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As investigações sobre radioatividade ambiental realizadas em Guarapari pelo padre jesuíta Francisco Xavier Roser (1956–1967)

The investigations on environmental radioactivity carried out in Guarapari by the Jesuit priest Francisco Xavier Roser (1956–1967)

Resumos

O artigo examina os relatórios das expedições à Guarapari e outras publicações (1956–1967) do Padre Francisco Xavier Roser S.J. com o objetivo de caracterizar sua produção científica em trabalhos de campo em radiação ambiental, bem como identificar sua rede de colaboração. Este trabalho discute os levantamentos radiométricos das áreas com elevada radioatividade de solo, os exames dosimétricos da população local e as medidas de radioatividade atmosférica realizados no litoral sul capixaba. A partir dessas atividades são apresentadas as técnicas, os métodos de investigação empregados pelo grupo de cientistas, reunidos em torno de Roser, os resultados das pesquisas e as colaborações interinstitucionais estabelecidas na realização desse programa de pesquisa.

Palavras-chave:
História da Física; Jesuítas; Pe. Francisco X. Roser; Radioatividade Natural; Universidade Católica


The article describes the reports of expeditions to Guarapari and other publications (1956–1967) written by Father Francisco Xavier Roser S.J. with the aim of characterizing his scientific production on environmental radiation We try to elucidate his scientific network. Our contribution also discusses the radiometric surveys of areas with high soil radioactivity, the dosimetric exams of the local population, and the measurements of atmospheric radioactivity carried out on the south coast of Espírito Santo. Finally, we explain the techniques, the research methods employed by the group of scientists, gathered around Roser, the research results and the inter-institutional collaborations.

Keywords:
History of Physics; Jesuits; Francisco X. Roser S.J.; Natural Radioactivity; Catholic University


1. Introdução

O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe alívio e apreensão ao mundo, atraindo a atenção das pessoas e dos governos para o tema da energia atômica, o que acabou por estimular o desenvolvimento de novas tecnologias nos âmbitos civis e militares. As produções de conhecimento científico e de energia nuclear foram consideradas soluções para a superação do subdesenvolvimento de alguns países, como o Brasil [1[1] S. Motoyama, em: Prelúdio Para Uma História. Ciência e Tecnologia no Brasil (EdUSP, São Paulo, 2004), p. 251–316.]. Por outro lado, a corrida dos países pelo domínio dessa tecnologia aumentou a preocupação com a imersão da vida, e não apenas a humana, em uma atmosfera radioativa, provocada pelos testes ou futuras guerras nucleares. Até 1955, apenas três países haviam detonado artefatos nucleares (EUA, URSS e o Reino Unido); outros países preparavam seus primeiros testes, como França (1960) e a China (1964),1 1 Nuclear Arms Control and Non-Proliferation – Table 12B.2. Estimated number of nuclear explosions, 1945–2006, disponível em https://www.ctbto.org/, acessado em 16/11/2021. sinalizando para o aumento do uso da tecnologia nas décadas seguintes.

Com o crescimento do uso da tecnologia nuclear, tornou-se cada vez mais necessária a compreensão dos riscos à vida, o que fortaleceu a campanha norte-americana para o uso pacífico dessa tecnologia, concretizada no programa Átomos para a Paz proposto pelo Presidente Dwight David Eisenhower (1890–1969) [2[2] L. Weiss, Bulletin of the Atomic Scientists 59, 34 (2003).]. Com base neste documento, os países membros da ONU (Organização das Nações Unidas) organizaram, em 1956, um comitê científico para definir, de forma precisa, as doses limites de radiação ionizante que a população mundial poderia receber, ou seja, ficar exposta. Inicialmente, dezesseis países juntaram esforços conjunto para um melhor entendimento das ações radioativas nos seres humanos [3[3] https://www.unscear.org/unscear/en/general_assembly.html#Resolution1, acessado em 30/04/ 2021.
https://www.unscear.org/unscear/en/gener...
].

O Brasil foi um desses países membros com a missão de realizar amplas avaliações das fontes de radiação ionizante e seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente. O papel desse comitê científico seria analisar, avaliar exaustivamente as exposições radioativas globais e regionais, considerar as evidências de efeitos na saúde humana induzidos por radiação e avançar na compreensão dos mecanismos de contaminação por radioatividade em sistemas biológicos por exposição ambiental.

O comitê brasileiro foi composto pelo Padre Francisco Xavier Roser, S. J.2 2 A sigla S.J significa Societas Jesuitae (ou Iesu), todos os padres dessa congregação assinam seus nomes seguidos dela. e Carlos Chagas Filho. O primeiro era físico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), já o segundo era diretor do Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil (IBF-UB).3 3 Anais da sessão 302ª do Conselho Deliberativo do CNPq_11/01/1956 – processo 12/56. Rapidamente, eles organizaram dois programas de pesquisa: fallout e radiação natural.

Chagas Filho pertencia ao conselho deliberativo do CNPq (1951–1955),4 4 ANDRADE, 1999_p.123, Quadro 19. com a função de ser o responsável pelo setor de pesquisa biológica. Seu campo de atuação – a biofísica – lhe dava credencias para ser um dos representantes brasileiros no comitê interessado nos estudos sobre os efeitos da radioatividade em seres humanos. Na documentação analisada, não encontramos as razões para a sua indicação, mas acreditamos que estes fatores tornam compreensível a sua escolha. Chagas Filho foi, por cerca de seis anos, vice-presidente do comitê internacional (1956–1962) [4[4] UNSCEAR, Report Of The United Nations Scientific Committee On The Effects Of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1958)., 5[5] UNSCEAR, Report Of The United Nations Scientific Committee On The Effects Of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1962).]. Neste período, além das atividades burocráticas do comitê, ele também coordenava as atividades da delegação brasileira de pesquisa sobre o tema das radiações e seus efeitos na saúde humana. Cabia-lhe o papel de articulador da delegação, já que ele negociava os recursos para a realização das pesquisas junto aos órgãos de fomento brasileiros (CNPq e CNEN), além de organizar reuniões, congressos e seminários sobre o tema, e, finalmente, planejar, com Roser, as etapas de investigação no campo.

