelacionadas. Diferenças de velocidade comportam-se como uma subtração de variáveis aleatórias independentes, cada qual gaussiana, por sua vez, como consequência do teorema do limite central (o campo de velocidade pode ser modelado como a superposição independente das velocidades associadas a turbilhões de vários tamanhos diferentes). Retornando à modelagem da cascata de energia como um processo estocástico multiplicativo, notamos que a Eq. (60) pode ser ligeiramente generalizada para conectar as flutuações das taxas de transferência de energia ϵm e ϵn associadas, respectivamente, a estruturas turbulentas de dimensões lineares Lm e Ln, com Lm > Ln. Escrevemos (82) ϵ n = ϵ m ⁢ W n ⁢ W n - 1 ⁢ … ⁢ W m + 1 . Desta maneira, é possível obter a distribuição de probabilidade de ϵn como um funcional linear da distribuição de probabilidade de ϵm. Evocando, agora, a hipótese de similaridade refinada, Relação (55), um mapeamento funcional análogo pode ser estabelecido para as distribuições de probabilidade das diferenças de velocidade definidas em escalas diferentes. Uma hipótese mais audaciosa, porém completamente natural, é a de que a Eq. (82) continua válida mesmo para taxas ϵm e ϵn que pertençam a dois escoamentos com números de Reynolds diferentes, tomando o cuidado de normalizá-las apropriadamente. No caso em que as escalas Lm e Ln referem-se às escalas dissipativas de cada um dos escoamentos, é possível definir uma ponte entre as distribuições de probabilidade para os gradientes de velocidade em ambos. Esta perspectiva é bastante interessante, pois oferece uma maneira de modelar flutuações em escoamentos turbulentos inalcançáveis por simulações numéricas, com o recurso de outros que o são por terem números de Reynolds consideravelmente menores [164]. O sucesso desta abordagem, com o uso particular de W′s log-poissonianos, está ilustrado na Fig. 15. Figura 15 Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, do gradiente de velocidade S11 = ∂⁡ux/∂⁡x [164]. Em (a), pontos correspondem aos resultados de turbulência atmosférica, com número de Reynolds-Taylor Reλ = 3.4×103, ao passo que a linha sólida corresponde aos resultados obtidos via simulações numéricas para um número de Reynolds-Taylor bem menor, Reλ = 240. Em (b), em escala monolog, os círculos referem-se aos mesmo experimento atmosférico, enquanto a linha sólida é a distribuição de probabilidade reconstruída, pelo formalismo de cascata multiplicativa, a partir da distribuição numérica mostrada em (a). Modelo β-Randômico O modelo β-randômico de Benzi et al. [165] procura integrar com mais profundidade a visão da intermitência como consequência de uma cascata multiplicativa às ideias multifractais. Como um ponto de vantagem sobre a modelagem anterior de cascata multiplicativa, a modelagem β-randômica descreve uma cascata localmente conservativa de energia. Suponhamos que um determinado “turbilhão-pai”, definido à escala de comprimento Ln−1≡L0/an−1, com taxa de dissipação de energia por unidade de massa ϵn–1, produza, por auto-fragmentação, Nn “turbilhões-filhos”. Vale, então, que (83) N n = ( L n - 1 L n ) 3 ⁢ β n , onde 0 < βn≤1 é a fração do volume do turbilhão-pai ocupada por todos os turbilhões-filhos unidos. Iremos considerar β como uma variável aleatória, descrita pela densidade de probabilidade ρ(β). Os valores de β são completamente independentes de geração em geração e de turbilhão a turbilhão. A primeira transição mostrada no topo da Fig. 16 para a versão bidimensional do modelo β-randômico representa um turbilhão-pai de dimensão linear L0 que se fragmenta, com β = 3/4, em três turbilhões filhos de dimensões lineares L0/2. As outras fragmentações ocorrem para valores variados do fator β. Figura 16 Exemplo de cascata de fragmentações no modelo β-randômico bidimensional, na qual um grande turbilhão de dimensão linear L0 fragmenta-se sucessivamente, produzindo turbilhões definidos em escalas de comprimento L0/2, L0/4 e L0/8. As regiões escuras e verdes representam regiões de inatividade e atividade turbulenta, respectivamente. Na primeira, segunda e terceira fragmentações, são produzidos, em correspondência, três, dez e vinte e nove turbilhões. O valores das frações de área β associados às fragmentações são indicados nas transições. Imaginando, agora, que a taxa de dissipação de energia de um turbilhão-pai, ϵn-1⁢Ln-13, seja igualmente distribuída entre os turbilhões-filhos, é simples ver que (84) W n ⁢ N n ⁢ L n 3 = L n - 1 3 e assim, de acordo com a Eq. (83), (85) W n ⁢ β n = 1 . Usando (60) com (85), obtemos, por sua vez, (86) ϵ n = [ ∏ i = 1 n β i - 1 ] ⁢ ϵ 0 A hipótese de similaridade refinada nos dá, portanto, (87) δ n ⁢ v ∼ [ ∏ i = 1 n β i - 1 3 ] ⁢ L n 1 3 . Um turbilhão qualquer, à escala Ln, pode ser rotulado pela sucessão de β′s de todos os seus ancestrais. A fração de volume do primeiro ancestral que os turbilhões igualmente rotulados e definidos à mesma escala Ln irão ocupar será β1β2…βn. Dessa forma, a função de estrutura de ordem q é escrita como (88) S q ⁢ ( L n ) = ⟨ ( δ n ⁢ v ) q ⟩ ∼ ∫ d β 1 ⁢ d β 2 ⁢ … ⁢ d β n ⁢ ρ ⁢ ( β 1 ) ⁢ ρ ⁢ ( β 2 ) ⁢ … ⁢ ρ ⁢ ( β n ) ⁢ β 1 ⁢ β 2 ⁢ … ⁢ β n ⁢ ( δ n ⁢ v ) q = [ ∫ d β ⁢ ρ ⁢ ( β ) ⁢ β 1 - q 3 ] n ⁢ L n q 3 = ⟨ β 1 - q 3 ⟩ ⁢ L n q 3 , onde usamos, para obter a segunda das igualdades acima, a Eq. (87). Como Ln/L0 = a−n, a Expressão (88) leva a (89) S q ⁢ ( L n ) ∼ L n ζ q , onde (90) ζ q = q 3 - log a ⁡ ⟨ β 1 - q 3 ⟩ . Benzi et al. [165] propõem o uso da distribuição bimodal com parâmetro de ajuste x, (91) ρ ⁢ ( β ) = x ⁢ δ ⁢ ( β - 1 ) + ( 1 - x ) ⁢ δ ⁢ ( β - 1 / 2 ) , para a qual (90) fornece, com a = 2, (92) ζ q = q 3 - log 2 ⁡ [ x + ( 1 - x ) ⁢ 2 q 3 - 1 ] . Vemos, pela Fig. 13, que comparações razoavelmente boas a resultados experimentais e numéricos são alcançadas com a escolha x = 7/8. Notemos que na ausência de flutuações de β, o modelo β-randômico simplifica-se para o modelo anteriormente proposto por Frisch et al. [166] (chamado, apropriadamente, de “modelo β”) que pode ser reproduzido aqui pela escolha da distribuição unimodal (93) ρ ⁢ ( β ) = δ ⁢ ( β - β 0 ) . Neste caso, encontra-se (94) ζ q = q 3 ⁢ ( 1 + log 2 ⁡ β 0 ) - log 2 ⁡ β 0 . Em função de nossa discussão precedente, relacionada à Eq. (80), concluímos que (94) implica que turbilhões estarão distribuídos em um conjunto fractal de dimensão (95) D F = 3 + log 2 ⁡ β 0 . A escolha particular β0 = 1 leva, de acordo com (94), aos expoentes de escala K41 e, de acordo com (95), à dimensão fractal DF = 3. Por esta razão, é costume se comentar que na teoria K41, os turbilhões ocupam homogeneamente todo o espaço, sem que existam grandes “vazios” de energia cinética, em flagrante oposição ao que nos informa a Fig. 7. A teoria K41 tem “horror ao vácuo (de energia cinética)”. Sob a perspectiva da Eq. (95), a definição (91) sugere que a atividade turbulenta esteja concentrada em turbilhões que estejam distribuídos em uma mistura de regiões de dimensão fractal DF = 3, como na fenomenologia K41, e DF = 2. É problema aberto entender se (91) indica, de fato, a participação de estruturas bidimensionais nas flutuações intermitentes, possivelmente na forma de folhas de vorticidade [167]. Não há, até o presente momento, uma derivação de primeiros princípios, ou pelo menos sistemática, de qual seria o espectro de singularidade multifractal da turbulência. Há, de fato, uma busca ainda não concluída, em nível fundamental, pela validação direta das hipóteses da abordagem multifractal da intermitência, bem como de qual seria o papel fenomenológico das estruturas vorticais neste contexto. O formalismo multifractal atravessou rapidamente as fronteiras de seu lugar de nascimento, a turbulência, para se consolidar como uma ferramenta matemática bem definida e de extremo valor no estudo de problemas científicos em domínios dos mais variados, como sismologia, meteorologia, matéria condensada, sistemas dinâmicos, etc. [168, 169, 170, 171]. apresentamos os fundamentos e desenvolvimentos da teoria estatística da turbulência, entre os quais o formalismo multifractal [1313. U. Frisch, Turbulence: the legacy of A.N. Kolmogorov (Cambridge University Press, Cambridge, 1995)., 1616. U. Frisch e G. Parisi, em: Turbulence and Predictability in Geophysical Fluid Dynamics and Climate Dynamics, Varenna Summer School LXXXVIII (1983), editado por M. Ghil, R. Benzi e G. Parisi (North-Holland, New York, 1985).], cujo impacto provou-se de grande valor não apenas em física estatística, mas em outros domínios da física como sistemas dinâmicos e matéria condensada. Formulações mais recentes de modelagem, no calor das pesquisas atuais, são revisadas na Seção 6 6. Progressos Recentes Comentaremos brevemente, dentro do caminho pavimentado ao longo das seções anteriores, um corte de resultados e metodologias que julgamos relevantes e ilustram o dinamismo da pesquisa contemporânea em turbulência. Enfatizamos que de forma alguma pretendemos atribuir um caráter exaustivo a essas escolhas. 6.1. Evidências da cascata turbulenta O quadro da cascata local de energia de Richardson, apoiado vigorosamente por Taylor, Kolmogorov e boa parte das gerações seguintes, escapou por longos anos dos esforços de detecção. A existência de um fluxo de energia das grandes para as pequenas escalas, por outro lado, é uma questão mais simples de ser respondida e é ponto pacífico na teoria estatística da turbulência desde o início da década de 1970 [172]. São muitas as perguntas que podem ser colocadas aqui. A cascata está, realmente, associada a estruturas coerentes, como vórtices, que se fragmentam conservativamente? Quais são os mecanismos físicos da cascata? Ela procede pelo alongamento de vórtices em um campo de fundo de cisalhamento e instabilidades subsequentes? A cascata é, de fato, local? Isto é, não existem “curtos-circuitos” não-locais de transferência de energia das maiores para as menores escalas? As escalas dissipativas, nas quais as estruturas coerentes são desestruturadas, são definidas de maneira uniforme no escoamento? Ainda estamos muito distantes de responder, seja por meio de experimentos ou simulações numéricas, a todas estas perguntas. Entretanto, podemos afirmar – como um triunfo da capacidade computacional alcançada na segunda década do Século XXI – que a ideia essencial de Richardson, a existência de uma cascata de energia local associada a estruturas turbulentas está correta. As Figs. 17 e 18, resultados de trabalhos produzidos nos anos de 2013 e 2017 [173, 174], respectivamente, confirmam a concepção de Richardson. A primeira delas fornece uma visualização de vórtices definidos em três escalas de comprimento distintas. Observa-se que estruturas maiores são obtidas como agregados correlacionados de estruturas menores, numa hierarquia de configurações muito semelhante àquela postulada no modelo β-randômico. Figura 17 Vórtices dentro de vórtices [173]. Uma ampliação das estruturas vorticais tais como aquelas mostradas na Fig. 7 revela a organização aninhada de vórtices na cascata turbulenta. Tomando como referência o comprimento dissipativo de Kolmogorov, η, dado pela Eq. (35), esta visualização é produzida a partir de filtros passa-baixa definidos em escalas de comprimento 82η (regiões transparentes acinzentadas), 30η (regiões transparentes azuladas), superposta a vórtices identificados sem filtro algum (regiões esverdeadas, correspondentes às menores estruturas do escoamento). Figura 18 Regiões de energia cinética turbulenta dominante são identificadas com o auxílio de filtros passa-baixa (escalas de comprimento 240η, 120η, 60η e 30η), semelhantemente à metodologia usada para a visualização mostrada na Fig. 17. Evidencia-se aqui, novamente, a estrutura aninhada das estruturas energeticamente relevantes na cascata turbulenta, escala a escala [174]. Figura reproduzida de [174]. A Fig. 18, por sua vez, exibe as regiões que contém energia cinética dominante em um escoamento turbulento, para quatro filtros de escala distintos. Há acordo fenomenológico claro com as imagens dos vórtices aninhados da Fig. 17. Além dessas visualizações convincentes, tratamentos quantitativos adicionais permitiram estabelecer em terreno firme a natureza local da cascata de energia turbulenta [175]. A Fig. 17 cai perfeitamente bem como ilustração de uma paródia que Richardson elaborou [90], baseada em um poema satírico de Jonathan Swift (o autor de As Viagens de Gulliver ) sobre pulgas que se alimentam de outras pulgas (metáfora sarcástica de poetas que se aproveitam de outros poetas), para explicar o que é uma cascata turbulenta [90]: 6.2. Modelagem estocástica Uma das consequências mais drásticas da lei zero da turbulência é a observação discutida na Seção 5.3 de que os gradientes do campo de velocidade u(x,t) devem divergir no limite ν→0, para que ϵ, dado em (28), mantenha-se constante. Isso indica que o campo flutua de modo violento e no limite Re→∞ deixa de ser diferenciável. Nesse quadro, um caminho natural é modelar u ou suas propriedades por meio de processos estocásticos [176, 177], isto é, funções aleatórias contínuas porém não diferenciáveis, cuja variação se dá de forma probabilística, e que são amplamente empregadas na modelagem de processos e fenômenos de flutuação na física e em outras áreas, como a economia. De fato, Kolmogorov já tinha uma visão estocástica do campo turbulento, postulando que u é uma variável probabilística. Sua ideia de introduzir os incrementos de velocidade como as variáveis flutuantes a serem descritas estatisticamente também encontra grande ressonância com o ponto de vista adotado nos métodos estocásticos. O processo estocástico mais fundamental é o movimento Browniano , analisado inicialmente por Einstein [95] e bastante familiar aos estudantes de física. Nele, uma partícula suspensa em um fluido move-se de forma aleatória em virtude dos constantes choques moleculares a que está sujeita. Podemos descrever seu movimento como uma sucessão de empurrões que se distribuem de modo aleatório, com cada empurrão independente dos demais. Sua posição x(t) portanto é descrita como uma função cujos incrementos são variáveis probabilísticas independentes e identicamente distribuídas. Após a teoria matematicamente rigorosa que construiu-se nos anos seguintes ao trabalho de Einstein [178, 179, 180, 181], esses incrementos foram denotados por dW(t), em homenagem a Wiener, que investigou esses processos em uma dimensão [181]. E por variar de forma aleatória, dW é chamado de ruído de Wiener . Ocorre que dW(t) não é uma diferencial comum. Conforme mencionado na Seção 5.1, a conclusão de Einstein foi de que, como resultado desse movimento errático, a distância média de uma partícula Browniana em relação à origem cresce com a raiz quadrada do tempo à medida que ela se se difunde. Em uma dimensão, como ela pode igualmente se movimentar para os dois lados, temos que ⟨x(t)⟩ = 0, mas a observação de Einstein pode ser traduzida em termos da variância: (96) ⟨ [ x ⁢ ( t ) - x ⁢ ( 0 ) ] 2 ⟩ ∼ t . Desse modo, se escrevemos a posição da partícula Browniana unidimensional como a sucessão de incrementos aleatórios dW: (97) x ⁢ ( T ) - x ⁢ ( 0 ) = ∫ 0 T d W ⁢ ( t ) , devemos ter que (98) ⟨ [ x ⁢ ( T ) - x ⁢ ( 0 ) ] 2 ⟩ = ∫ 0 T ∫ 0 T ⟨ d ⁢ W ⁢ ( t ) ⁢ d ⁢ W ⁢ ( t ′ ) ⟩ , indicando que ⟨dW(t)dW(t′)⟩ = δ(t−t′)dt, para que tenhamos realmente ⟨x2(T)⟩∼T. Em outras palavras, os incrementos em tempos distintos são independentes e ⟨dW2⟩ = dt. Em um sentido estatístico, vemos que d⁢W∼d⁢t, o que justifica a afirmação de que dW não é uma diferencial comum. O modelo mais simples para a distribuição dos incrementos é uma Gaussiana, e assim dizemos que dW está distribuído como uma Gaussiana de variância dt, o que indica uma forma de simularmos o processo (97): basta sortearmos números com uma distribuição normal de variância dt e somá-los. A soma de variáveis Gaussianas também é uma variável Gaussiana, assim a posição da partícula distribui-se Gaussianamente, em acordo com as observações do movimento Browniano e da distribuição de partículas que difundem. Pois note as semelhanças entre (96) e (44), lembrando que S2 = ⟨(δru)2⟩. Ambas representam comportamentos de escala da variância de processos flutuantes, embora distintos. Se quisermos modelar o campo de velocidades turbulento como um processo estocástico semelhante ao movimento Browniano, é preciso modificá-lo para obter acordo com o espectro de Kolmogorov. Com esse propósito, Mandelbrot criou o movimento Browniano fracionário [182, 183], um processo cujo desvio padrão ⟨x2⟩ varia não com t1/2, mas com uma potência tH, no espírito dos trabalhos de Hurst [184], originalmente desenvolvidos no âmbito da hidrologia. Em uma linguagem não muito precisa (essas ideias tornam-se rigorosas em uma análise de continuidade de Hölder, como na discussão que sucede a Eq. (72)), o expoente H é por vezes chamado de expoente de Hurst, e processos com H < 1/2 são mais rugosos que o movimento Browniano, enquanto com H > 1/2 mais suaves (no limite H=1 temos uma função suave). Em lugar de um processo estocástico temporal x(t), podemos igualmente pensar em um processo espacial u(x), e em uma versão tridimensional, homogênea e isotrópica, o campo de velocidades para a turbulência pensado por Mandelbrot pode ser escrito como [185] (99) u ⁢ ( x ) = ∫ ℝ 3 1 | x - y | 3 / 2 - H ⁢ d W ⁢ ( y ) , onde agora temos um vetor de ruídos dW = (dWx,dWy,dWz), todos independentes. É um exercício simples mostrar que nesse modelo os incrementos de ordem par das componentes de u obedecem à lei de escala (100) ⟨ [ u i ⁢ ( x ) - u i ⁢ ( x ′ ) ] q ⟩ ∼ | x - x ′ | q ⁢ H . Em comparação com (49), vemos que o expoente de Hurst da turbulência de Kolmogorov é H = 1/3! Os incrementos de (99), porém, são Gaussianos e possuem todos os momentos ímpares nulos, ou seja, o campo u não obedece à lei dos 4/5. Ademais, (100) não expressa o comportamento de escala multifractal de (50), sendo por isso chamada de monofractal. O desafio de construir campos multifractais para a turbulência a partir da proposta de Mandelbrot nasceu com a própria teoria multifractal e tem sido superado apenas muito recentemente. Em 2008, campos exatamente multifractais foram construídos [185] a partir de distorções do ruído dW de (99) utilizando-se do chamado caos multiplicativo Gaussiano , um objeto matemático concebido na década de 1980 [186] e atualmente bastante popular na comunidade matemática [187]. A ideia é trabalhar com campos como (100) no limite H→0, caso em que tornam-se log-correlacionados. Qualitativamente, ao tomarmos a exponencial de um campo log-correlacionado, esperamos obter campos com correlações em leis de potência, uma concepção que pode ser tornada precisa matematicamente. Utilizando a exponencial de um movimento Browniano fracionário no limite H→0, os autores de [185] distorceram o ruído de (99) para obter um campo cuja lei de escala tem a forma multifractal de (79). Apesar do formidável avanço, a proposta não era ainda adequada à modelização da turbulência. O campo de velocidades produzido não possui divergência nula, e portanto não é incompressível. Até é possível impor divergência nula escrevendo-se (99) de uma maneira análoga à lei de Biot-Savart (13), contudo, de forma um tanto desoladora, esse passo destrói a assimetria dos incrementos e portanto a lei dos 4/5. Posteriormente, uma modificação empregando generalizações matriciais de (99) no limite H→0 indicou ser possível construir um campo incompressível, de incrementos assimétricos e multifractal [188]. A tamanha complexidade do campo resultante – que envolve exponenciais de campos matriciais estocásticos – impede no entanto a obtenção de resultados analíticos e suas leis de escala foram verificadas apenas numericamente. Mais recentemente [189], essa proposta teve suas propriedades estatísticas destrinchadas tanto numericamente quanto por meio de aproximações analíticas, mostrando como surgem a assimetria e a intermitência além de outras características mais complexas da turbulência, demonstrando o caráter espantosamente realista do modelo. A tarefa de demonstrar exatamente sua multifractalidade ou de construir outro objeto similar exatamente multifractal permanece aberta, e esforços continuam a ser realizados nessa direção [190]. Ademais, em um trabalho deste ano, desdobramentos no cenário consideravelmente mais complexo da magnetohidrodinâmica, em que campos magnéticos estão acoplados ao fluido, foram propostos com o intuito de modelar a dinâmica de meios astrofísicos [191]. A linha de modelagem estocástica que optamos por discutir acima pode ser entendida como uma busca por uma representação da turbulência Euleriana, isto é, buscamos modelar o campo de velocidades u(x,t) distribuído espacialmente. Entretanto, as técnicas estocásticas são também empregadas de diversos outros ângulos na modelização da turbulência. Por exemplo, é possível modelar as flutuações da taxa de dissipação de energia como forma de reproduzir características fundamentais da intermitência. Em um modelo [192, 193] que descreve taxas de dissipação flutuantes em escalas r distribuídas hierarquicamente, bastante no espírito dos modelos de intermitência descritos na Seção 5.5 e aplicando ideias da chamada superestatística [194], foi possível reproduzir distribuições de probabilidade experimentais de incrementos de velocidade. A inclusão da assimetria das distribuições, essencial para um acordo com a lei dos 4/5, foi alcançada pouco depois e confirmada em dados de simulações numéricas [195]. Finalmente mencionamos ainda a abordagem Lagrangiana da turbulência, uma outra direção em que a modelagem estocástica vem sendo intensamente desenvolvida nos últimos 30 anos de forma bem sucedida. Nessa abordagem, em vez de descrevermos o campo espacial de velocidades, analisamos trajetórias de partículas do fluido – ditas partículas Lagrangianas – o que fornece uma descrição completamente equivalente do escoamento. A estratégia então é buscar equações dinâmicas que descrevam a evolução temporal dessas partículas. Um observável de interesse é o tensor gradiente de velocidadeAij = ∂⁡ui/∂⁡xj, intimamente ligado a observáveis como a taxa de dissipação de energia (cf. Eq. 28) e que decodifica propriedades relevantes do campo, exibindo distribuições intermitentes e correlações com traços multifractais. Ademais, os gradientes manifestam propriedades geométricas peculiares associadas às interações responsáveis pela emergência de estruturas vorticais [196, 197]. A dinâmica do tensor A ao longo de uma trajetória Lagrangiana é obtida tomando-se o gradiente das equações de Navier-Stokes: (101) d ⁢ A i ⁢ j d ⁢ t = - A i ⁢ k ⁢ A k ⁢ j - ∂ 2 ⁡ p ∂ ⁡ x i ⁢ ∂ ⁡ x j + ν ⁢ ∂ 2 ⁡ A i ⁢ j ∂ ⁡ x k ⁢ ∂ ⁡ x k , onde d/dt representa a derivada material. Os dois últimos termos não são fechados em termos de Aij, e na prática representam uma dependência com outras trajetórias Lagrangianas. Assim, pode-se tentar aproximá-los e/ou modelá-los para obter uma equação dependente somente de A, a ser interpretada como uma equação diferencial ordinária válida ao longo de trajetórias, cuja informação a respeito das formas espaciais é perdida. Diversas aproximações foram propostas para os termos de pressão e viscosidade, e para modelar a ação de turbilhões vizinhos de escalas maiores (os quais transferem energia às escalas do gradiente) um termo estocástico pode ser adicionado, criando dinâmicas estocásticas para A que possuem a forma genérica (102) d ⁢ A i ⁢ j = [ - A i ⁢ k ⁢ A k ⁢ j + F i ⁢ j ⁢ ( A ) ] ⁢ d ⁢ t + G i ⁢ j ⁢ k ⁢ l ⁢ d ⁢ W k ⁢ l em que dWkl agora é um ruído tensorial. O termo determinístico inclui uma função Fij(A) a ser modelada, e o tensor Gijkl pode em princípio depender de A, mas é comumente tomado como constante, caracterizando um ruído aditivo . Observamos que a incompressibilidade traduz-se em Aii = 0, impondo restrições a Gijkl e dWkl. Variados modelos de atraente apelo físico para F(A) foram propostos na década de 2000, capazes de reproduzir aspectos realistas observados em experimentos e em simulações numéricas a números de Reynolds moderados [198, 199, 200]. Mais recentemente, têm sido sugeridos modelos com bom desempenham a altos números de Reynolds, incorporando propriedades ausentes nos primeiros modelos. Em [201], os autores constroem uma hierarquia de modelos estocásticos associadas a múltiplas escalas de tempo cuja origem é intimamente conectada à dinâmica por primeiros princípios, fornecendo um modelo realista para o gradiente e estável a altos números de Reynolds. Uma propriedade no entanto ainda estava ausente: a multifractalidade. Ela foi posteriormente incorporada a novos modelos baseados no caos multiplicativo Gaussiano, discutido no início da seção na perspectiva Euleriana, capazes de reproduzir a fenomenologia do gradiente de velocidade Lagrangiano de forma muito satisfatória [202, 203]. Algumas particularidades teóricas atrativas desses modelos são o uso de ruídos multiplicativos, i.e., Gijkl em (102) dependente de A, e a incorporação de não-Markovianidade, trazida pelo caos multiplicativo Gaussiano na forma de integrais sobre a evolução histórica dos observáveis semelhantes às de (99), agora no domínio temporal. Em contrapartida, esses modelos têm uma construção inteiramente matemática e um maior apelo físico, em conexão seja com a dinâmica de Navier-Stokes ou com uma abordagem estrutural na linha debatida na Seção 4, torna-se desejável e configura um projeto ambicioso de pesquisa para as próximas décadas. A segunda alternativa abre-se como uma nova perspectiva a ser explorada a partir de um trabalho recente brevemente discutido na Seção 6.4. 6.3. Abordagem funcional O método das integrações de caminho de Feynman [204], introduzido originalmente como uma formulação alternativa da mecânica quântica e largamente utilizado na teoria quântica de campos [205], encontra, surpreendentemente, terreno fértil no problema da turbulência homogênea e isotrópica. Não é necessário entrar em detalhes muito técnicos, o que fugiria do escopo desta revisão, para apresentarmos os princípios da abordagem de teoria de campos ao problema da turbulência [206]. Ela está enraizada na hipótese de que as flutuações turbulentas adquirem características estatísticas universais na faixa inercial da cascata turbulenta e, portanto, não deve fazer diferença considerar, em vez de forças deterministas, situações nas quais a turbulência é mantida por forças estocásticas que injetam energia nas grandes escalas do escoamento. Esta maneira de pensar a turbulência traz a vantagem, por outro lado, de aproximá-la de metodologias desenvolvidas para o tratamento de equações diferenciais estocásticas e de alguns dos modelos discutidos na Seção 6.2. Quando submetido a forças estocásticas, a evolução do campo de velocidade torna-se um problema relacionado a probabilidades de transição. A pergunta que queremos responder agora é a de como determinar a densidade de probabilidade condicional (103) ρ ⁢ [ u 2 ⁢ ( x ) , t 2 | u 1 ⁢ ( x ) , t 1 ] que descreve a transição do campo de velocidade inicial, u1(x), definido no instante de tempo t1, para o campo de velocidade final, u2(x), definido no instante de tempo t2 > t1. Com o auxílio de técnicas funcionais é possível representar formalmente a quantidade (103) como uma integração sobre todas as evoluções possíveis do campo de velocidade – as trajetórias de Feynman – entre os instantes de tempo t1 e t2 [207, 208, 209]. Em meados da década de 1990 descobriu-se [210] que no caso em que as configurações finais de velocidade estão associadas a eventos extremos (intermitentes) do campo turbulento, a integração funcional pode vir a ser dominada por alguma trajetória particular no espaço funcional, u~⁢(x,t), que satisfaz as condições de contorno (104) u ~ ⁢ ( x , t 1 ) = u 1 ⁢ ( x ) , u ~ ⁢ ( x , t 2 ) = u 2 ⁢ ( x ) . As configurações de campo u~⁢(x,t) são obtidas pela generalização funcional do método do ponto-de-sela para aproximações assintóticas e ganham o nome de instantons , um “plágio-homenagem” à denominação idêntica que se dá às configurações de campo que desempenham papel análogo em teorias de gauge [211]. É trabalho em construção o desenvolvimento de uma ponte entre abordagem funcional de instantons e a abordagem estrutural da turbulência. Instantons são configurações de velocidade que remetem, seja diretamente ou por analogia (em toy models ), às estruturas que dominam a dissipação de energia cinética turbulenta. A aplicação dessas ideias a modelos de turbulência mostra que para a correta validação de resultados analíticos frente a simulações numéricas é fundamental considerar a contribuição, nas integrais funcionais, de flutuações de velocidade ao redor das configurações de instantons [212, 213, 214, 215, 216]. Apesar do cálculo de flutuações basear-se, até o momento, em estratégias perturbativas, o método de instantons destaca-se, no cenário teórico atual, como um caminho promissor para a modelagem do fenômeno da intermitência. 6.4. Estatística da circulação Dos mecanismos de formação de furacões e das hipnóticas volutas de vapor que fumegam de uma xícara de chá, à teoria do voo, para não mencionar uma miríade de outros fenômenos impressionantes [217], o observável circulação desempenha papel unificador na dinâmica de fluidos. Com o objetivo de levar adiante a discussão mais simples possível, vamos nos deter na definição da variável de circulação como a integral de superfície (105) Γ R ≡ ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ⁢ ω ⁢ ( r ) , onde 𝒟 é um disco de raio R e ω(r) é a componente da vorticidade (orientação escolhida arbitrariamente) perpendicular ao plano que contém 𝒟. A importância da circulação, como uma “sonda matemática” da organização de estruturas vorticais turbulentas em escalas diversas de comprimento, foi levantada pela primeira vez por Migdal há cerca de 25 anos, com a proposta – ainda em busca de validação – de fundamentação na teoria das superfícies mínimas [218]. As complicações então existentes em investigar a circulação por meio de experimentos e simulações numéricas dificultaram bastante um maior engajamento de pesquisadores na exploração do assunto. Uma expressiva mudança de cenário ocorreu a partir do ano de 2019, com o advento de simulações numéricas de alta performance [219]. Densidades de probabilidade de circulação e momentos estatísticos de ordens altas foram determinados com precisão. Observa-se, com clareza, que a versão K41 das funções de estrutura de circulação, (106) ⟨ Γ R q ⟩ ∼ ϵ q 3 ⁢ R 4 ⁢ q 3 não está correta, ainda que seja uma aproximação muito boa para q < 4 e razoável até q = 10 (o maior valor de q avaliado pelas simulações). A lei aproximada de escala (106) pode ser sugestivamente reinterpretada no contexto da abordagem estrutural, na qual se conjectura que a maior parte da energia cinética turbulenta é produzida por tubos de vorticidade [12]. De fato, consideremos o momento estatístico de segunda ordem de ΓR, (107) ⟨ Γ R 2 ⟩ = ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ⁢ ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ′ ⁢ ⟨ ω ⁢ ( r ) ⁢ ω ⁢ ( r ′ ) ⟩ . Levando em conta, agora, a definição da escala dissipativa de Kolmogorov (35), notamos que (106) pode ser reescrita, para q=2, como (108) ⟨ Γ R 2 ⟩ ∼ ( R η ) 4 ⁢ [ ϵ ν ⁢ η 2 ] 2 ⁢ ( η R ) 4 3 . A comparação entre as Relações (107) e (108) nos motiva a propor que a circulação é efetivamente produzida por uma quantidade N∝(R/η)2 de vórtices planaresque possuem vorticidades rms da ordem de ϵ/ν, núcleos de dimensões lineares da ordem de η e carregam circulações elementares que estão correlacionadas, à distância r, como ∼1/r4/3 para r≫η. O item (i), acima, pode parecer problemático, pois as estruturas vorticais turbulentas não têm, obviamente, a forma de vórtices planares. Uma saída deste dilema dimensional, com forte apelo fenomenológico, é definir um vórtice planar, efetivamente, como a estrutura produzida pela interseção de um tubo de vorticidade e o plano sobre o qual calculamos ΓR. O ponto (iii), por outro lado, considera que estas regiões são núcleos de dimensões muito pequenas, hipótese de fato sustentada pela inspeção dessas interseções, tais como mostradas na Fig. 19. Figura 19 As regiões brancas indicam interseções de vórtices com um plano fixo no interior de um escoamento turbulento tridimensional homogêneo e isotrópico, cujas estruturas vorticais são semelhantes àquelas visualizadas na Fig. 7. A imagem foi produzida com o auxílio da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220]. Figura 20 Dois vórtices delgados de orientações opostas atravessam um plano que corta um escoamento turbulento tridimensional, definindo assim as posições de duas estruturas vorticais efetivamente planares (círculos vermelho e azul). Note que para uma dada configuração de vórtices planares prescritos desta maneira, há um grande conjunto estatístico de vórtices tridimensionais que produzirá, por sua vez, um campo aleatório de vorticidade sobre o plano [221]. As funções de correlação das circulações elementares (ou das vorticidades carregadas pelas estruturas planares) podem ser, a princípio, prescritas como médias condicionadas ao conjunto estatístico das configurações de tubos de vorticidade que estão associados a uma dada configuração planar, como indicado na Fig. 20. A validação das proposições (ii) e (iv) dependeria da análise de valores esperados tomados em conjuntos (ensembles ) estatísticos de tamanhos muito pesados. Dessa forma, as consideraremos, essencialmente, como hipóteses de trabalho. A fundamentação teórica das hipóteses (ii) e (iv) é, portanto, um problema matemático aberto interessante, provavelmente relacionado a generalizações funcionais do teorema do limite central [222]. Como consequência desta discussão, podemos supor, adicionalmente, que as funções de correlação das circulações condicionadas a configurações espaciais de vórtices planares cujas intensidades em módulo foram normalizadas da mesma maneira, terão as propriedades de um processo estocástico gaussiano multivariado. Em termos concretos, as ideias de modelagem apresentadas acima podem ser realizadas por um campo de vorticidade planar estocástico da forma [221] (109) ω ⁢ ( r ) = ϵ 0 3 ⁢ ν ⁢ ∫ d 2 ⁢ r ′ ⁢ g η ⁢ ( r - r ′ ) ⁢ ξ ⁢ ( r ′ ) ⁢ ω ~ ⁢ ( r ′ ) ⁢ σ ⁢ ( r ′ ) , onde σ(r′) é um campo de densidade (numérica) estocástica que descreve a distribuição de vórtices planares; ω~⁢(r′) é um campo estocástico gaussiano, cuja função de correlação decai como 1/r4/3; ξ(r′) é um campo de intensidade de vorticidade à escala dissipativa η, modelado como em um processo de cascata lognormal; gη(r−r′) é uma função gaussiana de variância ∼η2 que modula a vorticidade produzida pelos vórtices planares. O pré-fator ϵ0/(3⁢ν) em (109), é introduzido por razões meramente dimensionais (o fator de 3 tem a ver com a hipótese de isotropia estatística das flutuações de vorticidade), em um escoamento turbulento com taxa de dissipação de energia ϵ0 e viscosidade cinemática ν. A partir da Eq. (109) podem ser calculadas diversas propriedades estatísticas interessantes da circulação, discutidas em mais detalhe na Ref. [221]. A Fig. 21 mostra as comparações, bastante satisfatórias, entre distribuições de probabilidade da circulação, obtidas por meio de (105) e (109), e as empíricas, determinadas pelos dados de simulações numéricas diretas. Figura 21 Comparações entre distribuições de probabilidade da circulação, determinadas a partir da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220], e aquelas obtidas pela modelagem de gás de vórtices (linhas sólidas pretas), normalizadas com desvio padrão unitário, para raios R/η = 16, 32, 64, 128 e 256 do contorno circular. As distribuições foram transladadas verticalmente para melhor visualização (os raios aumentam de cima para baixo). Observa-se claramente que a curtose da distribuição de circulação aumenta com a diminuição do raio do contorno circular R, fato associado à maior intermitência da variável de circulação para sondagens em escalas menores de comprimento [221]. A mensagem que o estudo recente da circulação turbulenta nos traz é a de que este observável possui propriedades interessantes para que os aspectos estruturais e estatísticos (relacionados à modelagem de cascata multiplicativa) da turbulência sejam integrados em uma descrição teórica única. O problema de bastante relevância fundamental que então se coloca à nossa frente é o de recuperar a formulação multifractal da turbulência, a partir de modelagens baseadas em campos de vorticidade que tenham a forma (109). , nas quais são enfatizados aspectos não-markovianos da turbulência lagrangiana e a fusão entre os encaminhamentos da teoria estatística da turbulência e da abordagem estrutural.

Na Seção 7 7. Notas de Conclusão Turbulência em Perspectiva Histórica Há certo folclore, muitas vezes endossado até mesmo por fluidodinamicistas, sobre as extremas dificuldades científicas associadas ao problema geral da turbulência. Muitos terão lido ou assistido apresentações nas quais se afirma que turbulência é o “último dos problemas não resolvidos da mecânica clássica” [30] ou que “menos se sabe sobre a estrutura de pequenas escalas da turbulência do que sobre a estrutura de núcleos atômicos” [223]. Uma citação popular apócrifa, credita a Heisenberg o palpite de que até um possível criador do universo teria dificuldades para prestar esclarecimentos sobre a turbulência [224]. A lista de comentários dramáticos é grande. Esses comentários, se interpretados anacronicamente, podem levar à errônea impressão de que turbulência, ainda que fascinante, seja um campo de investigação árido. Nada mais distante da verdade! De forma semelhante a qualquer outro problema científico aberto em física, da dinâmica do enovelamento de proteínas à quantização da gravidade, há atividade em ritmo intenso, pontuada por inovações científicas bastante significativas, bem como por um debate permanente sobre quais são as direções mais promissoras de investigação. Como bem colocado por K. Wilson na sua palestra Nobel [225], turbulência está inserida em uma classe de problemas difíceis da física, porém sem que mereça afirmações especificamente dramáticas. Em tradução livre, “Teóricos têm dificuldades com problemas deste tipo, pois eles envolvem muitos graus de liberdade. (…) o inteiro problema da turbulência, vários problemas em fenômenos críticos e (…) campos quânticos fortemente acoplados têm desafiado o uso de técnicas analíticas até os dias de hoje. ” As décadas mais recentes testemunharam um progresso sem precedentes no estudo da turbulência, pelo advento de técnicas experimentais novas bem como pelo uso de plataformas computacionais de alto desempenho em simulações e pós-processamento. A contextualização correta da dinâmica de fluidos/turbulência no panorama mais específico da pesquisa básica encontra, adicionalmente, alguma dificuldade de consolidação pelo fato de que o currículo usual da maior parte dos cursos de física contém pouca oferta, por razões claramente históricas, de conteúdo aprofundado nesses temas. A revolução quântica das primeiras décadas do Século XX arrebanhou, de forma completamente compreensível, a maior parte dos jovens físicos/as interessados/as em trabalhar nas fronteiras do conhecimento durante esse período singular da evolução da física. É importante enfatizarmos, de qualquer maneira, que há percepção crescente da importância da dinâmica de fluidos na nossa comunidade, como sinalizado, por exemplo, pela criação de uma nova revista científica pela Sociedade Americana de Física no ano de 2016, a PRFluids (Physical Review Fluids ) e pela participação cada vez mais expressiva de físicos/as em eventos da área. É emblemático e interessante lembrar que Sommerfeld, orientador de um jovem Heisenberg afoito para investigar os mistérios da física atômica, tenha recomendado cautela no ataque de problemas científicos sem bases fundamentacionais claras, como, à época, encontrava-se a mecânica quântica. Entretanto, confiando na grande capacidade do jovem pupilo, Sommerfeld ofereceu a Heisenberg como tema de tese de doutorado um difícil problema relacionado à transição laminar-turbulento em canais, para o qual as equações dinâmicas já estavam bem fundamentadas. Anos depois, detidos na Inglaterra por alguns meses após a segunda guerra mundial, Heisenberg e Weizsäcker viriam a se interessar pela teoria estatística da turbulência e a obter, desconhecendo completamente os trabalhos de Kolmogorov, a lei espectral (1) [226]. Contextos Afins e Leituras Sugeridas Como em todo trabalho de revisão, principalmente aqueles voltados para discussões que fundamentam um determinado domínio de investigação, muitos modelos e problemas interessantes abordados na literatura são inevitavelmente deixados de lado. Há uma forte tradição de pesquisa em turbulência ligada à formulação e ao teste de ideias fenomenológicas importantes no contexto de modelos simplificados. Modelos de turbulência zero-dimensional [227], unidimensional [228] ou bidimensional [229] são intensamente investigados com esse propósito e, não obstante suas características dinâmicas específicas, trazem, invariavelmente, luz às grandes questões da turbulência homogênea e isotrópica tridimensional. Consideramos importante, adicionalmente, mencionar o fenômeno da turbulência quântica [230], de crescente interesse atual e para o qual há, de maneira análoga à turbulência clássica, uma cascata turbulenta de energia cujos mecanismos dissipativos ainda não são inteiramente conhecidos. O papel de estruturas vorticais na turbulência quântica, em particular, é claríssimo: vórtices quantizados, cujos núcleos têm dimensões atômicas, são as únicas fontes do campo de velocidade superfluida. A enorme quantidade de artigos e livros que discutem técnicas e abordagens completamente diversas em turbulência forma um oceano por si só turbulento. Ao leitor/leitora que tenha interesse em navegar pelas águas da dinâmica de fluidos e turbulência, recomendamos como ponto de partida minimalista dois livros que desenvolvem excelentes conexões entre fundamentos e desenvolvimentos mais recentes, as Refs. [13] e [45]. , fazemos uma nota histórica sobre o status atual da pesquisa em turbulência, além de breves comentários sobre alguns assuntos que deixamos de abordar, não por serem menos interessantes, mas principalmente para manter o texto dentro de linhas mais fundamentais de discussão. Sugerimos, concluindo, ao leitor/leitora cujo interesse maior possa ter sido despertado pela leitura deste artigo de revisão, algumas fontes bibliográficas para o estudo de aspectos basilares da dinâmica de fluidos e, mais particularmente, da turbulência.

2. As equações de Navier-Stokes

2.1. Equação do movimento

Após o enorme sucesso da mecânica Newtoniana na descrição do movimento de partículas pontuais, a generalização para o tratamento de corpos extensos era um passo natural, no que ficou conhecido como mecânica do contínuo . O caso de um corpo rígido , em que não há movimento relativo entre constituintes do sistema, é o mais simples e leva a leis que exibem notável analogia com as leis de Newton para uma partícula. Um dos grandes desenvolvedores da mecânica do contínuo foi Euler, que não somente avançou o problema do corpo rígido (com a introdução dos ângulos de Euler e de seu teorema da rotação por exemplo) mas foi também um dos precursores da dinâmica de fluidos.

Se um corpo extenso não é perfeitamente rígido, é preciso considerar os efeitos das forças internas em sua deformação. Sobre um dado elemento de massa podem agir forças perpendiculares à sua superfície – dando origem a tensões normais, conhecidas simplesmente como pressões – ou paralelas a ela, produzindo as chamadas tensões de cisalhamento. Um sólido caracteriza-se por resistir a tensões de cisalhamento, deformando-se até que elas sejam equilibradas por forças internas. Em contrapartida, um fluido é um sistema que não é capaz de resistir a tensões de cisalhamento, por menores que sejam, deformando-se continuamente de modo a escoar.