Inicialmente, os dois cientistas decidiram pela organização de algumas expedições às zonas de elevada radiação de fundo,5 5 É a radiação ionizante presente no ambiente, que se origina de uma variedade de fontes naturais e artificiais. situadas principalmente no sudeste brasileiro, para levantamentos radiométricos e dosimétricos dessas regiões, com o compromisso de enviar relatórios ao comitê científico internacional. Com o passar do tempo, as expedições científicas tornaram-se um programa de pesquisa interinstitucional e internacional com uma estreita colaboração entre as áreas da física (estudos nucleares) e da biologia (estudos genéticos e epidemiológicos).

O presente trabalho tem como proposta realizar uma análise das expedições realizadas à Guarapari pelo grupo de cientistas da PUC-Rio, sob a liderança do físico e padre austro-brasileiro, Francisco Xavier Roser. Procuramos verificar a aplicação da física nuclear em trabalhos de campo pelo grupo da PUC-RJ e conhecer a rede de colaboração existente nestas investigações. A principal contribuição deste artigo é apresentar e discutir as primeiras investigações realizadas pelo Instituto de Física da PUC-Rio ainda no período de sua implementação e de sua consolidação por meio, principalmente, das publicações científicas geradas por Roser e pelo grupo de cientistas que o acompanhava nessas investigações pelo litoral sul do Espírito Santo.

Para o desenvolvimento dessas pesquisas são utilizados quatro relatórios produzidos por Roser decorrentes das expedições às zonas radioativas brasileiras [6[6] F.X. Roser e T.L. Cullen, Environmental Radioactivity in High Background Areas of Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1962).] (ROSER, KEGEL, CULLEN, DREW E HEINBERGER, 1964) (ROSER, GOMES, COSTA, HEINBERGER, CULLEN, 1965) [7[7] F.X. Roser e T.L. Cullen, A Study of Natural Radioactivity in Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, (1966).]. Também são empregados artigos científicos com foco nas expedições à Guarapari. Essa pesquisa não se restringe apenas a documentos e publicações científicas, mas faz uso também de iconografias e depoimentos orais de pessoas, que trabalharam nessas expedições, para exibir as situações vividas no campo por elas.