Foi Euler quem introduziu a ideia de um campo de pressão para descrever as forças internas de um fluido. Com isso ele deduziu a equação de conservação do momento linear de um elemento de fluido deslocando-se sem dissipação de energia, i.e., no caso de um fluido ideal [1717. L. Euler, Mémoires de l’académie des sciences de Berlin 11, 274 (1757)., 1818. C.A. Truesdell, Essays in the history of mechanics (Springer-Verlag, Berlin, 1968).]. A observação central é que na ausência de viscosidade as forças internas são perpendiculares às superfícies de um elemento de fluido (que podem apenas “empurrar” uns aos outros) e portanto descritas como pressões. A diferença de pressão entre faces opostas da superfície produz uma aceleração na direção normal a elas.

Ocorre que a aceleração de um elemento pode sinalizar dois tipos de fenômeno. Ainda que o escoamento seja estacionário e não varie temporalmente, o elemento pode mover-se entre regiões com velocidades distintas. Ou, mesmo em uma região espacialmente homogênea, o campo de velocidades pode estar variando no tempo. Matematicamente isso é expresso pela derivada material (ou advectiva ) DDt, de modo que a aceleração local de fluido se escreva a = Du/Dt = ∂⁡u/∂⁡t + (u⋅∇)u, onde u(x,t) é o campo vetorial de velocidades e =x^/x+y^/y+z^/z é o operador vetorial de diferenciação. Com esses ingredientes inseridos na segunda lei de Newton para um elemento de fluido – e o leitor encontrará a dedução detalhada em livros introdutórios de dinâmica de fluidos e turbulência (e.g. [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).]) – obtém-se a chamada Equação de Euler para u(x,t),

(2) u t + ( u ) u = - p + f ,

sendo p(x,t) o campo de pressão e f(x,t) a resultante de eventuais forças externas, ambas por unidade de volume por unidade de massa.

Euler identificou ainda uma questão fundamental: ao ser pressionado, um elemento poderia em princípio comprimir-se ou expandir-se, de modo que sua densidade variasse. Para levar isso em consideração, nas palavras do próprio Euler (em tradução livre), “é necessário conhecer a lei segundo a qual sua elasticidade depende da densidade (…), ou ainda de uma outra propriedade, como o calor” [1717. L. Euler, Mémoires de l’académie des sciences de Berlin 11, 274 (1757).]. As relações entre densidade, pressão e temperatura só foram estabelecidas posteriormente com a termodinâmica e as equações de estado, entretanto Euler pôde desenvolver o caso incompressível , no qual a densidade do fluido permanece constante. De fato isso já foi utilizado ao escrevermos (2) sem a densidade: na prática ela é tomada como 1 com uma escolha conveniente de unidade de massa. Nessa situação a equação de continuidade leva a uma condição simples para o campo de velocidade, impondo-lhe divergência nula [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).],

(3) u ( x , t ) = 0 .

As (2) e (3) juntas formam um conjunto completo de equações para os campos u(x,t) e p(x,t). A pressão é determinada tomando-se a divergência de (2) e substituindo-se (3), o que leva a uma equação de Poisson que pode ser resolvida empregando-se funções de Green. Isso explicita que além de não-linear, a equação de Euler é também não-local: o campo de pressão ajusta-se instantaneamente para manter o fluido incompressível. Esses são os fatores que tornam seu tratamento analítico um problema matematicamente difícil. É importante observar que a hipótese de incompressibilidade encontra grande aplicação prática, sendo uma excelente aproximação mesmo para o escoamento de gases quando as escalas de velocidade envolvidas são muito menores que a velocidade do som.

Embora também forneça uma aproximação útil em algumas situações, a hipótese de fluido ideal por outro lado levava a dificuldades mais profundas. Onze anos após a publicação de Euler, d’Alembert mostrou que um objeto sólido movendo-se no interior de um fluido ideal em acordo com (2) e (3) não sofreria qualquer resistência ao movimento, o que ficou conhecido como paradoxo de d’Alembert [1919. G. Grimberg, W. Pauls e U. Frisch, Physica D 237, 1878 (2008).]. A determinação do arrasto sobre um corpo submerso em um escoamento é um dos problemas centrais de ordem prática que a mecânica dos fluidos deveria resolver, e portanto o resultado de d’Alembert era drástico.

Em seu trabalho pioneiro, Navier buscou incluir o efeito da viscosidade molecular na equação de Euler [2020. S.R. Bistafa, Rev. Bras. Ens. Fís. 40, e2603 (2018).]. Ele recuperou um princípio antigo de Newton, que havia observado que a tensão cisalhante numa superfície do fluido é proporcional à sua taxa de deformação. Se a velocidade não varia espacialmente, um elemento de fluido apenas desloca-se sem deformar, portanto a taxa de deformação é determinada pelo gradiente de velocidade. Em notação moderna, se τij é a tensão de forças agindo na direção j sobre a superfície cuja normal está na direção i, então as observações de Newton levam a τij = μ(∂⁡uj/∂⁡xi + ∂⁡ui/∂⁡xj), onde a constante de proporcionalidade μ é uma propriedade do fluido chamada viscosidade dinâmica . Esse tipo de relação entre tensões e resposta de deformação é conhecida como relação constitutiva, e fluidos para os quais τij é linear com a deformação são ditos newtonianos. Comportamentos mais complexos são observados, existindo uma grande variedade de fluidos não-newtonianos [2121. D.O.A. Cruz e F.T. Pinho, em: Turbulência, editado por A.P.S. Freire, A. Ilha e M. Colaço (ABMC, Rio de Janeiro, 2006), v. 6.] que dão origem a fenômenos surpreendentes, como nas populares demonstrações em que é possível até caminhar sobre uma mistura de água e amido de milho.

Com o termo adicional de viscosidade newtoniana em (2), e novamente referimos o leitor a livros-textos para detalhes [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000)., 2222. L.D. Landau e E.M. Lifshitz, Fluid Mechanics (Pergamon Press, Oxford, 1987), 2ª ed.], temos

(4) u t + ( u ) u = - p + ν 2 u + f ,

sendo a viscosidade dinâmicaν a razão entre μ e a densidade. As (3) e (4) em conjunto são conhecidas como equações de Navier-Stokes incompressíveis , em referência ainda ao influente trabalho de Stokes, que considerou o papel da viscosidade e estudou soluções em diversos cenários de relevância prática [2020. S.R. Bistafa, Rev. Bras. Ens. Fís. 40, e2603 (2018).].

O trabalho de Saint-Venant em 1846 [2323. A.B. Saint-Venant, Extrait des procès-verbaux des séances, (Société Philomathique de Paris, Paris, 1846).] mostrou que a origem do paradoxo de d’Alembert estava na desconsideração dos efeitos viscosos, e uma melhor compreensão veio mais tarde com o desenvolvimento da teoria da camada limite por Prandtl, em 1904 [1919. G. Grimberg, W. Pauls e U. Frisch, Physica D 237, 1878 (2008).]. No entanto, destacamos que não há, ainda, uma solução completa e satisfatória do paradoxo de d’Alembert.

Uma observação importante sobre as equações de Navier-Stokes é que enquanto os termos já presentes em (2) são exatos, o termo de viscosidade é fruto de um modelo, não sendo evidente se continua representando uma boa descrição de fluidos reais em situações extremas. As comparações de soluções numéricas com experimentos mostram, porém, excelente acordo dentro dos limites atingidos pelas simulações, e os fenômenos que discutiremos aqui são observados tanto em experimentos quanto em soluções numéricas. De todo modo, o estudo do comportamento das soluções de (4) é um problema importante na matemática e por isso fala-se às vezes em turbulência de Navier-Stokes .

2.2. O número de Reynolds

A única propriedade do fluido que aparece em (4) é a viscosidade ν, que deve portanto codificar as diferenças observadas no escoamento de fluidos de naturezas distintas. Ademais, as equações devem conter a miríade de comportamentos observados em um mesmo fluido, como a água que flui suavemente em um riacho ou que cai violentamente de uma cachoeira.

Ao adimensionalizar (4), Stokes percebeu uma similaridade muito geral, com um único parâmetro adimensional governando todos esses aspectos [2424. N. Rott, Annu. Rev. Fluid Mech. 22, 1 (1990).]. Se medirmos distâncias em termos de uma escala L típica que chamaremos de escala integral (como as dimensões de um objeto imerso ou de uma tubulação por exemplo), e velocidades em termos de uma escala típica de velocidades U (dada pela velocidade de injeção ou pelas diferenças de velocidade introduzidas por forças externas), então obtemos variáveis dinâmicas adimensionais com as mudanças

(5) x L x , u U u , t L U t , f U 2 L f , p U 2 p ,

notando-se que nesse caso os operadores de diferenciação transformam-se conforme 1L e /tUL/t. Substituindo em (4) obtemos então as equações de Navier-Stokes adimensionalizadas,

(6) u t + ( u ) u = - p + 1 Re 2 u + f ,

onde

(7) Re U L ν

é o chamado número de Reynolds (adimensional, uma vez que ν possui dimensões de comprimento ao quadrado por tempo). Ele contém toda a informação física além das condições de contorno e, consequentemente, é o único parâmetro a regular o comportamento observado em uma dada geometria. Embora essa similaridade tenha sido obtida primeiramente por Stokes, ela foi explorada e popularizou-se a partir do trabalho de Reynolds [2525. O. Reynolds, Philos. T. R. Soc. Lond. 174, 935 (1883).], que analisou experimentalmente a transição para a turbulência no escoamento em tubulações.

Intuitivamente sabemos que o escoamento torna-se mais irregular em altas velocidades e que fluidos mais viscosos escoam de forma suave (ou laminar , pois camadas de fluido deslizam umas sobre as outras como lâminas), indicando que a turbulência aparece em altos números de Reynolds. Uma explicação com um sabor físico interessante vem ao reescrevermos (7) como a razão entre duas escalas de tempo, conforme

(8) Re = U L ν = L 2 / ν L / U τ d τ a .

A escala advectiva τa = L/U relaciona-se às perturbações de velocidade na grande escala introduzidas pelas forças externas ou pela injeção, e por conseguinte ao tempo que as perturbações levam pra se propagar pelo comprimento do sistema L. A escala de tempo dissipativa τd = L2/ν por sua vez está associada à viscosidade, medindo o tempo típico que perturbações levam para serem dissipadas. Quando τdτa (Re≪1) as perturbações são suprimidas antes de perturbarem o sistema e o escoamento é laminar. Contudo, se τdτa (Re≫1) as perturbações se espalham pelo fluido antes que o mecanismo de dissipação aja, resultando em turbulência.

Do ponto de vista matemático, o termo viscoso aumenta a regularidade da solução ao suavizar variações de velocidade entre elementos de fluidos próximos, que tendem a arrastar uns aos outros. Diz-se nesse caso que nas equações de Navier-Stokes a baixo número de Reynolds prevalece o perfil de equação diferencial parcial parabólica [2626. R. Courant e D. Hilbert, Methods of Mathematical Physics (Wiley-Interscience, Singapore, 1962), v. 2.], correspondendo à dominância dos termos difusivos – tal qual a dissipação em (4). A equação de Euler, em que a viscosidade é exatamente nula, é classificada como uma lei de conservação hiperbólica, cujos casos não-lineares podem levar a ondas de choque e a soluções que tornam-se multivaluadas.

É importante observar porém que a questão da convergência das soluções das equações de Navier-Stokes no limite ν→0 para soluções das equações de Euler está longe de ser trivial, em particular no caso tridimensional com fronteiras [2727. T. Kato, Seminar on Nonlinear Partial Differential Equations. Mathematical Sciences Research Institute Publications (Springer, New York, 1984), v. 2.], em virtude da dificuldade em provar-se que as equações são bem postas nesses limites. A própria existência e unicidade de soluções não singulares – em todo tempo e para condições inicias suaves arbitrárias – das equações de Navier-Stokes é um problema matemático aberto, constituindo um dos famosos problemas do milênio do Clay Institute [2828. C.L. Fefferman, em: The Millennium Prize Problems, editado por J. Carlson, A. Jaffe e A. Wiles (CMI/AMS, Cambridge, 2006).].

A transição para a turbulência com o sucessivo aumento do número de Reynolds dá origem a uma rica fenomenologia que guarda marcada semelhança com as propriedades específicas do sistema considerado, tal como a geometria. Embora seja possível manter escoamentos laminares em tubulações a Re muito altos com um extremo controle de perturbações e vibrações [2929. A.P. Willis, J. Peixinho, R.R. Kerswell e T. Mmullin, Phil. Trans. R. Soc. A 366, 2671 (2008).], instabilidades surgem a partir de um Re crítico e pequenas perturbações desencadeiam a transição. Um sistema arquetípico para estudo dessa transição é o escoamento em torno de um cilindro, cujos regimes observados estão esboçados na Fig. 1a, retirada das célebres Lectures on Physics de Feynman [3030. R.P. Feynman, R.B Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, s. l, 1964), v. 2.].

Figura 1
(a) Esquematização dos diversos padrões de escoamento ao redor de um cilindro, de acordo com o respectivo número de Reynolds (adaptado da Ref. [3030. R.P. Feynman, R.B Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, s. l, 1964), v. 2.]). (b) Resultado de um experimento didático realizado por J. Albright e colaboradores [3232. https://www.youtube.com/watch?v=30_aADFVL9M.
https://www.youtube.com/watch?v=30_aADFV...
], no qual tinta é injetada na posição do cilindro para visualização dos vórtices da esteira de von Kármán.

A simetria esquerda-direita (ou mais precisamente jusante-montante ) presente a baixíssimo Re é quebrada com a ocorrência de recirculações formando estruturas vorticais atrás do cilindro. A Re≈100 os vórtices já desprenderam-se e são carregados, formando o belo fenômeno da esteira de von Kármán [3131. T. von Kármán, Aerodynamics (McGraw-Hill, New York, 1963).], cuja visualização experimental mediante a injeção de tinta no escoamento é mostrada na Fig. 1b. Esse é um fenômeno comum a escoamentos em torno de obstáculos e pode ser observado facilmente em experimentos caseiros ou até mesmo na atmosfera pela presença de nuvens quando uma massa de ar contorna ilhas e outros obstáculos (o leitor encontrará belíssimas imagens na internet buscando por “Kármán vortex street” ). A Re ainda mais altos, regiões irregulares começam a se formar até que o escoamento após o cilindro apresenta um aspecto completamente turbulento.

Uma descrição da física da transição laminar-turbulento é um tema fascinante de pesquisa [3333. M. Buchanan, Nature Phys. 12, 18 (2016).] e tem atraído a atenção de muitos físicos, os quais vêm aplicando técnicas emprestadas de fenômenos críticos e transições de fase [3434. N. Goldenfeld, Phys. Rev. Lett. 96, 044503 (2006)., 3535. N. Goldenfeld, J. Fluid Mech. 830, 1 (2017)., 3636. G. Lemoult, L. Shi, K. Avila, S.V. Jalikop, M. Avila e B. Hof, Nature Phys. 12, 254 (2016)., 3737. M. Sano e K. Tamai, Nature Phys. 12, 249 (2016).] e até de modelos de dinâmica ecológica do tipo predador-presa [3838. H.Y. Shih, T.L. Hsieh e N. Goldenfeld, Nature Phys. 12, 245 (2016).]. A seguir comentamos muito brevemente sobre alguns mecanismos básicos de instabilidades hidrodinâmicas, frequentemente responsáveis pela propagação de perturbações no escoamento.

2.3. Instabilidades

O exemplo discutido na seção anterior, no qual o escoamento ao redor de um cilindro torna-se progressivamente mais complexo à medida que o número de Reynolds aumenta, nos leva à formulação de perguntas interessantes. Como são produzidos os vórtices da esteira de von Kármán? Como são produzidos vórtices, de forma geral? É necessário que haja obstáculos para que vórtices sejam produzidos?

É bem sabido que o escoamento de um fluido ideal invíscido (fluido de viscosidade nula), para o qual a vorticidade

(9) ω ( x , t ) × u ( x , t )

anula-se em todo o domínio do fluido, é incapaz de produzir vorticidade no decorrer de sua evolução temporal. Este fato não é nada mais nada menos do que a tradução, na linguagem dos meios contínuos, da lei de conservação do momento angular. Por outro lado, não é difícil mostrar, a partir das Equações de Navier-Stokes, que o momento angular também seria conservado para o escoamento de fluidos viscosos se o campo de velocidade fosse definido em todo o espaço, sem a presença de superfícies materiais confinantes e sem a presença de forças externas que obviamente atuariam como fontes de momento angular (como em um liquidificador ou a força de Coriolis planetária que dispara o aparecimento de furacões e ciclones). Em outras palavras, obstáculos têm papel fundamental, porém não protagonismo exclusivo, na produção de vorticidade.

Não existem, de fato, muitos mecanismos físicos distintos para a produção de vorticidade/vórtices. Os primeiros resultados datam das décadas finais do século XIX, no contexto da teoria de fluidos ideais por Lord Kelvin, Helmholtz e Rayleigh (os trabalhos deste último foram posteriormente aprofundados por Taylor) [3939. W. Thomson, Phil. Mag. 42, 362 (1871)., 4040. H. von Helmholtz, Mon. Kön. Pr. Ak. Wiss. zu Berlin 23 215 (1868)., 4141. J.W. Strutt, Proc. London Math. Soc. 14, 170 (1883)., 4242. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. Lond. A201, 192 (1950)., 4343. F. Charru, Hydrodynamic Instabilities (Cambridge University Press, Cambridge, 2011).]. Estes autores mostraram que estruturas vorticais podem ser produzidas a partir de instabilidades dinâmicas, associadas, no escoamento, a regiões de cisalhamento (Kelvin-Helmholtz) ou a variações de densidade do fluido quando combinadas a gradientes de pressão (Rayleigh-Taylor). A Fig. 2 exemplifica estes fenômenos, no caso mais simples de fluxos bidimensionais. As instabilidades de Kelvin-Helmholtz e Rayleigh-Taylor ocorrem cotidianamente ao nosso redor, como no caso das formas do jato de vapor produzido pelo bico de uma chaleira.

Figura 2
Evoluções temporais das instabilidades de Kelvin-Helmholtz (a) e Rayleigh-Taylor (b) em duas dimensões, com o registro de configurações em instantes de tempo sucessivos t1 < t2 < t3. Em (a), o ponto de partida é uma folha de vorticidade na forma de um “eneágono suavizado”. As setas indicam linhas de corrente nas vizinhanças da folha. Em (b), uma interface na forma de gota inicialmente em repouso separa dois meios de densidades ρ1 > ρ2. À medida que a gota cai, devido ao campo gravitacional dirigido para baixo, produz-se vorticidade. Em ambos os casos (a) e (b) observa-se a formação de estruturas vorticais na forma de volutas.

Deve-se a Prandtl a descoberta revolucionária, em 1904, de que instabilidades relacionadas a cisalhamentos viscosos são particularmente significativas nas proximidades de superfícies materiais, nas quais a velocidade do fluido se anula (como resultado de forças moleculares atrativas) [4444. J.D. Anderson Jr, Phys. Today, 58 42, (2005)., 4545. D.J. Acheson, Elementray Fluid Dynamics (Oxford University Press, Oxford, 1998)., 4646. H. Schlichting, Boundary Layer Theory (Springer-Verlag, Berlin, 2017).]. À região de transição nas imediações da superfície na qual a velocidade do fluido transiciona de zero para valores que já não dependem da distância à superfície dá-se o nome de camada limite . O achado de Prandtl consiste no fato de que a espessura de uma camada limite pode vir a ser dilatada abruptamente, a jusante do escoamento, fenômeno denominado de separação (ou descolamento ) da camada limite.

Guiando-nos pelos padrões de escoamento da Fig. 1a, acrescentamos aqui que a fina camada limite que se forma ao redor do cilindro, laminar e estável para números de Reynolds muito pequenos é instabilizada e se descola da superfíce para números de Reynolds maiores. O gradiente adverso de pressão associado ao descolamento produz uma força que se opõe ao fluxo, fazendo com que no interior da camada limite dilatada pela separação sejam criados os vórtices da esteira de von Kármán. Veja a Fig. 3.

Figura 3
Produção de vórtices de von Kármán. Uma linha de corrente γ contorna as proximidades do cilindro, na região de sua camada limite. A pressão no ponto A é maior do que no ponto B (gradiente adverso de pressão), fato que instabiliza a camada limite, provocando seu descolamento nas vizinhanças do ponto B. Nestas condições, o gradiente de pressão adverso é intenso o suficiente para inverter o sentido do escoamento na região de separação. Um vórtice de von Kármán V é assim produzido e subsequentemente transportado pelo escoamento a jusante do cilindro.

3. Camada Limite Turbulenta: Uma Fábrica de Vórtices

Podemos figurar, de maneira geral, uma camada limite sobre uma superfície como a região do escoamento que é “freada” pela existência de atrito viscoso superficial. Acredita-se que o entendimento detalhado deste fenômeno, um problema científico ainda bastante aberto, será a porta para a solução de vários desafios tecnológicos. Em muitos casos de interesse prático, o que se quer é reduzir as forças de arrasto (isto é, o atrito viscoso), como no movimento de aviões, automóveis ou embarcações.

No contexto aeronáutico, um levantamento realizado pelo Wall Street Journal [4747. S. McCartney, How Airlines Spend Your Airfare, The Wall street Journal, Nova York, 6 de junho de 2012.] estima que em um voo de 100 passageiros, o valor arrecadado com as passagens pagas por 29 destes será usada para pagar os gastos com combustível. Quando outros custos são contabilizados (taxas governamentais, manutenção, salários, etc) chega-se à espantosa conclusão de que o lucro da companhia área, por voo, advém de um único passageiro! Dessa maneira, qualquer solução tecnológica que leve a uma redução de cerca de 4% das forças de arrasto e, portanto, a uma economia de 4% em combustível, teria o potencial de duplicação de lucro (pois o combustível de um voo seria custeado, agora, por (1−0.04)×29∼28 passageiros). Vale a pena notar que avanços tecnológicos desta natureza serão muito bem-vindos no que diz respeito a questões ecológicas, uma vez que cerca de 14% da massa total de gases de efeito estufa produzidos pela ação humana global tem sua origem nos diversos meios de transporte [4848. AR5 Synthesis Report: Climate Change 2014, Fig. 1.7, disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr/synthesis-report/
https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr/synth...
].

A investigação da dinâmica de escoamentos próximos a superfícies tem como um ponto de atenção central o modelo paradigmático ilustrado na Fig. 4. Um fluxo uniforme de fluido de velocidade Ux^, produzido no “infinito” a montante, incide paralelamente sobre uma placa plana de espessura desprezível. Como hipótese simplificadora, supomos que não há variações do campo de pressão sobre a placa, de forma que o fluido não é acelerado ou retardado nas suas vizinhanças mais próximas.

Figura 4
Um escoamento de velocidade uniforme U incide sobre uma placa plana (retângulo delgado horizontal verde), de espessura ideal nula e paralela ao plano xz. No corte mostrado, ao longo do plano xy, identificam-se três tipos de camadas-limites em sequência. A linha sólida sobre a placa indica, figurativamente, os pontos do espaço para os quais a velocidade do escoamento ao longo do eixo x vale 0.99U.

A descrição do movimento do fluido sobre a placa não tem nada de óbvia e traz à luz problemas científicos importantíssimos, abertos até o presente momento. Observe que à distância x do bordo de ataque, podemos definir, analogamente a (8), as escalas de tempo advectiva e dissipativa

(10) τ a = x U e τ d = x 2 ν ,

de modo que o perfil local do escoamento seja caracterizado pelo número de Reynolds

(11) Re x = U x ν .

Valores pequenos e grandes de Rex correspondem, respectivamente, a posições sobre a placa mais próximas e mais afastadas do bordo de ataque. Esperamos, consequentemente, que a natureza do escoamento seja completamente diferente para esses casos assintóticos. De fato, esta expectativa é corroborada pela experimentação. Regiões suficientemente próximas do bordo de ataque, para as quais Rex≪1 apresentam um perfil de escoamento laminar e estacionário. Esta região foi descrita matematicamente com muito sucesso pela modelagem desenvolvida por Blasius [4949. H. Blasius, Z. Angew. Math. Phys. 56, 1 (1908).], pesquisador do pioneiro laboratório de Prandtl em Göttingen.

É comum definir a espessuraδ de uma camada limite (laminar ou não) como o valor de yδ para o qual u(x,δ) = 0.99U. Assim, a partir do bordo de ataque, é prevista (com sucesso) no tratamento de Blasius uma camada limite laminar de espessura δx.

À medida que nos afastamos do bordo de ataque e, dessa forma, observamos valores crescentes de Rex, experimentos nos mostram que a solução de Blasius torna-se instável e a camada limite laminar cede vez a uma região transicional e, então, mais a jusante do escoamento, a uma camada limite turbulenta (CLT), fatos perfeitamente condizentes com a discussão levantada na Seção II, sobre o papel do número de Reynolds como parâmetro essencial para classificação dos regimes de escoamento. A Fig. 4 esquematiza os três tipos de camada limite individualizados sobre a placa. Os números de Reynolds críticos para o aparecimento dos regimes transicional e turbulento são, respectivamente, Rex≃5×105 e Rex≃3×106 [5050. Y.A. Çengel e J. Cimbala, Fluid Mechanics (McGraw-Hill, Nova York, 2014).].

A CLT, além de não ser estacionária, é separada da região irrotacional do escoamento (mais afastada da placa) por uma interface rugosa flutuante. A espessura média da CLT cresce mais rapidamente com x do que a camada limite laminar, indicando que mais momento linear é retirado do escoamento incidente por unidade de tempo, o que leva a tensões tangenciais maiores. Acredita-se, com base apenas em experimentos e argumentos fenomenológicos – não há ainda teorias de primeiros princípios aqui – que δxα, onde α≃0.8 [5050. Y.A. Çengel e J. Cimbala, Fluid Mechanics (McGraw-Hill, Nova York, 2014).]. É natural compreender, portanto, o mantra repetido por pesquisadores aplicados da área:

“Reduza a espessura da camada limite turbulenta e, assim, reduza o arrasto viscoso”.

Mantra que é desnecessário ser evocado pelos inspiradores golfinhos, tubarões e outros animais marinhos, para os quais, graças aos milhões de anos de seleção natural, a existência de arrasto viscoso não constitui problema. Acredita-se que a eficiência propulsiva desses seres seja devida a uma certa combinação de fatores, como a presença de texturas epidérmicas específicas, desenhos anatômicos hidrodinâmicos e mecanismos neurais de retorno fisiológico e muscular [5151. T.M. Williams, W.A. Friedl, M.L. Fong, R.M. Yamada, P. Sedivy e J.E. Haun, Nature 355, 821 (1992)., 5252. A.W. Lang, P. Motta, P. Hidalgo e M. Westcott, Bioinspir. Biomim. 3, 1 (2008)., 5353. P.R. Bandyopadhyay e A.M. Hellum Sci. Rep. 4, 6650 (2014)., 5454. B. Dean e B. Bhushan, Phil. Trans. R. Soc. A 368, 4775 (2010).].

Os fenômenos físicos associados ao arrasto viscoso turbulento na CLT ocorrem, de maneira geral, em escalas de comprimento surpreendentemente pequenas se comparadas às dimensões dos corpos ao redor dos quais desenvolve-se o escoamento. Os efeitos viscosos nas CLTs são produzidos nas vizinhanças da superfície material confinante (comumente chamada de parede no léxico da engenharia mecânica), em uma camada de fluido de espessura que é tipicamente da ordem de algumas unidades de comprimento viscoso , ℓ = ν/u, onde u é uma escala de velocidade denotada como velocidade de atrito , determinada a partir da tensão de cisalhamento viscoso sobre a superfície. Voltando ao caso da aviação comercial, podemos estimar u≃5 m/s e ν≃10−5 m2/s, de modo que ℓ≃2μm sobre a fuselagem. A sustentação de um avião em voo deve-se a mecanismos físicos que se originam numa lâmina de ar ao redor da asa que tem uns poucos micrômetros de espessura!

Há cerca de 90 anos, Prandtl e von Kármán formularam a famosa lei da parede que expressa os valores médios de velocidade na CLT como função da distância y à placa. A descrição de Prandtl–von-Kármán faz uso das escalas de velocidade, u, e comprimento, ℓ, típicas do escoamento, para introduzir velocidades e comprimentos adimensionalizados, u+u/u e y+ = y/ℓ. Para distâncias pequenas da parede, y+ < 5, temos u+y+, enquanto que para y+ > 30, observa-se o seguinte perfil logarítmico de velocidades,

(12) u + ( y + ) = 1 κ ln y + + C ,

onde κ≃0.41 é a chamada constante de von Kármán e C≃5 (tais valores podem mudar em função das condições de contorno do escoamento). São conhecidos alguns argumentos fenomenológicos para o estabelecimento da lei da parede [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).]. Entretanto, o cálculo sistemático das constantes adimensionais κ e C, desejável em uma teoria física rigorosa da camada limite turbulenta, é, até o presente momento, terra incognita na dinâmica de fluidos.

A região de transição e a CLT revelam uma verdadeira fauna de estruturas e fenômenos dinâmicos intermitentes complexos, tais como ondas de Tollmien-Schlichting (na região de transição), rajadas de baixa velocidade (low spead streaks ), vórtices quase-escoamento-alinhados (quasi-streamwise vortices ), vórtices-grampo (hairpin vortices ), eventos de varredura (sweeps ) e ejeção (ejections ). As Refs. [5555. D.J.C. Dennis, An. Acad. Bras. Ciênc. 87, 1161 (2015)., 5656. I. Marusic e J.P. Monty, Ann. Rev. Fluid Mech. 51, 49 (2019).] contém descrições detalhadas destas estruturas. A Fig. 5 esquematiza a configuração e um vórtice-grampo sobre uma placa plana e os eventos associados de ejeção (movimento de fluido para fora da placa) e varredura (movimento de fluido em direção à placa). A Fig. 6, fruto de simulações numéricas [5757. G. Eitel-Amor, R. Örlü, P. Schalatter e O. Flores, Phys. Fluids 27, 025108 (2015).], exibe a profusão de vórtices-grampo nas CLTs, também observada em experimentos, após laboriosos tratamentos estatísticos [5858. D.J.C. Dennis, J. Fluid Mech. 673, 180 (2011).].

Figura 5
Um vórtice-grampo que se propaga ao longo da direção x. Esta estrutura pode ser dividida em três partes: duas pernas, uma à esquerda e a outra à direita dos pontos A e B, respectivamente, e uma cabeça AB. A seta curvada entre os pontos A e B, indica o sentido de circulação de fluido ao redor da cabeça do vórtice-grampo.
Figura 6
Vórtices-grampo obtidos em simulações numéricas diretas de uma camada limite turbulenta – imagem adaptada de [5757. G. Eitel-Amor, R. Örlü, P. Schalatter e O. Flores, Phys. Fluids 27, 025108 (2015).]. A seta indica o sentido de movimento do fluido sobre a placa plana. Cores quentes (frias) representam módulo maior (menor) do campo de velocidade.

O estudo de vórtices-grampo tem sido foco de atenção especial desde o início da década de 1980, como a chave para se modelar estatisticamente as CLTs. Os vórtices-grampo consistem de tubos de vorticidade que podem ser representados como a composição de dois vórtices paralelos quase-escoamento-alinhados e de circulações opostas, mais próximos às superfícies, e uma região tubular transversal mais elevada. O esforço de modelagem das CLTs por meio destas estruturas está inserida no contexto mais geral da abordagem estrutural da turbulência , discutida a seguir.

4. Abordagem Estrutural da Turbulência

Duas questões fundamentalmente importantes têm sido debatidas há décadas nas discussões sobre a modelagem estatística da turbulência:

  1. Estruturas com alto grau de coerência espaço-temporal – genericamente denominadas de estruturas coerentes – que transportam vorticidade, como os vórtices-grampo da Fig. 6 ou os tubos de vorticidade observados em simulações numéricas [5959. Y. Kaneda e T. Ishihara, J. Turb. 7, 1 (2006).], tais como mostrados na Fig. 7, subsistem de fato a fluxos de números de Reynolds assintoticamente altos?

  2. Estas estruturas têm papel relevante na caracterização das propriedades estatísticas da turbulência (com enfâse nos casos de turbulência homogênea e isotrópica ou confinada por superfícies materiais)?

Figura 7
Vórtices (regiões verde-claras) obtidos em simulações numéricas diretas de um escoamento turbulento homogêneo e isotrópico [5959. Y. Kaneda e T. Ishihara, J. Turb. 7, 1 (2006).]. Os vórtices foram convencionalmente definidos, nestas simulações, como as regiões do fluido nas quais o módulo da vorticidade está além da sua média por mais de quatro desvios-padrões, isto é, |ω| > ⟨|ω|⟩ + 4σω.

Uma grande parte da comunidade fluidodinâmica, seguidora da corrente estrutural, acredita em respostas afirmativas para (i) e (ii). A abordagem estrutural está enraizada na definição do campo de vorticidade (9) que é semelhante à lei de Ampère do eletromagnetismo, se considerarmos que os campos de vorticidade e velocidade são análogos ao campos de densidade de corrente elétrica e magnético, respectivamente. Da mesma forma como correntes elétricas produzem campo magnético, temos o “direito matemático” de imaginar que linhas de vorticidade são as fontes do campo de velocidade. Em outras palavras, o campo de velocidade de um fluxo turbulento pode ser derivado, de maneira geral, a partir do campo de vorticidade por meio da seguinte lei de Biot-Savart fluido-dinâmica:

(13) u ( x , t ) = 1 4 π d 3 x ω ( x , t ) × ( x - x ) | x - x | 3 .

O objetivo central da abordagem estrutural da turbulência é desenvolver modelos que apresentem uma redução expressiva do número de graus de liberdade que descrevem exatamente os estados dinâmicos turbulentos, a partir do postulado de que um fluxo turbulento possa ser descrito como um gás de estruturas coerentes . Na linguagem da teoria da informação, diríamos que o que se almeja é uma compressão significativa do número de bits necessários para representar um estado turbulento.

As estruturas coerentes são geralmente entendidas como domínios especiais de linhas de vorticidade “empacotadas”, isto é, tubos de vorticidade ou, simplesmente, vórtices, as fontes dominantes do campo de velocidade, a ser determinado pela aplicação direta da Eq. (13). O programa estrutural de investigação é fortemente motivado por estudos numéricos nos quais se demonstra que as flutuações de velocidade em diversos escoamentos turbulentos podem ser fielmente reproduzidas pela consideração de apenas cerca de 2% do número total de graus de liberdade dinâmicos, claramente ligados à parametrização de estruturas vorticais [1212. M. Farge, G. Pellegrino e K. Schneider, Phys. Rev. Lett. 87, 054501 (2001).].

Trabalhos pioneiros de Perry e Chong [6060. A.E. Perry e M.S. Chong, J. Fluid Mech. 119, 173 (1982).] relacionados à modelagem de CLTs como um sistema de vórtices-grampo aleatoriamente dispersos no espaço motivaram diversos desenvolvimentos posteriores ao longo dos últimos 25 anos [5656. I. Marusic e J.P. Monty, Ann. Rev. Fluid Mech. 51, 49 (2019)., 5858. D.J.C. Dennis, J. Fluid Mech. 673, 180 (2011)., 6161. A.E. Perry, S.M. Henbest e M.S. Chong, J. Fluid Mech. 165, 163 (1986)., 6262. K.R. Sreenivasan, em: Turbulence Management and Relaminarization, editado por H.W. Liepmann e R. Narasimha (Springer-Verlag, Berlin, 1987)., 6363. A.E. Perry e I. Marusic, J. Fluid Mech. 298, 361 (1995)., 6464. L. Moriconi, Phys. Rev. E 79, 046306 (2009)., 6565. I. Marusic, R. Mathis e N. Hutchins, Science 329, 193 (2010)., 6666. R. Mathis, I. Marusic, S.I. Chernyshenko e N. Hutchins, J. Fluid Mech. 715, 163 (2013)., 6767. J.H. Elsas e L. Moriconi, Phys. Fluids 29, 015101 (2017).]. Entre os aspectos fenomenológicos de maior atenção, destacamos descrições do fenômeno de arrasto viscoso, do comportamento intermitente amplificado do campo de velocidade na região próxima à parede e do balanço entre entre produção e dissipação de energia cinética turbulenta nas CLTs. É justo afirmar, entretanto, que apesar de progressos recentes consideráveis, a abordagem estrutural ainda não foi capaz de consolidar, de forma sistemática, resultados quantitativos expressivos, como a Lei da Parede (12).

Podemos elaborar, aqui, uma analogia instrutiva entre a abordagem estrutural e desenvolvimentos da física estatística. Argumentos simples e bem conhecidos da teoria cinética dos gases conduzem à lei dos gases ideais, PV = nRT, a partir da suposição de que um gás ideal é definido como um sistema composto por um número enorme de partículas fracamente interagentes. A abordagem estrutural pode ser entendida, sob um prisma metodológico análogo, como uma teoria cinética da turbulência, na qual partículas são trocadas por estruturas vorticais, com as quais pretendemos derivar um certo número de leis fenomenológicas importantes. As dificuldades encontradas no contexto turbulento são evidentemente muito maiores: comparadas às partículas de um gás ideal, estruturas vorticais são mais complexas, não são indefinidamente estáveis e estão fortemente acopladas entre si. Fluxos turbulentos, como ponto de partida, são análogos aos gases não-ideais fortemente interagentes da mecânica estatística.

4.1. Mas, afinal, o que são vórtices?

O que é um átomo de hidrogênio? Dez entre dez físicos responderão confiantemente a esta pergunta, de maneira bastante semelhante. Entretanto, por mais paradoxal que possa soar, frente à pergunta “o que é um vórtice?”, esperaremos encontrar muitas respostas qualitativamente e quantitativamente diferentes, ou, até mesmo, uma certa hesitação embaraçosa por parte de especialistas em dinâmica de fluidos. Vórtices ou estruturas coerentes, de maneira mais geral, não são objetos físicos que possuem definição única [6868. A.K.M.F. Hussain, Phys. Fluids 26, 2816 (1983)., 6969. A.K.M.F. Hussain, J. Fluid Mech. 173, 303 (1986).].

Todos concordam, vagamente, que um vórtice deve representar uma estrutura do escoamento na qual elementos de fluido giram (não necessariamente em órbitas fechadas) ao redor de alguma direção do espaço. É o que observamos, por exemplo, quando abrimos o ralo de um tanque de água ou quando apreciamos os incríveis vídeos de tornados ou furacões. Nestes dois últimos casos, o “ralo” do escoamento é formado por camadas mais altas da atmosfera, para as quais o ar das camadas atmosféricas mais baixas é direcionado após convergir, em rotação, para o centro dessas estruturas.

Tornados e furacões movem-se e este fato nos obriga a refinar a nossa vaga definição anterior: em um vórtice, elementos de fluido giram ao redor de alguma direção do espaço que desloca-se com o fluido . É claro que apesar de um certo melhoramento, essa definição de vórtice continua vaga e de pouca utilidade quantitativa. Ela aponta, entretanto, para a necessidade de que a definição em jogo seja invariante por transformações de Galileu. Isto é, ela não deve depender do estado de movimento relativo entre o observador e o fluido. Trajetórias de partículas não são, de fato, invariantes por transformações de Galileu. Consideremos a situação de um ciclista que observa o movimento de uma pequena mancha de tinta impregnada no pneu dianteiro de sua bicicleta. Para o ciclista, a mancha de tinta gira em uma órbita fechada ao redor do eixo de rotação definido pelo cubo dianteiro da bicicleta. Do ponto de vista de um observador parado na calçada, por outro lado, a mancha de tinta executa uma trajetória cicloidal que não orbita circularmente ao redor de eixo algum.

Vórtices são tecnicamente definidos, portanto, com o auxílio de prescrições matemáticas postuladas. Vórtices são aquilo que queremos que sejam! A literatura a respeito deste assunto é interessante e extensa [1212. M. Farge, G. Pellegrino e K. Schneider, Phys. Rev. Lett. 87, 054501 (2001)., 6767. J.H. Elsas e L. Moriconi, Phys. Fluids 29, 015101 (2017)., 6868. A.K.M.F. Hussain, Phys. Fluids 26, 2816 (1983)., 6969. A.K.M.F. Hussain, J. Fluid Mech. 173, 303 (1986)., 7070. C.D. Meinhart e R.J. Adrian, Phys. Fluids 7, 694 (1995)., 7171. J. Zhou, R.J. Adrian e S. Balachandar, Phys. Fluids 8, 288 (1996)., 7272. A. Okubo, Deep Sea Res. Ocean. Abs. 17, 455 (1970)., 7373. J. Weiss, Physica D 48, 273 (1991)., 7474. J.C.R. Hunt, A.A. Wray e P. Moin, Eddies, Streams, and Convergence Zones in Turbulent Flows disponível em: https://ntrs.nasa.gov/citations/19890015184.
https://ntrs.nasa.gov/citations/19890015...
, 7575. M.S. Chong, A.E. Perry e B.J. Cantwell, Phys. Fluids A 2, 765 (1990)., 7676. J. Zhou, R.J. Adrian, S. Balachandar e T.M. Kendall, J. Fluid Mech. 387, 353 (1999)., 7777. P. Chakabrorty, S. Balachandar e R.J. Adrian, J. Fluid Mech. 535, 189 (2005)., 7878. J. Jeong e F. Hussain, J. Fluid Mech. 289, 69 (1995)., 7979. P. Holmes, J. Lumley e G. Berkooz, Turbulence, Coherent Structures, Dynamical Systems and Symmetry (Cambridge University Press, Cambridge, 1996)., 8080. J. Ferre-Gine, R. Rallo, A Arenas e F. Giralt, Int. J. Neural Syst. 7, 559 (1996)., 8181. G. Haller, J. Fluid Mech. 525, 1 (2005)., 8282. G. Haller e F.J. Beron-Vera, J. Fluid Mech. 731, R4 (2013)., 8383. R.J. Adrian, Phys. Fluids 22, 2065 (1979)., 8484. R.J. Adrian, Appl. Sci. Res. 53, 291 (1994)., 8585. W. Schoppa e F. Hussain, em: Eddy Structure Identification, CISM Courses and Lectures No. 353, editado por J.P. Bonnet (Springer-Verlag, Wien, 1996)., 8686. R.J. Adrian, K.T. Christensen e Z.C. Liu, Exp. Fluids 29, 275 (2000)., 8787. P. Chakabrorty, S. Balachandar e R.J. Adrian, J. Vis. 10, 137 (2007)., 8888. V. Kolář, Int. J. Heat and Fluid Flow 28, 638 (2007)., 8989. Q. Chen, Q. Zhong, M. Qi e X. Wang, Phys. Fluids 27, 085101 (2015).], dignas de ocupar um longo artigo de revisão.

5. A teoria Estatística da Turbulência Homogênea e Isotrópica

5.1. Cascata de Richardson e difusão anômala

Até o fim do século XIX o movimento de fluidos foi abordado por uma estratégia puramente fluidodinamicista, i.e., com um tratamento direto das equações de movimento, em geral recorrendo a aproximações ou simplificações. Podemos destacar por exemplo o teorema da circulação de Kelvin, que estabeleceu propriedades fisicamente relevantes de fluidos ideais, além do trabalho de Stokes, que encontrou soluções de (4) desprezando o termo não-linear (equivalente ao caso Re→0) e iniciou o estudo de escoamentos irrotacionais [2222. L.D. Landau e E.M. Lifshitz, Fluid Mechanics (Pergamon Press, Oxford, 1987), 2ª ed.]. O êxito na compreensão da turbulência porém era limitado, e ir além da análise de instabilidades mostrava-se difícil.

Apenas após o sólido estabelecimento da mecânica estatística e da popularização de ideias da teoria de probabilidades na física (revigorada pela mecânica quântica no início do século XX), uma abordagem estatística à turbulência de fluidos finalmente começou a ser construída. O físico e meteorologista britânico L.F. Richardson teve um papel seminal ao realizar experimentos que revelaram as características peculiares da estatística turbulenta e ao conceber a cascata de energia , uma ideia que moldou a forma como pensamos a turbulência e que impactou o estudo de sistemas não-lineares [9090. L.F. Richardson, Weather prediction by numerical process (Cambridge University Press, Cambridge, 1922).].

Em uma equação diferencial linear, quando escrevemos a solução como uma superposição de “modos”, i.e., elementos de uma base ortogonal do espaço de funções, a linearidade garante que cada modo evolua independentemente dos outros modos e que sua contribuição à solução em todo tempo (medido como a energia associada ao modo) dependa da dinâmica interna do modo e não dos demais. O exemplo mais comum talvez seja a base de Fourier de senos e cossenos, empregada na equação de ondas e de difusão, com a expansão correspondente sendo a série de Fourier. Entretanto, uma das propriedades emblemáticas de uma equação não-linear é que, se a solução for expandida em uma base qualquer de funções, existe interação entre modos. Mesmo se iniciamos com somente um modo ou se energia for injetada em apenas um, novos modos podem surgir por essas interações, fenômeno responsável pela emergência de complexidade nas soluções.

Decompondo-se o campo de velocidades em modos de Fourier, o modo u^(k) de vetor de onda k pode ser interpretado como flutuações de velocidade em uma escala r∼1/|k|. A equação de Navier-Stokes no espaço de Fourier para a componente i de um modo assume a forma

(14) u ^ i ( k ) t + ( δ i j - k i k j k 2 ) d 3 q ( ı q m ) u ^ m ( k - q ) u ^ j ( q ) = - ν k 2 u ^ i ( k ) + f ^ i ( k ) ,

onde adotamos a convenção de somas sobre índices repetidos, ı é a unidade imaginária e o termo de pressão foi substituído pela solução da equação de Poisson mencionada na Seção 2.1 2.1. Equação do movimento Após o enorme sucesso da mecânica Newtoniana na descrição do movimento de partículas pontuais, a generalização para o tratamento de corpos extensos era um passo natural, no que ficou conhecido como mecânica do contínuo . O caso de um corpo rígido , em que não há movimento relativo entre constituintes do sistema, é o mais simples e leva a leis que exibem notável analogia com as leis de Newton para uma partícula. Um dos grandes desenvolvedores da mecânica do contínuo foi Euler, que não somente avançou o problema do corpo rígido (com a introdução dos ângulos de Euler e de seu teorema da rotação por exemplo) mas foi também um dos precursores da dinâmica de fluidos. Se um corpo extenso não é perfeitamente rígido, é preciso considerar os efeitos das forças internas em sua deformação. Sobre um dado elemento de massa podem agir forças perpendiculares à sua superfície – dando origem a tensões normais, conhecidas simplesmente como pressões – ou paralelas a ela, produzindo as chamadas tensões de cisalhamento. Um sólido caracteriza-se por resistir a tensões de cisalhamento, deformando-se até que elas sejam equilibradas por forças internas. Em contrapartida, um fluido é um sistema que não é capaz de resistir a tensões de cisalhamento, por menores que sejam, deformando-se continuamente de modo a escoar. Foi Euler quem introduziu a ideia de um campo de pressão para descrever as forças internas de um fluido. Com isso ele deduziu a equação de conservação do momento linear de um elemento de fluido deslocando-se sem dissipação de energia, i.e., no caso de um fluido ideal [17, 18]. A observação central é que na ausência de viscosidade as forças internas são perpendiculares às superfícies de um elemento de fluido (que podem apenas “empurrar” uns aos outros) e portanto descritas como pressões. A diferença de pressão entre faces opostas da superfície produz uma aceleração na direção normal a elas. Ocorre que a aceleração de um elemento pode sinalizar dois tipos de fenômeno. Ainda que o escoamento seja estacionário e não varie temporalmente, o elemento pode mover-se entre regiões com velocidades distintas. Ou, mesmo em uma região espacialmente homogênea, o campo de velocidades pode estar variando no tempo. Matematicamente isso é expresso pela derivada material (ou advectiva ) DD⁢t, de modo que a aceleração local de fluido se escreva a = Du/Dt = ∂⁡u/∂⁡t + (u⋅∇)u, onde u(x,t) é o campo vetorial de velocidades e ∇=x^⁢∂/∂⁡x+y^⁢∂/∂⁡y+z^⁢∂/∂⁡z é o operador vetorial de diferenciação. Com esses ingredientes inseridos na segunda lei de Newton para um elemento de fluido – e o leitor encontrará a dedução detalhada em livros introdutórios de dinâmica de fluidos e turbulência (e.g. [14]) – obtém-se a chamada Equação de Euler para u(x,t), (2) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + f , sendo p(x,t) o campo de pressão e f(x,t) a resultante de eventuais forças externas, ambas por unidade de volume por unidade de massa. Euler identificou ainda uma questão fundamental: ao ser pressionado, um elemento poderia em princípio comprimir-se ou expandir-se, de modo que sua densidade variasse. Para levar isso em consideração, nas palavras do próprio Euler (em tradução livre), “é necessário conhecer a lei segundo a qual sua elasticidade depende da densidade (…), ou ainda de uma outra propriedade, como o calor” [17]. As relações entre densidade, pressão e temperatura só foram estabelecidas posteriormente com a termodinâmica e as equações de estado, entretanto Euler pôde desenvolver o caso incompressível , no qual a densidade do fluido permanece constante. De fato isso já foi utilizado ao escrevermos (2) sem a densidade: na prática ela é tomada como 1 com uma escolha conveniente de unidade de massa. Nessa situação a equação de continuidade leva a uma condição simples para o campo de velocidade, impondo-lhe divergência nula [14], (3) ∇ ⋅ u ⁢ ( x , t ) = 0 . As (2) e (3) juntas formam um conjunto completo de equações para os campos u(x,t) e p(x,t). A pressão é determinada tomando-se a divergência de (2) e substituindo-se (3), o que leva a uma equação de Poisson que pode ser resolvida empregando-se funções de Green. Isso explicita que além de não-linear, a equação de Euler é também não-local: o campo de pressão ajusta-se instantaneamente para manter o fluido incompressível. Esses são os fatores que tornam seu tratamento analítico um problema matematicamente difícil. É importante observar que a hipótese de incompressibilidade encontra grande aplicação prática, sendo uma excelente aproximação mesmo para o escoamento de gases quando as escalas de velocidade envolvidas são muito menores que a velocidade do som. Embora também forneça uma aproximação útil em algumas situações, a hipótese de fluido ideal por outro lado levava a dificuldades mais profundas. Onze anos após a publicação de Euler, d’Alembert mostrou que um objeto sólido movendo-se no interior de um fluido ideal em acordo com (2) e (3) não sofreria qualquer resistência ao movimento, o que ficou conhecido como paradoxo de d’Alembert [19]. A determinação do arrasto sobre um corpo submerso em um escoamento é um dos problemas centrais de ordem prática que a mecânica dos fluidos deveria resolver, e portanto o resultado de d’Alembert era drástico. Em seu trabalho pioneiro, Navier buscou incluir o efeito da viscosidade molecular na equação de Euler [20]. Ele recuperou um princípio antigo de Newton, que havia observado que a tensão cisalhante numa superfície do fluido é proporcional à sua taxa de deformação. Se a velocidade não varia espacialmente, um elemento de fluido apenas desloca-se sem deformar, portanto a taxa de deformação é determinada pelo gradiente de velocidade. Em notação moderna, se τij é a tensão de forças agindo na direção j sobre a superfície cuja normal está na direção i, então as observações de Newton levam a τij = μ(∂⁡uj/∂⁡xi + ∂⁡ui/∂⁡xj), onde a constante de proporcionalidade μ é uma propriedade do fluido chamada viscosidade dinâmica . Esse tipo de relação entre tensões e resposta de deformação é conhecida como relação constitutiva, e fluidos para os quais τij é linear com a deformação são ditos newtonianos. Comportamentos mais complexos são observados, existindo uma grande variedade de fluidos não-newtonianos [21] que dão origem a fenômenos surpreendentes, como nas populares demonstrações em que é possível até caminhar sobre uma mistura de água e amido de milho. Com o termo adicional de viscosidade newtoniana em (2), e novamente referimos o leitor a livros-textos para detalhes [14, 22], temos (4) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + ν ⁢ ∇ 2 ⁡ u + f , sendo a viscosidade dinâmicaν a razão entre μ e a densidade. As (3) e (4) em conjunto são conhecidas como equações de Navier-Stokes incompressíveis , em referência ainda ao influente trabalho de Stokes, que considerou o papel da viscosidade e estudou soluções em diversos cenários de relevância prática [20]. O trabalho de Saint-Venant em 1846 [23] mostrou que a origem do paradoxo de d’Alembert estava na desconsideração dos efeitos viscosos, e uma melhor compreensão veio mais tarde com o desenvolvimento da teoria da camada limite por Prandtl, em 1904 [19]. No entanto, destacamos que não há, ainda, uma solução completa e satisfatória do paradoxo de d’Alembert. Uma observação importante sobre as equações de Navier-Stokes é que enquanto os termos já presentes em (2) são exatos, o termo de viscosidade é fruto de um modelo, não sendo evidente se continua representando uma boa descrição de fluidos reais em situações extremas. As comparações de soluções numéricas com experimentos mostram, porém, excelente acordo dentro dos limites atingidos pelas simulações, e os fenômenos que discutiremos aqui são observados tanto em experimentos quanto em soluções numéricas. De todo modo, o estudo do comportamento das soluções de (4) é um problema importante na matemática e por isso fala-se às vezes em turbulência de Navier-Stokes . (dando origem ao termo contendo kikj, uma projeção em modos transversos que assegura a incompressibilidade). A forma (14) consequentemente explicita as interações entre modos a que nos referimos: a evolução do modo associado a um dado vetor de onda k depende dos demais modos q, justamente em virtude da não linearidade. Dessa maneira, se a força externa f injeta energia em uma escala típica L, criando flutuações de velocidade relevantes nessa escala, outros modos começarão a ser excitados e esperamos ver perturbações em escalas diferentes propagando-se pelo sistema.

Mas na turbulência, como se dá essa propagação? Um fluido torna-se turbulento quando perturbações em escalas cada vez menores começam a emergir. Na água que flui de maneira muito suave em um canal por longas distâncias, a velocidade é praticamente constante em todos os pontos, logo as perturbações são nulas mesmo em escalas longas. Contudo, em uma região mais turbulenta, a velocidade varia rapidamente ponto a ponto, e temos flutuações de velocidade ocorrendo em distâncias pequenas. Essa ideia intuitiva já era explorada nas artes há tempos, e é muito didaticamente empregada na icônica xilogravura A Grande Onda de Kanagawa , do artista japonês Hokusai, que tornou-se uma das obras mais reconhecidas e reproduzidas mundialmente [9191. C.M.E. Guth, Hokusai’s Great Wave: Biography of a Global Icon (University of Hawaii Press, Honolulu, 2015).], mostrada na Fig. 8.

Figura 8
A Grande Onda de Kanagawa (Kanagawa oki nami ura ), de Hokusai (c. 1831).

Para criar o efeito dramático da turbulência, Hokusai insere escalas cada vez menores nas pontas das ondas. Ademais, o uso de estruturas contidas em estruturas maiores que por sua vez compõem outras ainda maiores, todas exibindo uma certa similaridade – de forma semelhante a um fractal – é de uma intuição extraordinária do artista, conforme veremos mais adiante.

Richardson imaginou assim uma cascata em que a energia é injetada nas grandes escalas via a criação de estruturas de grande escala – turbilhões – e é transferida a escalas sucessivamente menores, com turbilhões quebrando-se em turbilhões menores, os quais produzirão outros ainda menores, uma imagem que costuma ser caricaturada em esquemas como o da Fig. 9. Isso ocorre até que as flutuações atinjam distâncias suficientemente pequenas para que os gradientes de velocidade tornem-se suficientemente grandes e a viscosidade atue, dissipando energia. Como mostra e equação (14), o termo de viscosidade ganha importância quando o módulo do vetor de onda cresce, i.e., nas pequenas escalas.

Figura 9
Representação pictórica da cascata de Richardson.

A grande intuição de Richardson foi diante disso perceber que a injeção de energia define a escala integral L do escoamento e a dissipação ocorre somente nas pequenas escalas, em virtude da viscosidade molecular. Essa transferência de energia das grandes para as pequenas escalas deveria estar contida na dinâmica das equações de Navier-Stokes, guiando as interações entre modos em (14). A busca de uma descrição quantitativa da cascata foi um problema de importância central para a turbulência e a primeira grande resposta foi a distribuição espectral de Kolmogorov referida na Eq. (1) e esboçada nas notas de Fermi.

Aqui é interessante mencionar, retomando o diálogo com a arte, os famosos esboços de Leonardo da Vinci, que observou minuciosamente o movimento de turbilhões, aliando curiosidade científica a estudos artísticos. O leitor encontrará alguns dos desenhos em diversas referências [1313. U. Frisch, Turbulence: the legacy of A.N. Kolmogorov (Cambridge University Press, Cambridge, 1995)., 9292. I. Marusic e S. Broomhall, Annu. Rev. Fluid Mech., 53, 1 (2021)., 9393. M. Kemp, Nature 571, 322 (2019)., 9494. L. da Vinci, The notebooks of Leonardo da Vinci, editado por J.P. Richter (Dover, New York 1970), v. 2.] e mecanismos de busca na internet, porém chamamos a atenção para uma das descrições que acompanham as imagens e que contém ideias qualitativas da cascata de Richardson, quase 500 anos antes [9494. L. da Vinci, The notebooks of Leonardo da Vinci, editado por J.P. Richter (Dover, New York 1970), v. 2.]. Em tradução livre:

… os menores turbilhões são quase incontáveis, e coisas grandes são rotacionadas somente pelos turbilhões grandes e não pelos pequenos, e coisas pequenas são giradas por turbilhões pequenos e grandes.

O trecho retrata não somente a existência de estruturas de várias escalas (de fato, o próprio conceito de vórtice e estrutura coerente na turbulência pode ser rastreado até da Vinci), mas também o fato de que são as grandes que carregam a maior parte da energia – sendo assim capazes de rotacionar objetos grandes – enquanto os pequenos são os mais numerosos. Isso é consonante com a ideia de que turbilhões grandes originam vários menores, que por sua vez podem produzir ainda mais turbilhões menores e assim por diante, de modo que o número dos menores turbilhões seja enorme.

Uma segunda notável contribuição de Richardson veio com a análise da dispersão de partículas transportadas por um fluido turbulento, um trabalho que abriu as portas para a análise estatística na turbulência. O desafio era entender como se comporta a distância média r(t) entre um par de partículas soltas no escoamento. A teoria da dispersão Browniana havia sido desenvolvida por Einstein no início do século [9595. A. Einstein, Ann. Phys. 17, 549 (1905).], e uma de suas consequências é que partículas microscópicas imersas em um fluido em repouso difundem-se por ação do movimento aleatório das moléculas, de forma que a distância quadrática média entre pares cresce linearmente com o tempo, i.e., ⟨r(t)2⟩∼t. Esse resultado pode ser obtido a partir da equação de difusão (ou Lei de Fick), que rege a evolução da concentração de partículas ρ(r,t) conforme

(15) ρ t = ( D ρ ) ,

onde D é o coeficiente de difusão (suposto constante). Para partículas inicialmente concentradas na origem, a solução fornece uma concentração gaussiana ρ∼(1/4πDt)3/2exp⁡[−r2/(4Dt)] cuja variância 2Dt cresce linearmente com o tempo, mostrando que a dispersão de partículas cresce dessa maneira.

Se no entanto o fluido fosse turbulento, experimentos indicavam um comportamento diferente. A realização de experimentos precisos era difícil à época, e o próprio Richardson conduziu alguns em que balões foram soltos na atmosfera e tiveram suas distâncias acompanhadas [9090. L.F. Richardson, Weather prediction by numerical process (Cambridge University Press, Cambridge, 1922)., 9696. L.F. Richardson e D. Proctor, Q. J. R. Meteorol. Soc., 53, 149 (1927).]. A partir de uma coletânea de dados experimentais , ele convenceu-se de que a separação quadrática média dava-se seguindo

(16) r ( t ) 2 t 3 ,

ou seja, de maneira consideravelmente mais rápida que em uma difusão simples, um regime hoje chamado de superdifusivo e típico em sistemas complexos. A turbulência é, portanto, um mecanismo muito eficiente de mistura, o que explica porque mexemos o café com uma colher para espalhar o açúcar!

Richardson interpretou o resultado em termos da ação de estruturas de várias escalas. Os turbilhões de tamanho típico ℓ∼r(t) são mais efetivos no processo de dispersão, que deve portanto depender da escala e com o conteúdo energético das escalas distribuindo-se de acordo com a cascata de energia. Nesse espírito, ele desenvolveu uma teoria pioneira de difusão anômala para a distribuição de probabilidades das distâncias entre partículas, generalizando a lei de Fick para o que chamou de “difusão não-Fickeana”: o caso em que o coeficiente de difusão D não é mais constante e varia com a escala [9797. L.F. Richardson, Proc. R. Soc. Lond. A 110, 709 (1926).]. Trabalhando em uma dimensão, por simplicidade, ele propôs em (15) um coeficiente de difusão D=Kr43 (sendo K constante), e com a troca de variáveis r′ = r1/3 obteve uma equação de difusão simples de solução também Gaussiana, ρ(r′,t)∼(4tK)−3/2exp⁡[−r′⁣2/(4tK/9)], cujo segundo momento estatístico em termos de r pode ser calculado analiticamente e fornece justamente (16). O estudo da difusão anômala desenvolveu-se enormemente desde então, encontrando aplicações em muitas áreas de sistemas complexos [9898. D.H. Zanette, Braz. J. Phys. 29, 108 (1999).].

O resultado (16) contém informação profunda sobre a dinâmica turbulenta em Navier-Stokes, sendo uma manifestação da física estatística não trivial envolvida no sistema, e pôde ser entendido pela teoria de Kolmogorov discutida na Seção 5.4 5.4. Kolmogorov e a teoria K41 A.N. Kolmogorov foi um um dos maiores matemáticos do século XX, sendo considerado o pai da teoria moderna das probabilidades, que desenvolveu nos anos 30. Ele nutriu constante interesse por problemas relacionados à física, tendo dado contribuições fundamentais à mecânica clássica por exemplo. Em 1941, carregado de uma exímia intuição física, aplicou, em uma série de três artigos que transformaram a área [4, 5, 6], algumas de suas ideias de probabilidades ao problema da turbulência no limite de altos números de Reynolds, tratando o campo de velocidades como uma variável aleatória. Sua teoria ficou conhecida desde então como K41. Com a imagem da cascata de Richardson em mente, Kolmogorov formulou hipóteses sobre a universalidade de observáveis estatísticos [4]. Sua primeira hipótese traduz a ideia levantada na Seção 5.2 de universalidade nas pequenas escalas, configurando uma hipótese de isotropia local. O mecanismo de injeção de energia introduz em geral anisotropia nas grades escalas, contudo nas escalas menores a redistribuição da energia pela cascata restaura as simetrias. Dessa maneira, Kolmogorov supôs que em um escoamento turbulento com número de Reynolds suficientemente grande a estatística dos movimentos de pequena escala têm uma forma universal dependente somente da viscosidade ν e da taxa média de dissipação de energia, o ⟨ϵ⟩ de (28), uma vez que são os parâmetros dimensionais restantes independentes da escala integral L. Essa hipótese possui consequências físicas bastante significativas. A primeira delas é que, combinando esses dois parâmetros, é possível construir um único conjunto de grandezas com dimensões de comprimento, tempo e velocidade, as chamadas escalas de Kolmogorov, respectivamente (35) η = ( ν 3 ϵ ) 1 / 4 (36) u η = ( ϵ ⁢ ν ) 1 / 4 (37) τ η = ( ν ϵ ) 1 / 2 , onde omitimos ⟨⋅⟩ em ϵ para não carregar a notação, o que faremos até o fim dessa seção. O fato de estarem ligadas à viscosidade já é um forte indicativo de que são escalas características dos menores turbilhões existentes, onde a energia é dissipada. De fato, o número de Reynolds equivalente que formam é Reη = ηuη/ν = 1, mostrando que o escoamento é suave e dominado pela viscosidade nessas escalas. Ademais, combinando (35) e (36) podemos escrever a taxa de dissipação como ϵ = ν(uη/η)2, e comparando essa forma com a definição de ϵ em (28) vemos que uη/η caracteriza os gradientes de velocidade. Uma consequência profunda da primeira hipótese de Kolmogorov é que a estatística de observáveis do campo de velocidade adimensionalizado pelas escalas (35–37), como u/uη, simplesmente não pode depender de ν e ϵ, uma vez que não é possível construir um parâmetro adimensional com essas duas grandezas. Ele deve ser, dessa maneira, universal. Por essa razão a hipótese de Kolmogorov é conhecida como hipótese de similaridade: a estatística do campo de velocidade nas pequenas escalas deve ser similar quando este é reescalados pelas escalas de Kolmogorov. Uma terceira consequência interessante diz respeito à larga gama de escalas da cascata turbulenta. Vimos que o mecanismo de injeção de energia define uma escala integral L, associada aos grandes turbilhões, enquanto η caracteriza as menores estruturas do escoamento. A partir da relação dimensional ϵ∼u03/L, onde u02 é a escala de velocidades típica, definida por exemplo como na Eq. (33), é imediato ver que a razão entre a escala integral e a de Kolmogorov é (38) L η = ( L ⁢ u 0 ν ) 3 / 4 = Re 3 / 4 , revelando como a extensão da cascata cresce com o número de Reynolds. Vemos aqui de forma explícita a questão da complexidade computacional mencionada no fim da Seção 5.2. Em uma simulação tridimensional, se quisermos resolver as escalas de η a L precisamos de uma rede discretizada em um número de pontos que cresce com (L/η)3∼Re9/4. O tempo de simulação também cresce: se a resolução temporal for τη, para alcançarmos o tempo de revolução do grandes turbilhões T∼L/u0 precisamos de um número de passos temporais da ordem de T/τη∼Re1/2. O custo computacional total de uma simulação numérica direta de Navier-Stokes deve por conseguinte crescer com Re11/4, uma potência bastante alta do número de Reynolds! Fundamentado nessa definição das escalas que delimitam a cascata, Kolmogorov propôs uma segunda hipótese de similaridade. Para números de Reynolds suficientemente grandes, há uma faixa de escalas r que são muito menores que a escala integral L porém ainda muito maiores que η de modo a não sofrerem influência nem do mecanismo de injeção de energia e nem da viscosidade. No regime estacionário, ϵ representa tanto a taxa média de injeção de energia nas grandes escalas quanto a de dissipação nas pequenas. Nessas escalas r a energia é somente transferida para escalas menores por efeitos inerciais, e portanto por estacionariedade a taxa média de transferência de energia é também ϵ. Concluímos assim que a estatística nessa faixa de escalas η≪r≪L, denominada faixa inercial , deve depender somente de ϵ e do próprio r. Com apenas esse parâmetro dimensional, construímos as escalas de velocidade e de tempo típicas dos turbilhões na escala r como (39) u r = ( ϵ ⁢ r ) 1 / 3 (40) τ r = ( r 2 / ϵ ) 1 / 3 , as quais decrescem com r. Diversas novas consequências importantes advêm dessa hipótese, uma das mais significativas sendo a resposta para o desafio levantado por Taylor acerca da distribuição espectral de energia na cascata turbulenta, E(k) em (22), ao menos para a faixa inercial. Nessa faixa, pela segunda hipótese de similaridade, E(k) deve depender somente de ϵ, além do próprio k. Vemos de (22) que kE(k) possui unidades de velocidade ao quadrado, i.e., k⁢E⁢(k)∼ur2∼(ϵ⁢r)2/3∼(ϵ/k)2/3. E assim, por análise dimensional simples, deduzimos que (41) E ⁢ ( k ) = C K ⁢ ϵ 2 / 3 ⁢ k - 5 / 3 , onde CK é uma constante universal. Esse é o celebrado espectro de Kolmogorov mencionado na Eq. (1) e presente nas notas de Fermi. A verificação experimental de (41) não foi imediata em virtude da dificuldade de se pós-processar medidas em escoamentos com um número de Reynolds suficientemente alto para que a faixa inercial seja visível. Evidências estavam presentes em [127] porém a primeira observação categórica veio somente em 1961, portanto 20 anos depois, em um experimento realizado por uma embarcação de 66 metros de comprimento em um esteiro no Canadá [128]. Conforme reportado, a energia nas grandes escalas era tamanha que o barco era consideravelmente carregado, e o número de Reynolds girava em torno de 108. Uma verificação a partir de dados mais recentes [129] é mostrada na Fig. 12, onde indicamos a faixa inercial postulada por Kolmogorov bem como a faixa dissipativa e a região do espectro dominada pelas grandes escalas. A obtenção da constante de Kolmogorov CK e a asserção de sua universalidade é um ponto mais delicado. Uma compilação de dados indica, apesar de ruídos consideráveis, um valor consistente com a universalidade e CK = 0.53 ± 0.05 [130]. A obtenção de CK por uma via analítica é um problema instigante, e modelos baseados em técnicas de grupo de renormalização foram propostos com limitado sucesso [131, 132, 133]. Figura 12 Espectro de energia, em escala dilog (unidades arbitrárias de energia E(k) e número de onda k) obtido a partir de séries temporais (disponíveis na base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [129]) para um escoamento em túnel de vento com número de Reynolds Re = 3×104. Uma outra consequência da segunda hipótese de Kolmogorov, que segue diretamente de (40), é uma explicação dimensional para a dispersão de Richardson (16). Vemos que as escalas de tempo associadas a uma escala r na faixa inercial de fato variam como r2∼τr3. Como observação adicional, salientamos que as hipóteses de Kolmogorov contêm, como hipótese subjacente, a lei zero da turbulência, fato do qual estava perfeitamente ciente. Realmente, no limite Re→∞ a taxa de dissipação de energia só vai sobrar como parâmetro adicional se não tender a zero! Embora siga imediatamente das hipóteses de similaridade, (41) não aparece de forma explícita no trabalho de Kolmogorov, tendo sido deduzida nessa forma por Obukhov [134, 135], um de seus estudantes cujo trabalho na teoria da turbulência é também notável e possui muitos pontos de interseção com o de Kolmogorov. Uma forma completamente equivalente entretanto, escrita no espaço físico (em oposição ao de Fourier), aparece para as chamadas funções de estrutura . A introdução das funções de estrutura como objetos estatísticos relevantes em lugar dos correlatores foi um passo aparentemente simples mas crucial de Kolmogorov, evidenciando sua intuição física. A função de estrutura de ordem q equivale ao momento estatístico de ordem q dos incrementos de velocidade na escala r, i.e., (42) S q L ⁢ ( r ) = ⟨ [ u 1 ⁢ ( x + r ⁢ e ^ 1 , t ) - u 1 ⁢ ( x , t ) ] q ⟩ em que consideramos o incremento de velocidade longitudinal. De modo análogo, utilizamos a componente u2 ou u3 para a função de estrutura transversal SqT. A (42) pode ser escrita em uma forma independente de coordenadas, (43) S q L ⁢ ( r ) = ⟨ { [ u ⁢ ( x + r , t ) - u ⁢ ( x , t ) ] ⋅ r ^ } q ⟩ , no entanto evitaremos ao máximo complicações na notação e frequentemente denotaremos os incrementos na escala r simplesmente por δru e as funções de estrutura por Sq(r), ressaltando eventuais distinções entre os casos transversal e longitudinal. A intuição por trás da introdução das funções de estrutura é de que incrementos de velocidade são objetos invariantes de Galileu. Dois pontos separados por uma distância r são carregados conjuntamente por turbilhões de escalas maiores, e isso se refletirá nos correlatores. Os incrementos na escala r, por outro lado, são observáveis que espelham as flutuações de velocidade típicas de estruturas da escala r. Dessa maneira, ao contrário dos correlatores, a função de estrutura em uma escala r na faixa inercial deve obedecer à segunda hipótese de similaridade e depender apenas de ϵ. Por análise dimensional, Kolmogorov então obteve para a função de estrutura de ordem 2 a chamada lei dos 2/3 , (44) S 2 ⁢ ( r ) = C ⁢ ϵ 2 / 3 ⁢ r 2 / 3 , que é a contrapartida de (41) no espaço físico (C é uma outra constante universal). Ela expressa como a função de estrutura de ordem 2 escala com r, e mostra que S2(r)/r2/3 deve ser universal na faixa inercial de um sistema turbulento. Ainda em 1941, Kolmogorov publicou um outro resultado sobre as funções de estrutura na turbulência, porém dessa vez valendo-se de argumentos mais rigorosos [5]. Ele partiu da equação de Kármán-Howarth (34), uma equação exata derivada de Navier-Stokes, reescrevendo-a na linguagem das funções de estrutura. É fácil ver que em termos das funções f e K de (33) temos (45) S 2 L ⁢ ( r ) = 2 ⁢ u 0 2 ⁢ ( 1 - f ⁢ ( r ) ) e S 3 L ⁢ ( r ) = 6 ⁢ u 0 3 ⁢ K ⁢ ( r ) , e torna-se então um exercício simples mostrar que (34) leva a (46) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ S 2 L + 1 3 ⁢ r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ S 3 L ) = 2 ⁢ ν r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ S 2 L ) - 4 3 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ , onde usa-se que ⟨ϵ⟩=-32⁢dd⁢t⁢u02, uma vez que a densidade de energia média é E=12⁢⟨u2⟩=12⁢⟨u12+u22+u32⟩=32⁢⟨u02⟩. Aqui voltamos com ⟨⋅⟩ em ϵ para enfatizar seu papel de parâmetro constante. No regime estacionário o primeiro termo à esquerda de (46) se anula, enquanto no limite de alto Reynolds o termo viscoso é desprezável na faixa inercial. Isso nos deixa com (47) 1 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ S 3 L ) = - 4 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ , que pode ser imediatamente integrada, fornecendo (48) S 3 L ⁢ ( r ) = - 4 5 ⁢ ⟨ ϵ ⟩ ⁢ r , a consagrada lei dos 4/5 de Kolmogorov . Conforme veremos na seção a seguir, os resultados de K41 provenientes de argumentos de escala e similaridade precisam ser revistos à luz de objeções teóricas e resultados experimentais surgidos nos décadas seguintes. A lei dos 4/5 por outro lado, como um resultado exato de Navier-Stokes no limite de alto Reynolds, permanece intacta. Ela serve por esse motivo como uma bússola para esforços de modelagem da turbulência, os quais devem ser capazes de reproduzir ao menos alguns de seus aspectos. Um desses aspectos de enorme relevância é o fato de que incrementos de velocidade longitudinais possuem terceiro momento estatístico negativo, dado que ⟨ϵ⟩ é positivo. Em outras palavras, a distribuição de incrementos é assimétrica, com incrementos negativos mais prováveis que positivos. Acompanhando-se elementos de fluido no escoamento (na visão Lagrangiana da turbulência), o efeito é que esses elementos tendem a frear mais bruscamente do que acelerar, de maneira análoga ao que ocorre no trânsito de automóveis (sendo esse um dos grandes responsáveis por engarrafamentos [136]). Isso foi recentemente associado à irreversibilidade introduzida pela cascata de energia, cujo mecanismo de transferência de energia das grandes para as pequenas escalas quebra a simetria de inversão temporal [137, 138]. Não é coincidência, portanto, que a existência de uma taxa de dissipação ϵ finita esteja diretamente ligada à assimetria temporal. Embora seja evidente pelo uso das funções f e K da equação de Kármán-Howarth, vale frisar que (48) é válida somente para incrementos de velocidade longitudinais, e que incrementos transversais têm assimetria nula, por isotropia (um incremento transversal numa distância r pode ser transformado em outro numa distância −r por uma rotação). É interessante notar que dimensionalmente a lei dos 4/5 está completamente em acordo com o que esperaríamos da hipótese de similaridade: se ϵ é o único parâmetro dimensional disponível, uma grandeza de dimensão de velocidade ao cubo na escala r é formada com ϵr. Uma extrapolação dessa ideia para a função de estrutura de ordem arbitrária indicaria o comportamento de escala (49) S q ⁢ ( r ) ∼ C q ⁢ ⟨ ϵ ⟩ q / 3 ⁢ r q / 3 ∼ r q / 3 , o chamado comportamento de escala K41. Essa observação levou a uma reinterpretação contemporânea das hipóteses de Kolmogorov [13, 139, 140], entendidas agora como conjecturas associadas à restauração das simetrias de Navier-Stokes no limite Re→∞, em particular da invariância de escala. A equação de Euler (2) exibe uma invariância de escala muito geral, mantendo-se invariante frente aos reescalonamentos x→λx, u→λhu e t→λ1−ht para um h arbitrário. Nas equações de Navier-Stokes, é necessário reescalarmos ainda a viscosidade como ν→λ1 + hν para manter a simetria. Vemos de (39) que isso implica ϵ→λ3h−1ϵ. A hipótese de similaridade de Kolmogorov dessa maneira corresponde a dizer que ⟨ϵ⟩ deve ser constante e igual a S3L/r independente da escala, o que fixa h = 1/3 e leva à Eq. (49). Apesar do extraordinário progresso representado pela teoria de Kolmogorov, veremos que a generalização representada por (49) não encontra respaldo nas observações experimentais. Ao tratar esse problema mais de 20 anos depois da publicação dos trabalhos originais da fenomenologia K41, o próprio Kolmogorov inaugurou toda uma nova área que transbordou os limites da pesquisa em turbulência. Discutimos alguns desses aspectos a seguir. . Observamos que posteriormente Batchelor [9999. G.K. Batchelor, Q. J. R. Meteorol. Soc. 76, 133 (1950).] refinou a teoria de Richardson mostrando que a tempos curtos a dispersão de pares guarda memória da separação inicial r0 entre as partículas e dá-se por um regime balístico,

(17) ( r ( t ) - r 0 ) 2 = f ( r 0 ) t 2 ,

sendo f uma função conhecida. O leitor perceberá que trata-se do comportamento esperado entre partículas que movem-se com velocidade constante. Para tempos longos essa memória é perdida, ocorrendo uma transição para o regime (16).

Recentemente, a dispersão de Richardson foi descrita por um mecanismo físico simples de iteração de dispersões balísticas cujas propriedades variam com a escala seguindo a teoria de Kolmogorov [100100. M. Bourgoin, J. Fluid Mech. 772, 678 (2015).]. A Fig. 10 mostra uma compilação de resultados experimentais e numéricos demonstrando os regimes (16) e (17) e o acordo com o modelo de [100100. M. Bourgoin, J. Fluid Mech. 772, 678 (2015).]. É interessante notar como os experimentos reportados não atingem o regime de Richardson, uma consequência da enorme dificuldade envolvida nas técnicas experimentais de rastreamento de partículas [101101. A. La Porta, G.A. Voth, A.M. Crawford, J. Alexander e E. Bodenschatz, Nature 409, 1017 (2001).].

Figura 10
Separação quadrática média entre pares de partículas como função do tempo (normalizado pelo tempo de transição entre regimes t0). Círculos: experimentos. Demais símbolos: simulações numéricas diretas das equações de Navier-Stokes. As leis de potência associadas aos regimes de Batchelor (17) e Richardson (16) estão indicadas. Linhas contínuas representam modelos discutidos em [100100. M. Bourgoin, J. Fluid Mech. 772, 678 (2015).]. Figura reproduzida de [100100. M. Bourgoin, J. Fluid Mech. 772, 678 (2015).].

Destacamos ainda que, mais tarde, discutiu-se como na turbulência plenamente desenvolvida (o limite Re→∞) o regime de dispersão de Richardson é atingido independente da separação inicial entre as partículas [102102. D. Bernard, K. Gawȩdzki e A. Kupiainen, J. Stat. Phys. 90, 519 (1998)., 103103. K. Gawȩdzki, arXiv:chao-dyn/9907024 (1999)., 105105. K. Gawȩdzki, em: Intermittency in Turbulent Flows, editado por J.C. Vassilicos (Cambridge University Press, Cambridge 2001)., 104104. G. Falkovich, K. Gawȩdzki e M. Vergassola, Rev. Mod. Phys. 73, 913 (2001)., 106106. M. Chaves, K. Gawȩdzki, P. Horvai, A. Kupiainen e M. Vergassola, J. Stat. Phys. 113, 643 (2003).], ou em outras palavras, ele ocorre mesmo para partículas que partam infinitamente próximas! Esse fenômeno indica a não unicidade das trajetórias de partículas e ficou conhecido como estocasticidade espontânea [107107. G. Boffetta, A. Celani, A. Crisanti e A. Vulpiani, Phys. Rev. E 60, 6734 (1999)., 106106. M. Chaves, K. Gawȩdzki, P. Horvai, A. Kupiainen e M. Vergassola, J. Stat. Phys. 113, 643 (2003)., 108108. S. Thalabard, J. Bec e A.A. Mailybaev, Commun. Phys. 3, 122 (2020).]. Ele está relacionado a algumas propriedades matemáticas singulares do campo de velocidades no limite Re→∞ que discutiremos adiante e consiste em um dos mais instigantes temas de pesquisa atual.