Este artigo está dividido em seis seções. Inicialmente, na seção 2 2. A energia Nuclear no Contexto da Guerra Fria: Possibilidades e Riscos para O Mundo Em 1946, após intensos debates, o governo do presidente estadunidense Harry S. Truman (1884–1972)6 assinou a lei MacMahon, transferindo o controle militar sobre os assuntos atômicos para os civis, ao mesmo tempo em que criava a Agência Americana de Energia Nuclear (US-AEC). Essas ações visavam mitigar as possibilidades concretas da proliferação de armas nucleares pelo mundo, principalmente pelos soviéticos [2]. Sete anos depois, o primeiro ano de governo do Presidente Eisenhower foi dominado por um clima de tensão, em razão da primeira explosão de uma bomba H pelos soviéticos. Como discutido por Weiss (2003), esse episódio desencadeou ações do governo americano com a finalidade de frear o armistício atômico pelo mundo. Uma delas seria defender o uso pacífico da energia atômica por todas as nações que quisessem adquirir essa tecnologia. No discurso proferido por Eisenhower, na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 1953, conhecido como átomos para a paz, o presidente norte-americano mostrou estar convencido de que o mundo caminhava para uma catástrofe, tornado premente tentar evita-la.7 A sua alocução trazia uma visão atraente para um mundo preocupado com a extinção em massa da espécie humana. A mensagem foi ecoada pela mídia norte-americana para todo o mundo com o apoio de muitas empresas que patrocinavam o projeto da presidência daquele país. Contudo, a proposta acabou não impedindo o aumento das armas atômica [2, p. 40]. Logo após a criação da Lei de Energia Nuclear (1954),8 que facultava aos EUA a troca de informações da tecnologia nuclear, o governo Eisenhower propôs, por meio da ONU, uma Conferência Sobre os Usos Pacíficos da Energia Nuclear, que acabou por ser realizada em Genebra, local escolhido para as nações mais desenvolvidas na matéria nuclear exibirem seus conhecimentos e tecnologias. Apesar das ações em prol do uso seguro da energia nuclear partilhadas no verão de 1955, a reunião na cidade suíça não foi suficiente para evitar o crescimento do temor pelos efeitos maléficos da radiação nos seres humanos causados pelas explosões nucleares. Na década de 1930, o conhecimento sobre contaminação ambiental radioativa era limitado e confinada aos poucos laboratórios existentes, equipados com cíclotrons e detectores de radiação, conforme Eisenbud e Gessel [8]. Já se sabia, por exemplo, que a exposição às fontes de radioatividade natural não trazia benefícios à saúde, como se pensava no início da década de 1910, o que provocou intenso turismo de pessoas interessadas nos poderes curativos dos minerais radioativos às regiões com elevados níveis de radiação, inicialmente em locais onde se encontravam fontes hidrominerais e depois praias com monazitas. Sabia-se também que as aplicações industriais dos minerais radioativos estavam correlacionadas com o adoecimento de trabalhadores que manuseavam esse material. Usos indevidos na medicina também contribuíram para o entendimento de que as radiações ionizantes proporcionavam efeitos mais nocivos do que benéficos. Esse foi o início da utilização da radioatividade para fins medicinais. Ainda segundo Eisenbud e Gessel, as primeiras possibilidades de contaminações relevantes surgiram na construção de grandes reatores, cuja operação de extração de plutônio do urânio e seu descarte, provocou os primeiros estudos sobre o comportamento de vários radionuclídeos no ambiente, recomendando a adoção de cautela ao se descarregar os rejeitos radioativos no ambiente. A preocupação se intensificou com os testes com armas nucleares, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, pois esses radionuclídeos permearam a atmosfera, solos e cadeias alimentares, o que acabou por dar origem a uma apreensão generalizada, não só em círculos científicos como em vários setores da sociedade [8]. Dez anos depois da primeira explosão nuclear, a recorrente preocupação da sociedade com os efeitos das radiações ionizantes levou a ONU a criar um comitê para se dedicar ao assunto, a UNCSEAR. Com a fundação desse comitê [3], a ONU reconhecia a importância do problema dos efeitos da radiação ionizante e observava que as nações deveriam colaborar para obtenção de dados, que buscassem a compreensão dessa matéria, para o encaminhamento de futuras soluções. De início, foi sugerido que o Comitê Científico fosse composto por cientistas, acompanhados de respectivos suplentes, de dezesseis países: Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Tchecoslováquia, Egito, França, Índia, Japão, México, Suécia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Cada representação deveria produzir relatórios sobre os níveis observados de radiação ionizante e radioatividade do ambiente, e também apontar os efeitos dessas radiações sobre o ser humano. Recomendava-se o uso de normas uniformes para a obtenção de dados. O propósito do Comitê seria, portanto, coletar e organizar os dados das pesquisas de todas as nações em relatório bienal a fim de exibir o progresso anual dessas pesquisas e a necessidade de indicar aqueles projetos, que merecessem receber apoio ulterior para aprofundamento das conclusões formuladas em caráter provisório [3]. Por meio de um comitê, integrado inicialmente por Roser e Chagas Filho, o governo brasileiro organizou um programa em consonância com as ações sugeridas pela UNSCEAR (Figura 1). Esse programa científico se resumia a duas linhas de pesquisa: a primeira, monitorar as partículas radioativas oriundas de testes explosivos nucleares em solo brasileiro (ex. estrôncio e cério); a segunda, avaliar e compreender os efeitos biológicos (somáticos e genéticos) em organismos vivos, tanto de radiações externas (provenientes de background natural e artificial), como das internas (por absorção e estocagem no organismo). Padre Roser descreve com as seguintes palavras os motivos dessas pesquisas: “Sendo que os efeitos biológicos (sobretudo as mutações genéticas) somente [se] manifestam através de várias gerações e sendo que o conhecimento deles se impõe com urgência ainda antes que aumentem os níveis atuais de radiação artificial com riscos, possivelmente, de danos irreparáveis, são de interesse fazer levantamentos e realizar pesquisas em regiões, onde desde tempos imemoriais já existem níveis altos de radiação natural em consequência de materiais radioativos de seu solo. Este proceder permite estudar os efeitos procurados, já acumulados, em retrospectiva.” [grifos nossos] [9] Regiões como as apontadas por Roser, só poderiam ser encontradas na Índia e no Brasil,9 por possuírem sítios toríferos com a ocorrência de irregularidades radiométricas, cujas intensidades superavam em 10 vezes o background de regiões normais. Figura 1 Delegação brasileira na reunião de 1958 da UNSCEAR, em Nova York. Da direita para esquerda: Padre Francisco X. Roser, Carlos Chagas Filho, Crodowaldo Pavan e Nelson Libânio e ao fundo pessoas desconhecidas. Fonte: Núcleo de Memória da PUC-Rio. No Brasil, as regiões das areias monazíticas10 principalmente em Guarapari, no Sul do Espírito Santo, e de rochas vulcânicas intrusivas11 na cidade mineira de Poços de Caldas, ofereciam boa oportunidade para a realização dessas investigações. As regiões apresentavam cenários de estudos distintos. A cidade capixaba oferecia um potencial para o estudo das populações humanas sob efeito contínuo de radiação ionizante de baixas doses. Já na cidade mineira, seria possível estudar os biomas do agreste mineiro sob a ação radioativa. No período compreendido entre 1956 e 1967, algumas expedições científicas foram realizadas nessas regiões e que tinham como meta: levantamentos radiométricos, dosimétricos, medidas atmosféricas e monitoramentos de fallout. , nós apresentamos um breve contexto histórico das origens dessa pesquisa no Brasil no contexto da Guerra Fria. Apresentamos, nessa mesma seção, alguns dados biográficos sobre o Padre Roser. Em seguida, dividiremos nossa pesquisa em três períodos, que cobrem as seções de 3 3. Pe. Roser, S.J. e o Início de suas Pesquisas em Radiação Ambiental Francis Xavier Roser, nasceu em 1904 na Áustria, onde fez os seus primeiros estudos. Ele chegou ao Brasil em 1924 para cursar o noviciado jesuíta. Em 1929, tornou-se professor de ciências nos colégios da companhia. Em 1933, regressou ao seu país natal a fim de cursar física e teologia. Na parte científica, ele seguiu os cursos de Egon Ritter von Schweidler (físico experimental) e Phillipp Furtwängler (matemático). Em 1938, Roser conclui o seu doutorado em física com uma tese sobre raios cósmicos sob a orientação de Victor Hess12 (Prêmio Nobel de 1936), intitulada “Investigações sobre a ultra-radiação cósmica no Hafelekar em 1937”. A partir do momento que a direção geral da Companhia de Jesus decidiu criar, em meados da década de 1940, uma universidade católica na cidade do Rio de Janeiro, ficou claro que seria necessário conceder espaço às ciências naturais. Roser foi escolhido para ser o responsável para planejar a criação do centro científico. Porém, tendo em vista o fato de ter terminado seu doutorado antes do início da Segunda Guerra Mundial, ficou evidente para ele, por não ter podido acompanhar os avanços da física nuclear, que ele estava defasado no que diz respeito aos avanços ocorridos na física. Além de estar desatualizado, Roser percebia que, mesmo sendo douto em física, tinha lacunas em sua formação, provocadas pelo fato de que o seu doutoramento foi realizado concomitantemente com o curso – obrigatório para a sua formação como padre – de teologia, o que impediu de se dedicar integralmente à física. A fim de poder criar um centro de ensino e pesquisa genuinamente bons, Roser sentiu a necessidade de partir para os EUA para se familiarizar com esses novos fundamentos e técnicas de pesquisa. Seria durante esse segundo período de estudos que ele escolheria o(s) campo(s) de investigação a serem desenvolvidos, após o seu regresso ao Brasil, na universidade católica. Roser chegou aos Estados Unidos ao final do ano de 1948, permanecendo até o início da segunda metade dos anos 1950. Durante esse período, ele passou dois anos no Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago, onde interagiu com Marcel Schein e com Theodor Bowen na área de raios cósmicos (Figura 2). Depois passou uma temporada em Stanford, onde trabalhou com Felix Bloch (Prêmio Nobel de Física em 1952) e Robert Hofstadter (Prêmio Nobel de Física em 1964). O seu retorno ao Brasil se deu em 1956, mesmo ano em que se tornou delegado da UNSCEAR (1956–1967) e em que inaugurou o programa de investigação em radioatividade ambiental. No ano seguinte, ele fundou o Instituto de Ciências da Católica, que dirigiu até sua morte em fevereiro de 1967 [10]. É importante ressaltar que o Padre Roser tinha dois objetivos quando decidiu passar uma temporada nos EUA. O primeiro deles, como já mencionado, era aprimorar os seus conhecimentos em física nuclear, pois ele sempre reclamou das lacunas deixadas pelo curso de física que fez em concomitância com o de teologia (1934–1938).13,14 Seria fundamental estar atualizado com os desenvolvimentos da física nuclear e de partículas, assuntos de vanguarda científica no momento, necessários para a formulação de linhas de pesquisas modernas para o futuro centro científico. Figura 2 Marcel Schein (2° esq. para dir.) e Padre Roser, Chicago (1950), em um estádio esportivo, após realização de experimentos sobre raios cósmicos com balões. Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio. A segunda razão estava em consonância com os anseios da comunidade de físicos e matemáticos brasileiros que reivindicavam melhores condições de trabalho e estímulo às pesquisas. A situação da ciência brasileira era inversa àquela existente na Europa ou nos EUA. Para o desenvolvimento dos estudos nucleares no país, colocando-nos em posição equivalente à dos países mais desenvolvidos, era preciso inovações no modo de fazer ciência [11]. A radioatividade ambiental pode ser caracterizada como sendo de dois tipos, natural e artificial. Essa última é produzida por artefatos bélicos, em guerras ou testes nucleares, ou equipamentos que produzem radionuclídeos, como aparelhos médicos. A primeira é toda a radiação que existe desde tempos imemoriais com origens no solo ou do espaço sideral. O campo de pesquisa inicial do padre Roser, os raios cósmicos, se situa neste último contexto. Quando decidiu ir para os EUA, em sua lista de objetivos estava o desejo de se aprofundar em seu campo de pesquisa inicial e também aprender as novas técnicas de indução nuclear, além de outras razões que não caberiam neste artigo. Roser desenvolveu pesquisas com detecção de partículas por meio de cintiladores, tanto com Marcel Schein, em Chicago de 1950–52, com aplicações em raios cósmicos, quanto com Robert Hofstadter, em Stanford de 1953–54, no campo da física dos sólidos [12, 13]. Ele se especializou também em indução nuclear, com Félix Bloch. Os conhecimentos adquiridos, nesses dois laboratórios, lhe permitiam pensar em levá-los para o centro científico da PUC-RJ, se não fosse o fato de serem dispendiosos: a sua inserção dependeria de recursos financeiros que não estavam à disposição da Igreja Católica, comprometida com uma campanha para a construção do Campus Gávea. Estando nos EUA, Roser não tinha acesso direto ao CNPq, órgão nacional de fomento à pesquisa recentemente criado. Diante dessas circunstâncias, Roser via-se sem condições de decidir que projeto científico poderia ser implementado após o seu regresso ao Brasil. Foram dois os fatores, ocorridos entre 1954 e 1955, que levaram Roser a escolher pelas pesquisas sobre radioatividade natural. O primeiro foi um convite de Victor Hess, à época na Universidade de Fordham, instituição jesuíta em Nova York, para aprender sobre técnicas de radioatividade natural, área a qual o antigo professor se dedicava. A aproximação com os militares, pertencentes ao Conselho Deliberativo do CNPq, conhecedores de seu trabalho e sua dedicação à ciência, foi a segunda. Em atendimento a uma solicitação do Itamaraty, o CNPq precisava indicar dois nomes para compor a delegação brasileira na primeira reunião da recém-criada UNSCEAR. Roser um especialista em radiação, foi um dos escolhidos. Para justificar a indicação dos representantes brasileiros, o Coronel Bernardino de Matos Neto, químico industrial, então conselheiro do CNPq, e amigo de Roser, realizou a leitura do seu parecer no processo 12/56: “Devo esclarecer que o Professor Roser trabalhou, longo tempo, na Universidade de Stanford, com professor Bloch e o professor Panowsky.15 Acresce a circunstância que já se encontra nos Estados Unidos da América.16 Teve ele sua bolsa prorrogada, até março, por que está a serviço da Comissão de Energia Atômica, incumbido de selecionar algum material de física nuclear.17 De maneira, que o Professor Carlos Chagas e o Professor Padre Francisco Roser, são os dois nomes indicados pela Comissão de Energia Atômica, a fim de atender ao pedido do Itamaraty.”18 a 5 5. Projeto Guarapari: Um Programa Sobre os Efeitos Biológicos-Genéticos em Populações Humanas de Irradiação Nuclear de Baixas Doses Desde o início das pesquisas sobre os efeitos da radioatividade sobre os seres vivos, Chagas e Roser mobilizaram grupos de cientistas interessados nessas questões. Eventos científicos foram organizados com apoio financeiro inicialmente do CNPq e depois da CNEN, organizados por Chagas Filho no IBF-UB, em 195639 e outro em 195740 e um terceiro realizado em Curitiba sobre genética humana, todos com a participação de Roser. A partir dessa interação, surgiu a ideia de se organizar um projeto de colaboração entre físicos e biólogos, nomeado de Projeto Guarapari. O programa teve início no segundo semestre de 1959.41 Contava com a participação, além da PUC e do IBF-UB, do departamento de Biologia da Universidade de São Paulo, representado pelo geneticista Crodowaldo Pavan42 e o Instituto de Genética da Universidade de Curitiba, representado pelo também geneticista Newton Freire Maia.43 Pela PUC-Rio, estavam, além de Roser e Cullen, cedido pela Universidade de Fordham, pago com recursos da CNEN, Antônio Cesar Olinto de Oliveira e Rogério Jaques de Morais. A equipe era assistida pelo técnico de laboratório Ephrem Sano. Todos trabalhavam em tempo integral na instituição [21, 22]. Por quatro meses, o grupo científico do IF-PUC percorreu cerca de 7 000 km, principalmente refazendo levantamentos radiométricos em várias localidades em zonas radioativas de elevada atividade, mas também em regiões normais. O percurso foi realizado por meio de um Jeep fornecido pela CNEN [23, 24]. Podemos dividir o trabalho realizado pela equipe de Roser neste projeto em: medidas de radiação externa emanada pelo solo e por contaminações atmosféricas; e interna, obtida por detecção tóron ou rádon44 através de corpos já contaminados, que seriam medidos pelo método respiratório, especialidade de seu assistente, Padre Cullen. Cintilômetros, câmeras de ionização, contadores Geiger-Müller, filmes de cristais para medir as doses diárias recebidas pela população local, filtros para análise do ar atmosférico e vasos coletores para medidas de tóron exalados pela respiração foram os equipamentos utilizados. Das regiões investigadas por Roser e Cullen, Guarapari foi a única que reuniu todos os experimentos (no solo, ar e na população), em diferentes locais dentro da cidade, seja nas praias, seja nas ruas. No Projeto Guarapari, Antônio Olinto descreve assim o seu trabalho ao longo da região litorânea: “Eu fiquei um mês lá – era em Guarapari medindo a radioatividade das areias monazíticas. Em 60, janeiro de 60. Ou 59? […]. Ele [Roser] já tinha ido, depois eu fui com o padre Cullen, ele [Roser] voltou e eu fiquei lá fazendo um levantamento não só da praia, mas da cidade toda. E foi um trabalho!’45 Os levantamentos radiométricos tinham a finalidade de ampliar as medidas realizadas nas expedições anteriores e produzir um mapa mais detalhado da região (Figura 4). Para isso, foram usadas câmeras de ionização e cintilômetros portáteis para medir os níveis de radiação locais. Figura 4 Mapa do centro da cidade de Guarapari (1960) com as estações de medidas de radiação de fundo obtidos por meio de detectores