5.2. Taylor e a teoria estatística

O resultado (16) de Richardson possui um aspecto adicional extremamente poderoso: a ideia de universalidade na turbulência. Vimos nas seções 2 2. As equações de Navier-Stokes 2.1. Equação do movimento Após o enorme sucesso da mecânica Newtoniana na descrição do movimento de partículas pontuais, a generalização para o tratamento de corpos extensos era um passo natural, no que ficou conhecido como mecânica do contínuo . O caso de um corpo rígido , em que não há movimento relativo entre constituintes do sistema, é o mais simples e leva a leis que exibem notável analogia com as leis de Newton para uma partícula. Um dos grandes desenvolvedores da mecânica do contínuo foi Euler, que não somente avançou o problema do corpo rígido (com a introdução dos ângulos de Euler e de seu teorema da rotação por exemplo) mas foi também um dos precursores da dinâmica de fluidos. Se um corpo extenso não é perfeitamente rígido, é preciso considerar os efeitos das forças internas em sua deformação. Sobre um dado elemento de massa podem agir forças perpendiculares à sua superfície – dando origem a tensões normais, conhecidas simplesmente como pressões – ou paralelas a ela, produzindo as chamadas tensões de cisalhamento. Um sólido caracteriza-se por resistir a tensões de cisalhamento, deformando-se até que elas sejam equilibradas por forças internas. Em contrapartida, um fluido é um sistema que não é capaz de resistir a tensões de cisalhamento, por menores que sejam, deformando-se continuamente de modo a escoar. Foi Euler quem introduziu a ideia de um campo de pressão para descrever as forças internas de um fluido. Com isso ele deduziu a equação de conservação do momento linear de um elemento de fluido deslocando-se sem dissipação de energia, i.e., no caso de um fluido ideal [17, 18]. A observação central é que na ausência de viscosidade as forças internas são perpendiculares às superfícies de um elemento de fluido (que podem apenas “empurrar” uns aos outros) e portanto descritas como pressões. A diferença de pressão entre faces opostas da superfície produz uma aceleração na direção normal a elas. Ocorre que a aceleração de um elemento pode sinalizar dois tipos de fenômeno. Ainda que o escoamento seja estacionário e não varie temporalmente, o elemento pode mover-se entre regiões com velocidades distintas. Ou, mesmo em uma região espacialmente homogênea, o campo de velocidades pode estar variando no tempo. Matematicamente isso é expresso pela derivada material (ou advectiva ) DD⁢t, de modo que a aceleração local de fluido se escreva a = Du/Dt = ∂⁡u/∂⁡t + (u⋅∇)u, onde u(x,t) é o campo vetorial de velocidades e ∇=x^⁢∂/∂⁡x+y^⁢∂/∂⁡y+z^⁢∂/∂⁡z é o operador vetorial de diferenciação. Com esses ingredientes inseridos na segunda lei de Newton para um elemento de fluido – e o leitor encontrará a dedução detalhada em livros introdutórios de dinâmica de fluidos e turbulência (e.g. [14]) – obtém-se a chamada Equação de Euler para u(x,t), (2) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + f , sendo p(x,t) o campo de pressão e f(x,t) a resultante de eventuais forças externas, ambas por unidade de volume por unidade de massa. Euler identificou ainda uma questão fundamental: ao ser pressionado, um elemento poderia em princípio comprimir-se ou expandir-se, de modo que sua densidade variasse. Para levar isso em consideração, nas palavras do próprio Euler (em tradução livre), “é necessário conhecer a lei segundo a qual sua elasticidade depende da densidade (…), ou ainda de uma outra propriedade, como o calor” [17]. As relações entre densidade, pressão e temperatura só foram estabelecidas posteriormente com a termodinâmica e as equações de estado, entretanto Euler pôde desenvolver o caso incompressível , no qual a densidade do fluido permanece constante. De fato isso já foi utilizado ao escrevermos (2) sem a densidade: na prática ela é tomada como 1 com uma escolha conveniente de unidade de massa. Nessa situação a equação de continuidade leva a uma condição simples para o campo de velocidade, impondo-lhe divergência nula [14], (3) ∇ ⋅ u ⁢ ( x , t ) = 0 . As (2) e (3) juntas formam um conjunto completo de equações para os campos u(x,t) e p(x,t). A pressão é determinada tomando-se a divergência de (2) e substituindo-se (3), o que leva a uma equação de Poisson que pode ser resolvida empregando-se funções de Green. Isso explicita que além de não-linear, a equação de Euler é também não-local: o campo de pressão ajusta-se instantaneamente para manter o fluido incompressível. Esses são os fatores que tornam seu tratamento analítico um problema matematicamente difícil. É importante observar que a hipótese de incompressibilidade encontra grande aplicação prática, sendo uma excelente aproximação mesmo para o escoamento de gases quando as escalas de velocidade envolvidas são muito menores que a velocidade do som. Embora também forneça uma aproximação útil em algumas situações, a hipótese de fluido ideal por outro lado levava a dificuldades mais profundas. Onze anos após a publicação de Euler, d’Alembert mostrou que um objeto sólido movendo-se no interior de um fluido ideal em acordo com (2) e (3) não sofreria qualquer resistência ao movimento, o que ficou conhecido como paradoxo de d’Alembert [19]. A determinação do arrasto sobre um corpo submerso em um escoamento é um dos problemas centrais de ordem prática que a mecânica dos fluidos deveria resolver, e portanto o resultado de d’Alembert era drástico. Em seu trabalho pioneiro, Navier buscou incluir o efeito da viscosidade molecular na equação de Euler [20]. Ele recuperou um princípio antigo de Newton, que havia observado que a tensão cisalhante numa superfície do fluido é proporcional à sua taxa de deformação. Se a velocidade não varia espacialmente, um elemento de fluido apenas desloca-se sem deformar, portanto a taxa de deformação é determinada pelo gradiente de velocidade. Em notação moderna, se τij é a tensão de forças agindo na direção j sobre a superfície cuja normal está na direção i, então as observações de Newton levam a τij = μ(∂⁡uj/∂⁡xi + ∂⁡ui/∂⁡xj), onde a constante de proporcionalidade μ é uma propriedade do fluido chamada viscosidade dinâmica . Esse tipo de relação entre tensões e resposta de deformação é conhecida como relação constitutiva, e fluidos para os quais τij é linear com a deformação são ditos newtonianos. Comportamentos mais complexos são observados, existindo uma grande variedade de fluidos não-newtonianos [21] que dão origem a fenômenos surpreendentes, como nas populares demonstrações em que é possível até caminhar sobre uma mistura de água e amido de milho. Com o termo adicional de viscosidade newtoniana em (2), e novamente referimos o leitor a livros-textos para detalhes [14, 22], temos (4) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + ν ⁢ ∇ 2 ⁡ u + f , sendo a viscosidade dinâmicaν a razão entre μ e a densidade. As (3) e (4) em conjunto são conhecidas como equações de Navier-Stokes incompressíveis , em referência ainda ao influente trabalho de Stokes, que considerou o papel da viscosidade e estudou soluções em diversos cenários de relevância prática [20]. O trabalho de Saint-Venant em 1846 [23] mostrou que a origem do paradoxo de d’Alembert estava na desconsideração dos efeitos viscosos, e uma melhor compreensão veio mais tarde com o desenvolvimento da teoria da camada limite por Prandtl, em 1904 [19]. No entanto, destacamos que não há, ainda, uma solução completa e satisfatória do paradoxo de d’Alembert. Uma observação importante sobre as equações de Navier-Stokes é que enquanto os termos já presentes em (2) são exatos, o termo de viscosidade é fruto de um modelo, não sendo evidente se continua representando uma boa descrição de fluidos reais em situações extremas. As comparações de soluções numéricas com experimentos mostram, porém, excelente acordo dentro dos limites atingidos pelas simulações, e os fenômenos que discutiremos aqui são observados tanto em experimentos quanto em soluções numéricas. De todo modo, o estudo do comportamento das soluções de (4) é um problema importante na matemática e por isso fala-se às vezes em turbulência de Navier-Stokes . 2.2. O número de Reynolds A única propriedade do fluido que aparece em (4) é a viscosidade ν, que deve portanto codificar as diferenças observadas no escoamento de fluidos de naturezas distintas. Ademais, as equações devem conter a miríade de comportamentos observados em um mesmo fluido, como a água que flui suavemente em um riacho ou que cai violentamente de uma cachoeira. Ao adimensionalizar (4), Stokes percebeu uma similaridade muito geral, com um único parâmetro adimensional governando todos esses aspectos [24]. Se medirmos distâncias em termos de uma escala L típica que chamaremos de escala integral (como as dimensões de um objeto imerso ou de uma tubulação por exemplo), e velocidades em termos de uma escala típica de velocidades U (dada pela velocidade de injeção ou pelas diferenças de velocidade introduzidas por forças externas), então obtemos variáveis dinâmicas adimensionais com as mudanças (5) x → L ⁢ x , u → U ⁢ u , t → L U ⁢ t , f → U 2 L ⁢ f , p → U 2 ⁢ p , notando-se que nesse caso os operadores de diferenciação transformam-se conforme ∇→1L⁢∇ e ∂/∂⁡t→UL⁢∂/∂⁡t. Substituindo em (4) obtemos então as equações de Navier-Stokes adimensionalizadas, (6) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ t + ( u ⋅ ∇ ) ⁢ u = - ∇ ⁡ p + 1 Re ⁢ ∇ 2 ⁡ u + f , onde (7) Re ≡ U ⁢ L ν é o chamado número de Reynolds (adimensional, uma vez que ν possui dimensões de comprimento ao quadrado por tempo). Ele contém toda a informação física além das condições de contorno e, consequentemente, é o único parâmetro a regular o comportamento observado em uma dada geometria. Embora essa similaridade tenha sido obtida primeiramente por Stokes, ela foi explorada e popularizou-se a partir do trabalho de Reynolds [25], que analisou experimentalmente a transição para a turbulência no escoamento em tubulações. Intuitivamente sabemos que o escoamento torna-se mais irregular em altas velocidades e que fluidos mais viscosos escoam de forma suave (ou laminar , pois camadas de fluido deslizam umas sobre as outras como lâminas), indicando que a turbulência aparece em altos números de Reynolds. Uma explicação com um sabor físico interessante vem ao reescrevermos (7) como a razão entre duas escalas de tempo, conforme (8) Re = U ⁢ L ν = L 2 / ν L / U ≡ τ d τ a . A escala advectiva τa = L/U relaciona-se às perturbações de velocidade na grande escala introduzidas pelas forças externas ou pela injeção, e por conseguinte ao tempo que as perturbações levam pra se propagar pelo comprimento do sistema L. A escala de tempo dissipativa τd = L2/ν por sua vez está associada à viscosidade, medindo o tempo típico que perturbações levam para serem dissipadas. Quando τd≪τa (Re≪1) as perturbações são suprimidas antes de perturbarem o sistema e o escoamento é laminar. Contudo, se τd≫τa (Re≫1) as perturbações se espalham pelo fluido antes que o mecanismo de dissipação aja, resultando em turbulência. Do ponto de vista matemático, o termo viscoso aumenta a regularidade da solução ao suavizar variações de velocidade entre elementos de fluidos próximos, que tendem a arrastar uns aos outros. Diz-se nesse caso que nas equações de Navier-Stokes a baixo número de Reynolds prevalece o perfil de equação diferencial parcial parabólica [26], correspondendo à dominância dos termos difusivos – tal qual a dissipação em (4). A equação de Euler, em que a viscosidade é exatamente nula, é classificada como uma lei de conservação hiperbólica, cujos casos não-lineares podem levar a ondas de choque e a soluções que tornam-se multivaluadas. É importante observar porém que a questão da convergência das soluções das equações de Navier-Stokes no limite ν→0 para soluções das equações de Euler está longe de ser trivial, em particular no caso tridimensional com fronteiras [27], em virtude da dificuldade em provar-se que as equações são bem postas nesses limites. A própria existência e unicidade de soluções não singulares – em todo tempo e para condições inicias suaves arbitrárias – das equações de Navier-Stokes é um problema matemático aberto, constituindo um dos famosos problemas do milênio do Clay Institute [28]. A transição para a turbulência com o sucessivo aumento do número de Reynolds dá origem a uma rica fenomenologia que guarda marcada semelhança com as propriedades específicas do sistema considerado, tal como a geometria. Embora seja possível manter escoamentos laminares em tubulações a Re muito altos com um extremo controle de perturbações e vibrações [29], instabilidades surgem a partir de um Re crítico e pequenas perturbações desencadeiam a transição. Um sistema arquetípico para estudo dessa transição é o escoamento em torno de um cilindro, cujos regimes observados estão esboçados na Fig. 1a, retirada das célebres Lectures on Physics de Feynman [30]. Figura 1 (a) Esquematização dos diversos padrões de escoamento ao redor de um cilindro, de acordo com o respectivo número de Reynolds (adaptado da Ref. [30]). (b) Resultado de um experimento didático realizado por J. Albright e colaboradores [32], no qual tinta é injetada na posição do cilindro para visualização dos vórtices da esteira de von Kármán. A simetria esquerda-direita (ou mais precisamente jusante-montante ) presente a baixíssimo Re é quebrada com a ocorrência de recirculações formando estruturas vorticais atrás do cilindro. A Re≈100 os vórtices já desprenderam-se e são carregados, formando o belo fenômeno da esteira de von Kármán [31], cuja visualização experimental mediante a injeção de tinta no escoamento é mostrada na Fig. 1b. Esse é um fenômeno comum a escoamentos em torno de obstáculos e pode ser observado facilmente em experimentos caseiros ou até mesmo na atmosfera pela presença de nuvens quando uma massa de ar contorna ilhas e outros obstáculos (o leitor encontrará belíssimas imagens na internet buscando por “Kármán vortex street” ). A Re ainda mais altos, regiões irregulares começam a se formar até que o escoamento após o cilindro apresenta um aspecto completamente turbulento. Uma descrição da física da transição laminar-turbulento é um tema fascinante de pesquisa [33] e tem atraído a atenção de muitos físicos, os quais vêm aplicando técnicas emprestadas de fenômenos críticos e transições de fase [34, 35, 36, 37] e até de modelos de dinâmica ecológica do tipo predador-presa [38]. A seguir comentamos muito brevemente sobre alguns mecanismos básicos de instabilidades hidrodinâmicas, frequentemente responsáveis pela propagação de perturbações no escoamento. 2.3. Instabilidades O exemplo discutido na seção anterior, no qual o escoamento ao redor de um cilindro torna-se progressivamente mais complexo à medida que o número de Reynolds aumenta, nos leva à formulação de perguntas interessantes. Como são produzidos os vórtices da esteira de von Kármán? Como são produzidos vórtices, de forma geral? É necessário que haja obstáculos para que vórtices sejam produzidos? É bem sabido que o escoamento de um fluido ideal invíscido (fluido de viscosidade nula), para o qual a vorticidade (9) ω ⁢ ( x , t ) ≡ ∇ × u ⁢ ( x , t ) anula-se em todo o domínio do fluido, é incapaz de produzir vorticidade no decorrer de sua evolução temporal. Este fato não é nada mais nada menos do que a tradução, na linguagem dos meios contínuos, da lei de conservação do momento angular. Por outro lado, não é difícil mostrar, a partir das Equações de Navier-Stokes, que o momento angular também seria conservado para o escoamento de fluidos viscosos se o campo de velocidade fosse definido em todo o espaço, sem a presença de superfícies materiais confinantes e sem a presença de forças externas que obviamente atuariam como fontes de momento angular (como em um liquidificador ou a força de Coriolis planetária que dispara o aparecimento de furacões e ciclones). Em outras palavras, obstáculos têm papel fundamental, porém não protagonismo exclusivo, na produção de vorticidade. Não existem, de fato, muitos mecanismos físicos distintos para a produção de vorticidade/vórtices. Os primeiros resultados datam das décadas finais do século XIX, no contexto da teoria de fluidos ideais por Lord Kelvin, Helmholtz e Rayleigh (os trabalhos deste último foram posteriormente aprofundados por Taylor) [39, 40, 41, 42, 43]. Estes autores mostraram que estruturas vorticais podem ser produzidas a partir de instabilidades dinâmicas, associadas, no escoamento, a regiões de cisalhamento (Kelvin-Helmholtz) ou a variações de densidade do fluido quando combinadas a gradientes de pressão (Rayleigh-Taylor). A Fig. 2 exemplifica estes fenômenos, no caso mais simples de fluxos bidimensionais. As instabilidades de Kelvin-Helmholtz e Rayleigh-Taylor ocorrem cotidianamente ao nosso redor, como no caso das formas do jato de vapor produzido pelo bico de uma chaleira. Figura 2 Evoluções temporais das instabilidades de Kelvin-Helmholtz (a) e Rayleigh-Taylor (b) em duas dimensões, com o registro de configurações em instantes de tempo sucessivos t1 < t2 < t3. Em (a), o ponto de partida é uma folha de vorticidade na forma de um “eneágono suavizado”. As setas indicam linhas de corrente nas vizinhanças da folha. Em (b), uma interface na forma de gota inicialmente em repouso separa dois meios de densidades ρ1 > ρ2. À medida que a gota cai, devido ao campo gravitacional dirigido para baixo, produz-se vorticidade. Em ambos os casos (a) e (b) observa-se a formação de estruturas vorticais na forma de volutas. Deve-se a Prandtl a descoberta revolucionária, em 1904, de que instabilidades relacionadas a cisalhamentos viscosos são particularmente significativas nas proximidades de superfícies materiais, nas quais a velocidade do fluido se anula (como resultado de forças moleculares atrativas) [44, 45, 46]. À região de transição nas imediações da superfície na qual a velocidade do fluido transiciona de zero para valores que já não dependem da distância à superfície dá-se o nome de camada limite . O achado de Prandtl consiste no fato de que a espessura de uma camada limite pode vir a ser dilatada abruptamente, a jusante do escoamento, fenômeno denominado de separação (ou descolamento ) da camada limite. Guiando-nos pelos padrões de escoamento da Fig. 1a, acrescentamos aqui que a fina camada limite que se forma ao redor do cilindro, laminar e estável para números de Reynolds muito pequenos é instabilizada e se descola da superfíce para números de Reynolds maiores. O gradiente adverso de pressão associado ao descolamento produz uma força que se opõe ao fluxo, fazendo com que no interior da camada limite dilatada pela separação sejam criados os vórtices da esteira de von Kármán. Veja a Fig. 3. Figura 3 Produção de vórtices de von Kármán. Uma linha de corrente γ contorna as proximidades do cilindro, na região de sua camada limite. A pressão no ponto A é maior do que no ponto B (gradiente adverso de pressão), fato que instabiliza a camada limite, provocando seu descolamento nas vizinhanças do ponto B. Nestas condições, o gradiente de pressão adverso é intenso o suficiente para inverter o sentido do escoamento na região de separação. Um vórtice de von Kármán V é assim produzido e subsequentemente transportado pelo escoamento a jusante do cilindro. e 3 3. Camada Limite Turbulenta: Uma Fábrica de Vórtices Podemos figurar, de maneira geral, uma camada limite sobre uma superfície como a região do escoamento que é “freada” pela existência de atrito viscoso superficial. Acredita-se que o entendimento detalhado deste fenômeno, um problema científico ainda bastante aberto, será a porta para a solução de vários desafios tecnológicos. Em muitos casos de interesse prático, o que se quer é reduzir as forças de arrasto (isto é, o atrito viscoso), como no movimento de aviões, automóveis ou embarcações. No contexto aeronáutico, um levantamento realizado pelo Wall Street Journal [47] estima que em um voo de 100 passageiros, o valor arrecadado com as passagens pagas por 29 destes será usada para pagar os gastos com combustível. Quando outros custos são contabilizados (taxas governamentais, manutenção, salários, etc) chega-se à espantosa conclusão de que o lucro da companhia área, por voo, advém de um único passageiro! Dessa maneira, qualquer solução tecnológica que leve a uma redução de cerca de 4% das forças de arrasto e, portanto, a uma economia de 4% em combustível, teria o potencial de duplicação de lucro (pois o combustível de um voo seria custeado, agora, por (1−0.04)×29∼28 passageiros). Vale a pena notar que avanços tecnológicos desta natureza serão muito bem-vindos no que diz respeito a questões ecológicas, uma vez que cerca de 14% da massa total de gases de efeito estufa produzidos pela ação humana global tem sua origem nos diversos meios de transporte [48]. A investigação da dinâmica de escoamentos próximos a superfícies tem como um ponto de atenção central o modelo paradigmático ilustrado na Fig. 4. Um fluxo uniforme de fluido de velocidade U⁢x^, produzido no “infinito” a montante, incide paralelamente sobre uma placa plana de espessura desprezível. Como hipótese simplificadora, supomos que não há variações do campo de pressão sobre a placa, de forma que o fluido não é acelerado ou retardado nas suas vizinhanças mais próximas. Figura 4 Um escoamento de velocidade uniforme U incide sobre uma placa plana (retângulo delgado horizontal verde), de espessura ideal nula e paralela ao plano xz. No corte mostrado, ao longo do plano xy, identificam-se três tipos de camadas-limites em sequência. A linha sólida sobre a placa indica, figurativamente, os pontos do espaço para os quais a velocidade do escoamento ao longo do eixo x vale 0.99U. A descrição do movimento do fluido sobre a placa não tem nada de óbvia e traz à luz problemas científicos importantíssimos, abertos até o presente momento. Observe que à distância x do bordo de ataque, podemos definir, analogamente a (8), as escalas de tempo advectiva e dissipativa (10) τ a = x U ⁢ e ⁢ τ d = x 2 ν , de modo que o perfil local do escoamento seja caracterizado pelo número de Reynolds (11) Re x = U ⁢ x ν . Valores pequenos e grandes de Rex correspondem, respectivamente, a posições sobre a placa mais próximas e mais afastadas do bordo de ataque. Esperamos, consequentemente, que a natureza do escoamento seja completamente diferente para esses casos assintóticos. De fato, esta expectativa é corroborada pela experimentação. Regiões suficientemente próximas do bordo de ataque, para as quais Rex≪1 apresentam um perfil de escoamento laminar e estacionário. Esta região foi descrita matematicamente com muito sucesso pela modelagem desenvolvida por Blasius [49], pesquisador do pioneiro laboratório de Prandtl em Göttingen. É comum definir a espessuraδ de uma camada limite (laminar ou não) como o valor de y≡δ para o qual u(x,δ) = 0.99U. Assim, a partir do bordo de ataque, é prevista (com sucesso) no tratamento de Blasius uma camada limite laminar de espessura δ∝x. À medida que nos afastamos do bordo de ataque e, dessa forma, observamos valores crescentes de Rex, experimentos nos mostram que a solução de Blasius torna-se instável e a camada limite laminar cede vez a uma região transicional e, então, mais a jusante do escoamento, a uma camada limite turbulenta (CLT), fatos perfeitamente condizentes com a discussão levantada na Seção II, sobre o papel do número de Reynolds como parâmetro essencial para classificação dos regimes de escoamento. A Fig. 4 esquematiza os três tipos de camada limite individualizados sobre a placa. Os números de Reynolds críticos para o aparecimento dos regimes transicional e turbulento são, respectivamente, Rex≃5×105 e Rex≃3×106 [50]. A CLT, além de não ser estacionária, é separada da região irrotacional do escoamento (mais afastada da placa) por uma interface rugosa flutuante. A espessura média da CLT cresce mais rapidamente com x do que a camada limite laminar, indicando que mais momento linear é retirado do escoamento incidente por unidade de tempo, o que leva a tensões tangenciais maiores. Acredita-se, com base apenas em experimentos e argumentos fenomenológicos – não há ainda teorias de primeiros princípios aqui – que δ∝xα, onde α≃0.8 [50]. É natural compreender, portanto, o mantra repetido por pesquisadores aplicados da área: “Reduza a espessura da camada limite turbulenta e, assim, reduza o arrasto viscoso”. Mantra que é desnecessário ser evocado pelos inspiradores golfinhos, tubarões e outros animais marinhos, para os quais, graças aos milhões de anos de seleção natural, a existência de arrasto viscoso não constitui problema. Acredita-se que a eficiência propulsiva desses seres seja devida a uma certa combinação de fatores, como a presença de texturas epidérmicas específicas, desenhos anatômicos hidrodinâmicos e mecanismos neurais de retorno fisiológico e muscular [51, 52, 53, 54]. Os fenômenos físicos associados ao arrasto viscoso turbulento na CLT ocorrem, de maneira geral, em escalas de comprimento surpreendentemente pequenas se comparadas às dimensões dos corpos ao redor dos quais desenvolve-se o escoamento. Os efeitos viscosos nas CLTs são produzidos nas vizinhanças da superfície material confinante (comumente chamada de parede no léxico da engenharia mecânica), em uma camada de fluido de espessura que é tipicamente da ordem de algumas unidades de comprimento viscoso , ℓ = ν/u∗, onde u∗ é uma escala de velocidade denotada como velocidade de atrito , determinada a partir da tensão de cisalhamento viscoso sobre a superfície. Voltando ao caso da aviação comercial, podemos estimar u∗≃5 m/s e ν≃10−5 m2/s, de modo que ℓ≃2μm sobre a fuselagem. A sustentação de um avião em voo deve-se a mecanismos físicos que se originam numa lâmina de ar ao redor da asa que tem uns poucos micrômetros de espessura! Há cerca de 90 anos, Prandtl e von Kármán formularam a famosa lei da parede que expressa os valores médios de velocidade na CLT como função da distância y à placa. A descrição de Prandtl–von-Kármán faz uso das escalas de velocidade, u∗, e comprimento, ℓ, típicas do escoamento, para introduzir velocidades e comprimentos adimensionalizados, u+≡u/u∗ e y+ = y/ℓ. Para distâncias pequenas da parede, y+ < 5, temos u+≃y+, enquanto que para y+ > 30, observa-se o seguinte perfil logarítmico de velocidades, (12) u + ⁢ ( y + ) = 1 κ ⁢ ln ⁡ y + + C , onde κ≃0.41 é a chamada constante de von Kármán e C≃5 (tais valores podem mudar em função das condições de contorno do escoamento). São conhecidos alguns argumentos fenomenológicos para o estabelecimento da lei da parede [14]. Entretanto, o cálculo sistemático das constantes adimensionais κ e C, desejável em uma teoria física rigorosa da camada limite turbulenta, é, até o presente momento, terra incognita na dinâmica de fluidos. A região de transição e a CLT revelam uma verdadeira fauna de estruturas e fenômenos dinâmicos intermitentes complexos, tais como ondas de Tollmien-Schlichting (na região de transição), rajadas de baixa velocidade (low spead streaks ), vórtices quase-escoamento-alinhados (quasi-streamwise vortices ), vórtices-grampo (hairpin vortices ), eventos de varredura (sweeps ) e ejeção (ejections ). As Refs. [55, 56] contém descrições detalhadas destas estruturas. A Fig. 5 esquematiza a configuração e um vórtice-grampo sobre uma placa plana e os eventos associados de ejeção (movimento de fluido para fora da placa) e varredura (movimento de fluido em direção à placa). A Fig. 6, fruto de simulações numéricas [57], exibe a profusão de vórtices-grampo nas CLTs, também observada em experimentos, após laboriosos tratamentos estatísticos [58]. Figura 5 Um vórtice-grampo que se propaga ao longo da direção x. Esta estrutura pode ser dividida em três partes: duas pernas, uma à esquerda e a outra à direita dos pontos A e B, respectivamente, e uma cabeça AB. A seta curvada entre os pontos A e B, indica o sentido de circulação de fluido ao redor da cabeça do vórtice-grampo. Figura 6 Vórtices-grampo obtidos em simulações numéricas diretas de uma camada limite turbulenta – imagem adaptada de [57]. A seta indica o sentido de movimento do fluido sobre a placa plana. Cores quentes (frias) representam módulo maior (menor) do campo de velocidade. O estudo de vórtices-grampo tem sido foco de atenção especial desde o início da década de 1980, como a chave para se modelar estatisticamente as CLTs. Os vórtices-grampo consistem de tubos de vorticidade que podem ser representados como a composição de dois vórtices paralelos quase-escoamento-alinhados e de circulações opostas, mais próximos às superfícies, e uma região tubular transversal mais elevada. O esforço de modelagem das CLTs por meio destas estruturas está inserida no contexto mais geral da abordagem estrutural da turbulência , discutida a seguir. que a presença de obstáculos e superfícies produz uma fenomenologia muito rica, com a física próxima a paredes exibindo características marcadamente distintas daquelas mais distantes. Isso não é exatamente surpreendente, dado que superfícies são responsáveis por quebrar a invariância de Galileu das equações de Navier-Stokes.

A equação (16) porém não faz qualquer menção a direções. Richardson tinha em mente uma situação em que as partículas estão muito distantes de quaisquer superfícies e pontos onde a turbulência está sendo produzida. Essa era uma ótima hipótese em seus experimentos com balões por exemplo, uma vez que a turbulência na atmosfera em altitudes suficientemente grandes já não deve sofrer influência do efeito do solo. A hipótese fundamental na análise de Richardson é, portanto, a restauração das simetrias de translação e rotação, o que produz uma turbulência homogênea e isotrópica . Apoiando-se na figura da cascata de energia, essa deve ser a turbulência característica das pequenas escalas, já que os mecanismos de injeção de energia tipicamente quebram as simetrias e agem nas grandes escalas.

O brilhante físico britânico G.I. Taylor reconheceu esse aspecto do resultado de Richardson e fundou o que hoje conhecemos como teoria estatística da turbulência homogênea e isotrópica [77. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 164, 476 (1938)., 109109. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 151, 421 (1935)., 110110. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 156, 307 (1936).]. Sua proposta é desvendar a natureza universal da turbulência por meio de leis estatísticas, revelando a estrutura das pequenas escalas e, por conseguinte, o que há de mais fundamental na própria dinâmica interna de um escoamento turbulento. Embora o comportamento exato de um escoamento turbulento fosse errático e imprevisível, o que evidenciava-se era que leis previsíveis e reprodutíveis poderiam ser deduzidas no âmbito estatístico, de forma semelhante ao que acontecera na teoria cinética dos gases por exemplo.

Em nota histórica, mencionamos que Taylor fora orientado por J.J. Thomson em Cambridge e ficou conhecido ao publicar, ainda como estudante de graduação, um artigo mostrando que a interferência de luz visível resultava em franjas mesmo com fontes de luz extremamente fracas, as quais levaram 3 meses para produzir uma imagem suficientemente clara em uma chapa fotográfica [111111. G.I. Taylor, Proc. Camb. Phil. Soc. 15, 114 (1909).]. Embora nem o efeito fotoelétrico de Einstein nem as expressões ‘quanta de luz’ ou ‘fótons’ sejam mencionadas no artigo, hoje interpreta-se o experimento como se um fóton fosse emitido por vez, e o resultado frequentemente aparece em abordagens pedagógicas como a verificação de que efeitos de interferência não resultam da interferência entre dois fótons diferentes [112112. Physics World, The double-slit experiment, disponível em: https://physicsworld.com/a/the-double-slit-experiment/.
https://physicsworld.com/a/the-double-sl...
]. É interessante que apesar do trabalho com Thomson, Taylor não tenha enveredado pelo excitante desbravamento da nascente física quântica, optando por construir uma carreira na mecânica dos fluidos em que foi extremamente bem sucedido e considerado “um dos mais notáveis cientistas do século XX” [113113. J.H. Arakeri, Resonance 9, 3 (2004)., 114114. G.K. Batchelor, The Life and Legacy of G.I. Taylor (Cambridge University Press, Cambridge, 1996).].

Como objeto matemático, Taylor buscou descrever as funções de correlação (ou correlatores ) do campo de velocidades. As funções de correlação são objetos fundamentais na descrição estatística de variáveis flutuantes. Com elas é possível calcular o valor esperado de observáveis físicos relevantes e sob certas hipóteses pode ser mesmo possível reconstruir a distribuição estatística completa desses observáveis. Acima de tudo, elas fornecem uma valiosa intuição a respeito das propriedades físicas de um sistema que flutua, refletindo suas simetrias. A função de correlação mais simples do campo de velocidades turbulento é o correlator velocidade-velocidade, ou função de correlação de dois pontos,

(18) R i j ( x , x , t , t ) = u i ( x , t ) u j ( x , t ) ,

onde a notação ⟨𝒪⟩ representa a média de um observável 𝒪. Nesse ponto é importante chamar atenção para o que queremos dizer com ‘média’. Embora seja um fenômeno inerentemente fora do equilíbrio, podemos pensar em uma turbulência estacionária no sentido estatístico, i.e., em que as propriedades estatísticas não variem no tempo. Essa situação é atingida quando a taxa de injeção de energia é igual à taxa de dissipação, o que eventualmente ocorre se a taxa de injeção for mantida constante, pois estruturas de escalas cada vez menores vão sendo criadas, e, conforme argumentamos anteriormente, estruturas de pequenas escalas são muito eficientes em dissipar energia. A turbulência já foi, por causa disso, chamada de uma “máquina infernal de dissipar energia” [115115. L. Chevillard, Une peinture aléatoire de la turbulence des fluides (ENS, Lyon, 2015).]. Nesse regime estacionário, médias podem ser tomadas temporalmente. Porém uma outra maneira de considerar médias é por meio dos ensembles estatísticos , um conceito introduzido por Gibbs na mecânica estatística [116116. J.W. Gibbs, Elementary Principles in Statistical Mechanics (Charles Scribner’s Sons, New York, 1902).]. A ideia é tomar médias sobre réplicas – ou realizações – do sistema produzidas ou a partir de condições iniciais diferentes ou empregando realizações distintas, porém estatisticamente equivalentes, dos mecanismos externos de injeção de energia. A equivalência entre essas duas formas de considerar médias está por trás da chamada hipótese ergódica, da qual faremos uso indiscriminado aqui.

A estacionariedade leva-nos a uma primeira conclusão acerca do Rij de (18): trata-se de uma função somente de tt′. De modo análogo, a hipótese de homogeneidade espacial garante que Rij dependa somente de xx, enquanto a isotropia restringe-o ainda mais, impondo que seja um tensor cartesiano de segunda ordem. Taylor analisou funções de correlação em um mesmo tempo, as quais definimos, incorporando essas simetrias, como

(19) R i j ( r ) = u i ( x , t ) u j ( x + r e ^ 1 , t ) ,

onde escolhemos um sistema de eixos com direção do versor da base e^1 definida por r.

Esse correlator tem uma importância fundamental ao oferecer uma forma de medir como a energia se distribui pelas escalas do sistema. Em outras palavras, através dele é possível quantificar a cascata de Richardson! Taylor foi responsável por formular o problema dessa maneira, mas uma primeira solução veio mais tarde com Kolmogorov. O ponto é que 12Rii(0)=12u2, que é a densidade de energia média. Assim, definindo o espectro de energia tridimensional E3d(k) como a transformada de Fourier de Rii(r) (a qual, por isotropia, dependerá somente do módulo do vetor de onda k = |k|),

temos, pela transformada inversa,

(20) R i i ( r ) = 3 d 3 k e i k r E 3 d ( k ) .

Em r=0,

(21) R i i ( 0 ) = 3 d 3 k E 3 d ( k ) = 0 d k 4 π k 2 E 3 d ( k ) ,

onde realizamos a integral angular. Definindo agora o espectro de energia , mencionado na introdução e na Eq. (1), segundo E(k) = 2πk2E3d, obtemos finalmente

(22) 1 2 u 2 = 0 d k E ( k ) ,

que descreve a densidade de energia total como uma soma particionada entre as energias dos modos de Fourier. Encontrar E(k) seria entender como a energia se distribui entre as diferentes escalas r∼1/k do sistema, uma informação intimamente vinculada à dinâmica turbulenta, e portanto em última instância à dinâmica das equações de Navier-Stokes no regime turbulento.

A inclusão da dinâmica era um problema mais difícil que logo passou a ser atacado, entretanto alguns aspectos cinéticos da teoria estatística foram antes desenvolvidos por Taylor e outros, deduzindo consequências das hipóteses de homogeneidade, isotropia e incompressibilidade que poderiam ser testadas. A isotropia faz por exemplo com que várias das componentes do tensor Rij sejam semelhantes, no entanto há que se separar alguns casos. O comportamento de (19) é diferente quando envolve uma componente de velocidade na própria direção e^1 em comparação a casos com apenas componentes ortogonais, já que o vetor r introduz uma direção privilegiada na discussão. R11(r) é a função de correlação de dois pontos longitudinal e R22(r) = R33(r) são funções de correlação de dois pontos transversais, essas idênticas por isotropia. Se considerarmos correlatores adimensionalizados pela variância de uma das componentes da velocidade (todas idênticas por isotropia), obtemos objetos que devem exibir um comportamento universal em sistemas turbulentos diversos, desde que as hipóteses de homogeneidade e isotropia se verifiquem. Ademais, von Kármán deduziu, puramente a partir dessas hipóteses, a seguinte relação entre correlações longitudinais e transversais [117117. Th. von Kármán, J. Aeronaut. Sci. 4, 131 (1937).]

(23) R 22 ( r ) = R 11 ( r ) + r 2 d d r R 11 ( r ) ,

cuja demonstração pedagógica o leitor encontraŕá em textos introdutórios [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000)., 118118. G.K. Batchelor, The Theory of Homogeneous Turbulence (Cambridge University Press, Cambridge, 1953)., 119119. L. Moriconi, em: Turbulência editado por A.P.S. Freire, A. Ilha e M. Colaço (ABMC, Rio de Janeiro, 2006), v. 6.]. Seu grande apelo é a simplicidade na verificação experimental. Comprovar diretamente se um escoamento é compatível com homogeneidade e isotropia requer a medição simultânea do campo de velocidades em uma enorme quantidade de pontos do espaço, um desafio que ainda hoje não é simples em três dimensões. A verificação de (23) por outro lado requer a medida em somente dois pontos. Trabalhando com dados de [120120. L.F.G. Simmons e C. Salter, Proc. R. Soc. Lond. Ser. A 165, 73 (1938).], Taylor observou experimentalmente [77. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 164, 476 (1938).] a relação (23), que tornou-se um método consagrado para avaliar o grau de isotropia em experimentos e simulações numéricas de fluidos turbulentos. Note que como as correlações caem com a distância, temos dR11/dr < 0 e consequentemente (23) mostra que as correlações transversais decaem mais rapidamente que as longitudinais.

Uma utilidade adicional dos Correlatores (19) é a definição quantitativa precisa da escala integral L (dos maiores turbilhões do escoamento) e por conseguinte do número de Reynolds em escoamentos homogêneos e isotrópicos. A Definição (7) inclui L, que é evidente em situações com obstáculos ou fronteiras, mas que agora está implicitamente associada à escala de injeção de energia. Ela pode então ser definida como uma escala típica de correlação, conforme por exemplo

(24) L = 0 R 22 ( r ) u 0 2 d r ,

onde u02=R11(0)=R22(0)=R33(0) é a variância de uma componente da velocidade (u0 também é comumente denominada velocidade quadrática média ou urms). Desse modo, o número de Reynolds é dado por Re = Lu0/ν.

Este número de Reynolds refere-se, pois, a flutuações na grande escala L. Taylor identificou uma outra escala característica da turbulência, contudo relativa a flutuações locais, a microescala de Taylor

(25) λ = u 0 ( u 1 / x 1 ) 2 ,

em que o gradiente de velocidade é empregado. O número de Reynolds-Taylor Reλ = λu0/ν é normalmente o parâmetro adimensional mais utilizado para descrever experimentos e simulações numéricas de escoamentos homogêneos e isotrópicos.

Cabe aqui um breve comentário sobre soluções numéricas das equações de Navier-Stokes. Os formidáveis desafios de instrumentação na obtenção de resultados experimentais precisos faz com que hoje a fonte mais abundante de dados para a verificação de teorias estatísticas da turbulência homogênea e isotrópica sejam as chamadas simulações numéricas diretas (conhecidas pela sigla em inglês DNS), como a retratada na Fig. 7, de [5959. Y. Kaneda e T. Ishihara, J. Turb. 7, 1 (2006).]. Nelas, as equações de Navier-Stokes no espaço de Fourier (14) são discretizadas em uma rede e integradas temporalmente. As condições de contorno periódicas naturais da base de Fourier asseguram a homogeneidade. Contudo, como fica claro de (14), o cálculo do termo não linear diretamente no espaço de Fourier não é imediato. O chamado método pseudoespectral é uma forma mais eficiente de obtê-lo [121121. C. Canuto, M.Y. Hussaini, A. Quarteroni e T.A.J. Zang Spectral methods in fluid dynamics, Springer series in computational physics (Springer-Verlag, Berlin, 1991).], e consiste em computar derivadas ∂⁡ui/∂⁡xj no espaço de Fourier a partir de u^i, passar ao espaço físico para o cômputo de (u⋅∇)u via multiplicações simples, e finalmente voltar ao espaço de Fourier para prosseguir com a integração de (14). A disponibilidade do algoritmo da transformada rápida de Fourier faz com que essas trocas de espaço funcional sejam vantajosas computacionalmente. O fator primordial de limitação é a resolução espacial, visto que quanto mais turbulento o regime, menores são as estruturas e as escalas em que ocorre dissipação. Para que toda a gama de escalas ativas seja bem resolvida, o número de pontos necessários na discretização da rede cresce muito rapidamente com o número de Reynolds. O estado da arte dessas simulações encontra-se atualmente em um número de Reynolds-Taylor de Reλ∼1300, com a solução discretizada em uma rede de 163843 pontos [122122. K.P. Iyer, K.R. Sreenivasan e P.K. Yeung, Phys. Rev. Fluids 5, 0546 (2020).]. Note que somente para armazenar em memória as três componentes do campo de velocidade em um dado instante nesta resolução, utilizando-se precisão simples, são necessários 3×163843×4 bytes, isto é, quase 53000 gigabytes ou 53 terabytes!

5.3. Lei zero da turbulência e a equação de Kármán-Howarth

As primeiras consequências da teoria estatística aplicada à dinâmica de Navier-Stokes foram exploradas ainda por Taylor [109109. G.I. Taylor, Proc. R. Soc. London Ser. A 151, 421 (1935).], que analisou a equação de balanço de energia. Tomando-se o produto escalar de (4) com o campo u, integrando-se sobre todo espaço e em seguida realizando-se uma média, obtém-se

(26) d d t E ¯ = - ν 2 d 3 x ( u j x i + u i x j ) 2 + d 3 x f u ,

onde E¯ é a densidade de energia média total

(27) E ¯ = d 3 x 1 2 u 2 ( x , t ) .

As parcelas provenientes dos termos advectivo (u⋅∇)u e de pressão −∇⁡p, responsáveis somente pela redistribuição da energia, anulam-se por integrações por partes combinadas com a condição de incompressibilidade. A interpretação de (27) é imediata: a energia no sistema é dissipada pela ação da viscosidade ν e injetada pela força externa f. Identificamos assim as taxas médias de dissipação e injeção de energia, respectivamente,

(28) ϵ = ν 2 ( u j x i + u i x j ) 2 ,

e

(29) ϵ in = f u ,

e ambas devem coincidir no regime estacionário,

(30) ν 2 ( u j x i + u i x j ) 2 = f u .

Entretanto, para uma dada força externa f é possível aumentar o número de Reynolds reduzindo-se a viscosidade ν, e a turbulência plenamente desenvolvida (no limite Re→∞) equivale ao limite ν→0. Essa observação e (30) indicam que os gradientes do campo de velocidade devem divergir no limite Re→∞, com o campo tornando-se irregular. Sob outro ângulo, é preciso que, no limite em que a viscosidade vai a zero, a taxa de dissipação de energia tenda para um valor constante! Esse fato anti-intuitivo notado por Taylor é uma hipótese subjacente às teorias estatísticas que o sucederam, inclusive à teoria de Kolmogorov da próxima seção, e por isso é às vezes chamado de lei zero da turbulência . Ele vem sendo confirmado por experimentos e simulações numéricas diretas [123123. T. Ishihara, T. Gotoh e Y. Kaneda, Annu. Rev. Fluid Mech. 41, 165 (2009)., 124124. B.R. Pearson, T.A. Yousef, N.E.L. Haugen, A. Brandenburg e P.Å. Krogstad, Phys. Rev. E 70, 056301 (2004).], conforme mostrado na Fig. 11 [123123. T. Ishihara, T. Gotoh e Y. Kaneda, Annu. Rev. Fluid Mech. 41, 165 (2009).], contudo a obtenção de uma prova matemática permanece um problema aberto.

Figura 11
Taxa média de dissipação de energia normalizada como função do número de Reynolds-Taylor em diversas simulações numéricas [123123. T. Ishihara, T. Gotoh e Y. Kaneda, Annu. Rev. Fluid Mech. 41, 165 (2009).]. Observa-se uma convergência para um valor constante conforme Reλ cresce, em acordo com a lei zero da turbulência. Figura reproduzida de [123123. T. Ishihara, T. Gotoh e Y. Kaneda, Annu. Rev. Fluid Mech. 41, 165 (2009).].

A lei zero expressa o que no jargão da física teórica se conhece como uma anomalia , que é a não restauração de uma simetria no limite em que o parâmetro responsável pela quebra da simetria se anula. A viscosidade é responsável pela quebra da simetria de reversão temporal, em virtude da introdução de dissipação. Não obstante, o que a Fig. 11 indica é que no limite ν→0 a dissipação não se anula e a simetria de reversão temporal não é restaurada. Em vista disso, a lei zero é também conhecida como anomalia dissipativa .

A (26) fornece uma equação dinâmica para a densidade de energia, porém após o trabalho seminal de Taylor com os correlatores de velocidade seria natural buscar a dinâmica a que obedecem. T. von Kármán e L. Howarth deduziram essa equação [125125. T. von Kármán e L. Howarth, Proc. R. Soc. London Ser. A 164, 192 (1938).], um trabalho que levou a um impacto profundo na teoria da turbulência. Descreveremos alguns passos e consequências, enquanto a demonstração detalhada pode ser encontrada em livros-texto como [126126. A.S. Monin e A.M. Yaglom, Statistical Fluid Mechanics: Mechanics of Turbulence (MIT Press, Cambridge, 1975), v. 1 e 2.], além da referência original.

Considerando-se por simplicidade uma situação sem força externa, logo não estacionária (mas homogênea e isotrópica), a derivada temporal de (19) fornece

(31) t R i j ( r , t ) = u i ( x , t ) u j ( x + r , t ) t + u j ( x + r , t ) u i ( x + r , t ) t .

Substituindo-se as derivadas temporais do lado direito pela equação de Navier-Stokes, obtém-se três tipos de termos, provenientes dos termos convectivos, viscosos e de gradiente de pressão. Os termos de gradiente de pressão de (31 anulam-se na turbulência isotrópica. No termo convectivo surgem funções de correlação de dois pontos triplas, como

(32) R i j k ( r , t ) u i ( x , t ) u j ( x , t ) u k ( x + r , t ) .

Aqui tocamos no problema de fechamento da turbulência: para determinarmos a evolução da função de correlação de dois pontos precisamos de funções triplas, cujas evoluções por sua vez necessitam das quádruplas e assim por diante. Uma estratégia de modelagem muito popular, em particular na engenharia, é o truncamento dessa hierarquia de equações em alguma ordem, modelando-se o comportamento da correlação de ordem mais alta. Trata-se de uma abordagem bem sucedida no numericamente em escoamentos de interesse prático. Referimo-nos a [1414. S.B. Pope, Turbulent Flows (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).] para uma introdução pedagógica aos modelos mais tradicionais.

Considerando-se todas as representações de tensores isotrópicos de ordem 2 e 3, bem como relações de isotropia como (23), é possível escrever Rij e Rijk como funções apenas dos correlatores longitudinais R11 e R111 respectivamente. Dessa forma, e definindo então os correlatores longitudinais adimensionalizados pela variância de uma componente, u02=R11(0),

(33) f f ( r , t ) = R 11 ( r ) u 0 2 e K K ( r , t ) = R 111 ( r ) u 0 3 ,

é possível mostrar que (31) leva a

(34) t ( u 0 2 f ) = u 0 3 r 4 r ( r 4 K ) + 2 ν u 0 2 r 4 r ( r 4 f r ) ,

a equação de Kármán-Howarth, um resultado deduzido exatamente a partir da dinâmica de Navier-Stokes e das hipóteses de homogeneidade e isotropia. Naturalmente, ela sofre do problema de fechamento: tanto f quanto K são funções desconhecidas. Todavia, diversos resultados interessantes emanam de (34) e o leitor encontrará um bom compêndio nas referências [118118. G.K. Batchelor, The Theory of Homogeneous Turbulence (Cambridge University Press, Cambridge, 1953)., 126126. A.S. Monin e A.M. Yaglom, Statistical Fluid Mechanics: Mechanics of Turbulence (MIT Press, Cambridge, 1975), v. 1 e 2.]. O mais significativo entre eles é indiscutivelmente a lei dos 4/5 de Kolmogorov, explorada na próxima seção, que tornou-se o resultado mais importante de toda a teoria estatística da turbulência.

5.4. Kolmogorov e a teoria K41

A.N. Kolmogorov foi um um dos maiores matemáticos do século XX, sendo considerado o pai da teoria moderna das probabilidades, que desenvolveu nos anos 30. Ele nutriu constante interesse por problemas relacionados à física, tendo dado contribuições fundamentais à mecânica clássica por exemplo. Em 1941, carregado de uma exímia intuição física, aplicou, em uma série de três artigos que transformaram a área [44. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 30, 299 (1941)., 55. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 32, 16 (1941)., 66. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 31, 99 (1941).], algumas de suas ideias de probabilidades ao problema da turbulência no limite de altos números de Reynolds, tratando o campo de velocidades como uma variável aleatória. Sua teoria ficou conhecida desde então como K41.

Com a imagem da cascata de Richardson em mente, Kolmogorov formulou hipóteses sobre a universalidade de observáveis estatísticos [44. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 30, 299 (1941).]. Sua primeira hipótese traduz a ideia levantada na Seção 5.2 5.2. Taylor e a teoria estatística O resultado (16) de Richardson possui um aspecto adicional extremamente poderoso: a ideia de universalidade na turbulência. Vimos nas seções 2 e 3 que a presença de obstáculos e superfícies produz uma fenomenologia muito rica, com a física próxima a paredes exibindo características marcadamente distintas daquelas mais distantes. Isso não é exatamente surpreendente, dado que superfícies são responsáveis por quebrar a invariância de Galileu das equações de Navier-Stokes. A equação (16) porém não faz qualquer menção a direções. Richardson tinha em mente uma situação em que as partículas estão muito distantes de quaisquer superfícies e pontos onde a turbulência está sendo produzida. Essa era uma ótima hipótese em seus experimentos com balões por exemplo, uma vez que a turbulência na atmosfera em altitudes suficientemente grandes já não deve sofrer influência do efeito do solo. A hipótese fundamental na análise de Richardson é, portanto, a restauração das simetrias de translação e rotação, o que produz uma turbulência homogênea e isotrópica . Apoiando-se na figura da cascata de energia, essa deve ser a turbulência característica das pequenas escalas, já que os mecanismos de injeção de energia tipicamente quebram as simetrias e agem nas grandes escalas. O brilhante físico britânico G.I. Taylor reconheceu esse aspecto do resultado de Richardson e fundou o que hoje conhecemos como teoria estatística da turbulência homogênea e isotrópica [7, 109, 110]. Sua proposta é desvendar a natureza universal da turbulência por meio de leis estatísticas, revelando a estrutura das pequenas escalas e, por conseguinte, o que há de mais fundamental na própria dinâmica interna de um escoamento turbulento. Embora o comportamento exato de um escoamento turbulento fosse errático e imprevisível, o que evidenciava-se era que leis previsíveis e reprodutíveis poderiam ser deduzidas no âmbito estatístico, de forma semelhante ao que acontecera na teoria cinética dos gases por exemplo. Em nota histórica, mencionamos que Taylor fora orientado por J.J. Thomson em Cambridge e ficou conhecido ao publicar, ainda como estudante de graduação, um artigo mostrando que a interferência de luz visível resultava em franjas mesmo com fontes de luz extremamente fracas, as quais levaram 3 meses para produzir uma imagem suficientemente clara em uma chapa fotográfica [111]. Embora nem o efeito fotoelétrico de Einstein nem as expressões ‘quanta de luz’ ou ‘fótons’ sejam mencionadas no artigo, hoje interpreta-se o experimento como se um fóton fosse emitido por vez, e o resultado frequentemente aparece em abordagens pedagógicas como a verificação de que efeitos de interferência não resultam da interferência entre dois fótons diferentes [112]. É interessante que apesar do trabalho com Thomson, Taylor não tenha enveredado pelo excitante desbravamento da nascente física quântica, optando por construir uma carreira na mecânica dos fluidos em que foi extremamente bem sucedido e considerado “um dos mais notáveis cientistas do século XX” [113, 114]. Como objeto matemático, Taylor buscou descrever as funções de correlação (ou correlatores ) do campo de velocidades. As funções de correlação são objetos fundamentais na descrição estatística de variáveis flutuantes. Com elas é possível calcular o valor esperado de observáveis físicos relevantes e sob certas hipóteses pode ser mesmo possível reconstruir a distribuição estatística completa desses observáveis. Acima de tudo, elas fornecem uma valiosa intuição a respeito das propriedades físicas de um sistema que flutua, refletindo suas simetrias. A função de correlação mais simples do campo de velocidades turbulento é o correlator velocidade-velocidade, ou função de correlação de dois pontos, (18) R i ⁢ j ⁢ ( x , x ′ , t , t ′ ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x ′ , t ′ ) ⟩ , onde a notação ⟨𝒪⟩ representa a média de um observável 𝒪. Nesse ponto é importante chamar atenção para o que queremos dizer com ‘média’. Embora seja um fenômeno inerentemente fora do equilíbrio, podemos pensar em uma turbulência estacionária no sentido estatístico, i.e., em que as propriedades estatísticas não variem no tempo. Essa situação é atingida quando a taxa de injeção de energia é igual à taxa de dissipação, o que eventualmente ocorre se a taxa de injeção for mantida constante, pois estruturas de escalas cada vez menores vão sendo criadas, e, conforme argumentamos anteriormente, estruturas de pequenas escalas são muito eficientes em dissipar energia. A turbulência já foi, por causa disso, chamada de uma “máquina infernal de dissipar energia” [115]. Nesse regime estacionário, médias podem ser tomadas temporalmente. Porém uma outra maneira de considerar médias é por meio dos ensembles estatísticos , um conceito introduzido por Gibbs na mecânica estatística [116]. A ideia é tomar médias sobre réplicas – ou realizações – do sistema produzidas ou a partir de condições iniciais diferentes ou empregando realizações distintas, porém estatisticamente equivalentes, dos mecanismos externos de injeção de energia. A equivalência entre essas duas formas de considerar médias está por trás da chamada hipótese ergódica, da qual faremos uso indiscriminado aqui. A estacionariedade leva-nos a uma primeira conclusão acerca do Rij de (18): trata-se de uma função somente de t−t′. De modo análogo, a hipótese de homogeneidade espacial garante que Rij dependa somente de x′−x, enquanto a isotropia restringe-o ainda mais, impondo que seja um tensor cartesiano de segunda ordem. Taylor analisou funções de correlação em um mesmo tempo, as quais definimos, incorporando essas simetrias, como (19) R i ⁢ j ⁢ ( r ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x + r ⁢ e ^ 1 , t ) ⟩ , onde escolhemos um sistema de eixos com direção do versor da base e^1 definida por r. Esse correlator tem uma importância fundamental ao oferecer uma forma de medir como a energia se distribui pelas escalas do sistema. Em outras palavras, através dele é possível quantificar a cascata de Richardson! Taylor foi responsável por formular o problema dessa maneira, mas uma primeira solução veio mais tarde com Kolmogorov. O ponto é que 12⁢Ri⁢i⁢(0)=12⁢⟨u2⟩, que é a densidade de energia média. Assim, definindo o espectro de energia tridimensional E3d(k) como a transformada de Fourier de Rii(r) (a qual, por isotropia, dependerá somente do módulo do vetor de onda k = |k|), temos, pela transformada inversa, (20) R i ⁢ i ⁢ ( r ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ e i ⁢ k ⋅ r ⁡ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) . Em r=0, (21) R i ⁢ i ⁢ ( 0 ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) = ∫ 0 ∞ d k ⁢ 4 ⁢ π ⁢ k 2 ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) , onde realizamos a integral angular. Definindo agora o espectro de energia , mencionado na introdução e na Eq. (1), segundo E(k) = 2πk2E3d, obtemos finalmente (22) 1 2 ⁢ ⟨ u 2 ⟩ = ∫ 0 ∞ d k ⁢ E ⁢ ( k ) , que descreve a densidade de energia total como uma soma particionada entre as energias dos modos de Fourier. Encontrar E(k) seria entender como a energia se distribui entre as diferentes escalas r∼1/k do sistema, uma informação intimamente vinculada à dinâmica turbulenta, e portanto em última instância à dinâmica das equações de Navier-Stokes no regime turbulento. A inclusão da dinâmica era um problema mais difícil que logo passou a ser atacado, entretanto alguns aspectos cinéticos da teoria estatística foram antes desenvolvidos por Taylor e outros, deduzindo consequências das hipóteses de homogeneidade, isotropia e incompressibilidade que poderiam ser testadas. A isotropia faz por exemplo com que várias das componentes do tensor Rij sejam semelhantes, no entanto há que se separar alguns casos. O comportamento de (19) é diferente quando envolve uma componente de velocidade na própria direção e^1 em comparação a casos com apenas componentes ortogonais, já que o vetor r introduz uma direção privilegiada na discussão. R11(r) é a função de correlação de dois pontos longitudinal e R22(r) = R33(r) são funções de correlação de dois pontos transversais, essas idênticas por isotropia. Se considerarmos correlatores adimensionalizados pela variância de uma das componentes da velocidade (todas idênticas por isotropia), obtemos objetos que devem exibir um comportamento universal em sistemas turbulentos diversos, desde que as hipóteses de homogeneidade e isotropia se verifiquem. Ademais, von Kármán deduziu, puramente a partir dessas hipóteses, a seguinte relação entre correlações longitudinais e transversais [117] (23) R 22 ⁢ ( r ) = R 11 ⁢ ( r ) + r 2 ⁢ d d ⁢ r ⁢ R 11 ⁢ ( r ) , cuja demonstração pedagógica o leitor encontraŕá em textos introdutórios [14, 118, 119]. Seu grande apelo é a simplicidade na verificação experimental. Comprovar diretamente se um escoamento é compatível com homogeneidade e isotropia requer a medição simultânea do campo de velocidades em uma enorme quantidade de pontos do espaço, um desafio que ainda hoje não é simples em três dimensões. A verificação de (23) por outro lado requer a medida em somente dois pontos. Trabalhando com dados de [120], Taylor observou experimentalmente [7] a relação (23), que tornou-se um método consagrado para avaliar o grau de isotropia em experimentos e simulações numéricas de fluidos turbulentos. Note que como as correlações caem com a distância, temos dR11/dr < 0 e consequentemente (23) mostra que as correlações transversais decaem mais rapidamente que as longitudinais. Uma utilidade adicional dos Correlatores (19) é a definição quantitativa precisa da escala integral L (dos maiores turbilhões do escoamento) e por conseguinte do número de Reynolds em escoamentos homogêneos e isotrópicos. A Definição (7) inclui L, que é evidente em situações com obstáculos ou fronteiras, mas que agora está implicitamente associada à escala de injeção de energia. Ela pode então ser definida como uma escala típica de correlação, conforme por exemplo (24) L = ∫ 0 ∞ R 22 ⁢ ( r ) u 0 2 ⁢ d r , onde u02=R11⁢(0)=R22⁢(0)=R33⁢(0) é a variância de uma componente da velocidade (u0 também é comumente denominada velocidade quadrática média ou urms). Desse modo, o número de Reynolds é dado por Re = Lu0/ν. Este número de Reynolds refere-se, pois, a flutuações na grande escala L. Taylor identificou uma outra escala característica da turbulência, contudo relativa a flutuações locais, a microescala de Taylor (25) λ = u 0 ⟨ ( ∂ ⁡ u 1 / ∂ ⁡ x 1 ) 2 ⟩ , em que o gradiente de velocidade é empregado. O número de Reynolds-Taylor Reλ = λu0/ν é normalmente o parâmetro adimensional mais utilizado para descrever experimentos e simulações numéricas de escoamentos homogêneos e isotrópicos. Cabe aqui um breve comentário sobre soluções numéricas das equações de Navier-Stokes. Os formidáveis desafios de instrumentação na obtenção de resultados experimentais precisos faz com que hoje a fonte mais abundante de dados para a verificação de teorias estatísticas da turbulência homogênea e isotrópica sejam as chamadas simulações numéricas diretas (conhecidas pela sigla em inglês DNS), como a retratada na Fig. 7, de [59]. Nelas, as equações de Navier-Stokes no espaço de Fourier (14) são discretizadas em uma rede e integradas temporalmente. As condições de contorno periódicas naturais da base de Fourier asseguram a homogeneidade. Contudo, como fica claro de (14), o cálculo do termo não linear diretamente no espaço de Fourier não é imediato. O chamado método pseudoespectral é uma forma mais eficiente de obtê-lo [121], e consiste em computar derivadas ∂⁡ui/∂⁡xj no espaço de Fourier a partir de u^i, passar ao espaço físico para o cômputo de (u⋅∇)u via multiplicações simples, e finalmente voltar ao espaço de Fourier para prosseguir com a integração de (14). A disponibilidade do algoritmo da transformada rápida de Fourier faz com que essas trocas de espaço funcional sejam vantajosas computacionalmente. O fator primordial de limitação é a resolução espacial, visto que quanto mais turbulento o regime, menores são as estruturas e as escalas em que ocorre dissipação. Para que toda a gama de escalas ativas seja bem resolvida, o número de pontos necessários na discretização da rede cresce muito rapidamente com o número de Reynolds. O estado da arte dessas simulações encontra-se atualmente em um número de Reynolds-Taylor de Reλ∼1300, com a solução discretizada em uma rede de 163843 pontos [122]. Note que somente para armazenar em memória as três componentes do campo de velocidade em um dado instante nesta resolução, utilizando-se precisão simples, são necessários 3×163843×4 bytes, isto é, quase 53000 gigabytes ou 53 terabytes! de universalidade nas pequenas escalas, configurando uma hipótese de isotropia local. O mecanismo de injeção de energia introduz em geral anisotropia nas grades escalas, contudo nas escalas menores a redistribuição da energia pela cascata restaura as simetrias. Dessa maneira, Kolmogorov supôs que em um escoamento turbulento com número de Reynolds suficientemente grande a estatística dos movimentos de pequena escala têm uma forma universal dependente somente da viscosidade ν e da taxa média de dissipação de energia, o ⟨ϵ⟩ de (28), uma vez que são os parâmetros dimensionais restantes independentes da escala integral L. Essa hipótese possui consequências físicas bastante significativas.

A primeira delas é que, combinando esses dois parâmetros, é possível construir um único conjunto de grandezas com dimensões de comprimento, tempo e velocidade, as chamadas escalas de Kolmogorov, respectivamente

(35) η = ( ν 3 ϵ ) 1 / 4
(36) u η = ( ϵ ν ) 1 / 4
(37) τ η = ( ν ϵ ) 1 / 2 ,

onde omitimos ⟨⋅⟩ em ϵ para não carregar a notação, o que faremos até o fim dessa seção. O fato de estarem ligadas à viscosidade já é um forte indicativo de que são escalas características dos menores turbilhões existentes, onde a energia é dissipada. De fato, o número de Reynolds equivalente que formam é Reη = ηuη/ν = 1, mostrando que o escoamento é suave e dominado pela viscosidade nessas escalas. Ademais, combinando (35) e (36) podemos escrever a taxa de dissipação como ϵ = ν(uη/η)2, e comparando essa forma com a definição de ϵ em (28) vemos que uη/η caracteriza os gradientes de velocidade.

Uma consequência profunda da primeira hipótese de Kolmogorov é que a estatística de observáveis do campo de velocidade adimensionalizado pelas escalas (3537), como u/uη, simplesmente não pode depender de ν e ϵ, uma vez que não é possível construir um parâmetro adimensional com essas duas grandezas. Ele deve ser, dessa maneira, universal. Por essa razão a hipótese de Kolmogorov é conhecida como hipótese de similaridade: a estatística do campo de velocidade nas pequenas escalas deve ser similar quando este é reescalados pelas escalas de Kolmogorov.

Uma terceira consequência interessante diz respeito à larga gama de escalas da cascata turbulenta. Vimos que o mecanismo de injeção de energia define uma escala integral L, associada aos grandes turbilhões, enquanto η caracteriza as menores estruturas do escoamento. A partir da relação dimensional ϵu03/L, onde u02 é a escala de velocidades típica, definida por exemplo como na Eq. (33), é imediato ver que a razão entre a escala integral e a de Kolmogorov é

(38) L η = ( L u 0 ν ) 3 / 4 = Re 3 / 4 ,

revelando como a extensão da cascata cresce com o número de Reynolds. Vemos aqui de forma explícita a questão da complexidade computacional mencionada no fim da Seção 5.2 5.2. Taylor e a teoria estatística O resultado (16) de Richardson possui um aspecto adicional extremamente poderoso: a ideia de universalidade na turbulência. Vimos nas seções 2 e 3 que a presença de obstáculos e superfícies produz uma fenomenologia muito rica, com a física próxima a paredes exibindo características marcadamente distintas daquelas mais distantes. Isso não é exatamente surpreendente, dado que superfícies são responsáveis por quebrar a invariância de Galileu das equações de Navier-Stokes. A equação (16) porém não faz qualquer menção a direções. Richardson tinha em mente uma situação em que as partículas estão muito distantes de quaisquer superfícies e pontos onde a turbulência está sendo produzida. Essa era uma ótima hipótese em seus experimentos com balões por exemplo, uma vez que a turbulência na atmosfera em altitudes suficientemente grandes já não deve sofrer influência do efeito do solo. A hipótese fundamental na análise de Richardson é, portanto, a restauração das simetrias de translação e rotação, o que produz uma turbulência homogênea e isotrópica . Apoiando-se na figura da cascata de energia, essa deve ser a turbulência característica das pequenas escalas, já que os mecanismos de injeção de energia tipicamente quebram as simetrias e agem nas grandes escalas. O brilhante físico britânico G.I. Taylor reconheceu esse aspecto do resultado de Richardson e fundou o que hoje conhecemos como teoria estatística da turbulência homogênea e isotrópica [7, 109, 110]. Sua proposta é desvendar a natureza universal da turbulência por meio de leis estatísticas, revelando a estrutura das pequenas escalas e, por conseguinte, o que há de mais fundamental na própria dinâmica interna de um escoamento turbulento. Embora o comportamento exato de um escoamento turbulento fosse errático e imprevisível, o que evidenciava-se era que leis previsíveis e reprodutíveis poderiam ser deduzidas no âmbito estatístico, de forma semelhante ao que acontecera na teoria cinética dos gases por exemplo. Em nota histórica, mencionamos que Taylor fora orientado por J.J. Thomson em Cambridge e ficou conhecido ao publicar, ainda como estudante de graduação, um artigo mostrando que a interferência de luz visível resultava em franjas mesmo com fontes de luz extremamente fracas, as quais levaram 3 meses para produzir uma imagem suficientemente clara em uma chapa fotográfica [111]. Embora nem o efeito fotoelétrico de Einstein nem as expressões ‘quanta de luz’ ou ‘fótons’ sejam mencionadas no artigo, hoje interpreta-se o experimento como se um fóton fosse emitido por vez, e o resultado frequentemente aparece em abordagens pedagógicas como a verificação de que efeitos de interferência não resultam da interferência entre dois fótons diferentes [112]. É interessante que apesar do trabalho com Thomson, Taylor não tenha enveredado pelo excitante desbravamento da nascente física quântica, optando por construir uma carreira na mecânica dos fluidos em que foi extremamente bem sucedido e considerado “um dos mais notáveis cientistas do século XX” [113, 114]. Como objeto matemático, Taylor buscou descrever as funções de correlação (ou correlatores ) do campo de velocidades. As funções de correlação são objetos fundamentais na descrição estatística de variáveis flutuantes. Com elas é possível calcular o valor esperado de observáveis físicos relevantes e sob certas hipóteses pode ser mesmo possível reconstruir a distribuição estatística completa desses observáveis. Acima de tudo, elas fornecem uma valiosa intuição a respeito das propriedades físicas de um sistema que flutua, refletindo suas simetrias. A função de correlação mais simples do campo de velocidades turbulento é o correlator velocidade-velocidade, ou função de correlação de dois pontos, (18) R i ⁢ j ⁢ ( x , x ′ , t , t ′ ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x ′ , t ′ ) ⟩ , onde a notação ⟨𝒪⟩ representa a média de um observável 𝒪. Nesse ponto é importante chamar atenção para o que queremos dizer com ‘média’. Embora seja um fenômeno inerentemente fora do equilíbrio, podemos pensar em uma turbulência estacionária no sentido estatístico, i.e., em que as propriedades estatísticas não variem no tempo. Essa situação é atingida quando a taxa de injeção de energia é igual à taxa de dissipação, o que eventualmente ocorre se a taxa de injeção for mantida constante, pois estruturas de escalas cada vez menores vão sendo criadas, e, conforme argumentamos anteriormente, estruturas de pequenas escalas são muito eficientes em dissipar energia. A turbulência já foi, por causa disso, chamada de uma “máquina infernal de dissipar energia” [115]. Nesse regime estacionário, médias podem ser tomadas temporalmente. Porém uma outra maneira de considerar médias é por meio dos ensembles estatísticos , um conceito introduzido por Gibbs na mecânica estatística [116]. A ideia é tomar médias sobre réplicas – ou realizações – do sistema produzidas ou a partir de condições iniciais diferentes ou empregando realizações distintas, porém estatisticamente equivalentes, dos mecanismos externos de injeção de energia. A equivalência entre essas duas formas de considerar médias está por trás da chamada hipótese ergódica, da qual faremos uso indiscriminado aqui. A estacionariedade leva-nos a uma primeira conclusão acerca do Rij de (18): trata-se de uma função somente de t−t′. De modo análogo, a hipótese de homogeneidade espacial garante que Rij dependa somente de x′−x, enquanto a isotropia restringe-o ainda mais, impondo que seja um tensor cartesiano de segunda ordem. Taylor analisou funções de correlação em um mesmo tempo, as quais definimos, incorporando essas simetrias, como (19) R i ⁢ j ⁢ ( r ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x + r ⁢ e ^ 1 , t ) ⟩ , onde escolhemos um sistema de eixos com direção do versor da base e^1 definida por r. Esse correlator tem uma importância fundamental ao oferecer uma forma de medir como a energia se distribui pelas escalas do sistema. Em outras palavras, através dele é possível quantificar a cascata de Richardson! Taylor foi responsável por formular o problema dessa maneira, mas uma primeira solução veio mais tarde com Kolmogorov. O ponto é que 12⁢Ri⁢i⁢(0)=12⁢⟨u2⟩, que é a densidade de energia média. Assim, definindo o espectro de energia tridimensional E3d(k) como a transformada de Fourier de Rii(r) (a qual, por isotropia, dependerá somente do módulo do vetor de onda k = |k|), temos, pela transformada inversa, (20) R i ⁢ i ⁢ ( r ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ e i ⁢ k ⋅ r ⁡ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) . Em r=0, (21) R i ⁢ i ⁢ ( 0 ) = ∫ ℝ 3 d 3 ⁢ k ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) = ∫ 0 ∞ d k ⁢ 4 ⁢ π ⁢ k 2 ⁢ E 3 ⁢ d ⁢ ( k ) , onde realizamos a integral angular. Definindo agora o espectro de energia , mencionado na introdução e na Eq. (1), segundo E(k) = 2πk2E3d, obtemos finalmente (22) 1 2 ⁢ ⟨ u 2 ⟩ = ∫ 0 ∞ d k ⁢ E ⁢ ( k ) , que descreve a densidade de energia total como uma soma particionada entre as energias dos modos de Fourier. Encontrar E(k) seria entender como a energia se distribui entre as diferentes escalas r∼1/k do sistema, uma informação intimamente vinculada à dinâmica turbulenta, e portanto em última instância à dinâmica das equações de Navier-Stokes no regime turbulento. A inclusão da dinâmica era um problema mais difícil que logo passou a ser atacado, entretanto alguns aspectos cinéticos da teoria estatística foram antes desenvolvidos por Taylor e outros, deduzindo consequências das hipóteses de homogeneidade, isotropia e incompressibilidade que poderiam ser testadas. A isotropia faz por exemplo com que várias das componentes do tensor Rij sejam semelhantes, no entanto há que se separar alguns casos. O comportamento de (19) é diferente quando envolve uma componente de velocidade na própria direção e^1 em comparação a casos com apenas componentes ortogonais, já que o vetor r introduz uma direção privilegiada na discussão. R11(r) é a função de correlação de dois pontos longitudinal e R22(r) = R33(r) são funções de correlação de dois pontos transversais, essas idênticas por isotropia. Se considerarmos correlatores adimensionalizados pela variância de uma das componentes da velocidade (todas idênticas por isotropia), obtemos objetos que devem exibir um comportamento universal em sistemas turbulentos diversos, desde que as hipóteses de homogeneidade e isotropia se verifiquem. Ademais, von Kármán deduziu, puramente a partir dessas hipóteses, a seguinte relação entre correlações longitudinais e transversais [117] (23) R 22 ⁢ ( r ) = R 11 ⁢ ( r ) + r 2 ⁢ d d ⁢ r ⁢ R 11 ⁢ ( r ) , cuja demonstração pedagógica o leitor encontraŕá em textos introdutórios [14, 118, 119]. Seu grande apelo é a simplicidade na verificação experimental. Comprovar diretamente se um escoamento é compatível com homogeneidade e isotropia requer a medição simultânea do campo de velocidades em uma enorme quantidade de pontos do espaço, um desafio que ainda hoje não é simples em três dimensões. A verificação de (23) por outro lado requer a medida em somente dois pontos. Trabalhando com dados de [120], Taylor observou experimentalmente [7] a relação (23), que tornou-se um método consagrado para avaliar o grau de isotropia em experimentos e simulações numéricas de fluidos turbulentos. Note que como as correlações caem com a distância, temos dR11/dr < 0 e consequentemente (23) mostra que as correlações transversais decaem mais rapidamente que as longitudinais. Uma utilidade adicional dos Correlatores (19) é a definição quantitativa precisa da escala integral L (dos maiores turbilhões do escoamento) e por conseguinte do número de Reynolds em escoamentos homogêneos e isotrópicos. A Definição (7) inclui L, que é evidente em situações com obstáculos ou fronteiras, mas que agora está implicitamente associada à escala de injeção de energia. Ela pode então ser definida como uma escala típica de correlação, conforme por exemplo (24) L = ∫ 0 ∞ R 22 ⁢ ( r ) u 0 2 ⁢ d r , onde u02=R11⁢(0)=R22⁢(0)=R33⁢(0) é a variância de uma componente da velocidade (u0 também é comumente denominada velocidade quadrática média ou urms). Desse modo, o número de Reynolds é dado por Re = Lu0/ν. Este número de Reynolds refere-se, pois, a flutuações na grande escala L. Taylor identificou uma outra escala característica da turbulência, contudo relativa a flutuações locais, a microescala de Taylor (25) λ = u 0 ⟨ ( ∂ ⁡ u 1 / ∂ ⁡ x 1 ) 2 ⟩ , em que o gradiente de velocidade é empregado. O número de Reynolds-Taylor Reλ = λu0/ν é normalmente o parâmetro adimensional mais utilizado para descrever experimentos e simulações numéricas de escoamentos homogêneos e isotrópicos. Cabe aqui um breve comentário sobre soluções numéricas das equações de Navier-Stokes. Os formidáveis desafios de instrumentação na obtenção de resultados experimentais precisos faz com que hoje a fonte mais abundante de dados para a verificação de teorias estatísticas da turbulência homogênea e isotrópica sejam as chamadas simulações numéricas diretas (conhecidas pela sigla em inglês DNS), como a retratada na Fig. 7, de [59]. Nelas, as equações de Navier-Stokes no espaço de Fourier (14) são discretizadas em uma rede e integradas temporalmente. As condições de contorno periódicas naturais da base de Fourier asseguram a homogeneidade. Contudo, como fica claro de (14), o cálculo do termo não linear diretamente no espaço de Fourier não é imediato. O chamado método pseudoespectral é uma forma mais eficiente de obtê-lo [121], e consiste em computar derivadas ∂⁡ui/∂⁡xj no espaço de Fourier a partir de u^i, passar ao espaço físico para o cômputo de (u⋅∇)u via multiplicações simples, e finalmente voltar ao espaço de Fourier para prosseguir com a integração de (14). A disponibilidade do algoritmo da transformada rápida de Fourier faz com que essas trocas de espaço funcional sejam vantajosas computacionalmente. O fator primordial de limitação é a resolução espacial, visto que quanto mais turbulento o regime, menores são as estruturas e as escalas em que ocorre dissipação. Para que toda a gama de escalas ativas seja bem resolvida, o número de pontos necessários na discretização da rede cresce muito rapidamente com o número de Reynolds. O estado da arte dessas simulações encontra-se atualmente em um número de Reynolds-Taylor de Reλ∼1300, com a solução discretizada em uma rede de 163843 pontos [122]. Note que somente para armazenar em memória as três componentes do campo de velocidade em um dado instante nesta resolução, utilizando-se precisão simples, são necessários 3×163843×4 bytes, isto é, quase 53000 gigabytes ou 53 terabytes! . Em uma simulação tridimensional, se quisermos resolver as escalas de η a L precisamos de uma rede discretizada em um número de pontos que cresce com (L/η)3∼Re9/4. O tempo de simulação também cresce: se a resolução temporal for τη, para alcançarmos o tempo de revolução do grandes turbilhões TL/u0 precisamos de um número de passos temporais da ordem de T/τη∼Re1/2. O custo computacional total de uma simulação numérica direta de Navier-Stokes deve por conseguinte crescer com Re11/4, uma potência bastante alta do número de Reynolds!

Fundamentado nessa definição das escalas que delimitam a cascata, Kolmogorov propôs uma segunda hipótese de similaridade. Para números de Reynolds suficientemente grandes, há uma faixa de escalas r que são muito menores que a escala integral L porém ainda muito maiores que η de modo a não sofrerem influência nem do mecanismo de injeção de energia e nem da viscosidade. No regime estacionário, ϵ representa tanto a taxa média de injeção de energia nas grandes escalas quanto a de dissipação nas pequenas. Nessas escalas r a energia é somente transferida para escalas menores por efeitos inerciais, e portanto por estacionariedade a taxa média de transferência de energia é também ϵ. Concluímos assim que a estatística nessa faixa de escalas ηrL, denominada faixa inercial , deve depender somente de ϵ e do próprio r.

Com apenas esse parâmetro dimensional, construímos as escalas de velocidade e de tempo típicas dos turbilhões na escala r como

(39) u r = ( ϵ r ) 1 / 3
(40) τ r = ( r 2 / ϵ ) 1 / 3 ,

as quais decrescem com r.

Diversas novas consequências importantes advêm dessa hipótese, uma das mais significativas sendo a resposta para o desafio levantado por Taylor acerca da distribuição espectral de energia na cascata turbulenta, E(k) em (22), ao menos para a faixa inercial. Nessa faixa, pela segunda hipótese de similaridade, E(k) deve depender somente de ϵ, além do próprio k. Vemos de (22) que kE(k) possui unidades de velocidade ao quadrado, i.e., kE(k)ur2(ϵr)2/3(ϵ/k)2/3. E assim, por análise dimensional simples, deduzimos que

(41) E ( k ) = C K ϵ 2 / 3 k - 5 / 3 ,

onde CK é uma constante universal. Esse é o celebrado espectro de Kolmogorov mencionado na Eq. (1) e presente nas notas de Fermi.

A verificação experimental de (41) não foi imediata em virtude da dificuldade de se pós-processar medidas em escoamentos com um número de Reynolds suficientemente alto para que a faixa inercial seja visível. Evidências estavam presentes em [127127. A.A. Townsend, Proc. Camb. Phil. Soc. 44, 560 (1948).] porém a primeira observação categórica veio somente em 1961, portanto 20 anos depois, em um experimento realizado por uma embarcação de 66 metros de comprimento em um esteiro no Canadá [128128. H.L. Grant, R.W. Stewart e A. Moilliet, J. Fluid Mech. 12, 241 (1961).]. Conforme reportado, a energia nas grandes escalas era tamanha que o barco era consideravelmente carregado, e o número de Reynolds girava em torno de 108. Uma verificação a partir de dados mais recentes [129129. H.S. Kang, S. Chester e C. Meneveau, J. Fluid Mech. 480, 129 (2003).] é mostrada na Fig. 12, onde indicamos a faixa inercial postulada por Kolmogorov bem como a faixa dissipativa e a região do espectro dominada pelas grandes escalas. A obtenção da constante de Kolmogorov CK e a asserção de sua universalidade é um ponto mais delicado. Uma compilação de dados indica, apesar de ruídos consideráveis, um valor consistente com a universalidade e CK = 0.53 ± 0.05 [130130. K.R. Sreenivasan, Phys. Fluids 7, 2778 (1995).]. A obtenção de CK por uma via analítica é um problema instigante, e modelos baseados em técnicas de grupo de renormalização foram propostos com limitado sucesso [131131. R.H. Kraichnan, J. Fluid Mech. 47, 525 (1971)., 132132. R.H. Kraichnan, Phys. Fluids 9, 1728 (1966)., 133133. V. Yakhot e S.A. Orszag, Phys. Rev. Lett. 57, 1722 (1986).].

Figura 12
Espectro de energia, em escala dilog (unidades arbitrárias de energia E(k) e número de onda k) obtido a partir de séries temporais (disponíveis na base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [129129. H.S. Kang, S. Chester e C. Meneveau, J. Fluid Mech. 480, 129 (2003).]) para um escoamento em túnel de vento com número de Reynolds Re = 3×104.

Uma outra consequência da segunda hipótese de Kolmogorov, que segue diretamente de (40), é uma explicação dimensional para a dispersão de Richardson (16). Vemos que as escalas de tempo associadas a uma escala r na faixa inercial de fato variam como r2τr3.

Como observação adicional, salientamos que as hipóteses de Kolmogorov contêm, como hipótese subjacente, a lei zero da turbulência, fato do qual estava perfeitamente ciente. Realmente, no limite Re→∞ a taxa de dissipação de energia só vai sobrar como parâmetro adicional se não tender a zero!

Embora siga imediatamente das hipóteses de similaridade, (41) não aparece de forma explícita no trabalho de Kolmogorov, tendo sido deduzida nessa forma por Obukhov [134134. A.M. Obukhov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 32, 22 (1941)., 135135. A.M. Obukhov, Izv. Akad. Nauk SSSR Ser. Geogr. Geofiz. 5, 453, (1941).], um de seus estudantes cujo trabalho na teoria da turbulência é também notável e possui muitos pontos de interseção com o de Kolmogorov. Uma forma completamente equivalente entretanto, escrita no espaço físico (em oposição ao de Fourier), aparece para as chamadas funções de estrutura . A introdução das funções de estrutura como objetos estatísticos relevantes em lugar dos correlatores foi um passo aparentemente simples mas crucial de Kolmogorov, evidenciando sua intuição física. A função de estrutura de ordem q equivale ao momento estatístico de ordem q dos incrementos de velocidade na escala r, i.e.,

(42) S q L ( r ) = [ u 1 ( x + r e ^ 1 , t ) - u 1 ( x , t ) ] q

em que consideramos o incremento de velocidade longitudinal. De modo análogo, utilizamos a componente u2 ou u3 para a função de estrutura transversal SqT. A (42) pode ser escrita em uma forma independente de coordenadas,

(43) S q L ( r ) = { [ u ( x + r , t ) - u ( x , t ) ] r ^ } q ,

no entanto evitaremos ao máximo complicações na notação e frequentemente denotaremos os incrementos na escala r simplesmente por δru e as funções de estrutura por Sq(r), ressaltando eventuais distinções entre os casos transversal e longitudinal. A intuição por trás da introdução das funções de estrutura é de que incrementos de velocidade são objetos invariantes de Galileu. Dois pontos separados por uma distância r são carregados conjuntamente por turbilhões de escalas maiores, e isso se refletirá nos correlatores. Os incrementos na escala r, por outro lado, são observáveis que espelham as flutuações de velocidade típicas de estruturas da escala r.

Dessa maneira, ao contrário dos correlatores, a função de estrutura em uma escala r na faixa inercial deve obedecer à segunda hipótese de similaridade e depender apenas de ϵ. Por análise dimensional, Kolmogorov então obteve para a função de estrutura de ordem 2 a chamada lei dos 2/3 ,

(44) S 2 ( r ) = C ϵ 2 / 3 r 2 / 3 ,

que é a contrapartida de (41) no espaço físico (C é uma outra constante universal). Ela expressa como a função de estrutura de ordem 2 escala com r, e mostra que S2(r)/r2/3 deve ser universal na faixa inercial de um sistema turbulento.

Ainda em 1941, Kolmogorov publicou um outro resultado sobre as funções de estrutura na turbulência, porém dessa vez valendo-se de argumentos mais rigorosos [55. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk SSSR 32, 16 (1941).]. Ele partiu da equação de Kármán-Howarth (34), uma equação exata derivada de Navier-Stokes, reescrevendo-a na linguagem das funções de estrutura. É fácil ver que em termos das funções f e K de (33) temos

(45) S 2 L ( r ) = 2 u 0 2 ( 1 - f ( r ) ) e S 3 L ( r ) = 6 u 0 3 K ( r ) ,

e torna-se então um exercício simples mostrar que (34) leva a

(46) t S 2 L + 1 3 r 4 r ( r 4 S 3 L ) = 2 ν r 4 r ( r 4 r S 2 L ) - 4 3 ϵ ,

onde usa-se que ϵ=-32ddtu02, uma vez que a densidade de energia média é E=12u2=12u12+u22+u32=32u02. Aqui voltamos com ⟨⋅⟩ em ϵ para enfatizar seu papel de parâmetro constante. No regime estacionário o primeiro termo à esquerda de (46) se anula, enquanto no limite de alto Reynolds o termo viscoso é desprezável na faixa inercial. Isso nos deixa com

(47) 1 r 4 r ( r 4 S 3 L ) = - 4 ϵ ,

que pode ser imediatamente integrada, fornecendo

(48) S 3 L ( r ) = - 4 5 ϵ r ,

a consagrada lei dos 4/5 de Kolmogorov .

Conforme veremos na seção a seguir, os resultados de K41 provenientes de argumentos de escala e similaridade precisam ser revistos à luz de objeções teóricas e resultados experimentais surgidos nos décadas seguintes. A lei dos 4/5 por outro lado, como um resultado exato de Navier-Stokes no limite de alto Reynolds, permanece intacta. Ela serve por esse motivo como uma bússola para esforços de modelagem da turbulência, os quais devem ser capazes de reproduzir ao menos alguns de seus aspectos.

Um desses aspectos de enorme relevância é o fato de que incrementos de velocidade longitudinais possuem terceiro momento estatístico negativo, dado que ⟨ϵ⟩ é positivo. Em outras palavras, a distribuição de incrementos é assimétrica, com incrementos negativos mais prováveis que positivos. Acompanhando-se elementos de fluido no escoamento (na visão Lagrangiana da turbulência), o efeito é que esses elementos tendem a frear mais bruscamente do que acelerar, de maneira análoga ao que ocorre no trânsito de automóveis (sendo esse um dos grandes responsáveis por engarrafamentos [136136. Y. Sugiyama, M. Fukui, M. Kikuchi, K. Hasebe, A. Nakayama, K. Nishinari, S. Tadaki e S. Yukawa, New J. Phys. 10 033001 (2008).]). Isso foi recentemente associado à irreversibilidade introduzida pela cascata de energia, cujo mecanismo de transferência de energia das grandes para as pequenas escalas quebra a simetria de inversão temporal [137137. H. Xu, A. Pumir, G. Falkovich, E. Bodenschatz, M. Shats, H. Xia, N. Francois e G. Boffetta, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 111, 7558 (2014)., 138138. J. Jucha, H. Xu, A. Pumir e E. Bodenschatz, Phys. Rev. Lett. 113, 054501 (2014).]. Não é coincidência, portanto, que a existência de uma taxa de dissipação ϵ finita esteja diretamente ligada à assimetria temporal. Embora seja evidente pelo uso das funções f e K da equação de Kármán-Howarth, vale frisar que (48) é válida somente para incrementos de velocidade longitudinais, e que incrementos transversais têm assimetria nula, por isotropia (um incremento transversal numa distância r pode ser transformado em outro numa distância −r por uma rotação).

É interessante notar que dimensionalmente a lei dos 4/5 está completamente em acordo com o que esperaríamos da hipótese de similaridade: se ϵ é o único parâmetro dimensional disponível, uma grandeza de dimensão de velocidade ao cubo na escala r é formada com ϵr. Uma extrapolação dessa ideia para a função de estrutura de ordem arbitrária indicaria o comportamento de escala

(49) S q ( r ) C q ϵ q / 3 r q / 3 r q / 3 ,

o chamado comportamento de escala K41.

Essa observação levou a uma reinterpretação contemporânea das hipóteses de Kolmogorov [1313. U. Frisch, Turbulence: the legacy of A.N. Kolmogorov (Cambridge University Press, Cambridge, 1995)., 139139. U. Frisch, Proc. R. Soc. Lond. A 434, 89 (1991)., 140140. R. Benzi e L. Biferale, J. Stat. Phys. 135, 977 (2009).], entendidas agora como conjecturas associadas à restauração das simetrias de Navier-Stokes no limite Re→∞, em particular da invariância de escala. A equação de Euler (2) exibe uma invariância de escala muito geral, mantendo-se invariante frente aos reescalonamentos xλx, uλhu e tλ1−ht para um h arbitrário. Nas equações de Navier-Stokes, é necessário reescalarmos ainda a viscosidade como νλ1 + hν para manter a simetria. Vemos de (39) que isso implica ϵλ3h−1ϵ. A hipótese de similaridade de Kolmogorov dessa maneira corresponde a dizer que ⟨ϵ⟩ deve ser constante e igual a S3L/r independente da escala, o que fixa h = 1/3 e leva à Eq. (49).

Apesar do extraordinário progresso representado pela teoria de Kolmogorov, veremos que a generalização representada por (49) não encontra respaldo nas observações experimentais. Ao tratar esse problema mais de 20 anos depois da publicação dos trabalhos originais da fenomenologia K41, o próprio Kolmogorov inaugurou toda uma nova área que transbordou os limites da pesquisa em turbulência. Discutimos alguns desses aspectos a seguir.

5.5. Intermitência e multifractalidade

Uma estimativa probabilística simples nos indica que se o campo de intensidade de vorticidade na Fig. 7 apresentasse flutuações gaussianas ao redor da sua média, as regiões verde-claras ocupariam uma fração de volume de cerca de 3×10−3% do volume total do fluido, fato evidentemente invalidado pela observação.

Se realizássemos uma viagem no interior do escoamento turbulento da Fig. 7, perceberíamos que em boa parte do trajeto, ao passarmos pelas regiões escuras de pouca energia cinética, as condições de voo seriam ótimas. Entretanto, de tempos em tempos, com probabilidade não desprezível, encontraríamos as regiões verde-claras, isto é, tornados de intensidades extremamente intensas, colocando em risco a nossa travessia.

Esse tipo de fenômeno – eventos intensos e repentinos que quebram a monotonia característica de uma evolução dinâmica dominada, na maior parte do tempo, por flutuações “bem comportadas” – denomina-se intermitência . É um aspecto marcante de muitos sistemas não-lineares e sistemas críticos auto-organizados, como revelado no paradigmático toy model das avalanches em pilhas de areia [99. P. Bak, C. Tang e K. Wiesenfeld, Phys. Rev. Lett. 59, 381 (1987).]. Observa-se, de fato, intermitência em avalanches de neve [141141. K.W. Birkeland e C.C. Landry, Geophys. Res. Lett. 29, 1554 (2002).], atividade cerebral [142142. J.M. Beggs e D. Plenz, J. Neur. 3 December 23, 11167 (2003).], terremotos [143143. G. Ouillon e D. Sornette, J. Geophys. Res. 110, B04306 (2005).], arritmias cardíacas [144144. Z. Qu, G. Hu, A. Garfinkel e J.N. Weiss, Phys. Rep. 543, 61 (2014).], flutuações de potência em geradores eólicos ou solares de energia [145145. M. Anvari, G. Lohmann, M. Wächter, P. Milan, E. Lorenz, D. Heinemann, M.R.R. Tabar e J. Peinke, New J. of Phys. 18, 063027 (2016).], etc.

O fenômeno da intermitência das flutuações turbulentas, problema central da teoria estatística da turbulência, foi descoberto experimentalmente por Batchelor e Townsend em 1949 [146146. G.K. Batchelor e A.A. Townsend, Proc. R. Soc. Lond. A 199, 238 (1949).]. Intermitência turbulenta está associada à existência de flutuações intensas, não-gaussianas, de observáveis físicos como diferenças ou gradientes de velocidade, vorticidade, circulação, etc., bem como a desvios importantes da fenomenologia K41, observados conclusivamente em meados da década de 1980 [147147. F. Anselmet, Y. Gagne, E.J. Hopfinger e R.A. Antonia, J. Fluid Mech. 140, 63 (1984).]. Os experimentos então realizados indicaram que as funções de estrutura não seguem as previsões da fenomenologia K41 para momentos estatísticos de ordens suficientemente altas. Ainda é válida, porém, a relação geral de escala

(50) S q ( r ) r ζ q ,

com expoentes universais ζq que dependem, agora, não-linearmente da ordem q dos momentos estatísticos. A Fig. 13 ilustra os expoentes ζq encontrados nos experimentos de Anselmet et al. [147147. F. Anselmet, Y. Gagne, E.J. Hopfinger e R.A. Antonia, J. Fluid Mech. 140, 63 (1984).] e em simulações numéricas recentes [148148. K.P. Iyer, K.R. Sreenivasan e P.K. Yeung, Phys. Rev. Fluids 5, 054605 (2020).]. Nota-se ali, a inadequação da teoria K41, na qual ζq = q/3, evidente a olhos vistos para os expoentes de escala de ordens q > 4.

Figura 13
Expoentes de escala para as funções de estrutura longitudinais de ordem q, definidas em (43). Resultados experimentais (escoamentos em duto e jatos livres [147147. F. Anselmet, Y. Gagne, E.J. Hopfinger e R.A. Antonia, J. Fluid Mech. 140, 63 (1984).]) e numéricos [148148. K.P. Iyer, K.R. Sreenivasan e P.K. Yeung, Phys. Rev. Fluids 5, 054605 (2020).] são comparados às curvas obtidas pelas expressões analíticas (49), (71), (79) e (92).

O debate sobre os porquês dos desvios da teoria K41 promove essencialmente, como veremos abaixo, duas narrativas que não são necessariamente incompatíveis entre si. Em uma das perspectivas, com prioridade histórica, os desvios são atribuídos à estrutura multiplicativa da cascata de energia turbulenta; na outra perspectiva, os desvios são modelados a partir de postulados sobre a organização estatística de possíveis estruturas singulares do campo de velocidade.

Cascatas Multiplicativas e Intermitência

Logo no ano seguinte à publicação dos trabalhos de Kolmogorov em 1941, críticas importantes foram levantadas por Landau sobre os fundamentos da fenomenologia K41. Landau apontou, muito pertinentemente, que a taxa de dissipação de energia ϵ poderia apresentar flutuações espaço-temporais relevantes e, assim, comprometer a validade da lei dos 2/3 das funções de estrutura de segunda ordem, sem afetar, entretanto, a lei dos 4/5. Não existem registros formais exatos sobre a maneira pela qual a crítica de Landau foi conduzida e é graças à tradição de relatos orais da comunidade científica que indicamos a sua linha de argumentação, a seguir.

A lei dos 4/5 sugere que flutuações de diferenças longitudinais de velocidade definidas em uma escala de comprimento r, isto é, δru, satisfaçam a identidade estatística

(51) ( δ r u ) 3 ϵ r .

Acima, o símbolo ∼ não deve ser confundido com proporcionalidade ou equivalência em comportamento assintótico, como é costume empregá-lo. O uso desse símbolo em (51) indica, precisamente, que os dois lados da relação devem ser entendidos como variáveis aleatórias que têm propriedades estatísticas semelhantes (a interpretação a ser adotada para o símbolo ∼ deverá, de agora em diante, ficar clara pelo contexto). Podemos escrever, portanto, que

(52) S q ( r ) ( δ r u ) q ϵ q 3 r q 3 .

Nota-se, assim, que o procedimento de Kolmogorov, efetivamente, é supor – eis a objeção imediata de Landau – que

(53) ϵ q 3 = ϵ q 3 ,

para deduzir, a partir daí e de (52) que ζ2 = 2/3. Em outras palavras, a hipótese (53) da fenomenologia K41 situa esta última como uma teoria de campo médio.

A crítica de Landau não foi desprezada por Kolmogorov e há quem possa acreditar que o próprio estaria completamente ciente, mais do que ninguém, das dificuldades da sua hipótese de campo médio. Foram necessárias duas décadas, entretanto, até que Obukhov [149149. A.M. Obukhov, J. Fluid Mech. 13, 77 (1962).] e, independentemente, Kolmogorov [150150. A.N. Kolmogorov, J. Fluid Mech. 13, 82 (1962).], propusessem uma solução fenomenológica para o problema das flutuações da taxa de dissipação, conhecida como teoria OK62. A solução, curiosamente, utiliza ideias probabilísticas que foram introduzidas por Kolmogorov naquele mesmo ano marcante de 1941, no problema completamente diverso da distribuição de tamanhos de grãos de rocha em amostras geológicas [151151. A.N. Kolmogorov, Dokl. Akad. Nauk. SSSR 31, 99 (1941).].