de radiação. Fonte: relatório [16]. Roser e Cullen escolheram vinte e seis pontos de medidas, distribuídos ao longo da cidade. As regiões de praia e da MIBRA S/A, empresa que explorava minerais na região, não foram escaladas para as medições, pois continham uma poeira fina, que oferecia riscos de contaminação por inalação. A câmara de ionização realizava medições de raios gama e beta do solo nas estações escolhidas (Figura 4). O instrumento realizava medidas de alta precisão em mR/h.46 Sua eficiência melhorava quando era combinado com cintilômetros na produção de pontos estáveis de referência na região investigada. Deste modo, os cintilômetros eram calibrados frequentemente para serem usados como medidores adicionais e para levantamento mais rápidos para determinadas áreas. A câmera de ionização tinha forma quadrada e operava em conjunto com um vibrating reed electrometer, equipamento, projetado por Hess e colaboradores da Universidade de Fordham, que media radiações gama do solo e radiação beta do ar. As medidas de radioatividade gama eram detectadas pela janela faceada para cima. Para as medidas de radioatividade beta, a verificação seria feita com a janela faceada para o chão, alternando a folha de alumínio (Figura 5). O erro experimental chegava a 2% para raios beta com cerca de 2,3 MeV. A câmera também foi utilizada para medir o decaimento beta dos filtros de ar. Os valores de referência para baixa radioatividade foram obtidos no Campus da PUC-Rio no bairro carioca da Gávea, onde ficava a sede da universidade. Os contadores portáteis de cintilação, com NaI(Tl) de 1 × 1/2” e com escala de 0.01 a 5 mR/h, (Figura 6) abrangiam uma área maior da região e de forma mais rápida do que as câmeras de ionização. As medidas obtidas eram frequentemente comparadas com a câmera de ionização. Figura 5 Câmara de ionização sobre a mesa, a 1 m do chão, o eletrômetro sobre outros equipamentos, utilizados por Roser nos levantamentos radiométricos realizados no Projeto Guarapari. O local da foto não é informado, mas inferimos que seja no Campus da Gávea da PUC-Rio, pois a foto é indicada como equipamento de campo. (Fonte: ROSER e CULLEN, 1962). Figura 6 Partes do cintilômetro utilizados por Roser e o grupo de cientistas da PUC nos anos 1960, depositadas no Laboratório Francisco Xavier Roser (Acelerador eletrostático) PUC-RJ. Ao centro um capsula de NaI(Tl).Fotografia tirada por Marcos Martinho, em 12/08/2021. A obtenção dos níveis radiométricos na cidade obedeciam a seguinte metodologia: nas ruas com maior população ou onde eram detectadas muitas anomalias, eram realizadas três leituras. Nas praias, se os níveis encontrados nas areias fossem elevados, a concentração de radioatividade parecia estar correlacionada às correntes atmosféricas. Havia muitos lugares com registros elevados de radioatividade, na faixa de mR/h. Das duas praias existentes na cidade, a do Norte apresentou poucas anomalias comparadas com as do Sul, nas quais vários hot sposts47 foram registrados. (0.4 a 2 mR/h). As construções domésticas também eram de interesse da pesquisa, pois os habitantes passavam boa parte de suas vidas diárias em seu interior, expostos à irradiação interna dos domicílios. O tipo da construção tinha relevância para a pesquisa, pois a constituição do material poderia blindar total ou parcialmente as radiações, ou em alguns casos até emitir, caso tivessem sido utilizados materiais locais como areia da praia. As residências eram classificadas de acordo com o material usado em suas edificações: estuque, tijolo e concreto. As casas de estuque, feitas de barro local, ofereciam ambiente de potencial radioatividade, com valores médios de 72 μR/h. As construções feitas com tijolos utilizavam a areia da praia, material indispensável para este tipo de construção;; os valores encontrados, neste caso, foram de 103 μR/h. Já nos hotéis, feitos com concreto, os valores encontrados foram de 75 μR/h. Contudo na MIBRA S/A, empresa de extração de areia monazítica local, os níveis chegaram a valores de 4 mR/h. Além desses levantamentos radiométricos, os pesquisadores também procederam a estudos particulares de decaimento de rádon e tóron, presentes na atmosfera, utilizando para isto filtros de ar apropriados para a captura de partículas radioativas.48 Estes filtros, fabricados e doados NRL, eram usados na captação radioativa, intermediada pela Divisão de Saúde US-AEC chefiada por Merril Eisenbud [25, 26, 27]. A dosagem de radiação gama resultante do ar podia ser calculada pela fórmula de Hultqvist49 [8, 28]. Foram utilizados três filtros, que ficavam expostos a uma altura de 6 m. Dois desses foram posicionados na rua principal da cidade em seus extremos com a finalidade de medir a concentração dos gases radioativos presentes na atmosfera. O terceiro foi colocado na empresa de mineração MIBRA S/A, onde foram medidos valores elevados de concentração radioativa para o tóron. Detectou-se que as partículas presentes no filtro tinham meia-vida um pouco superior a do tório B (Pb212)50 que é de 10,6 h, devido à presença de impurezas. Durante os quatro anos de pesquisas com os filtros, os valores médios medidos de concentrações de rádon e tóron foram, 1.10-16 Ci/cc51 e 5.1017 Ci/cc, respectivamente. Essas pesquisas tinha uma componente original, pois as medidas de gases radioativos na atmosfera não tinham sido feitas com filtros de captura de partículas radioativas e câmeras de ionização simultaneamente. A percepção era que os filtros apresentavam valores relativamente mais baixos do que quando medidos por câmeras de ionização [29]. O experimento mostrou que as medidas obtidas por ambos equipamentos eram equivalentes [6]. Uma das questões centrais da pesquisa seria conhecer as doses radioativas ionizantes recebidas por um indivíduo ao longo de um período determinado. Guarapari oferecia essas condições para esse estudo, já que milhares de pessoas que ali residiam estavam continuamente sujeitas as variações dessas irradiações em seu trânsito diário pela região. Para conseguir as medidas dessas doses diárias recebidas pelos habitantes, Roser e colaboradores utilizaram