Como ponto de partida da teoria OK62 define-se a taxa de dissipação granulada à escala de comprimento r,

(54) ϵ r ( x ) ν 2 B r ( x ) d 3 x ( u j x i + u i x j ) 2 ,

onde Br(x) representa uma bola de raio r centrada em x. Em vez de (51), a identidade estatística que devemos explorar é, agora, baseada na hipótese de similaridade refinada [149149. A.M. Obukhov, J. Fluid Mech. 13, 77 (1962)., 150150. A.N. Kolmogorov, J. Fluid Mech. 13, 82 (1962).],

(55) ( δ r u ) 3 ϵ r r ,

na qual adicionalmente, supõe-se que

(56) ϵ r q r τ ( q ) ,

onde τ(q) é algum expoente de escala q-dependente. Reunindo (55) e (56), chegamos rapidamente à conclusão de que

(57) S q ( r ) ( δ r u ) q ϵ r q 3 r q 3 r ζ q ,

onde

(58) ζ q = q 3 + τ ( q 3 ) .

Obviamente, o próximo passo é modelar a função τ(q). É neste estágio de discussão da teoria OK62 que entra em cena o conceito de cascata multiplicativa de energia.

Vamos supor que a cascata de energia esteja estruturada na forma de turbilhões que fragmentam-se sucessivamente a partir de um grande turbilhão de dimensão linear L0 em turbilhões de tamanhos L1, L2, …, com

(59) L 1 = L 0 a > L 2 = L 0 a 2 > > L n = L 0 a n > ,

onde a > 1 é um fator de reescala das fragmentações sucessivas, interpretado como um parâmetro de modelagem. À escala Ln = L0/an associamos a taxa de dissipação granulada ϵn. Escrevemos, tautologicamente, que

(60) ϵ n = ϵ 0 W n W n - 1 W 1 ,

onde

(61) W n ϵ n ϵ n - 1 .

É natural conjecturar que se as escalas sucessivas estão suficientemente afastadas entre si e que se a cascata se reproduz de forma auto-similar, então os fatores Wn são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas. Em sentido estatístico, definimos a variável aleatória W para a qual

(62) W W 1 W 2 W n .

Uma deficiência da definição (60) é que ela pode levar a taxas de dissipação de energia flutuantes, em contradição com o fato de que o transporte de energia é conservativo na faixa inercial. Para driblar esta dificuldade, impomos a invariância da taxa de dissipação escala a escala em um sentido médio global. Isto é, exigimos que

(63) ϵ n = ϵ 0 ,

o que pela Eq. (60) nos dá

(64) W = 1

e, adicionalmente,

(65) ϵ n q = ϵ 0 q W q n L n log a W q ,

levando, em notação auto-explicativa, a

(66) S q ( L n ) ( δ n v ) q ϵ n q 3 L n q 3 W q 3 n L n q 3 L n ζ q ,

com

(67) ζ q = q 3 + log a W q 3 .

A pincelada final é considerar que o número de escalas seja grande o suficiente para supor que a distribuição de probabilidades da taxa de dissipação, ou, equivalentemente, dos W’s, seja um ponto fixo estável no espaço das distribuições de probabilidade [152152. R.N. Mantegna e H.E. Stanley, An Introduction to Econophysics (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).]. A fenomenologia OK62 corresponde à escolha de um ponto fixo de distribuição lognormal, naturalmente associado a variáveis aleatórias W cujos momentos são limitados por cotas superiores e inferiores. Nas definições da fenomenologia OK62, toma-se, convencionalmente, a=2 e

(68) W = 2 - x ,

onde x é uma variável aleatória gaussiana, de média x¯ e variância σ2. A condição (64) produz um vínculo entre x¯ e σ:

(69) x ¯ = σ 2 2 ln 2 .

Temos, portanto,

(70) W q = 2 - x q = 2 - x ¯ q ( 1 - q ) .

De acordo com a Relação (67), encontramos, então,

(71) ζ q = q 3 - μ 18 q ( q - 3 ) ,

onde μ2x¯, como se costuma definir na literatura. Usando μ≃0.17 [153153. S.L. Tang, R.A. Antonia, L. Djenidi e Y. Zhou, J. Fluid Mech. 891, A26 (2020).], obtém-se um acordo bastante razoável de (71) com resultados experimentais e numéricos, como mostrado na Fig. 13. É realmente digno de nota que a teoria OK62 foi proposta cerca de duas décadas antes de seu primeiro teste experimental por Anselmet e colaboradores em 1983.

Formalismo Multifractal

Um caminho histórico completamente diferente para a formulação dos expoentes de escala ζq está também, intimamente ligado à robusta lei (51). Onsager observou, em 1949, que a anomalia dissipativa poderia ser entendida no contexto de um fluido ideal a partir da conjectura de que o campo de velocidade turbulento não seria diferenciável [154154. L. Onsager, Nuovo Cim. Suppl. 6, 279 (1949).]. Estruturas singulares do campo de velocidade encarregariam-se de dissipar toda a energia que é injetada nas grandes escalas do escoamento. Mais precisamente, Onsager lançou a hipótese de que h = 1/3 é o maior valor de h para o qual

(72) lim r 0 | δ r u | r h

resulta finito, sob a condição de que a energia cinética do escoamento não seja conservada. A conjectura de Onsager tornou-se um teorema apenas no ano de 2018, após laboriosas destilações de rigor matemático desde a sua apresentação original [155155. P. Isett, Ann. Math. 188, 871 (2018)., 156156. T. Buckmaster, C. De Lellis, L. Székelyhidi Jr. e V. Vicol, Comm. Pure Appl. Math. 72, 229 (2018).].

Em linguagem mais formal, denotamos por expoente de Hölder local o maior valor de h para o qual o limite (72) é finito. Valores de h > 0 estão associados a campos de velocidade contínuos, ao passo que h < 1 indica campos cujos grafos são rugosos, isto é, não diferenciáveis.

As medições dos expoentes de escala ζq mostradas na Fig. 13 sugerem, em função das considerações acima, que devem existir regiões do escoamento para as quais os expoentes de Hölder são menores do que 1/3. O formalismo multifractal, proposto por Frisch e Parisi em 1983 [1616. U. Frisch e G. Parisi, em: Turbulence and Predictability in Geophysical Fluid Dynamics and Climate Dynamics, Varenna Summer School LXXXVIII (1983), editado por M. Ghil, R. Benzi e G. Parisi (North-Holland, New York, 1985).], propõe uma realização da visão de Onsager que é capaz de oferecer um caminho para o cálculo de ζq.

Motivados pela introdução de ideias geométricas na modelagem da turbulência por Mandelbrot [157157. B.B. Mandelbrot, J. Fluid Mech. 62, 331 (1974)., 158158. B.B. Mandelbrot, J. Fluid Mech. 72, 401 (1975).], supomos que há, agora, uma ampla faixa de expoentes de Hölder h, associados no espaço a conjuntos geométricos de dimensão fractal D(h), o chamado espectro de singularidades . Este postulado fenomenológico significa, por definição, que nossas observações das diferenças de velocidade em uma escala de comprimento r indicariam comportamento singular

(73) δ r u r h ,

no qual h é encontrado com densidade de probabilidade

(74) ρ ( h ) r 3 - D ( h ) .

Podemos escrever, conjugando as duas relações acima, que

(75) S q ( r ) ( δ r u ) q d h ρ ( h ) r h q d h r h q + 3 - D ( h ) .

Tomando o limite r→0, a aproximação de ponto-de-sela nos dá o comportamento assintótico da integral em (75). Obtemos

(76) S q ( r ) r inf h [ h q + 3 - D ( h ) ] ,

isto é,

(77) ζ q = inf h [ h q + 3 - D ( h ) ] .

Assim, vemos que os expoentes de escala ζq podem ser interpretados como transformadas de Legendre da codimensão fractal 3−D(h).

Apesar de diversas, as formulações de cascata multiplicativa e multifractal da intermitência não são incompatíveis entre si. De fato, não é difícil mostrar que os expoentes de escala da fenomenologia OK62, (71), podem ser obtidos pela substituição, em (76), de uma função quadrática de h para o espectro de singularidades D(h), em ótimo acordo com determinações experimentais [159159. A.B. Chhabra, C. Meneveau, R.V. Jensen e K.R. Sreenivasan, Phys. Rev. A 40, 5284 (1989).].

Pode-se provar por argumentos gerais que os expoentes de escala ζq são funções côncavas e monotonicamente crescentes de q, fato verificado em experimentos e simulações numéricas. A propriedade de monotonicidade crescente, entretanto, não é satisfeita por (71) em ordens q suficientemente altas. Para corrigir este problema, She e Lévêque [160160. Z.S. She e E. Leveque, Phys. Rev. Lett. 72, 336 (1994).] propuseram uma expressão alternativa para ζq que na linguagem multifractal implica no espectro de singularidades

(78) D ( h ) = 1 + 2 c - 3 h - 1 ln c [ 1 - ln ( 2 c - 1 - 3 h 2 ln c ) ] ,

onde c = 2/3. De (77) e (78) segue-se que

(79) ζ q = 2 c - 1 3 q + 2 ( 1 - c q 3 ) ,

em acordo bastante significativo com as medições mostradas na Fig. 13.

É interessante observarmos que se as flutuações do campo de velocidade são dominadas por apenas um único expoente de Hölder h, em um conjunto espacial de dimensão fractal DF, então o expoente de escala das funções de estrutura é imediatamente escrito como

(80) ζ q = h q + 3 - D F .

Por outro lado, a Eq. (79) ganha a forma assintótica, no limite de q muito grande,

(81) ζ q q 9 + 2

que aponta, tendo-se em vista (80), para a relevância de estruturas fractais de dimensão DF = 1, possivelmente associadas a tubos delgados de vorticidade, no comportamento estatístico das flutuações mais intensas das diferenças de velocidade.

De maneira análoga à formulação lognormal da teoria OK62, os expoentes de escala de She-Lévêque podem, alternativamente, ser deduzidos na modelagem da cascata multiplicativa por meio de fatores de transferência de energia W definidos como variáveis aleatórias log-poissonianas [161161. B. Dubrulle, Phys. Rev. Lett. 73, 959 (1994).].

Distribuições de Probabilidade Não-Gaussianas

As Relações Assintóticas (73) e (74), válidas na faixa inercial, podem ser refinadas, com alguns ingredientes fenomenológicos a mais, para transformarem-se em igualdades [162162. L. Chevillard, B. Castaing, E. Lévêque e A. Arneodo, Physica D 218, 77 (2006).]. As equações assim definidas podem ser manipuladas para a derivação das distribuições de probabilidades das diferenças de velocidade ao longo das escalas do escoamento, cobrindo completamente toda a faixa inercial. A comparação entre as distribuições de probabilidade multifractais e as empíricas [163163. G.R. Chavarria, C. Baudet e S. Ciliberto, Phys. Rev. Lett. 74, 1986 (1995).] é excelente, como mostrado na Fig. 14.

Figura 14
Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, das diferenças longitudinais de velocidade para diversas escalas de comprimento. Os pontos correspondem aos resultados de um experimento de jato livre turbulento [163163. G.R. Chavarria, C. Baudet e S. Ciliberto, Phys. Rev. Lett. 74, 1986 (1995).] e as linhas sólidas às predições analíticas do formalismo multifractal [162162. L. Chevillard, B. Castaing, E. Lévêque e A. Arneodo, Physica D 218, 77 (2006).]. As distribuições foram deslocadas verticalmente para fins de visualização (as escalas diminuem de baixo para cima). Figura adaptada da Ref. [162162. L. Chevillard, B. Castaing, E. Lévêque e A. Arneodo, Physica D 218, 77 (2006).].

Desta figura nota-se um dos traços fenomenológicos mais marcantes da intermitência. Quanto menor é a escala analisada, maior é a curtose da distribuição de probabilidade, cujo aspecto torna-se evidentemente não-gaussiano para as menores escalas do escoamento. Em poucas palavras, as flutuações de velocidade quebram a simetria de invariância de escala (auto-similaridade) que, ingenuamente, esperariamos recuperar estatisticamente na faixa inercial (como seria o caso na teoria K41). Ao fenômeno de violação de auto-similaridade na turbulência, dá-se o nome de anomalia de escala .

As flutuações de diferenças de velocidade para escalas do escoamento que são comparáveis a escala integral são essencialmente gaussianas, fato que pode ser verificado rapidamente na Fig. 14. A razão física é simples. Para grandes separações, as flutuações de velocidade estão descorrelacionadas. Diferenças de velocidade comportam-se como uma subtração de variáveis aleatórias independentes, cada qual gaussiana, por sua vez, como consequência do teorema do limite central (o campo de velocidade pode ser modelado como a superposição independente das velocidades associadas a turbilhões de vários tamanhos diferentes).

Retornando à modelagem da cascata de energia como um processo estocástico multiplicativo, notamos que a Eq. (60) pode ser ligeiramente generalizada para conectar as flutuações das taxas de transferência de energia ϵm e ϵn associadas, respectivamente, a estruturas turbulentas de dimensões lineares Lm e Ln, com Lm > Ln. Escrevemos

(82) ϵ n = ϵ m W n W n - 1 W m + 1 .

Desta maneira, é possível obter a distribuição de probabilidade de ϵn como um funcional linear da distribuição de probabilidade de ϵm. Evocando, agora, a hipótese de similaridade refinada, Relação (55), um mapeamento funcional análogo pode ser estabelecido para as distribuições de probabilidade das diferenças de velocidade definidas em escalas diferentes.

Uma hipótese mais audaciosa, porém completamente natural, é a de que a Eq. (82) continua válida mesmo para taxas ϵm e ϵn que pertençam a dois escoamentos com números de Reynolds diferentes, tomando o cuidado de normalizá-las apropriadamente. No caso em que as escalas Lm e Ln referem-se às escalas dissipativas de cada um dos escoamentos, é possível definir uma ponte entre as distribuições de probabilidade para os gradientes de velocidade em ambos. Esta perspectiva é bastante interessante, pois oferece uma maneira de modelar flutuações em escoamentos turbulentos inalcançáveis por simulações numéricas, com o recurso de outros que o são por terem números de Reynolds consideravelmente menores [164164. M. Kholmyansky, L. Moriconi, R.M. Pereira e A. Tsinober, Phys. Rev. E 80, 036311 (2009).]. O sucesso desta abordagem, com o uso particular de Ws log-poissonianos, está ilustrado na Fig. 15.

Figura 15
Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, do gradiente de velocidade S11 = ∂⁡ux/∂⁡x [164164. M. Kholmyansky, L. Moriconi, R.M. Pereira e A. Tsinober, Phys. Rev. E 80, 036311 (2009).]. Em (a), pontos correspondem aos resultados de turbulência atmosférica, com número de Reynolds-Taylor Reλ = 3.4×103, ao passo que a linha sólida corresponde aos resultados obtidos via simulações numéricas para um número de Reynolds-Taylor bem menor, Reλ = 240. Em (b), em escala monolog, os círculos referem-se aos mesmo experimento atmosférico, enquanto a linha sólida é a distribuição de probabilidade reconstruída, pelo formalismo de cascata multiplicativa, a partir da distribuição numérica mostrada em (a).

Modelo β-Randômico

O modelo β-randômico de Benzi et al. [165165. R. Benzi, G. Paladin, G. Parisi e A. Vulpiani, J. Phys. A: Math. Gen. 17, 3521 (1984).] procura integrar com mais profundidade a visão da intermitência como consequência de uma cascata multiplicativa às ideias multifractais. Como um ponto de vantagem sobre a modelagem anterior de cascata multiplicativa, a modelagem β-randômica descreve uma cascata localmente conservativa de energia.

Suponhamos que um determinado “turbilhão-pai”, definido à escala de comprimento Ln−1L0/an−1, com taxa de dissipação de energia por unidade de massa ϵn–1, produza, por auto-fragmentação, Nn “turbilhões-filhos”. Vale, então, que

(83) N n = ( L n - 1 L n ) 3 β n ,

onde 0 < βn≤1 é a fração do volume do turbilhão-pai ocupada por todos os turbilhões-filhos unidos. Iremos considerar β como uma variável aleatória, descrita pela densidade de probabilidade ρ(β). Os valores de β são completamente independentes de geração em geração e de turbilhão a turbilhão.

A primeira transição mostrada no topo da Fig. 16 para a versão bidimensional do modelo β-randômico representa um turbilhão-pai de dimensão linear L0 que se fragmenta, com β = 3/4, em três turbilhões filhos de dimensões lineares L0/2. As outras fragmentações ocorrem para valores variados do fator β.

Figura 16
Exemplo de cascata de fragmentações no modelo β-randômico bidimensional, na qual um grande turbilhão de dimensão linear L0 fragmenta-se sucessivamente, produzindo turbilhões definidos em escalas de comprimento L0/2, L0/4 e L0/8. As regiões escuras e verdes representam regiões de inatividade e atividade turbulenta, respectivamente. Na primeira, segunda e terceira fragmentações, são produzidos, em correspondência, três, dez e vinte e nove turbilhões. O valores das frações de área β associados às fragmentações são indicados nas transições.

Imaginando, agora, que a taxa de dissipação de energia de um turbilhão-pai, ϵn-1Ln-13, seja igualmente distribuída entre os turbilhões-filhos, é simples ver que

(84) W n N n L n 3 = L n - 1 3

e assim, de acordo com a Eq. (83),

(85) W n β n = 1 .

Usando (60) com (85), obtemos, por sua vez,

(86) ϵ n = [ i = 1 n β i - 1 ] ϵ 0

A hipótese de similaridade refinada nos dá, portanto,

(87) δ n v [ i = 1 n β i - 1 3 ] L n 1 3 .

Um turbilhão qualquer, à escala Ln, pode ser rotulado pela sucessão de βs de todos os seus ancestrais. A fração de volume do primeiro ancestral que os turbilhões igualmente rotulados e definidos à mesma escala Ln irão ocupar será β1β2βn. Dessa forma, a função de estrutura de ordem q é escrita como

(88) S q ( L n ) = ( δ n v ) q d β 1 d β 2 d β n ρ ( β 1 ) ρ ( β 2 ) ρ ( β n ) β 1 β 2 β n ( δ n v ) q = [ d β ρ ( β ) β 1 - q 3 ] n L n q 3 = β 1 - q 3 L n q 3 ,

onde usamos, para obter a segunda das igualdades acima, a Eq. (87). Como Ln/L0 = an, a Expressão (88) leva a

(89) S q ( L n ) L n ζ q ,

onde

(90) ζ q = q 3 - log a β 1 - q 3 .

Benzi et al. [165165. R. Benzi, G. Paladin, G. Parisi e A. Vulpiani, J. Phys. A: Math. Gen. 17, 3521 (1984).] propõem o uso da distribuição bimodal com parâmetro de ajuste x,

(91) ρ ( β ) = x δ ( β - 1 ) + ( 1 - x ) δ ( β - 1 / 2 ) ,

para a qual (90) fornece, com a = 2,

(92) ζ q = q 3 - log 2 [ x + ( 1 - x ) 2 q 3 - 1 ] .

Vemos, pela Fig. 13, que comparações razoavelmente boas a resultados experimentais e numéricos são alcançadas com a escolha x = 7/8.

Notemos que na ausência de flutuações de β, o modelo β-randômico simplifica-se para o modelo anteriormente proposto por Frisch et al. [166166. U. Frisch, P.L. Sulem e J. Mark Nelkin, Fluid Mech. 87, 719 (1978).] (chamado, apropriadamente, de “modelo β”) que pode ser reproduzido aqui pela escolha da distribuição unimodal

(93) ρ ( β ) = δ ( β - β 0 ) .

Neste caso, encontra-se

(94) ζ q = q 3 ( 1 + log 2 β 0 ) - log 2 β 0 .

Em função de nossa discussão precedente, relacionada à Eq. (80), concluímos que (94) implica que turbilhões estarão distribuídos em um conjunto fractal de dimensão

(95) D F = 3 + log 2 β 0 .

A escolha particular β0 = 1 leva, de acordo com (94), aos expoentes de escala K41 e, de acordo com (95), à dimensão fractal DF = 3. Por esta razão, é costume se comentar que na teoria K41, os turbilhões ocupam homogeneamente todo o espaço, sem que existam grandes “vazios” de energia cinética, em flagrante oposição ao que nos informa a Fig. 7. A teoria K41 tem “horror ao vácuo (de energia cinética)”.

Sob a perspectiva da Eq. (95), a definição (91) sugere que a atividade turbulenta esteja concentrada em turbilhões que estejam distribuídos em uma mistura de regiões de dimensão fractal DF = 3, como na fenomenologia K41, e DF = 2. É problema aberto entender se (91) indica, de fato, a participação de estruturas bidimensionais nas flutuações intermitentes, possivelmente na forma de folhas de vorticidade [167167. K. Horiuti, Phys. Fluids 13, 3756 (2001).].

Não há, até o presente momento, uma derivação de primeiros princípios, ou pelo menos sistemática, de qual seria o espectro de singularidade multifractal da turbulência. Há, de fato, uma busca ainda não concluída, em nível fundamental, pela validação direta das hipóteses da abordagem multifractal da intermitência, bem como de qual seria o papel fenomenológico das estruturas vorticais neste contexto.

O formalismo multifractal atravessou rapidamente as fronteiras de seu lugar de nascimento, a turbulência, para se consolidar como uma ferramenta matemática bem definida e de extremo valor no estudo de problemas científicos em domínios dos mais variados, como sismologia, meteorologia, matéria condensada, sistemas dinâmicos, etc. [168168. D. Harte, Multifractals: Theory and Applications (Chapman & Hall/CRC, Boca Raton, 2001)., 169169. M. Janßen, O. Viehweger, U. Fastenrath e J. Hajdu, Introduction to the Theory of the Integer Quantum Hall Effect (Wiley-VCH, Weinheim, 1994)., 170170. E. Ott, Chaos in Hamiltonian Systems (Cambridge Universitty Press, Cambridge, 2012)., 171171. P. Abry, P. Gonçalves e J.L. Véhel, Scaling, Fractals and Wavelets (Wiley Online Library, Hoboken, 2009).].

6. Progressos Recentes

Comentaremos brevemente, dentro do caminho pavimentado ao longo das seções anteriores, um corte de resultados e metodologias que julgamos relevantes e ilustram o dinamismo da pesquisa contemporânea em turbulência. Enfatizamos que de forma alguma pretendemos atribuir um caráter exaustivo a essas escolhas.

6.1. Evidências da cascata turbulenta

O quadro da cascata local de energia de Richardson, apoiado vigorosamente por Taylor, Kolmogorov e boa parte das gerações seguintes, escapou por longos anos dos esforços de detecção. A existência de um fluxo de energia das grandes para as pequenas escalas, por outro lado, é uma questão mais simples de ser respondida e é ponto pacífico na teoria estatística da turbulência desde o início da década de 1970 [172172. R.H. Kraichnan, J .Fluid Mech. 47, 525 (1971).].

São muitas as perguntas que podem ser colocadas aqui. A cascata está, realmente, associada a estruturas coerentes, como vórtices, que se fragmentam conservativamente? Quais são os mecanismos físicos da cascata? Ela procede pelo alongamento de vórtices em um campo de fundo de cisalhamento e instabilidades subsequentes? A cascata é, de fato, local? Isto é, não existem “curtos-circuitos” não-locais de transferência de energia das maiores para as menores escalas? As escalas dissipativas, nas quais as estruturas coerentes são desestruturadas, são definidas de maneira uniforme no escoamento?

Ainda estamos muito distantes de responder, seja por meio de experimentos ou simulações numéricas, a todas estas perguntas. Entretanto, podemos afirmar – como um triunfo da capacidade computacional alcançada na segunda década do Século XXI – que a ideia essencial de Richardson, a existência de uma cascata de energia local associada a estruturas turbulentas está correta.

As Figs. 17 e 18, resultados de trabalhos produzidos nos anos de 2013 e 2017 [173173. K. Bürger, M. Treib, R. Westermann, S. Werner, C.C. Lalescu, A. Szalay, C. Meneveau e G.L. Eyink, arXiv:1210.3325 (2012)., 174174. J.I. Cardesa, A.V. Martín e J. Jiménez, Science 357, 782 (2017).], respectivamente, confirmam a concepção de Richardson. A primeira delas fornece uma visualização de vórtices definidos em três escalas de comprimento distintas. Observa-se que estruturas maiores são obtidas como agregados correlacionados de estruturas menores, numa hierarquia de configurações muito semelhante àquela postulada no modelo β-randômico.

Figura 17
Vórtices dentro de vórtices [173173. K. Bürger, M. Treib, R. Westermann, S. Werner, C.C. Lalescu, A. Szalay, C. Meneveau e G.L. Eyink, arXiv:1210.3325 (2012).]. Uma ampliação das estruturas vorticais tais como aquelas mostradas na Fig. 7 revela a organização aninhada de vórtices na cascata turbulenta. Tomando como referência o comprimento dissipativo de Kolmogorov, η, dado pela Eq. (35), esta visualização é produzida a partir de filtros passa-baixa definidos em escalas de comprimento 82η (regiões transparentes acinzentadas), 30η (regiões transparentes azuladas), superposta a vórtices identificados sem filtro algum (regiões esverdeadas, correspondentes às menores estruturas do escoamento).
Figura 18
Regiões de energia cinética turbulenta dominante são identificadas com o auxílio de filtros passa-baixa (escalas de comprimento 240η, 120η, 60η e 30η), semelhantemente à metodologia usada para a visualização mostrada na Fig. 17. Evidencia-se aqui, novamente, a estrutura aninhada das estruturas energeticamente relevantes na cascata turbulenta, escala a escala [174174. J.I. Cardesa, A.V. Martín e J. Jiménez, Science 357, 782 (2017).]. Figura reproduzida de [174174. J.I. Cardesa, A.V. Martín e J. Jiménez, Science 357, 782 (2017).].

A Fig. 18, por sua vez, exibe as regiões que contém energia cinética dominante em um escoamento turbulento, para quatro filtros de escala distintos. Há acordo fenomenológico claro com as imagens dos vórtices aninhados da Fig. 17. Além dessas visualizações convincentes, tratamentos quantitativos adicionais permitiram estabelecer em terreno firme a natureza local da cascata de energia turbulenta [175175. J.I. Cardesa, A.V. Martín, S. Dong e J. Jiménez, Phys. Fluids 27, 111702 (2015).].

A Fig. 17 cai perfeitamente bem como ilustração de uma paródia que Richardson elaborou [9090. L.F. Richardson, Weather prediction by numerical process (Cambridge University Press, Cambridge, 1922).], baseada em um poema satírico de Jonathan Swift (o autor de As Viagens de Gulliver ) sobre pulgas que se alimentam de outras pulgas (metáfora sarcástica de poetas que se aproveitam de outros poetas), para explicar o que é uma cascata turbulenta [9090. L.F. Richardson, Weather prediction by numerical process (Cambridge University Press, Cambridge, 1922).]:

6.2. Modelagem estocástica

Uma das consequências mais drásticas da lei zero da turbulência é a observação discutida na Seção 5.3 5.3. Lei zero da turbulência e a equação de Kármán-Howarth As primeiras consequências da teoria estatística aplicada à dinâmica de Navier-Stokes foram exploradas ainda por Taylor [109], que analisou a equação de balanço de energia. Tomando-se o produto escalar de (4) com o campo u, integrando-se sobre todo espaço e em seguida realizando-se uma média, obtém-se (26) d d ⁢ t ⁢ E ¯ = - ν 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ + ∫ d 3 ⁢ x ⁢ ⟨ f ⋅ u ⟩ , onde E¯ é a densidade de energia média total (27) E ¯ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ 1 2 ⁢ ⟨ u 2 ⁢ ( x , t ) ⟩ . As parcelas provenientes dos termos advectivo (u⋅∇)u e de pressão −∇⁡p, responsáveis somente pela redistribuição da energia, anulam-se por integrações por partes combinadas com a condição de incompressibilidade. A interpretação de (27) é imediata: a energia no sistema é dissipada pela ação da viscosidade ν e injetada pela força externa f. Identificamos assim as taxas médias de dissipação e injeção de energia, respectivamente, (28) ⟨ ϵ ⟩ = ν 2 ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ , e (29) ⟨ ϵ in ⟩ = ⟨ f ⋅ u ⟩ , e ambas devem coincidir no regime estacionário, (30) ν 2 ⁢ ⟨ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 ⟩ = ⟨ f ⋅ u ⟩ . Entretanto, para uma dada força externa f é possível aumentar o número de Reynolds reduzindo-se a viscosidade ν, e a turbulência plenamente desenvolvida (no limite Re→∞) equivale ao limite ν→0. Essa observação e (30) indicam que os gradientes do campo de velocidade devem divergir no limite Re→∞, com o campo tornando-se irregular. Sob outro ângulo, é preciso que, no limite em que a viscosidade vai a zero, a taxa de dissipação de energia tenda para um valor constante! Esse fato anti-intuitivo notado por Taylor é uma hipótese subjacente às teorias estatísticas que o sucederam, inclusive à teoria de Kolmogorov da próxima seção, e por isso é às vezes chamado de lei zero da turbulência . Ele vem sendo confirmado por experimentos e simulações numéricas diretas [123, 124], conforme mostrado na Fig. 11 [123], contudo a obtenção de uma prova matemática permanece um problema aberto. Figura 11 Taxa média de dissipação de energia normalizada como função do número de Reynolds-Taylor em diversas simulações numéricas [123]. Observa-se uma convergência para um valor constante conforme Reλ cresce, em acordo com a lei zero da turbulência. Figura reproduzida de [123]. A lei zero expressa o que no jargão da física teórica se conhece como uma anomalia , que é a não restauração de uma simetria no limite em que o parâmetro responsável pela quebra da simetria se anula. A viscosidade é responsável pela quebra da simetria de reversão temporal, em virtude da introdução de dissipação. Não obstante, o que a Fig. 11 indica é que no limite ν→0 a dissipação não se anula e a simetria de reversão temporal não é restaurada. Em vista disso, a lei zero é também conhecida como anomalia dissipativa . A (26) fornece uma equação dinâmica para a densidade de energia, porém após o trabalho seminal de Taylor com os correlatores de velocidade seria natural buscar a dinâmica a que obedecem. T. von Kármán e L. Howarth deduziram essa equação [125], um trabalho que levou a um impacto profundo na teoria da turbulência. Descreveremos alguns passos e consequências, enquanto a demonstração detalhada pode ser encontrada em livros-texto como [126], além da referência original. Considerando-se por simplicidade uma situação sem força externa, logo não estacionária (mas homogênea e isotrópica), a derivada temporal de (19) fornece (31) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ R i ⁢ j ⁢ ( r , t ) = ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ ∂ ⁡ u j ⁢ ( x + r , t ) ∂ ⁡ t ⟩ + ⟨ u j ⁢ ( x + r , t ) ⁢ ∂ ⁡ u i ⁢ ( x + r , t ) ∂ ⁡ t ⟩ . Substituindo-se as derivadas temporais do lado direito pela equação de Navier-Stokes, obtém-se três tipos de termos, provenientes dos termos convectivos, viscosos e de gradiente de pressão. Os termos de gradiente de pressão de (31 anulam-se na turbulência isotrópica. No termo convectivo surgem funções de correlação de dois pontos triplas, como (32) R i ⁢ j ⁢ k ⁢ ( r , t ) ≡ ⟨ u i ⁢ ( x , t ) ⁢ u j ⁢ ( x , t ) ⁢ u k ⁢ ( x + r , t ) ⟩ . Aqui tocamos no problema de fechamento da turbulência: para determinarmos a evolução da função de correlação de dois pontos precisamos de funções triplas, cujas evoluções por sua vez necessitam das quádruplas e assim por diante. Uma estratégia de modelagem muito popular, em particular na engenharia, é o truncamento dessa hierarquia de equações em alguma ordem, modelando-se o comportamento da correlação de ordem mais alta. Trata-se de uma abordagem bem sucedida no numericamente em escoamentos de interesse prático. Referimo-nos a [14] para uma introdução pedagógica aos modelos mais tradicionais. Considerando-se todas as representações de tensores isotrópicos de ordem 2 e 3, bem como relações de isotropia como (23), é possível escrever Rij e Rijk como funções apenas dos correlatores longitudinais R11 e R111 respectivamente. Dessa forma, e definindo então os correlatores longitudinais adimensionalizados pela variância de uma componente, u02=R11⁢(0), (33) f ≡ f ⁢ ( r , t ) = R 11 ⁢ ( r ) u 0 2 e K ≡ K ⁢ ( r , t ) = R 111 ⁢ ( r ) u 0 3 , é possível mostrar que (31) leva a (34) ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ( u 0 2 ⁢ f ) = u 0 3 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ K ) + 2 ⁢ ν ⁢ u 0 2 r 4 ⁢ ∂ ∂ ⁡ r ⁢ ( r 4 ⁢ ∂ ⁡ f ∂ ⁡ r ) , a equação de Kármán-Howarth, um resultado deduzido exatamente a partir da dinâmica de Navier-Stokes e das hipóteses de homogeneidade e isotropia. Naturalmente, ela sofre do problema de fechamento: tanto f quanto K são funções desconhecidas. Todavia, diversos resultados interessantes emanam de (34) e o leitor encontrará um bom compêndio nas referências [118, 126]. O mais significativo entre eles é indiscutivelmente a lei dos 4/5 de Kolmogorov, explorada na próxima seção, que tornou-se o resultado mais importante de toda a teoria estatística da turbulência. de que os gradientes do campo de velocidade u(x,t) devem divergir no limite ν→0, para que ϵ, dado em (28), mantenha-se constante. Isso indica que o campo flutua de modo violento e no limite Re→∞ deixa de ser diferenciável. Nesse quadro, um caminho natural é modelar u ou suas propriedades por meio de processos estocásticos [176176. J. Jacobs, Stochastic Processes for Physicists: Understanding Noisy Systems (Cambridge University Press, Cambridge, 2010)., 177177. N.G. Van Kampen, Stochastic Processes in Physics and Chemistry (North Holland, Amsterdam, 2007), 3ª ed.], isto é, funções aleatórias contínuas porém não diferenciáveis, cuja variação se dá de forma probabilística, e que são amplamente empregadas na modelagem de processos e fenômenos de flutuação na física e em outras áreas, como a economia.

De fato, Kolmogorov já tinha uma visão estocástica do campo turbulento, postulando que u é uma variável probabilística. Sua ideia de introduzir os incrementos de velocidade como as variáveis flutuantes a serem descritas estatisticamente também encontra grande ressonância com o ponto de vista adotado nos métodos estocásticos. O processo estocástico mais fundamental é o movimento Browniano , analisado inicialmente por Einstein [9595. A. Einstein, Ann. Phys. 17, 549 (1905).] e bastante familiar aos estudantes de física. Nele, uma partícula suspensa em um fluido move-se de forma aleatória em virtude dos constantes choques moleculares a que está sujeita. Podemos descrever seu movimento como uma sucessão de empurrões que se distribuem de modo aleatório, com cada empurrão independente dos demais. Sua posição x(t) portanto é descrita como uma função cujos incrementos são variáveis probabilísticas independentes e identicamente distribuídas. Após a teoria matematicamente rigorosa que construiu-se nos anos seguintes ao trabalho de Einstein [178178. M. Smoluchowski, Ann. Phys. 21, 756 (1906)., 179179. P. Langevin, C. R. Acad. Sci. Paris. 146, 530 (1908)., 180180. K. Itô, Proc. Imperial Acad. Tokyo 20, 519 (1944)., 181181. N. Wiener, Norbert Wiener: Collected Works (MIT Press, Cambridge, 1976), v. 1.], esses incrementos foram denotados por dW(t), em homenagem a Wiener, que investigou esses processos em uma dimensão [181181. N. Wiener, Norbert Wiener: Collected Works (MIT Press, Cambridge, 1976), v. 1.]. E por variar de forma aleatória, dW é chamado de ruído de Wiener .

Ocorre que dW(t) não é uma diferencial comum. Conforme mencionado na Seção 5.1 5.1. Cascata de Richardson e difusão anômala Até o fim do século XIX o movimento de fluidos foi abordado por uma estratégia puramente fluidodinamicista, i.e., com um tratamento direto das equações de movimento, em geral recorrendo a aproximações ou simplificações. Podemos destacar por exemplo o teorema da circulação de Kelvin, que estabeleceu propriedades fisicamente relevantes de fluidos ideais, além do trabalho de Stokes, que encontrou soluções de (4) desprezando o termo não-linear (equivalente ao caso Re→0) e iniciou o estudo de escoamentos irrotacionais [22]. O êxito na compreensão da turbulência porém era limitado, e ir além da análise de instabilidades mostrava-se difícil. Apenas após o sólido estabelecimento da mecânica estatística e da popularização de ideias da teoria de probabilidades na física (revigorada pela mecânica quântica no início do século XX), uma abordagem estatística à turbulência de fluidos finalmente começou a ser construída. O físico e meteorologista britânico L.F. Richardson teve um papel seminal ao realizar experimentos que revelaram as características peculiares da estatística turbulenta e ao conceber a cascata de energia , uma ideia que moldou a forma como pensamos a turbulência e que impactou o estudo de sistemas não-lineares [90]. Em uma equação diferencial linear, quando escrevemos a solução como uma superposição de “modos”, i.e., elementos de uma base ortogonal do espaço de funções, a linearidade garante que cada modo evolua independentemente dos outros modos e que sua contribuição à solução em todo tempo (medido como a energia associada ao modo) dependa da dinâmica interna do modo e não dos demais. O exemplo mais comum talvez seja a base de Fourier de senos e cossenos, empregada na equação de ondas e de difusão, com a expansão correspondente sendo a série de Fourier. Entretanto, uma das propriedades emblemáticas de uma equação não-linear é que, se a solução for expandida em uma base qualquer de funções, existe interação entre modos. Mesmo se iniciamos com somente um modo ou se energia for injetada em apenas um, novos modos podem surgir por essas interações, fenômeno responsável pela emergência de complexidade nas soluções. Decompondo-se o campo de velocidades em modos de Fourier, o modo u^⁢(k) de vetor de onda k pode ser interpretado como flutuações de velocidade em uma escala r∼1/|k|. A equação de Navier-Stokes no espaço de Fourier para a componente i de um modo assume a forma (14) ∂ ⁡ u ^ i ⁢ ( k ) ∂ ⁡ t + ( δ i ⁢ j - k i ⁢ k j k 2 ) ⁢ ∫ d 3 ⁢ q ⁢ ( ı ⁢ q m ) ⁢ u ^ m ⁢ ( k - q ) ⁢ u ^ j ⁢ ( q ) = - ν ⁢ k 2 ⁢ u ^ i ⁢ ( k ) + f ^ i ⁢ ( k ) , onde adotamos a convenção de somas sobre índices repetidos, ı é a unidade imaginária e o termo de pressão foi substituído pela solução da equação de Poisson mencionada na Seção 2.1 (dando origem ao termo contendo kikj, uma projeção em modos transversos que assegura a incompressibilidade). A forma (14) consequentemente explicita as interações entre modos a que nos referimos: a evolução do modo associado a um dado vetor de onda k depende dos demais modos q, justamente em virtude da não linearidade. Dessa maneira, se a força externa f injeta energia em uma escala típica L, criando flutuações de velocidade relevantes nessa escala, outros modos começarão a ser excitados e esperamos ver perturbações em escalas diferentes propagando-se pelo sistema. Mas na turbulência, como se dá essa propagação? Um fluido torna-se turbulento quando perturbações em escalas cada vez menores começam a emergir. Na água que flui de maneira muito suave em um canal por longas distâncias, a velocidade é praticamente constante em todos os pontos, logo as perturbações são nulas mesmo em escalas longas. Contudo, em uma região mais turbulenta, a velocidade varia rapidamente ponto a ponto, e temos flutuações de velocidade ocorrendo em distâncias pequenas. Essa ideia intuitiva já era explorada nas artes há tempos, e é muito didaticamente empregada na icônica xilogravura A Grande Onda de Kanagawa , do artista japonês Hokusai, que tornou-se uma das obras mais reconhecidas e reproduzidas mundialmente [91], mostrada na Fig. 8. Figura 8 A Grande Onda de Kanagawa (Kanagawa oki nami ura ), de Hokusai (c. 1831). Para criar o efeito dramático da turbulência, Hokusai insere escalas cada vez menores nas pontas das ondas. Ademais, o uso de estruturas contidas em estruturas maiores que por sua vez compõem outras ainda maiores, todas exibindo uma certa similaridade – de forma semelhante a um fractal – é de uma intuição extraordinária do artista, conforme veremos mais adiante. Richardson imaginou assim uma cascata em que a energia é injetada nas grandes escalas via a criação de estruturas de grande escala – turbilhões – e é transferida a escalas sucessivamente menores, com turbilhões quebrando-se em turbilhões menores, os quais produzirão outros ainda menores, uma imagem que costuma ser caricaturada em esquemas como o da Fig. 9. Isso ocorre até que as flutuações atinjam distâncias suficientemente pequenas para que os gradientes de velocidade tornem-se suficientemente grandes e a viscosidade atue, dissipando energia. Como mostra e equação (14), o termo de viscosidade ganha importância quando o módulo do vetor de onda cresce, i.e., nas pequenas escalas. Figura 9 Representação pictórica da cascata de Richardson. A grande intuição de Richardson foi diante disso perceber que a injeção de energia define a escala integral L do escoamento e a dissipação ocorre somente nas pequenas escalas, em virtude da viscosidade molecular. Essa transferência de energia das grandes para as pequenas escalas deveria estar contida na dinâmica das equações de Navier-Stokes, guiando as interações entre modos em (14). A busca de uma descrição quantitativa da cascata foi um problema de importância central para a turbulência e a primeira grande resposta foi a distribuição espectral de Kolmogorov referida na Eq. (1) e esboçada nas notas de Fermi. Aqui é interessante mencionar, retomando o diálogo com a arte, os famosos esboços de Leonardo da Vinci, que observou minuciosamente o movimento de turbilhões, aliando curiosidade científica a estudos artísticos. O leitor encontrará alguns dos desenhos em diversas referências [13, 92, 93, 94] e mecanismos de busca na internet, porém chamamos a atenção para uma das descrições que acompanham as imagens e que contém ideias qualitativas da cascata de Richardson, quase 500 anos antes [94]. Em tradução livre: … os menores turbilhões são quase incontáveis, e coisas grandes são rotacionadas somente pelos turbilhões grandes e não pelos pequenos, e coisas pequenas são giradas por turbilhões pequenos e grandes. O trecho retrata não somente a existência de estruturas de várias escalas (de fato, o próprio conceito de vórtice e estrutura coerente na turbulência pode ser rastreado até da Vinci), mas também o fato de que são as grandes que carregam a maior parte da energia – sendo assim capazes de rotacionar objetos grandes – enquanto os pequenos são os mais numerosos. Isso é consonante com a ideia de que turbilhões grandes originam vários menores, que por sua vez podem produzir ainda mais turbilhões menores e assim por diante, de modo que o número dos menores turbilhões seja enorme. Uma segunda notável contribuição de Richardson veio com a análise da dispersão de partículas transportadas por um fluido turbulento, um trabalho que abriu as portas para a análise estatística na turbulência. O desafio era entender como se comporta a distância média r(t) entre um par de partículas soltas no escoamento. A teoria da dispersão Browniana havia sido desenvolvida por Einstein no início do século [95], e uma de suas consequências é que partículas microscópicas imersas em um fluido em repouso difundem-se por ação do movimento aleatório das moléculas, de forma que a distância quadrática média entre pares cresce linearmente com o tempo, i.e., ⟨r(t)2⟩∼t. Esse resultado pode ser obtido a partir da equação de difusão (ou Lei de Fick), que rege a evolução da concentração de partículas ρ(r,t) conforme (15) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t = ∇ ⋅ ( D ⁢ ∇ ⁡ ρ ) , onde D é o coeficiente de difusão (suposto constante). Para partículas inicialmente concentradas na origem, a solução fornece uma concentração gaussiana ρ∼(1/4πDt)3/2exp⁡[−r2/(4Dt)] cuja variância 2Dt cresce linearmente com o tempo, mostrando que a dispersão de partículas cresce dessa maneira. Se no entanto o fluido fosse turbulento, experimentos indicavam um comportamento diferente. A realização de experimentos precisos era difícil à época, e o próprio Richardson conduziu alguns em que balões foram soltos na atmosfera e tiveram suas distâncias acompanhadas [90, 96]. A partir de uma coletânea de dados experimentais , ele convenceu-se de que a separação quadrática média dava-se seguindo (16) ⟨ r ⁢ ( t ) 2 ⟩ ∼ t 3 , ou seja, de maneira consideravelmente mais rápida que em uma difusão simples, um regime hoje chamado de superdifusivo e típico em sistemas complexos. A turbulência é, portanto, um mecanismo muito eficiente de mistura, o que explica porque mexemos o café com uma colher para espalhar o açúcar! Richardson interpretou o resultado em termos da ação de estruturas de várias escalas. Os turbilhões de tamanho típico ℓ∼r(t) são mais efetivos no processo de dispersão, que deve portanto depender da escala e com o conteúdo energético das escalas distribuindo-se de acordo com a cascata de energia. Nesse espírito, ele desenvolveu uma teoria pioneira de difusão anômala para a distribuição de probabilidades das distâncias entre partículas, generalizando a lei de Fick para o que chamou de “difusão não-Fickeana”: o caso em que o coeficiente de difusão D não é mais constante e varia com a escala [97]. Trabalhando em uma dimensão, por simplicidade, ele propôs em (15) um coeficiente de difusão D=K⁢r43 (sendo K constante), e com a troca de variáveis r′ = r1/3 obteve uma equação de difusão simples de solução também Gaussiana, ρ(r′,t)∼(4tK)−3/2exp⁡[−r′⁣2/(4tK/9)], cujo segundo momento estatístico em termos de r pode ser calculado analiticamente e fornece justamente (16). O estudo da difusão anômala desenvolveu-se enormemente desde então, encontrando aplicações em muitas áreas de sistemas complexos [98]. O resultado (16) contém informação profunda sobre a dinâmica turbulenta em Navier-Stokes, sendo uma manifestação da física estatística não trivial envolvida no sistema, e pôde ser entendido pela teoria de Kolmogorov discutida na Seção 5.4. Observamos que posteriormente Batchelor [99] refinou a teoria de Richardson mostrando que a tempos curtos a dispersão de pares guarda memória da separação inicial r0 entre as partículas e dá-se por um regime balístico, (17) ⟨ ( r ⁢ ( t ) - r 0 ) 2 ⟩ = f ⁢ ( r 0 ) ⁢ t 2 , sendo f uma função conhecida. O leitor perceberá que trata-se do comportamento esperado entre partículas que movem-se com velocidade constante. Para tempos longos essa memória é perdida, ocorrendo uma transição para o regime (16). Recentemente, a dispersão de Richardson foi descrita por um mecanismo físico simples de iteração de dispersões balísticas cujas propriedades variam com a escala seguindo a teoria de Kolmogorov [100]. A Fig. 10 mostra uma compilação de resultados experimentais e numéricos demonstrando os regimes (16) e (17) e o acordo com o modelo de [100]. É interessante notar como os experimentos reportados não atingem o regime de Richardson, uma consequência da enorme dificuldade envolvida nas técnicas experimentais de rastreamento de partículas [101]. Figura 10 Separação quadrática média entre pares de partículas como função do tempo (normalizado pelo tempo de transição entre regimes t0). Círculos: experimentos. Demais símbolos: simulações numéricas diretas das equações de Navier-Stokes. As leis de potência associadas aos regimes de Batchelor (17) e Richardson (16) estão indicadas. Linhas contínuas representam modelos discutidos em [100]. Figura reproduzida de [100]. Destacamos ainda que, mais tarde, discutiu-se como na turbulência plenamente desenvolvida (o limite Re→∞) o regime de dispersão de Richardson é atingido independente da separação inicial entre as partículas [102, 103, 105, 104, 106], ou em outras palavras, ele ocorre mesmo para partículas que partam infinitamente próximas! Esse fenômeno indica a não unicidade das trajetórias de partículas e ficou conhecido como estocasticidade espontânea [107, 106, 108]. Ele está relacionado a algumas propriedades matemáticas singulares do campo de velocidades no limite Re→∞ que discutiremos adiante e consiste em um dos mais instigantes temas de pesquisa atual. , a conclusão de Einstein foi de que, como resultado desse movimento errático, a distância média de uma partícula Browniana em relação à origem cresce com a raiz quadrada do tempo à medida que ela se se difunde. Em uma dimensão, como ela pode igualmente se movimentar para os dois lados, temos que ⟨x(t)⟩ = 0, mas a observação de Einstein pode ser traduzida em termos da variância:

(96) [ x ( t ) - x ( 0 ) ] 2 t .