pacotes de cristais de NaI(Tl) fosforado, que amplificavam os sinais em locais de baixa radiação gama. Com um dispositivo contendo os cristais acoplado ao corpo através de um cinto, as doses eram coletadas por 24 h. Segundo Roser, o método apresentava algumas dificuldades em relação à dependência entre a densidade do filme e as taxas de doses captadas, fazendo com que algumas amostras fossem descartadas [6]. Os filmes em boas condições de análise eram enviados para o Laboratório de Segurança e Saúde (HASL52) da US-AEC, em Nova York. Os dados obtidos por meio dos pacotes de cristais estavam em concordância com as medidas da câmera de ionização, e também com as recentes pesquisas apresentadas pela comunidade internacional, conforme descrito em relatório [6]. Outra forma de investigação implementada por Roser e Cullen foi o método de exalação de tóron. Em ambientes de alta concentração radioativa é comum seres vivos fazerem a ingestão de partículas carregadas através da respiração ou dos ciclos da natureza como o do carbono e/ou da água. A semelhança entre o mesotório (MsThl) e o cálcio faz com que está molécula seja absorvida pelos tecidos e ossos humanos após a ingestão de alimentos contaminados. A família química do mesotório tem cinco emissores de partículas alfa de 32 MeV e quatro de partículas beta com 6 MeV [16]. Em Guarapari, havia também a possibilidade de se estudar o mecanismo de absorção do mesotório pelos humanos. O método escolhido para isso propunha a captação da expiração humana por meio de um vaso coletor de 40 l, durante uma hora, tempo necessário para que uma pessoa exalasse partículas de tóron e/ou seus produtos. Essas partículas depositadas nesse vaso eram coletadas eletrostaticamente sobre uma prancheta suspensa com um recipiente e mantida num potencial negativo de 10 000 V. A prancheta era coberta com uma fina camada de cristais de sulfato de zinco, depois colocada de frente a um tubo fotomultiplicador. A atividade alfa era medida por um período de 20 horas [16]. Roser e Cullen acreditavam que esse aparato experimental teria a sensibilidade equivalente a qualquer whole body counting,53 com a vantagem de ser relativamente barato e transportável. Contudo, a dupla de cientistas, mais tarde, mudaria de opinião e construiria um contador de corpo inteiro no Campus da Católica apoiado financeiramente pelos órgãos estatais [7]. A eficiência da exalação é definida com a percentagem da produção de tóron com o corpo que exalou. Quando é produzido no baço a eficiência é de 8 porcento e nos ossos é de apenas 1 porcento. Experimentos sobre contaminações por rádio e/ou mesotório em ossos indicavam que o segundo seria responsável por 47% do total das contaminações. Assim 40% das emissões das partículas alfas seriam oriundas dos ossos. Deve ser observado que, na época, não era incomum a existência de divergências com respeito à origem das emissões internas, o que exigiu um refinamento das técnicas de obtenção desses dados e da teoria vigente que ainda estava sendo construída (Roser e Cullen 1962). Em 1962, Padre Roser participou das Assembleia da UNSCEAR em Nova York, ocasião em que apresentou um relatório contendo os levantamentos radiométricos realizados no Projeto Guarapari, nas áreas das areias monazíticas do Espírito Santo, com picos de 1 mR/ano, e nas rochas intrusivas do Morro do Ferro, Minas Gerais, picos de 12 mR/ano. As medidas obtidas com câmaras de ionização e contadores de cintilação foram publicadas na seção de regiões de elevada radiação natural, mais especificamente na crosta terrestre (solos e rochas). Na mesma seção em que Roser descreveu os seus resultados, foram apresentados dados de mais quatro regiões, com destaque para Kerala e Madras, na Índia, com picos de 200 mR/ano de radiação beta [5]. Por cerca de dois anos, Roser e Cullen percorreram a região das monazitas (ES) e das rochas vulcânicas intrusivas (MG) procurando por níveis anormais de radioatividade natural com a finalidade de mapeá-las. Esses levantamentos visavam colaborações interdisciplinares (biólogos, químicos, botânicos e geneticistas). Sobre isso Eduardo Penna-Franca escreveu no prefácio de sua tese sobre os trabalhos que desenvolveu por conta do Projeto Guarapari: “O extraordinário trabalho pioneiro de Roser, Cullen e colaboradores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que procederam ao levantamento radiométrico de extensas áreas do Brasil e à seleção de sítios e populações mais favoráveis à investigação biológica, abriram perspectivas para estudos radio-ecológicos e radio-epidemiológicos a serem conduzidos nestas regiões.”54[30, p. 5]. Nos anos seguintes, o projeto ganhou novos contornos científicos com o ingresso de Merril Eisenbud, da Universidade da Nova York. Sua presença não trouxe apenas recursos da US-AEC ao programa, mas também fomentou outras parcerias e apoio para as expedições, alargando os horizontes para a pesquisa nas regiões radioativas. Para Penna-Franca (1968, p. 5), antes de Eisenbud, aos estudos faltavam condições materiais e psicológicas para nos lançar num programa de pesquisa de envergadura, como exigia a exploração de algumas possibilidades científicas dessas regiões, pode ser demostrado pela incipiente produção do grupo. Por exemplo, no seu próprio grupo, ele estava trabalhando em um método de determinação para a captação de partículas radioativas por frangos em laboratório [31] sem nenhuma conexão direta com o trabalho do Projeto Guarapari conduzido por Roser [27]. : os primeiros estudos (1956–1958), sob a orientação do comitê científico; o Projeto Guarapari (1959–1962), quando se deu a formação de um grupo de pesquisadores brasileiros com o propósito de investigar os efeitos biológico-genéticos em populações humanas de irradiações crônicas de dose relativamente baixas; e o Projeto Radio-Epidemiológico (1963–1966), quando o projeto passou a contar com a colaboração da Universidade de Nova York. Por fim, nas considerações finais procederemos a uma análise crítica sobre os resultados apresentados, ressaltando sua relevância para a historiografia da física, principalmente nacional.