Desse modo, se escrevemos a posição da partícula Browniana unidimensional como a sucessão de incrementos aleatórios dW:

(97) x ( T ) - x ( 0 ) = 0 T d W ( t ) ,

devemos ter que

(98) [ x ( T ) - x ( 0 ) ] 2 = 0 T 0 T d W ( t ) d W ( t ) ,

indicando que ⟨dW(t)dW(t′)⟩ = δ(tt′)dt, para que tenhamos realmente ⟨x2(T)⟩∼T. Em outras palavras, os incrementos em tempos distintos são independentes e ⟨dW2⟩ = dt. Em um sentido estatístico, vemos que dWdt, o que justifica a afirmação de que dW não é uma diferencial comum. O modelo mais simples para a distribuição dos incrementos é uma Gaussiana, e assim dizemos que dW está distribuído como uma Gaussiana de variância dt, o que indica uma forma de simularmos o processo (97): basta sortearmos números com uma distribuição normal de variância dt e somá-los. A soma de variáveis Gaussianas também é uma variável Gaussiana, assim a posição da partícula distribui-se Gaussianamente, em acordo com as observações do movimento Browniano e da distribuição de partículas que difundem.

Pois note as semelhanças entre (96) e (44), lembrando que S2 = ⟨(δru)2⟩. Ambas representam comportamentos de escala da variância de processos flutuantes, embora distintos. Se quisermos modelar o campo de velocidades turbulento como um processo estocástico semelhante ao movimento Browniano, é preciso modificá-lo para obter acordo com o espectro de Kolmogorov. Com esse propósito, Mandelbrot criou o movimento Browniano fracionário [182182. B. Mandelbrot, C. R. Acad. Sci. Paris 260, 3274 (1965)., 183183. B. Mandelbrot e J.W. van Ness, SIAM Review 10, 422 (1968).], um processo cujo desvio padrão x2 varia não com t1/2, mas com uma potência tH, no espírito dos trabalhos de Hurst [184184. H.E. Hurst, Trans. Am. Soc. Civil Eng. 116, 770 (1951).], originalmente desenvolvidos no âmbito da hidrologia. Em uma linguagem não muito precisa (essas ideias tornam-se rigorosas em uma análise de continuidade de Hölder, como na discussão que sucede a Eq. (72)), o expoente H é por vezes chamado de expoente de Hurst, e processos com H < 1/2 são mais rugosos que o movimento Browniano, enquanto com H > 1/2 mais suaves (no limite H=1 temos uma função suave). Em lugar de um processo estocástico temporal x(t), podemos igualmente pensar em um processo espacial u(x), e em uma versão tridimensional, homogênea e isotrópica, o campo de velocidades para a turbulência pensado por Mandelbrot pode ser escrito como [185185. R. Robert e V. Vargas, Ann. Probab. 38, 605 (2010).]

(99) u ( x ) = 3 1 | x - y | 3 / 2 - H d W ( y ) ,

onde agora temos um vetor de ruídos dW = (dWx,dWy,dWz), todos independentes. É um exercício simples mostrar que nesse modelo os incrementos de ordem par das componentes de u obedecem à lei de escala

(100) [ u i ( x ) - u i ( x ) ] q | x - x | q H .

Em comparação com (49), vemos que o expoente de Hurst da turbulência de Kolmogorov é H = 1/3!

Os incrementos de (99), porém, são Gaussianos e possuem todos os momentos ímpares nulos, ou seja, o campo u não obedece à lei dos 4/5. Ademais, (100) não expressa o comportamento de escala multifractal de (50), sendo por isso chamada de monofractal. O desafio de construir campos multifractais para a turbulência a partir da proposta de Mandelbrot nasceu com a própria teoria multifractal e tem sido superado apenas muito recentemente. Em 2008, campos exatamente multifractais foram construídos [185185. R. Robert e V. Vargas, Ann. Probab. 38, 605 (2010).] a partir de distorções do ruído dW de (99) utilizando-se do chamado caos multiplicativo Gaussiano , um objeto matemático concebido na década de 1980 [186186. J.P. Kahane, Ann. Sci. Math. Québec, 9, 105 (1985).] e atualmente bastante popular na comunidade matemática [187187. R. Rhodes e V. Vargas, Prob. Surv. 11, 315 (2014).]. A ideia é trabalhar com campos como (100) no limite H→0, caso em que tornam-se log-correlacionados. Qualitativamente, ao tomarmos a exponencial de um campo log-correlacionado, esperamos obter campos com correlações em leis de potência, uma concepção que pode ser tornada precisa matematicamente. Utilizando a exponencial de um movimento Browniano fracionário no limite H→0, os autores de [185185. R. Robert e V. Vargas, Ann. Probab. 38, 605 (2010).] distorceram o ruído de (99) para obter um campo cuja lei de escala tem a forma multifractal de (79).

Apesar do formidável avanço, a proposta não era ainda adequada à modelização da turbulência. O campo de velocidades produzido não possui divergência nula, e portanto não é incompressível. Até é possível impor divergência nula escrevendo-se (99) de uma maneira análoga à lei de Biot-Savart (13), contudo, de forma um tanto desoladora, esse passo destrói a assimetria dos incrementos e portanto a lei dos 4/5. Posteriormente, uma modificação empregando generalizações matriciais de (99) no limite H→0 indicou ser possível construir um campo incompressível, de incrementos assimétricos e multifractal [188188. L. Chevillard, R. Robert e V. Vargas, EPL 89, 54002 (2010).]. A tamanha complexidade do campo resultante – que envolve exponenciais de campos matriciais estocásticos – impede no entanto a obtenção de resultados analíticos e suas leis de escala foram verificadas apenas numericamente. Mais recentemente [189189. R.M. Pereira, C. Garban e L. Chevillard, J. Fluid Mech. 794, 369 (2016).], essa proposta teve suas propriedades estatísticas destrinchadas tanto numericamente quanto por meio de aproximações analíticas, mostrando como surgem a assimetria e a intermitência além de outras características mais complexas da turbulência, demonstrando o caráter espantosamente realista do modelo. A tarefa de demonstrar exatamente sua multifractalidade ou de construir outro objeto similar exatamente multifractal permanece aberta, e esforços continuam a ser realizados nessa direção [190190. L. Chevillard, C. Garban, R. Rhodes e V. Vargas, Ann. Henri Poincaré 20, 3693 (2019).]. Ademais, em um trabalho deste ano, desdobramentos no cenário consideravelmente mais complexo da magnetohidrodinâmica, em que campos magnéticos estão acoplados ao fluido, foram propostos com o intuito de modelar a dinâmica de meios astrofísicos [191191. J.B. Durrive, P. Lesaffre e K. Ferrière, Mon. Notices Royal Astron. Soc. 496, 3015 (2020).].

A linha de modelagem estocástica que optamos por discutir acima pode ser entendida como uma busca por uma representação da turbulência Euleriana, isto é, buscamos modelar o campo de velocidades u(x,t) distribuído espacialmente. Entretanto, as técnicas estocásticas são também empregadas de diversos outros ângulos na modelização da turbulência. Por exemplo, é possível modelar as flutuações da taxa de dissipação de energia como forma de reproduzir características fundamentais da intermitência. Em um modelo [192192. D.S.P. Salazar e G.L. Vasconcelos, Phys. Rev. E 82, 047301 (2010)., 193193. A.M.S. Macêdo, I.R.R. González, D.S.P. Salazar e G.L. Vasconcelos, Phys. Rev. E 95, 032315 (2017).] que descreve taxas de dissipação flutuantes em escalas r distribuídas hierarquicamente, bastante no espírito dos modelos de intermitência descritos na Seção 5.5 5.5. Intermitência e multifractalidade Uma estimativa probabilística simples nos indica que se o campo de intensidade de vorticidade na Fig. 7 apresentasse flutuações gaussianas ao redor da sua média, as regiões verde-claras ocupariam uma fração de volume de cerca de 3×10−3% do volume total do fluido, fato evidentemente invalidado pela observação. Se realizássemos uma viagem no interior do escoamento turbulento da Fig. 7, perceberíamos que em boa parte do trajeto, ao passarmos pelas regiões escuras de pouca energia cinética, as condições de voo seriam ótimas. Entretanto, de tempos em tempos, com probabilidade não desprezível, encontraríamos as regiões verde-claras, isto é, tornados de intensidades extremamente intensas, colocando em risco a nossa travessia. Esse tipo de fenômeno – eventos intensos e repentinos que quebram a monotonia característica de uma evolução dinâmica dominada, na maior parte do tempo, por flutuações “bem comportadas” – denomina-se intermitência . É um aspecto marcante de muitos sistemas não-lineares e sistemas críticos auto-organizados, como revelado no paradigmático toy model das avalanches em pilhas de areia [9]. Observa-se, de fato, intermitência em avalanches de neve [141], atividade cerebral [142], terremotos [143], arritmias cardíacas [144], flutuações de potência em geradores eólicos ou solares de energia [145], etc. O fenômeno da intermitência das flutuações turbulentas, problema central da teoria estatística da turbulência, foi descoberto experimentalmente por Batchelor e Townsend em 1949 [146]. Intermitência turbulenta está associada à existência de flutuações intensas, não-gaussianas, de observáveis físicos como diferenças ou gradientes de velocidade, vorticidade, circulação, etc., bem como a desvios importantes da fenomenologia K41, observados conclusivamente em meados da década de 1980 [147]. Os experimentos então realizados indicaram que as funções de estrutura não seguem as previsões da fenomenologia K41 para momentos estatísticos de ordens suficientemente altas. Ainda é válida, porém, a relação geral de escala (50) S q ⁢ ( r ) ∼ r ζ q , com expoentes universais ζq que dependem, agora, não-linearmente da ordem q dos momentos estatísticos. A Fig. 13 ilustra os expoentes ζq encontrados nos experimentos de Anselmet et al. [147] e em simulações numéricas recentes [148]. Nota-se ali, a inadequação da teoria K41, na qual ζq = q/3, evidente a olhos vistos para os expoentes de escala de ordens q > 4. Figura 13 Expoentes de escala para as funções de estrutura longitudinais de ordem q, definidas em (43). Resultados experimentais (escoamentos em duto e jatos livres [147]) e numéricos [148] são comparados às curvas obtidas pelas expressões analíticas (49), (71), (79) e (92). O debate sobre os porquês dos desvios da teoria K41 promove essencialmente, como veremos abaixo, duas narrativas que não são necessariamente incompatíveis entre si. Em uma das perspectivas, com prioridade histórica, os desvios são atribuídos à estrutura multiplicativa da cascata de energia turbulenta; na outra perspectiva, os desvios são modelados a partir de postulados sobre a organização estatística de possíveis estruturas singulares do campo de velocidade. Cascatas Multiplicativas e Intermitência Logo no ano seguinte à publicação dos trabalhos de Kolmogorov em 1941, críticas importantes foram levantadas por Landau sobre os fundamentos da fenomenologia K41. Landau apontou, muito pertinentemente, que a taxa de dissipação de energia ϵ poderia apresentar flutuações espaço-temporais relevantes e, assim, comprometer a validade da lei dos 2/3 das funções de estrutura de segunda ordem, sem afetar, entretanto, a lei dos 4/5. Não existem registros formais exatos sobre a maneira pela qual a crítica de Landau foi conduzida e é graças à tradição de relatos orais da comunidade científica que indicamos a sua linha de argumentação, a seguir. A lei dos 4/5 sugere que flutuações de diferenças longitudinais de velocidade definidas em uma escala de comprimento r, isto é, δru, satisfaçam a identidade estatística (51) ( δ r ⁢ u ) 3 ∼ ϵ ⁢ r . Acima, o símbolo ∼ não deve ser confundido com proporcionalidade ou equivalência em comportamento assintótico, como é costume empregá-lo. O uso desse símbolo em (51) indica, precisamente, que os dois lados da relação devem ser entendidos como variáveis aleatórias que têm propriedades estatísticas semelhantes (a interpretação a ser adotada para o símbolo ∼ deverá, de agora em diante, ficar clara pelo contexto). Podemos escrever, portanto, que (52) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ q 3 ⟩ ⁢ r q 3 . Nota-se, assim, que o procedimento de Kolmogorov, efetivamente, é supor – eis a objeção imediata de Landau – que (53) ⟨ ϵ q 3 ⟩ = ⟨ ϵ ⟩ q 3 , para deduzir, a partir daí e de (52) que ζ2 = 2/3. Em outras palavras, a hipótese (53) da fenomenologia K41 situa esta última como uma teoria de campo médio. A crítica de Landau não foi desprezada por Kolmogorov e há quem possa acreditar que o próprio estaria completamente ciente, mais do que ninguém, das dificuldades da sua hipótese de campo médio. Foram necessárias duas décadas, entretanto, até que Obukhov [149] e, independentemente, Kolmogorov [150], propusessem uma solução fenomenológica para o problema das flutuações da taxa de dissipação, conhecida como teoria OK62. A solução, curiosamente, utiliza ideias probabilísticas que foram introduzidas por Kolmogorov naquele mesmo ano marcante de 1941, no problema completamente diverso da distribuição de tamanhos de grãos de rocha em amostras geológicas [151]. Como ponto de partida da teoria OK62 define-se a taxa de dissipação granulada à escala de comprimento r, (54) ϵ r ⁢ ( x ) ≡ ν 2 ⁢ ∫ B r ⁢ ( x ) d 3 ⁢ x ⁢ ( ∂ ⁡ u j ∂ ⁡ x i + ∂ ⁡ u i ∂ ⁡ x j ) 2 , onde Br(x) representa uma bola de raio r centrada em x. Em vez de (51), a identidade estatística que devemos explorar é, agora, baseada na hipótese de similaridade refinada [149, 150], (55) ( δ r ⁢ u ) 3 ∼ ϵ r ⁢ r , na qual adicionalmente, supõe-se que (56) ⟨ ϵ r q ⟩ ∼ r τ ⁢ ( q ) , onde τ(q) é algum expoente de escala q-dependente. Reunindo (55) e (56), chegamos rapidamente à conclusão de que (57) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ r q 3 ⟩ ⁢ r q 3 ∼ r ζ q , onde (58) ζ q = q 3 + τ ⁢ ( q 3 ) . Obviamente, o próximo passo é modelar a função τ(q). É neste estágio de discussão da teoria OK62 que entra em cena o conceito de cascata multiplicativa de energia. Vamos supor que a cascata de energia esteja estruturada na forma de turbilhões que fragmentam-se sucessivamente a partir de um grande turbilhão de dimensão linear L0 em turbilhões de tamanhos L1, L2, …, com (59) L 1 = L 0 a > L 2 = L 0 a 2 > … > L n = L 0 a n > … , onde a > 1 é um fator de reescala das fragmentações sucessivas, interpretado como um parâmetro de modelagem. À escala Ln = L0/an associamos a taxa de dissipação granulada ϵn. Escrevemos, tautologicamente, que (60) ϵ n = ϵ 0 ⁢ W n ⁢ W n - 1 ⁢ … ⁢ W 1 , onde (61) W n ≡ ϵ n ϵ n - 1 . É natural conjecturar que se as escalas sucessivas estão suficientemente afastadas entre si e que se a cascata se reproduz de forma auto-similar, então os fatores Wn são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas. Em sentido estatístico, definimos a variável aleatória W para a qual (62) W ∼ W 1 ∼ W 2 ∼ … ∼ W n . Uma deficiência da definição (60) é que ela pode levar a taxas de dissipação de energia flutuantes, em contradição com o fato de que o transporte de energia é conservativo na faixa inercial. Para driblar esta dificuldade, impomos a invariância da taxa de dissipação escala a escala em um sentido médio global. Isto é, exigimos que (63) ⟨ ϵ n ⟩ = ϵ 0 , o que pela Eq. (60) nos dá (64) ⟨ W ⟩ = 1 e, adicionalmente, (65) ⟨ ϵ n q ⟩ = ϵ 0 q ⁢ ⟨ W q ⟩ n ∼ L n log a ⁡ ⟨ W q ⟩ , levando, em notação auto-explicativa, a (66) S q ⁢ ( L n ) ≡ ⟨ ( δ n ⁢ v ) q ⟩ ∼ ⟨ ϵ n q 3 ⟩ ⁢ L n q 3 ∼ ⟨ W q 3 ⟩ n ⁢ L n q 3 ∼ L n ζ q , com (67) ζ q = q 3 + log a ⁡ ⟨ W q 3 ⟩ . A pincelada final é considerar que o número de escalas seja grande o suficiente para supor que a distribuição de probabilidades da taxa de dissipação, ou, equivalentemente, dos W’s, seja um ponto fixo estável no espaço das distribuições de probabilidade [152]. A fenomenologia OK62 corresponde à escolha de um ponto fixo de distribuição lognormal, naturalmente associado a variáveis aleatórias W cujos momentos são limitados por cotas superiores e inferiores. Nas definições da fenomenologia OK62, toma-se, convencionalmente, a=2 e (68) W = 2 - x , onde x é uma variável aleatória gaussiana, de média x¯ e variância σ2. A condição (64) produz um vínculo entre x¯ e σ: (69) x ¯ = σ 2 2 ⁢ ln ⁡ 2 . Temos, portanto, (70) ⟨ W q ⟩ = ⟨ 2 - x ⁢ q ⟩ = 2 - x ¯ ⁢ q ⁢ ( 1 - q ) . De acordo com a Relação (67), encontramos, então, (71) ζ q = q 3 - μ 18 ⁢ q ⁢ ( q - 3 ) , onde μ≡2⁢x¯, como se costuma definir na literatura. Usando μ≃0.17 [153], obtém-se um acordo bastante razoável de (71) com resultados experimentais e numéricos, como mostrado na Fig. 13. É realmente digno de nota que a teoria OK62 foi proposta cerca de duas décadas antes de seu primeiro teste experimental por Anselmet e colaboradores em 1983. Formalismo Multifractal Um caminho histórico completamente diferente para a formulação dos expoentes de escala ζq está também, intimamente ligado à robusta lei (51). Onsager observou, em 1949, que a anomalia dissipativa poderia ser entendida no contexto de um fluido ideal a partir da conjectura de que o campo de velocidade turbulento não seria diferenciável [154]. Estruturas singulares do campo de velocidade encarregariam-se de dissipar toda a energia que é injetada nas grandes escalas do escoamento. Mais precisamente, Onsager lançou a hipótese de que h = 1/3 é o maior valor de h para o qual (72) lim r → 0 ⁡ | δ r ⁢ u | r h resulta finito, sob a condição de que a energia cinética do escoamento não seja conservada. A conjectura de Onsager tornou-se um teorema apenas no ano de 2018, após laboriosas destilações de rigor matemático desde a sua apresentação original [155, 156]. Em linguagem mais formal, denotamos por expoente de Hölder local o maior valor de h para o qual o limite (72) é finito. Valores de h > 0 estão associados a campos de velocidade contínuos, ao passo que h < 1 indica campos cujos grafos são rugosos, isto é, não diferenciáveis. As medições dos expoentes de escala ζq mostradas na Fig. 13 sugerem, em função das considerações acima, que devem existir regiões do escoamento para as quais os expoentes de Hölder são menores do que 1/3. O formalismo multifractal, proposto por Frisch e Parisi em 1983 [16], propõe uma realização da visão de Onsager que é capaz de oferecer um caminho para o cálculo de ζq. Motivados pela introdução de ideias geométricas na modelagem da turbulência por Mandelbrot [157, 158], supomos que há, agora, uma ampla faixa de expoentes de Hölder h, associados no espaço a conjuntos geométricos de dimensão fractal D(h), o chamado espectro de singularidades . Este postulado fenomenológico significa, por definição, que nossas observações das diferenças de velocidade em uma escala de comprimento r indicariam comportamento singular (73) δ r ⁢ u ∼ r h , no qual h é encontrado com densidade de probabilidade (74) ρ ⁢ ( h ) ∼ r 3 - D ⁢ ( h ) . Podemos escrever, conjugando as duas relações acima, que (75) S q ⁢ ( r ) ≡ ⟨ ( δ r ⁢ u ) q ⟩ ∼ ∫ d h ⁢ ρ ⁢ ( h ) ⁢ r h ⁢ q ∼ ∫ d h ⁢ r h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) . Tomando o limite r→0, a aproximação de ponto-de-sela nos dá o comportamento assintótico da integral em (75). Obtemos (76) S q ⁢ ( r ) ∼ r inf h ⁢ [ h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) ] , isto é, (77) ζ q = inf h ⁢ [ h ⁢ q + 3 - D ⁢ ( h ) ] . Assim, vemos que os expoentes de escala ζq podem ser interpretados como transformadas de Legendre da codimensão fractal 3−D(h). Apesar de diversas, as formulações de cascata multiplicativa e multifractal da intermitência não são incompatíveis entre si. De fato, não é difícil mostrar que os expoentes de escala da fenomenologia OK62, (71), podem ser obtidos pela substituição, em (76), de uma função quadrática de h para o espectro de singularidades D(h), em ótimo acordo com determinações experimentais [159]. Pode-se provar por argumentos gerais que os expoentes de escala ζq são funções côncavas e monotonicamente crescentes de q, fato verificado em experimentos e simulações numéricas. A propriedade de monotonicidade crescente, entretanto, não é satisfeita por (71) em ordens q suficientemente altas. Para corrigir este problema, She e Lévêque [160] propuseram uma expressão alternativa para ζq que na linguagem multifractal implica no espectro de singularidades (78) D ⁢ ( h ) = 1 + 2 ⁢ c - 3 ⁢ h - 1 ln ⁡ c ⁢ [ 1 - ln ⁡ ( 2 ⁢ c - 1 - 3 ⁢ h 2 ⁢ ln ⁡ c ) ] , onde c = 2/3. De (77) e (78) segue-se que (79) ζ q = 2 ⁢ c - 1 3 ⁢ q + 2 ⁢ ( 1 - c q 3 ) , em acordo bastante significativo com as medições mostradas na Fig. 13. É interessante observarmos que se as flutuações do campo de velocidade são dominadas por apenas um único expoente de Hölder h, em um conjunto espacial de dimensão fractal DF, então o expoente de escala das funções de estrutura é imediatamente escrito como (80) ζ q = h ⁢ q + 3 - D F . Por outro lado, a Eq. (79) ganha a forma assintótica, no limite de q muito grande, (81) ζ q ≃ q 9 + 2 que aponta, tendo-se em vista (80), para a relevância de estruturas fractais de dimensão DF = 1, possivelmente associadas a tubos delgados de vorticidade, no comportamento estatístico das flutuações mais intensas das diferenças de velocidade. De maneira análoga à formulação lognormal da teoria OK62, os expoentes de escala de She-Lévêque podem, alternativamente, ser deduzidos na modelagem da cascata multiplicativa por meio de fatores de transferência de energia W definidos como variáveis aleatórias log-poissonianas [161]. Distribuições de Probabilidade Não-Gaussianas As Relações Assintóticas (73) e (74), válidas na faixa inercial, podem ser refinadas, com alguns ingredientes fenomenológicos a mais, para transformarem-se em igualdades [162]. As equações assim definidas podem ser manipuladas para a derivação das distribuições de probabilidades das diferenças de velocidade ao longo das escalas do escoamento, cobrindo completamente toda a faixa inercial. A comparação entre as distribuições de probabilidade multifractais e as empíricas [163] é excelente, como mostrado na Fig. 14. Figura 14 Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, das diferenças longitudinais de velocidade para diversas escalas de comprimento. Os pontos correspondem aos resultados de um experimento de jato livre turbulento [163] e as linhas sólidas às predições analíticas do formalismo multifractal [162]. As distribuições foram deslocadas verticalmente para fins de visualização (as escalas diminuem de baixo para cima). Figura adaptada da Ref. [162]. Desta figura nota-se um dos traços fenomenológicos mais marcantes da intermitência. Quanto menor é a escala analisada, maior é a curtose da distribuição de probabilidade, cujo aspecto torna-se evidentemente não-gaussiano para as menores escalas do escoamento. Em poucas palavras, as flutuações de velocidade quebram a simetria de invariância de escala (auto-similaridade) que, ingenuamente, esperariamos recuperar estatisticamente na faixa inercial (como seria o caso na teoria K41). Ao fenômeno de violação de auto-similaridade na turbulência, dá-se o nome de anomalia de escala . As flutuações de diferenças de velocidade para escalas do escoamento que são comparáveis a escala integral são essencialmente gaussianas, fato que pode ser verificado rapidamente na Fig. 14. A razão física é simples. Para grandes separações, as flutuações de velocidade estão descorrelacionadas. Diferenças de velocidade comportam-se como uma subtração de variáveis aleatórias independentes, cada qual gaussiana, por sua vez, como consequência do teorema do limite central (o campo de velocidade pode ser modelado como a superposição independente das velocidades associadas a turbilhões de vários tamanhos diferentes). Retornando à modelagem da cascata de energia como um processo estocástico multiplicativo, notamos que a Eq. (60) pode ser ligeiramente generalizada para conectar as flutuações das taxas de transferência de energia ϵm e ϵn associadas, respectivamente, a estruturas turbulentas de dimensões lineares Lm e Ln, com Lm > Ln. Escrevemos (82) ϵ n = ϵ m ⁢ W n ⁢ W n - 1 ⁢ … ⁢ W m + 1 . Desta maneira, é possível obter a distribuição de probabilidade de ϵn como um funcional linear da distribuição de probabilidade de ϵm. Evocando, agora, a hipótese de similaridade refinada, Relação (55), um mapeamento funcional análogo pode ser estabelecido para as distribuições de probabilidade das diferenças de velocidade definidas em escalas diferentes. Uma hipótese mais audaciosa, porém completamente natural, é a de que a Eq. (82) continua válida mesmo para taxas ϵm e ϵn que pertençam a dois escoamentos com números de Reynolds diferentes, tomando o cuidado de normalizá-las apropriadamente. No caso em que as escalas Lm e Ln referem-se às escalas dissipativas de cada um dos escoamentos, é possível definir uma ponte entre as distribuições de probabilidade para os gradientes de velocidade em ambos. Esta perspectiva é bastante interessante, pois oferece uma maneira de modelar flutuações em escoamentos turbulentos inalcançáveis por simulações numéricas, com o recurso de outros que o são por terem números de Reynolds consideravelmente menores [164]. O sucesso desta abordagem, com o uso particular de W′s log-poissonianos, está ilustrado na Fig. 15. Figura 15 Distribuições de probabilidade, com desvio padrão normalizado à unidade, do gradiente de velocidade S11 = ∂⁡ux/∂⁡x [164]. Em (a), pontos correspondem aos resultados de turbulência atmosférica, com número de Reynolds-Taylor Reλ = 3.4×103, ao passo que a linha sólida corresponde aos resultados obtidos via simulações numéricas para um número de Reynolds-Taylor bem menor, Reλ = 240. Em (b), em escala monolog, os círculos referem-se aos mesmo experimento atmosférico, enquanto a linha sólida é a distribuição de probabilidade reconstruída, pelo formalismo de cascata multiplicativa, a partir da distribuição numérica mostrada em (a). Modelo β-Randômico O modelo β-randômico de Benzi et al. [165] procura integrar com mais profundidade a visão da intermitência como consequência de uma cascata multiplicativa às ideias multifractais. Como um ponto de vantagem sobre a modelagem anterior de cascata multiplicativa, a modelagem β-randômica descreve uma cascata localmente conservativa de energia. Suponhamos que um determinado “turbilhão-pai”, definido à escala de comprimento Ln−1≡L0/an−1, com taxa de dissipação de energia por unidade de massa ϵn–1, produza, por auto-fragmentação, Nn “turbilhões-filhos”. Vale, então, que (83) N n = ( L n - 1 L n ) 3 ⁢ β n , onde 0 < βn≤1 é a fração do volume do turbilhão-pai ocupada por todos os turbilhões-filhos unidos. Iremos considerar β como uma variável aleatória, descrita pela densidade de probabilidade ρ(β). Os valores de β são completamente independentes de geração em geração e de turbilhão a turbilhão. A primeira transição mostrada no topo da Fig. 16 para a versão bidimensional do modelo β-randômico representa um turbilhão-pai de dimensão linear L0 que se fragmenta, com β = 3/4, em três turbilhões filhos de dimensões lineares L0/2. As outras fragmentações ocorrem para valores variados do fator β. Figura 16 Exemplo de cascata de fragmentações no modelo β-randômico bidimensional, na qual um grande turbilhão de dimensão linear L0 fragmenta-se sucessivamente, produzindo turbilhões definidos em escalas de comprimento L0/2, L0/4 e L0/8. As regiões escuras e verdes representam regiões de inatividade e atividade turbulenta, respectivamente. Na primeira, segunda e terceira fragmentações, são produzidos, em correspondência, três, dez e vinte e nove turbilhões. O valores das frações de área β associados às fragmentações são indicados nas transições. Imaginando, agora, que a taxa de dissipação de energia de um turbilhão-pai, ϵn-1⁢Ln-13, seja igualmente distribuída entre os turbilhões-filhos, é simples ver que (84) W n ⁢ N n ⁢ L n 3 = L n - 1 3 e assim, de acordo com a Eq. (83), (85) W n ⁢ β n = 1 . Usando (60) com (85), obtemos, por sua vez, (86) ϵ n = [ ∏ i = 1 n β i - 1 ] ⁢ ϵ 0 A hipótese de similaridade refinada nos dá, portanto, (87) δ n ⁢ v ∼ [ ∏ i = 1 n β i - 1 3 ] ⁢ L n 1 3 . Um turbilhão qualquer, à escala Ln, pode ser rotulado pela sucessão de β′s de todos os seus ancestrais. A fração de volume do primeiro ancestral que os turbilhões igualmente rotulados e definidos à mesma escala Ln irão ocupar será β1β2…βn. Dessa forma, a função de estrutura de ordem q é escrita como (88) S q ⁢ ( L n ) = ⟨ ( δ n ⁢ v ) q ⟩ ∼ ∫ d β 1 ⁢ d β 2 ⁢ … ⁢ d β n ⁢ ρ ⁢ ( β 1 ) ⁢ ρ ⁢ ( β 2 ) ⁢ … ⁢ ρ ⁢ ( β n ) ⁢ β 1 ⁢ β 2 ⁢ … ⁢ β n ⁢ ( δ n ⁢ v ) q = [ ∫ d β ⁢ ρ ⁢ ( β ) ⁢ β 1 - q 3 ] n ⁢ L n q 3 = ⟨ β 1 - q 3 ⟩ ⁢ L n q 3 , onde usamos, para obter a segunda das igualdades acima, a Eq. (87). Como Ln/L0 = a−n, a Expressão (88) leva a (89) S q ⁢ ( L n ) ∼ L n ζ q , onde (90) ζ q = q 3 - log a ⁡ ⟨ β 1 - q 3 ⟩ . Benzi et al. [165] propõem o uso da distribuição bimodal com parâmetro de ajuste x, (91) ρ ⁢ ( β ) = x ⁢ δ ⁢ ( β - 1 ) + ( 1 - x ) ⁢ δ ⁢ ( β - 1 / 2 ) , para a qual (90) fornece, com a = 2, (92) ζ q = q 3 - log 2 ⁡ [ x + ( 1 - x ) ⁢ 2 q 3 - 1 ] . Vemos, pela Fig. 13, que comparações razoavelmente boas a resultados experimentais e numéricos são alcançadas com a escolha x = 7/8. Notemos que na ausência de flutuações de β, o modelo β-randômico simplifica-se para o modelo anteriormente proposto por Frisch et al. [166] (chamado, apropriadamente, de “modelo β”) que pode ser reproduzido aqui pela escolha da distribuição unimodal (93) ρ ⁢ ( β ) = δ ⁢ ( β - β 0 ) . Neste caso, encontra-se (94) ζ q = q 3 ⁢ ( 1 + log 2 ⁡ β 0 ) - log 2 ⁡ β 0 . Em função de nossa discussão precedente, relacionada à Eq. (80), concluímos que (94) implica que turbilhões estarão distribuídos em um conjunto fractal de dimensão (95) D F = 3 + log 2 ⁡ β 0 . A escolha particular β0 = 1 leva, de acordo com (94), aos expoentes de escala K41 e, de acordo com (95), à dimensão fractal DF = 3. Por esta razão, é costume se comentar que na teoria K41, os turbilhões ocupam homogeneamente todo o espaço, sem que existam grandes “vazios” de energia cinética, em flagrante oposição ao que nos informa a Fig. 7. A teoria K41 tem “horror ao vácuo (de energia cinética)”. Sob a perspectiva da Eq. (95), a definição (91) sugere que a atividade turbulenta esteja concentrada em turbilhões que estejam distribuídos em uma mistura de regiões de dimensão fractal DF = 3, como na fenomenologia K41, e DF = 2. É problema aberto entender se (91) indica, de fato, a participação de estruturas bidimensionais nas flutuações intermitentes, possivelmente na forma de folhas de vorticidade [167]. Não há, até o presente momento, uma derivação de primeiros princípios, ou pelo menos sistemática, de qual seria o espectro de singularidade multifractal da turbulência. Há, de fato, uma busca ainda não concluída, em nível fundamental, pela validação direta das hipóteses da abordagem multifractal da intermitência, bem como de qual seria o papel fenomenológico das estruturas vorticais neste contexto. O formalismo multifractal atravessou rapidamente as fronteiras de seu lugar de nascimento, a turbulência, para se consolidar como uma ferramenta matemática bem definida e de extremo valor no estudo de problemas científicos em domínios dos mais variados, como sismologia, meteorologia, matéria condensada, sistemas dinâmicos, etc. [168, 169, 170, 171]. e aplicando ideias da chamada superestatística [194194. C. Beck, Phys. Rev. Lett. 87, 180601 (2001).], foi possível reproduzir distribuições de probabilidade experimentais de incrementos de velocidade. A inclusão da assimetria das distribuições, essencial para um acordo com a lei dos 4/5, foi alcançada pouco depois e confirmada em dados de simulações numéricas [195195. W. Sosa-Correa, R.M. Pereira, A.M.S. Macêdo, E.P. Raposo, D.S.P. Salazar e G.L. Vasconcelos, Phys. Rev. Fluids 4, 064602 (2019).].

Finalmente mencionamos ainda a abordagem Lagrangiana da turbulência, uma outra direção em que a modelagem estocástica vem sendo intensamente desenvolvida nos últimos 30 anos de forma bem sucedida. Nessa abordagem, em vez de descrevermos o campo espacial de velocidades, analisamos trajetórias de partículas do fluido – ditas partículas Lagrangianas – o que fornece uma descrição completamente equivalente do escoamento. A estratégia então é buscar equações dinâmicas que descrevam a evolução temporal dessas partículas.

Um observável de interesse é o tensor gradiente de velocidadeAij = ∂⁡ui/∂⁡xj, intimamente ligado a observáveis como a taxa de dissipação de energia (cf. Eq. 28) e que decodifica propriedades relevantes do campo, exibindo distribuições intermitentes e correlações com traços multifractais. Ademais, os gradientes manifestam propriedades geométricas peculiares associadas às interações responsáveis pela emergência de estruturas vorticais [196196. P. Vieillefosse, J. Phys. (Paris) 43, 837 (1982)., 197197. C. Meneveau, Annu. Rev. Fluid Mech. 43, 219 (2011).]. A dinâmica do tensor A ao longo de uma trajetória Lagrangiana é obtida tomando-se o gradiente das equações de Navier-Stokes:

(101) d A i j d t = - A i k A k j - 2 p x i x j + ν 2 A i j x k x k ,

onde d/dt representa a derivada material. Os dois últimos termos não são fechados em termos de Aij, e na prática representam uma dependência com outras trajetórias Lagrangianas. Assim, pode-se tentar aproximá-los e/ou modelá-los para obter uma equação dependente somente de A, a ser interpretada como uma equação diferencial ordinária válida ao longo de trajetórias, cuja informação a respeito das formas espaciais é perdida. Diversas aproximações foram propostas para os termos de pressão e viscosidade, e para modelar a ação de turbilhões vizinhos de escalas maiores (os quais transferem energia às escalas do gradiente) um termo estocástico pode ser adicionado, criando dinâmicas estocásticas para A que possuem a forma genérica

(102) d A i j = [ - A i k A k j + F i j ( A ) ] d t + G i j k l d W k l

em que dWkl agora é um ruído tensorial. O termo determinístico inclui uma função Fij(A) a ser modelada, e o tensor Gijkl pode em princípio depender de A, mas é comumente tomado como constante, caracterizando um ruído aditivo . Observamos que a incompressibilidade traduz-se em Aii = 0, impondo restrições a Gijkl e dWkl.

Variados modelos de atraente apelo físico para F(A) foram propostos na década de 2000, capazes de reproduzir aspectos realistas observados em experimentos e em simulações numéricas a números de Reynolds moderados [198198. L. Chevillard e C. Meneveau, Phys. Rev. Lett. 97, 174501 (2006)., 199199. M. Chertkov, A. Pumir e B.I. Shraiman, Phys. Fluids 11, 2394 (1999)., 200200. L. Biferale, L. Chevillard, C. Meneveau e F. Toschi, Phys. Rev. Lett. 98, 214501 (2007).]. Mais recentemente, têm sido sugeridos modelos com bom desempenham a altos números de Reynolds, incorporando propriedades ausentes nos primeiros modelos. Em [201201. P.L. Johnson e C. Meneveau, Phys. Rev. Fluids 2, 072601(R) (2017).], os autores constroem uma hierarquia de modelos estocásticos associadas a múltiplas escalas de tempo cuja origem é intimamente conectada à dinâmica por primeiros princípios, fornecendo um modelo realista para o gradiente e estável a altos números de Reynolds. Uma propriedade no entanto ainda estava ausente: a multifractalidade. Ela foi posteriormente incorporada a novos modelos baseados no caos multiplicativo Gaussiano, discutido no início da seção na perspectiva Euleriana, capazes de reproduzir a fenomenologia do gradiente de velocidade Lagrangiano de forma muito satisfatória [202202. R.M. Pereira, L. Moriconi e L. Chevillard, J. Fluid Mech. 839, 430 (2018)., 203203. B. Viggiano, J. Friedrich, R. Volk, M. Bourgoin, R.B. Cal e L. Chevillard, J. Fluid Mech. 900, A27 (2020).]. Algumas particularidades teóricas atrativas desses modelos são o uso de ruídos multiplicativos, i.e., Gijkl em (102) dependente de A, e a incorporação de não-Markovianidade, trazida pelo caos multiplicativo Gaussiano na forma de integrais sobre a evolução histórica dos observáveis semelhantes às de (99), agora no domínio temporal. Em contrapartida, esses modelos têm uma construção inteiramente matemática e um maior apelo físico, em conexão seja com a dinâmica de Navier-Stokes ou com uma abordagem estrutural na linha debatida na Seção 4 4. Abordagem Estrutural da Turbulência Duas questões fundamentalmente importantes têm sido debatidas há décadas nas discussões sobre a modelagem estatística da turbulência: Estruturas com alto grau de coerência espaço-temporal – genericamente denominadas de estruturas coerentes – que transportam vorticidade, como os vórtices-grampo da Fig. 6 ou os tubos de vorticidade observados em simulações numéricas [59], tais como mostrados na Fig. 7, subsistem de fato a fluxos de números de Reynolds assintoticamente altos? Estas estruturas têm papel relevante na caracterização das propriedades estatísticas da turbulência (com enfâse nos casos de turbulência homogênea e isotrópica ou confinada por superfícies materiais)? Figura 7 Vórtices (regiões verde-claras) obtidos em simulações numéricas diretas de um escoamento turbulento homogêneo e isotrópico [59]. Os vórtices foram convencionalmente definidos, nestas simulações, como as regiões do fluido nas quais o módulo da vorticidade está além da sua média por mais de quatro desvios-padrões, isto é, |ω| > ⟨|ω|⟩ + 4σω. Uma grande parte da comunidade fluidodinâmica, seguidora da corrente estrutural, acredita em respostas afirmativas para (i) e (ii). A abordagem estrutural está enraizada na definição do campo de vorticidade (9) que é semelhante à lei de Ampère do eletromagnetismo, se considerarmos que os campos de vorticidade e velocidade são análogos ao campos de densidade de corrente elétrica e magnético, respectivamente. Da mesma forma como correntes elétricas produzem campo magnético, temos o “direito matemático” de imaginar que linhas de vorticidade são as fontes do campo de velocidade. Em outras palavras, o campo de velocidade de um fluxo turbulento pode ser derivado, de maneira geral, a partir do campo de vorticidade por meio da seguinte lei de Biot-Savart fluido-dinâmica: (13) u ⁢ ( x , t ) = 1 4 ⁢ π ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ′ ⁢ ω ⁢ ( x ′ , t ) × ( x - x ′ ) | x - x ′ | 3 . O objetivo central da abordagem estrutural da turbulência é desenvolver modelos que apresentem uma redução expressiva do número de graus de liberdade que descrevem exatamente os estados dinâmicos turbulentos, a partir do postulado de que um fluxo turbulento possa ser descrito como um gás de estruturas coerentes . Na linguagem da teoria da informação, diríamos que o que se almeja é uma compressão significativa do número de bits necessários para representar um estado turbulento. As estruturas coerentes são geralmente entendidas como domínios especiais de linhas de vorticidade “empacotadas”, isto é, tubos de vorticidade ou, simplesmente, vórtices, as fontes dominantes do campo de velocidade, a ser determinado pela aplicação direta da Eq. (13). O programa estrutural de investigação é fortemente motivado por estudos numéricos nos quais se demonstra que as flutuações de velocidade em diversos escoamentos turbulentos podem ser fielmente reproduzidas pela consideração de apenas cerca de 2% do número total de graus de liberdade dinâmicos, claramente ligados à parametrização de estruturas vorticais [12]. Trabalhos pioneiros de Perry e Chong [60] relacionados à modelagem de CLTs como um sistema de vórtices-grampo aleatoriamente dispersos no espaço motivaram diversos desenvolvimentos posteriores ao longo dos últimos 25 anos [56, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67]. Entre os aspectos fenomenológicos de maior atenção, destacamos descrições do fenômeno de arrasto viscoso, do comportamento intermitente amplificado do campo de velocidade na região próxima à parede e do balanço entre entre produção e dissipação de energia cinética turbulenta nas CLTs. É justo afirmar, entretanto, que apesar de progressos recentes consideráveis, a abordagem estrutural ainda não foi capaz de consolidar, de forma sistemática, resultados quantitativos expressivos, como a Lei da Parede (12). Podemos elaborar, aqui, uma analogia instrutiva entre a abordagem estrutural e desenvolvimentos da física estatística. Argumentos simples e bem conhecidos da teoria cinética dos gases conduzem à lei dos gases ideais, PV = nRT, a partir da suposição de que um gás ideal é definido como um sistema composto por um número enorme de partículas fracamente interagentes. A abordagem estrutural pode ser entendida, sob um prisma metodológico análogo, como uma teoria cinética da turbulência, na qual partículas são trocadas por estruturas vorticais, com as quais pretendemos derivar um certo número de leis fenomenológicas importantes. As dificuldades encontradas no contexto turbulento são evidentemente muito maiores: comparadas às partículas de um gás ideal, estruturas vorticais são mais complexas, não são indefinidamente estáveis e estão fortemente acopladas entre si. Fluxos turbulentos, como ponto de partida, são análogos aos gases não-ideais fortemente interagentes da mecânica estatística. 4.1. Mas, afinal, o que são vórtices? O que é um átomo de hidrogênio? Dez entre dez físicos responderão confiantemente a esta pergunta, de maneira bastante semelhante. Entretanto, por mais paradoxal que possa soar, frente à pergunta “o que é um vórtice?”, esperaremos encontrar muitas respostas qualitativamente e quantitativamente diferentes, ou, até mesmo, uma certa hesitação embaraçosa por parte de especialistas em dinâmica de fluidos. Vórtices ou estruturas coerentes, de maneira mais geral, não são objetos físicos que possuem definição única [68, 69]. Todos concordam, vagamente, que um vórtice deve representar uma estrutura do escoamento na qual elementos de fluido giram (não necessariamente em órbitas fechadas) ao redor de alguma direção do espaço. É o que observamos, por exemplo, quando abrimos o ralo de um tanque de água ou quando apreciamos os incríveis vídeos de tornados ou furacões. Nestes dois últimos casos, o “ralo” do escoamento é formado por camadas mais altas da atmosfera, para as quais o ar das camadas atmosféricas mais baixas é direcionado após convergir, em rotação, para o centro dessas estruturas. Tornados e furacões movem-se e este fato nos obriga a refinar a nossa vaga definição anterior: em um vórtice, elementos de fluido giram ao redor de alguma direção do espaço que desloca-se com o fluido . É claro que apesar de um certo melhoramento, essa definição de vórtice continua vaga e de pouca utilidade quantitativa. Ela aponta, entretanto, para a necessidade de que a definição em jogo seja invariante por transformações de Galileu. Isto é, ela não deve depender do estado de movimento relativo entre o observador e o fluido. Trajetórias de partículas não são, de fato, invariantes por transformações de Galileu. Consideremos a situação de um ciclista que observa o movimento de uma pequena mancha de tinta impregnada no pneu dianteiro de sua bicicleta. Para o ciclista, a mancha de tinta gira em uma órbita fechada ao redor do eixo de rotação definido pelo cubo dianteiro da bicicleta. Do ponto de vista de um observador parado na calçada, por outro lado, a mancha de tinta executa uma trajetória cicloidal que não orbita circularmente ao redor de eixo algum. Vórtices são tecnicamente definidos, portanto, com o auxílio de prescrições matemáticas postuladas. Vórtices são aquilo que queremos que sejam! A literatura a respeito deste assunto é interessante e extensa [12, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89], dignas de ocupar um longo artigo de revisão. , torna-se desejável e configura um projeto ambicioso de pesquisa para as próximas décadas. A segunda alternativa abre-se como uma nova perspectiva a ser explorada a partir de um trabalho recente brevemente discutido na Seção 6.4 6.4. Estatística da circulação Dos mecanismos de formação de furacões e das hipnóticas volutas de vapor que fumegam de uma xícara de chá, à teoria do voo, para não mencionar uma miríade de outros fenômenos impressionantes [217], o observável circulação desempenha papel unificador na dinâmica de fluidos. Com o objetivo de levar adiante a discussão mais simples possível, vamos nos deter na definição da variável de circulação como a integral de superfície (105) Γ R ≡ ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ⁢ ω ⁢ ( r ) , onde 𝒟 é um disco de raio R e ω(r) é a componente da vorticidade (orientação escolhida arbitrariamente) perpendicular ao plano que contém 𝒟. A importância da circulação, como uma “sonda matemática” da organização de estruturas vorticais turbulentas em escalas diversas de comprimento, foi levantada pela primeira vez por Migdal há cerca de 25 anos, com a proposta – ainda em busca de validação – de fundamentação na teoria das superfícies mínimas [218]. As complicações então existentes em investigar a circulação por meio de experimentos e simulações numéricas dificultaram bastante um maior engajamento de pesquisadores na exploração do assunto. Uma expressiva mudança de cenário ocorreu a partir do ano de 2019, com o advento de simulações numéricas de alta performance [219]. Densidades de probabilidade de circulação e momentos estatísticos de ordens altas foram determinados com precisão. Observa-se, com clareza, que a versão K41 das funções de estrutura de circulação, (106) ⟨ Γ R q ⟩ ∼ ϵ q 3 ⁢ R 4 ⁢ q 3 não está correta, ainda que seja uma aproximação muito boa para q < 4 e razoável até q = 10 (o maior valor de q avaliado pelas simulações). A lei aproximada de escala (106) pode ser sugestivamente reinterpretada no contexto da abordagem estrutural, na qual se conjectura que a maior parte da energia cinética turbulenta é produzida por tubos de vorticidade [12]. De fato, consideremos o momento estatístico de segunda ordem de ΓR, (107) ⟨ Γ R 2 ⟩ = ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ⁢ ∫ 𝒟 d 2 ⁢ r ′ ⁢ ⟨ ω ⁢ ( r ) ⁢ ω ⁢ ( r ′ ) ⟩ . Levando em conta, agora, a definição da escala dissipativa de Kolmogorov (35), notamos que (106) pode ser reescrita, para q=2, como (108) ⟨ Γ R 2 ⟩ ∼ ( R η ) 4 ⁢ [ ϵ ν ⁢ η 2 ] 2 ⁢ ( η R ) 4 3 . A comparação entre as Relações (107) e (108) nos motiva a propor que a circulação é efetivamente produzida por uma quantidade N∝(R/η)2 de vórtices planaresque possuem vorticidades rms da ordem de ϵ/ν, núcleos de dimensões lineares da ordem de η e carregam circulações elementares que estão correlacionadas, à distância r, como ∼1/r4/3 para r≫η. O item (i), acima, pode parecer problemático, pois as estruturas vorticais turbulentas não têm, obviamente, a forma de vórtices planares. Uma saída deste dilema dimensional, com forte apelo fenomenológico, é definir um vórtice planar, efetivamente, como a estrutura produzida pela interseção de um tubo de vorticidade e o plano sobre o qual calculamos ΓR. O ponto (iii), por outro lado, considera que estas regiões são núcleos de dimensões muito pequenas, hipótese de fato sustentada pela inspeção dessas interseções, tais como mostradas na Fig. 19. Figura 19 As regiões brancas indicam interseções de vórtices com um plano fixo no interior de um escoamento turbulento tridimensional homogêneo e isotrópico, cujas estruturas vorticais são semelhantes àquelas visualizadas na Fig. 7. A imagem foi produzida com o auxílio da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220]. Figura 20 Dois vórtices delgados de orientações opostas atravessam um plano que corta um escoamento turbulento tridimensional, definindo assim as posições de duas estruturas vorticais efetivamente planares (círculos vermelho e azul). Note que para uma dada configuração de vórtices planares prescritos desta maneira, há um grande conjunto estatístico de vórtices tridimensionais que produzirá, por sua vez, um campo aleatório de vorticidade sobre o plano [221]. As funções de correlação das circulações elementares (ou das vorticidades carregadas pelas estruturas planares) podem ser, a princípio, prescritas como médias condicionadas ao conjunto estatístico das configurações de tubos de vorticidade que estão associados a uma dada configuração planar, como indicado na Fig. 20. A validação das proposições (ii) e (iv) dependeria da análise de valores esperados tomados em conjuntos (ensembles ) estatísticos de tamanhos muito pesados. Dessa forma, as consideraremos, essencialmente, como hipóteses de trabalho. A fundamentação teórica das hipóteses (ii) e (iv) é, portanto, um problema matemático aberto interessante, provavelmente relacionado a generalizações funcionais do teorema do limite central [222]. Como consequência desta discussão, podemos supor, adicionalmente, que as funções de correlação das circulações condicionadas a configurações espaciais de vórtices planares cujas intensidades em módulo foram normalizadas da mesma maneira, terão as propriedades de um processo estocástico gaussiano multivariado. Em termos concretos, as ideias de modelagem apresentadas acima podem ser realizadas por um campo de vorticidade planar estocástico da forma [221] (109) ω ⁢ ( r ) = ϵ 0 3 ⁢ ν ⁢ ∫ d 2 ⁢ r ′ ⁢ g η ⁢ ( r - r ′ ) ⁢ ξ ⁢ ( r ′ ) ⁢ ω ~ ⁢ ( r ′ ) ⁢ σ ⁢ ( r ′ ) , onde σ(r′) é um campo de densidade (numérica) estocástica que descreve a distribuição de vórtices planares; ω~⁢(r′) é um campo estocástico gaussiano, cuja função de correlação decai como 1/r4/3; ξ(r′) é um campo de intensidade de vorticidade à escala dissipativa η, modelado como em um processo de cascata lognormal; gη(r−r′) é uma função gaussiana de variância ∼η2 que modula a vorticidade produzida pelos vórtices planares. O pré-fator ϵ0/(3⁢ν) em (109), é introduzido por razões meramente dimensionais (o fator de 3 tem a ver com a hipótese de isotropia estatística das flutuações de vorticidade), em um escoamento turbulento com taxa de dissipação de energia ϵ0 e viscosidade cinemática ν. A partir da Eq. (109) podem ser calculadas diversas propriedades estatísticas interessantes da circulação, discutidas em mais detalhe na Ref. [221]. A Fig. 21 mostra as comparações, bastante satisfatórias, entre distribuições de probabilidade da circulação, obtidas por meio de (105) e (109), e as empíricas, determinadas pelos dados de simulações numéricas diretas. Figura 21 Comparações entre distribuições de probabilidade da circulação, determinadas a partir da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220], e aquelas obtidas pela modelagem de gás de vórtices (linhas sólidas pretas), normalizadas com desvio padrão unitário, para raios R/η = 16, 32, 64, 128 e 256 do contorno circular. As distribuições foram transladadas verticalmente para melhor visualização (os raios aumentam de cima para baixo). Observa-se claramente que a curtose da distribuição de circulação aumenta com a diminuição do raio do contorno circular R, fato associado à maior intermitência da variável de circulação para sondagens em escalas menores de comprimento [221]. A mensagem que o estudo recente da circulação turbulenta nos traz é a de que este observável possui propriedades interessantes para que os aspectos estruturais e estatísticos (relacionados à modelagem de cascata multiplicativa) da turbulência sejam integrados em uma descrição teórica única. O problema de bastante relevância fundamental que então se coloca à nossa frente é o de recuperar a formulação multifractal da turbulência, a partir de modelagens baseadas em campos de vorticidade que tenham a forma (109). .

6.3. Abordagem funcional

O método das integrações de caminho de Feynman [204204. R.P. Feynman e A.R. HIbbs, Quantum Mechanics and Path Integrals (McGraw-Hill, New York, 1965).], introduzido originalmente como uma formulação alternativa da mecânica quântica e largamente utilizado na teoria quântica de campos [205205. J.Z. Justin, Quantum Field Theory and Critical Phenomena (Claredon Press, Oxford, 1989).], encontra, surpreendentemente, terreno fértil no problema da turbulência homogênea e isotrópica.

Não é necessário entrar em detalhes muito técnicos, o que fugiria do escopo desta revisão, para apresentarmos os princípios da abordagem de teoria de campos ao problema da turbulência [206206. L. Moriconi e R. Rosa, J. Braz. Soc. Mech. Sci. Eng. 26, 391 (2004).]. Ela está enraizada na hipótese de que as flutuações turbulentas adquirem características estatísticas universais na faixa inercial da cascata turbulenta e, portanto, não deve fazer diferença considerar, em vez de forças deterministas, situações nas quais a turbulência é mantida por forças estocásticas que injetam energia nas grandes escalas do escoamento. Esta maneira de pensar a turbulência traz a vantagem, por outro lado, de aproximá-la de metodologias desenvolvidas para o tratamento de equações diferenciais estocásticas e de alguns dos modelos discutidos na Seção 6.2 6.2. Modelagem estocástica Uma das consequências mais drásticas da lei zero da turbulência é a observação discutida na Seção 5.3 de que os gradientes do campo de velocidade u(x,t) devem divergir no limite ν→0, para que ϵ, dado em (28), mantenha-se constante. Isso indica que o campo flutua de modo violento e no limite Re→∞ deixa de ser diferenciável. Nesse quadro, um caminho natural é modelar u ou suas propriedades por meio de processos estocásticos [176, 177], isto é, funções aleatórias contínuas porém não diferenciáveis, cuja variação se dá de forma probabilística, e que são amplamente empregadas na modelagem de processos e fenômenos de flutuação na física e em outras áreas, como a economia. De fato, Kolmogorov já tinha uma visão estocástica do campo turbulento, postulando que u é uma variável probabilística. Sua ideia de introduzir os incrementos de velocidade como as variáveis flutuantes a serem descritas estatisticamente também encontra grande ressonância com o ponto de vista adotado nos métodos estocásticos. O processo estocástico mais fundamental é o movimento Browniano , analisado inicialmente por Einstein [95] e bastante familiar aos estudantes de física. Nele, uma partícula suspensa em um fluido move-se de forma aleatória em virtude dos constantes choques moleculares a que está sujeita. Podemos descrever seu movimento como uma sucessão de empurrões que se distribuem de modo aleatório, com cada empurrão independente dos demais. Sua posição x(t) portanto é descrita como uma função cujos incrementos são variáveis probabilísticas independentes e identicamente distribuídas. Após a teoria matematicamente rigorosa que construiu-se nos anos seguintes ao trabalho de Einstein [178, 179, 180, 181], esses incrementos foram denotados por dW(t), em homenagem a Wiener, que investigou esses processos em uma dimensão [181]. E por variar de forma aleatória, dW é chamado de ruído de Wiener . Ocorre que dW(t) não é uma diferencial comum. Conforme mencionado na Seção 5.1, a conclusão de Einstein foi de que, como resultado desse movimento errático, a distância média de uma partícula Browniana em relação à origem cresce com a raiz quadrada do tempo à medida que ela se se difunde. Em uma dimensão, como ela pode igualmente se movimentar para os dois lados, temos que ⟨x(t)⟩ = 0, mas a observação de Einstein pode ser traduzida em termos da variância: (96) ⟨ [ x ⁢ ( t ) - x ⁢ ( 0 ) ] 2 ⟩ ∼ t . Desse modo, se escrevemos a posição da partícula Browniana unidimensional como a sucessão de incrementos aleatórios dW: (97) x ⁢ ( T ) - x ⁢ ( 0 ) = ∫ 0 T d W ⁢ ( t ) , devemos ter que (98) ⟨ [ x ⁢ ( T ) - x ⁢ ( 0 ) ] 2 ⟩ = ∫ 0 T ∫ 0 T ⟨ d ⁢ W ⁢ ( t ) ⁢ d ⁢ W ⁢ ( t ′ ) ⟩ , indicando que ⟨dW(t)dW(t′)⟩ = δ(t−t′)dt, para que tenhamos realmente ⟨x2(T)⟩∼T. Em outras palavras, os incrementos em tempos distintos são independentes e ⟨dW2⟩ = dt. Em um sentido estatístico, vemos que d⁢W∼d⁢t, o que justifica a afirmação de que dW não é uma diferencial comum. O modelo mais simples para a distribuição dos incrementos é uma Gaussiana, e assim dizemos que dW está distribuído como uma Gaussiana de variância dt, o que indica uma forma de simularmos o processo (97): basta sortearmos números com uma distribuição normal de variância dt e somá-los. A soma de variáveis Gaussianas também é uma variável Gaussiana, assim a posição da partícula distribui-se Gaussianamente, em acordo com as observações do movimento Browniano e da distribuição de partículas que difundem. Pois note as semelhanças entre (96) e (44), lembrando que S2 = ⟨(δru)2⟩. Ambas representam comportamentos de escala da variância de processos flutuantes, embora distintos. Se quisermos modelar o campo de velocidades turbulento como um processo estocástico semelhante ao movimento Browniano, é preciso modificá-lo para obter acordo com o espectro de Kolmogorov. Com esse propósito, Mandelbrot criou o movimento Browniano fracionário [182, 183], um processo cujo desvio padrão ⟨x2⟩ varia não com t1/2, mas com uma potência tH, no espírito dos trabalhos de Hurst [184], originalmente desenvolvidos no âmbito da hidrologia. Em uma linguagem não muito precisa (essas ideias tornam-se rigorosas em uma análise de continuidade de Hölder, como na discussão que sucede a Eq. (72)), o expoente H é por vezes chamado de expoente de Hurst, e processos com H < 1/2 são mais rugosos que o movimento Browniano, enquanto com H > 1/2 mais suaves (no limite H=1 temos uma função suave). Em lugar de um processo estocástico temporal x(t), podemos igualmente pensar em um processo espacial u(x), e em uma versão tridimensional, homogênea e isotrópica, o campo de velocidades para a turbulência pensado por Mandelbrot pode ser escrito como [185] (99) u ⁢ ( x ) = ∫ ℝ 3 1 | x - y | 3 / 2 - H ⁢ d W ⁢ ( y ) , onde agora temos um vetor de ruídos dW = (dWx,dWy,dWz), todos independentes. É um exercício simples mostrar que nesse modelo os incrementos de ordem par das componentes de u obedecem à lei de escala (100) ⟨ [ u i ⁢ ( x ) - u i ⁢ ( x ′ ) ] q ⟩ ∼ | x - x ′ | q ⁢ H . Em comparação com (49), vemos que o expoente de Hurst da turbulência de Kolmogorov é H = 1/3! Os incrementos de (99), porém, são Gaussianos e possuem todos os momentos ímpares nulos, ou seja, o campo u não obedece à lei dos 4/5. Ademais, (100) não expressa o comportamento de escala multifractal de (50), sendo por isso chamada de monofractal. O desafio de construir campos multifractais para a turbulência a partir da proposta de Mandelbrot nasceu com a própria teoria multifractal e tem sido superado apenas muito recentemente. Em 2008, campos exatamente multifractais foram construídos [185] a partir de distorções do ruído dW de (99) utilizando-se do chamado caos multiplicativo Gaussiano , um objeto matemático concebido na década de 1980 [186] e atualmente bastante popular na comunidade matemática [187]. A ideia é trabalhar com campos como (100) no limite H→0, caso em que tornam-se log-correlacionados. Qualitativamente, ao tomarmos a exponencial de um campo log-correlacionado, esperamos obter campos com correlações em leis de potência, uma concepção que pode ser tornada precisa matematicamente. Utilizando a exponencial de um movimento Browniano fracionário no limite H→0, os autores de [185] distorceram o ruído de (99) para obter um campo cuja lei de escala tem a forma multifractal de (79). Apesar do formidável avanço, a proposta não era ainda adequada à modelização da turbulência. O campo de velocidades produzido não possui divergência nula, e portanto não é incompressível. Até é possível impor divergência nula escrevendo-se (99) de uma maneira análoga à lei de Biot-Savart (13), contudo, de forma um tanto desoladora, esse passo destrói a assimetria dos incrementos e portanto a lei dos 4/5. Posteriormente, uma modificação empregando generalizações matriciais de (99) no limite H→0 indicou ser possível construir um campo incompressível, de incrementos assimétricos e multifractal [188]. A tamanha complexidade do campo resultante – que envolve exponenciais de campos matriciais estocásticos – impede no entanto a obtenção de resultados analíticos e suas leis de escala foram verificadas apenas numericamente. Mais recentemente [189], essa proposta teve suas propriedades estatísticas destrinchadas tanto numericamente quanto por meio de aproximações analíticas, mostrando como surgem a assimetria e a intermitência além de outras características mais complexas da turbulência, demonstrando o caráter espantosamente realista do modelo. A tarefa de demonstrar exatamente sua multifractalidade ou de construir outro objeto similar exatamente multifractal permanece aberta, e esforços continuam a ser realizados nessa direção [190]. Ademais, em um trabalho deste ano, desdobramentos no cenário consideravelmente mais complexo da magnetohidrodinâmica, em que campos magnéticos estão acoplados ao fluido, foram propostos com o intuito de modelar a dinâmica de meios astrofísicos [191]. A linha de modelagem estocástica que optamos por discutir acima pode ser entendida como uma busca por uma representação da turbulência Euleriana, isto é, buscamos modelar o campo de velocidades u(x,t) distribuído espacialmente. Entretanto, as técnicas estocásticas são também empregadas de diversos outros ângulos na modelização da turbulência. Por exemplo, é possível modelar as flutuações da taxa de dissipação de energia como forma de reproduzir características fundamentais da intermitência. Em um modelo [192, 193] que descreve taxas de dissipação flutuantes em escalas r distribuídas hierarquicamente, bastante no espírito dos modelos de intermitência descritos na Seção 5.5 e aplicando ideias da chamada superestatística [194], foi possível reproduzir distribuições de probabilidade experimentais de incrementos de velocidade. A inclusão da assimetria das distribuições, essencial para um acordo com a lei dos 4/5, foi alcançada pouco depois e confirmada em dados de simulações numéricas [195]. Finalmente mencionamos ainda a abordagem Lagrangiana da turbulência, uma outra direção em que a modelagem estocástica vem sendo intensamente desenvolvida nos últimos 30 anos de forma bem sucedida. Nessa abordagem, em vez de descrevermos o campo espacial de velocidades, analisamos trajetórias de partículas do fluido – ditas partículas Lagrangianas – o que fornece uma descrição completamente equivalente do escoamento. A estratégia então é buscar equações dinâmicas que descrevam a evolução temporal dessas partículas. Um observável de interesse é o tensor gradiente de velocidadeAij = ∂⁡ui/∂⁡xj, intimamente ligado a observáveis como a taxa de dissipação de energia (cf. Eq. 28) e que decodifica propriedades relevantes do campo, exibindo distribuições intermitentes e correlações com traços multifractais. Ademais, os gradientes manifestam propriedades geométricas peculiares associadas às interações responsáveis pela emergência de estruturas vorticais [196, 197]. A dinâmica do tensor A ao longo de uma trajetória Lagrangiana é obtida tomando-se o gradiente das equações de Navier-Stokes: (101) d ⁢ A i ⁢ j d ⁢ t = - A i ⁢ k ⁢ A k ⁢ j - ∂ 2 ⁡ p ∂ ⁡ x i ⁢ ∂ ⁡ x j + ν ⁢ ∂ 2 ⁡ A i ⁢ j ∂ ⁡ x k ⁢ ∂ ⁡ x k , onde d/dt representa a derivada material. Os dois últimos termos não são fechados em termos de Aij, e na prática representam uma dependência com outras trajetórias Lagrangianas. Assim, pode-se tentar aproximá-los e/ou modelá-los para obter uma equação dependente somente de A, a ser interpretada como uma equação diferencial ordinária válida ao longo de trajetórias, cuja informação a respeito das formas espaciais é perdida. Diversas aproximações foram propostas para os termos de pressão e viscosidade, e para modelar a ação de turbilhões vizinhos de escalas maiores (os quais transferem energia às escalas do gradiente) um termo estocástico pode ser adicionado, criando dinâmicas estocásticas para A que possuem a forma genérica (102) d ⁢ A i ⁢ j = [ - A i ⁢ k ⁢ A k ⁢ j + F i ⁢ j ⁢ ( A ) ] ⁢ d ⁢ t + G i ⁢ j ⁢ k ⁢ l ⁢ d ⁢ W k ⁢ l em que dWkl agora é um ruído tensorial. O termo determinístico inclui uma função Fij(A) a ser modelada, e o tensor Gijkl pode em princípio depender de A, mas é comumente tomado como constante, caracterizando um ruído aditivo . Observamos que a incompressibilidade traduz-se em Aii = 0, impondo restrições a Gijkl e dWkl. Variados modelos de atraente apelo físico para F(A) foram propostos na década de 2000, capazes de reproduzir aspectos realistas observados em experimentos e em simulações numéricas a números de Reynolds moderados [198, 199, 200]. Mais recentemente, têm sido sugeridos modelos com bom desempenham a altos números de Reynolds, incorporando propriedades ausentes nos primeiros modelos. Em [201], os autores constroem uma hierarquia de modelos estocásticos associadas a múltiplas escalas de tempo cuja origem é intimamente conectada à dinâmica por primeiros princípios, fornecendo um modelo realista para o gradiente e estável a altos números de Reynolds. Uma propriedade no entanto ainda estava ausente: a multifractalidade. Ela foi posteriormente incorporada a novos modelos baseados no caos multiplicativo Gaussiano, discutido no início da seção na perspectiva Euleriana, capazes de reproduzir a fenomenologia do gradiente de velocidade Lagrangiano de forma muito satisfatória [202, 203]. Algumas particularidades teóricas atrativas desses modelos são o uso de ruídos multiplicativos, i.e., Gijkl em (102) dependente de A, e a incorporação de não-Markovianidade, trazida pelo caos multiplicativo Gaussiano na forma de integrais sobre a evolução histórica dos observáveis semelhantes às de (99), agora no domínio temporal. Em contrapartida, esses modelos têm uma construção inteiramente matemática e um maior apelo físico, em conexão seja com a dinâmica de Navier-Stokes ou com uma abordagem estrutural na linha debatida na Seção 4, torna-se desejável e configura um projeto ambicioso de pesquisa para as próximas décadas. A segunda alternativa abre-se como uma nova perspectiva a ser explorada a partir de um trabalho recente brevemente discutido na Seção 6.4. .

Quando submetido a forças estocásticas, a evolução do campo de velocidade torna-se um problema relacionado a probabilidades de transição. A pergunta que queremos responder agora é a de como determinar a densidade de probabilidade condicional

(103) ρ [ u 2 ( x ) , t 2 | u 1 ( x ) , t 1 ]

que descreve a transição do campo de velocidade inicial, u1(x), definido no instante de tempo t1, para o campo de velocidade final, u2(x), definido no instante de tempo t2 > t1. Com o auxílio de técnicas funcionais é possível representar formalmente a quantidade (103) como uma integração sobre todas as evoluções possíveis do campo de velocidade – as trajetórias de Feynman – entre os instantes de tempo t1 e t2 [207207. P.C. Martin, E.D. Siggia e H.A. Rose, Phys. Rev. A 8, 423 (1973)., 208208. C. de Dominicis, J. Phys. Colloques C1 37, 247 (1976)., 209209. H.K. Janssen, Z. Phys. B 23, 377 (1976).].

Em meados da década de 1990 descobriu-se [210210. V. Gurarie e A. Migdal, Phys. Rev. E 54, 4908 (1996).] que no caso em que as configurações finais de velocidade estão associadas a eventos extremos (intermitentes) do campo turbulento, a integração funcional pode vir a ser dominada por alguma trajetória particular no espaço funcional, u~(x,t), que satisfaz as condições de contorno

(104) u ~ ( x , t 1 ) = u 1 ( x ) , u ~ ( x , t 2 ) = u 2 ( x ) .

As configurações de campo u~(x,t) são obtidas pela generalização funcional do método do ponto-de-sela para aproximações assintóticas e ganham o nome de instantons , um “plágio-homenagem” à denominação idêntica que se dá às configurações de campo que desempenham papel análogo em teorias de gauge [211211. S. Coleman, Aspects of Symmetry (Cambridge University Press, Cambridge, 1985).].

É trabalho em construção o desenvolvimento de uma ponte entre abordagem funcional de instantons e a abordagem estrutural da turbulência. Instantons são configurações de velocidade que remetem, seja diretamente ou por analogia (em toy models ), às estruturas que dominam a dissipação de energia cinética turbulenta. A aplicação dessas ideias a modelos de turbulência mostra que para a correta validação de resultados analíticos frente a simulações numéricas é fundamental considerar a contribuição, nas integrais funcionais, de flutuações de velocidade ao redor das configurações de instantons [212212. L. Moriconi e F.I. Takakura, Phys. Rev. E 58, 3187 (1998)., 213213. L. Moriconi, Phys. Rev. E 70, 025302(R) (2004)., 214214. L. Moriconi, Phys. Rev. E 79, 046324 (2009)., 215215. G.B. Apolinário, L. Moriconi e R.M. Pereira, Physica A 514, 741 (2019)., 216216. G.B. Apolinário, L. Moriconi e R.M. Pereira, Phys. Rev. E 99, 033104 (2019).]. Apesar do cálculo de flutuações basear-se, até o momento, em estratégias perturbativas, o método de instantons destaca-se, no cenário teórico atual, como um caminho promissor para a modelagem do fenômeno da intermitência.

6.4. Estatística da circulação

Dos mecanismos de formação de furacões e das hipnóticas volutas de vapor que fumegam de uma xícara de chá, à teoria do voo, para não mencionar uma miríade de outros fenômenos impressionantes [217217. H.J. Lugt, Vortex Flows in Nature and Technology (Krieger Publishing Company, Florida, 1995).], o observável circulação desempenha papel unificador na dinâmica de fluidos.

Com o objetivo de levar adiante a discussão mais simples possível, vamos nos deter na definição da variável de circulação como a integral de superfície

(105) Γ R 𝒟 d 2 r ω ( r ) ,

onde 𝒟 é um disco de raio R e ω(r) é a componente da vorticidade (orientação escolhida arbitrariamente) perpendicular ao plano que contém 𝒟.

A importância da circulação, como uma “sonda matemática” da organização de estruturas vorticais turbulentas em escalas diversas de comprimento, foi levantada pela primeira vez por Migdal há cerca de 25 anos, com a proposta – ainda em busca de validação – de fundamentação na teoria das superfícies mínimas [218218. A.A. Migdal, Int. J. Mod. Phys. A 9, 1197 (1994).]. As complicações então existentes em investigar a circulação por meio de experimentos e simulações numéricas dificultaram bastante um maior engajamento de pesquisadores na exploração do assunto.

Uma expressiva mudança de cenário ocorreu a partir do ano de 2019, com o advento de simulações numéricas de alta performance [219219. K.P. Iyer, K.R. Sreenivasan e P.K. Yeung, Phys. Rev. X 9, 041006 (2019).]. Densidades de probabilidade de circulação e momentos estatísticos de ordens altas foram determinados com precisão. Observa-se, com clareza, que a versão K41 das funções de estrutura de circulação,

(106) Γ R q ϵ q 3 R 4 q 3

não está correta, ainda que seja uma aproximação muito boa para q < 4 e razoável até q = 10 (o maior valor de q avaliado pelas simulações).

A lei aproximada de escala (106) pode ser sugestivamente reinterpretada no contexto da abordagem estrutural, na qual se conjectura que a maior parte da energia cinética turbulenta é produzida por tubos de vorticidade [1212. M. Farge, G. Pellegrino e K. Schneider, Phys. Rev. Lett. 87, 054501 (2001).]. De fato, consideremos o momento estatístico de segunda ordem de ΓR,

(107) Γ R 2 = 𝒟 d 2 r 𝒟 d 2 r ω ( r ) ω ( r ) .

Levando em conta, agora, a definição da escala dissipativa de Kolmogorov (35), notamos que (106) pode ser reescrita, para q=2, como

(108) Γ R 2 ( R η ) 4 [ ϵ ν η 2 ] 2 ( η R ) 4 3 .

A comparação entre as Relações (107) e (108) nos motiva a propor que a circulação é efetivamente produzida por

  1. uma quantidade N∝(R/η)2 de vórtices planaresque possuem

  2. vorticidades rms da ordem de ϵ/ν,

  3. núcleos de dimensões lineares da ordem de η e

  4. carregam circulações elementares que estão correlacionadas, à distância r, como ∼1/r4/3 para rη.

O item (i), acima, pode parecer problemático, pois as estruturas vorticais turbulentas não têm, obviamente, a forma de vórtices planares. Uma saída deste dilema dimensional, com forte apelo fenomenológico, é definir um vórtice planar, efetivamente, como a estrutura produzida pela interseção de um tubo de vorticidade e o plano sobre o qual calculamos ΓR. O ponto (iii), por outro lado, considera que estas regiões são núcleos de dimensões muito pequenas, hipótese de fato sustentada pela inspeção dessas interseções, tais como mostradas na Fig. 19.

Figura 19
As regiões brancas indicam interseções de vórtices com um plano fixo no interior de um escoamento turbulento tridimensional homogêneo e isotrópico, cujas estruturas vorticais são semelhantes àquelas visualizadas na Fig. 7. A imagem foi produzida com o auxílio da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220220. Y. Li, E. Perlman, M. Wan, Y. Yang, R. Burns, C. Meneveau, R. Burns, S. Chen, A. Szalay e G. Eyink, J. Turbul. 9 N31 (2008).].
Figura 20
Dois vórtices delgados de orientações opostas atravessam um plano que corta um escoamento turbulento tridimensional, definindo assim as posições de duas estruturas vorticais efetivamente planares (círculos vermelho e azul). Note que para uma dada configuração de vórtices planares prescritos desta maneira, há um grande conjunto estatístico de vórtices tridimensionais que produzirá, por sua vez, um campo aleatório de vorticidade sobre o plano [221221. G.B. Apolinário, L. Moriconi, R.M. Pereira e V. Valadão, Phys. Rev. E 102, 041102(R) (2020).].

As funções de correlação das circulações elementares (ou das vorticidades carregadas pelas estruturas planares) podem ser, a princípio, prescritas como médias condicionadas ao conjunto estatístico das configurações de tubos de vorticidade que estão associados a uma dada configuração planar, como indicado na Fig. 20.

A validação das proposições (ii) e (iv) dependeria da análise de valores esperados tomados em conjuntos (ensembles ) estatísticos de tamanhos muito pesados. Dessa forma, as consideraremos, essencialmente, como hipóteses de trabalho.

A fundamentação teórica das hipóteses (ii) e (iv) é, portanto, um problema matemático aberto interessante, provavelmente relacionado a generalizações funcionais do teorema do limite central [222222. E. Bolthausen, Ann. Probab. 10, 1047 (1982).]. Como consequência desta discussão, podemos supor, adicionalmente, que as funções de correlação das circulações condicionadas a configurações espaciais de vórtices planares cujas intensidades em módulo foram normalizadas da mesma maneira, terão as propriedades de um processo estocástico gaussiano multivariado.

Em termos concretos, as ideias de modelagem apresentadas acima podem ser realizadas por um campo de vorticidade planar estocástico da forma [221221. G.B. Apolinário, L. Moriconi, R.M. Pereira e V. Valadão, Phys. Rev. E 102, 041102(R) (2020).]

(109) ω ( r ) = ϵ 0 3 ν d 2 r g η ( r - r ) ξ ( r ) ω ~ ( r ) σ ( r ) ,

onde

  • σ(r) é um campo de densidade (numérica) estocástica que descreve a distribuição de vórtices planares;

  • ω~(r) é um campo estocástico gaussiano, cuja função de correlação decai como 1/r4/3;

  • ξ(r) é um campo de intensidade de vorticidade à escala dissipativa η, modelado como em um processo de cascata lognormal;

  • gη(rr) é uma função gaussiana de variância ∼η2 que modula a vorticidade produzida pelos vórtices planares.

O pré-fator ϵ0/(3ν) em (109), é introduzido por razões meramente dimensionais (o fator de 3 tem a ver com a hipótese de isotropia estatística das flutuações de vorticidade), em um escoamento turbulento com taxa de dissipação de energia ϵ0 e viscosidade cinemática ν. A partir da Eq. (109) podem ser calculadas diversas propriedades estatísticas interessantes da circulação, discutidas em mais detalhe na Ref. [221221. G.B. Apolinário, L. Moriconi, R.M. Pereira e V. Valadão, Phys. Rev. E 102, 041102(R) (2020).]. A Fig. 21 mostra as comparações, bastante satisfatórias, entre distribuições de probabilidade da circulação, obtidas por meio de (105) e (109), e as empíricas, determinadas pelos dados de simulações numéricas diretas.

Figura 21
Comparações entre distribuições de probabilidade da circulação, determinadas a partir da base de dados em turbulência da Universidade Johns Hopkins [220220. Y. Li, E. Perlman, M. Wan, Y. Yang, R. Burns, C. Meneveau, R. Burns, S. Chen, A. Szalay e G. Eyink, J. Turbul. 9 N31 (2008).], e aquelas obtidas pela modelagem de gás de vórtices (linhas sólidas pretas), normalizadas com desvio padrão unitário, para raios R/η = 16, 32, 64, 128 e 256 do contorno circular. As distribuições foram transladadas verticalmente para melhor visualização (os raios aumentam de cima para baixo). Observa-se claramente que a curtose da distribuição de circulação aumenta com a diminuição do raio do contorno circular R, fato associado à maior intermitência da variável de circulação para sondagens em escalas menores de comprimento [221221. G.B. Apolinário, L. Moriconi, R.M. Pereira e V. Valadão, Phys. Rev. E 102, 041102(R) (2020).].

A mensagem que o estudo recente da circulação turbulenta nos traz é a de que este observável possui propriedades interessantes para que os aspectos estruturais e estatísticos (relacionados à modelagem de cascata multiplicativa) da turbulência sejam integrados em uma descrição teórica única. O problema de bastante relevância fundamental que então se coloca à nossa frente é o de recuperar a formulação multifractal da turbulência, a partir de modelagens baseadas em campos de vorticidade que tenham a forma (109).

7. Notas de Conclusão

Turbulência em Perspectiva Histórica

Há certo folclore, muitas vezes endossado até mesmo por fluidodinamicistas, sobre as extremas dificuldades científicas associadas ao problema geral da turbulência. Muitos terão lido ou assistido apresentações nas quais se afirma que turbulência é o “último dos problemas não resolvidos da mecânica clássica” [3030. R.P. Feynman, R.B Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, s. l, 1964), v. 2.] ou que “menos se sabe sobre a estrutura de pequenas escalas da turbulência do que sobre a estrutura de núcleos atômicos” [223223. U. Frisch e S. Orszag, Phys. Today 43, 24 (1990).]. Uma citação popular apócrifa, credita a Heisenberg o palpite de que até um possível criador do universo teria dificuldades para prestar esclarecimentos sobre a turbulência [224224. D. Castelvecchi, Nature 548, 382 (2017).]. A lista de comentários dramáticos é grande.

Esses comentários, se interpretados anacronicamente, podem levar à errônea impressão de que turbulência, ainda que fascinante, seja um campo de investigação árido. Nada mais distante da verdade! De forma semelhante a qualquer outro problema científico aberto em física, da dinâmica do enovelamento de proteínas à quantização da gravidade, há atividade em ritmo intenso, pontuada por inovações científicas bastante significativas, bem como por um debate permanente sobre quais são as direções mais promissoras de investigação.

Como bem colocado por K. Wilson na sua palestra Nobel [225225. K. Wilson, The Renormalization Group and Critical Phenomena, disponível em: https://www.nobelprize.org/uploads/2018/06/wilson-lecture-2.pdf (1982).
https://www.nobelprize.org/uploads/2018/...
], turbulência está inserida em uma classe de problemas difíceis da física, porém sem que mereça afirmações especificamente dramáticas. Em tradução livre,

Teóricos têm dificuldades com problemas deste tipo, pois eles envolvem muitos graus de liberdade. (…) o inteiro problema da turbulência, vários problemas em fenômenos críticos e (…) campos quânticos fortemente acoplados têm desafiado o uso de técnicas analíticas até os dias de hoje.

As décadas mais recentes testemunharam um progresso sem precedentes no estudo da turbulência, pelo advento de técnicas experimentais novas bem como pelo uso de plataformas computacionais de alto desempenho em simulações e pós-processamento.

A contextualização correta da dinâmica de fluidos/turbulência no panorama mais específico da pesquisa básica encontra, adicionalmente, alguma dificuldade de consolidação pelo fato de que o currículo usual da maior parte dos cursos de física contém pouca oferta, por razões claramente históricas, de conteúdo aprofundado nesses temas. A revolução quântica das primeiras décadas do Século XX arrebanhou, de forma completamente compreensível, a maior parte dos jovens físicos/as interessados/as em trabalhar nas fronteiras do conhecimento durante esse período singular da evolução da física. É importante enfatizarmos, de qualquer maneira, que há percepção crescente da importância da dinâmica de fluidos na nossa comunidade, como sinalizado, por exemplo, pela criação de uma nova revista científica pela Sociedade Americana de Física no ano de 2016, a PRFluids (Physical Review Fluids ) e pela participação cada vez mais expressiva de físicos/as em eventos da área.

É emblemático e interessante lembrar que Sommerfeld, orientador de um jovem Heisenberg afoito para investigar os mistérios da física atômica, tenha recomendado cautela no ataque de problemas científicos sem bases fundamentacionais claras, como, à época, encontrava-se a mecânica quântica. Entretanto, confiando na grande capacidade do jovem pupilo, Sommerfeld ofereceu a Heisenberg como tema de tese de doutorado um difícil problema relacionado à transição laminar-turbulento em canais, para o qual as equações dinâmicas já estavam bem fundamentadas. Anos depois, detidos na Inglaterra por alguns meses após a segunda guerra mundial, Heisenberg e Weizsäcker viriam a se interessar pela teoria estatística da turbulência e a obter, desconhecendo completamente os trabalhos de Kolmogorov, a lei espectral (1) [226226. M. Eckert, Ann. Rev. Fluid Mech. 47, 1 (2015).].

Contextos Afins e Leituras Sugeridas

Como em todo trabalho de revisão, principalmente aqueles voltados para discussões que fundamentam um determinado domínio de investigação, muitos modelos e problemas interessantes abordados na literatura são inevitavelmente deixados de lado.

Há uma forte tradição de pesquisa em turbulência ligada à formulação e ao teste de ideias fenomenológicas importantes no contexto de modelos simplificados. Modelos de turbulência zero-dimensional [227227. P.D. Ditlevsen, Turbulence and Shell Models (Cambridge University Press, Cambridge, 2011).], unidimensional [228228. J. Bec e K. Khanin, Phys. Rep. 447, 1 (2007).] ou bidimensional [229229. G. Boffetta e R.E. Ecke, 44, 427 (2012).] são intensamente investigados com esse propósito e, não obstante suas características dinâmicas específicas, trazem, invariavelmente, luz às grandes questões da turbulência homogênea e isotrópica tridimensional.

Consideramos importante, adicionalmente, mencionar o fenômeno da turbulência quântica [230230. C.F. Barenghi, L. Skrbek e K.R. Sreenivasan, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 111, 4647 (2014).], de crescente interesse atual e para o qual há, de maneira análoga à turbulência clássica, uma cascata turbulenta de energia cujos mecanismos dissipativos ainda não são inteiramente conhecidos. O papel de estruturas vorticais na turbulência quântica, em particular, é claríssimo: vórtices quantizados, cujos núcleos têm dimensões atômicas, são as únicas fontes do campo de velocidade superfluida.

A enorme quantidade de artigos e livros que discutem técnicas e abordagens completamente diversas em turbulência forma um oceano por si só turbulento. Ao leitor/leitora que tenha interesse em navegar pelas águas da dinâmica de fluidos e turbulência, recomendamos como ponto de partida minimalista dois livros que desenvolvem excelentes conexões entre fundamentos e desenvolvimentos mais recentes, as Refs. [1313. U. Frisch, Turbulence: the legacy of A.N. Kolmogorov (Cambridge University Press, Cambridge, 1995).] e [4545. D.J. Acheson, Elementray Fluid Dynamics (Oxford University Press, Oxford, 1998).].

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2020
  • Revisado
    16 Jan 2021
  • Aceito
    18 Jan 2021
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