2. A energia Nuclear no Contexto da Guerra Fria: Possibilidades e Riscos para O Mundo

Em 1946, após intensos debates, o governo do presidente estadunidense Harry S. Truman (1884–1972)6 6 Foi no governo de Truman que a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. A tensão entre EUA e a URSS se intensificou quase que imediatamente dando início à chamada Guerra Fria. assinou a lei MacMahon, transferindo o controle militar sobre os assuntos atômicos para os civis, ao mesmo tempo em que criava a Agência Americana de Energia Nuclear (US-AEC). Essas ações visavam mitigar as possibilidades concretas da proliferação de armas nucleares pelo mundo, principalmente pelos soviéticos [2[2] L. Weiss, Bulletin of the Atomic Scientists 59, 34 (2003).].

Sete anos depois, o primeiro ano de governo do Presidente Eisenhower foi dominado por um clima de tensão, em razão da primeira explosão de uma bomba H pelos soviéticos. Como discutido por Weiss (2003), esse episódio desencadeou ações do governo americano com a finalidade de frear o armistício atômico pelo mundo. Uma delas seria defender o uso pacífico da energia atômica por todas as nações que quisessem adquirir essa tecnologia.

No discurso proferido por Eisenhower, na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 1953, conhecido como átomos para a paz, o presidente norte-americano mostrou estar convencido de que o mundo caminhava para uma catástrofe, tornado premente tentar evita-la.7 7 Boletim do Organismo Internacional de Energia Atômica [37]. A sua alocução trazia uma visão atraente para um mundo preocupado com a extinção em massa da espécie humana. A mensagem foi ecoada pela mídia norte-americana para todo o mundo com o apoio de muitas empresas que patrocinavam o projeto da presidência daquele país. Contudo, a proposta acabou não impedindo o aumento das armas atômica [2[2] L. Weiss, Bulletin of the Atomic Scientists 59, 34 (2003)., p. 40].

Logo após a criação da Lei de Energia Nuclear (1954),8 8 A lei aprovada em 12/07/1954 facultava aos EUA a troca de informações no setor nuclear com outras nações, podendo o governo estadunidense assinar acordos com outros países e exportar materiais atômicos de qualquer natureza. Além disso, outorgava à US-AEC a propriedade exclusiva de todos os materiais físseis. A comissão poderia conceder licença comercial e industrial a particulares para o emprego destes materiais, sem direitos a propriedade [41]. que facultava aos EUA a troca de informações da tecnologia nuclear, o governo Eisenhower propôs, por meio da ONU, uma Conferência Sobre os Usos Pacíficos da Energia Nuclear, que acabou por ser realizada em Genebra, local escolhido para as nações mais desenvolvidas na matéria nuclear exibirem seus conhecimentos e tecnologias. Apesar das ações em prol do uso seguro da energia nuclear partilhadas no verão de 1955, a reunião na cidade suíça não foi suficiente para evitar o crescimento do temor pelos efeitos maléficos da radiação nos seres humanos causados pelas explosões nucleares.

Na década de 1930, o conhecimento sobre contaminação ambiental radioativa era limitado e confinada aos poucos laboratórios existentes, equipados com cíclotrons e detectores de radiação, conforme Eisenbud e Gessel [8[8] M. Eisenbud e T.F. Gesell, Environmental Radioactivity from Natural, Industrial and Military Sources (Academic Press, Massachusetts, 1997).]. Já se sabia, por exemplo, que a exposição às fontes de radioatividade natural não trazia benefícios à saúde, como se pensava no início da década de 1910, o que provocou intenso turismo de pessoas interessadas nos poderes curativos dos minerais radioativos às regiões com elevados níveis de radiação, inicialmente em locais onde se encontravam fontes hidrominerais e depois praias com monazitas. Sabia-se também que as aplicações industriais dos minerais radioativos estavam correlacionadas com o adoecimento de trabalhadores que manuseavam esse material. Usos indevidos na medicina também contribuíram para o entendimento de que as radiações ionizantes proporcionavam efeitos mais nocivos do que benéficos. Esse foi o início da utilização da radioatividade para fins medicinais.

Ainda segundo Eisenbud e Gessel, as primeiras possibilidades de contaminações relevantes surgiram na construção de grandes reatores, cuja operação de extração de plutônio do urânio e seu descarte, provocou os primeiros estudos sobre o comportamento de vários radionuclídeos no ambiente, recomendando a adoção de cautela ao se descarregar os rejeitos radioativos no ambiente. A preocupação se intensificou com os testes com armas nucleares, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, pois esses radionuclídeos permearam a atmosfera, solos e cadeias alimentares, o que acabou por dar origem a uma apreensão generalizada, não só em círculos científicos como em vários setores da sociedade [8[8] M. Eisenbud e T.F. Gesell, Environmental Radioactivity from Natural, Industrial and Military Sources (Academic Press, Massachusetts, 1997).]. Dez anos depois da primeira explosão nuclear, a recorrente preocupação da sociedade com os efeitos das radiações ionizantes levou a ONU a criar um comitê para se dedicar ao assunto, a UNCSEAR.

Com a fundação desse comitê [3[3] https://www.unscear.org/unscear/en/general_assembly.html#Resolution1, acessado em 30/04/ 2021.
https://www.unscear.org/unscear/en/gener...
], a ONU reconhecia a importância do problema dos efeitos da radiação ionizante e observava que as nações deveriam colaborar para obtenção de dados, que buscassem a compreensão dessa matéria, para o encaminhamento de futuras soluções. De início, foi sugerido que o Comitê Científico fosse composto por cientistas, acompanhados de respectivos suplentes, de dezesseis países: Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Tchecoslováquia, Egito, França, Índia, Japão, México, Suécia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Cada representação deveria produzir relatórios sobre os níveis observados de radiação ionizante e radioatividade do ambiente, e também apontar os efeitos dessas radiações sobre o ser humano. Recomendava-se o uso de normas uniformes para a obtenção de dados. O propósito do Comitê seria, portanto, coletar e organizar os dados das pesquisas de todas as nações em relatório bienal a fim de exibir o progresso anual dessas pesquisas e a necessidade de indicar aqueles projetos, que merecessem receber apoio ulterior para aprofundamento das conclusões formuladas em caráter provisório [3[3] https://www.unscear.org/unscear/en/general_assembly.html#Resolution1, acessado em 30/04/ 2021.
https://www.unscear.org/unscear/en/gener...
].

Por meio de um comitê, integrado inicialmente por Roser e Chagas Filho, o governo brasileiro organizou um programa em consonância com as ações sugeridas pela UNSCEAR (Figura 1). Esse programa científico se resumia a duas linhas de pesquisa: a primeira, monitorar as partículas radioativas oriundas de testes explosivos nucleares em solo brasileiro (ex. estrôncio e cério); a segunda, avaliar e compreender os efeitos biológicos (somáticos e genéticos) em organismos vivos, tanto de radiações externas (provenientes de background natural e artificial), como das internas (por absorção e estocagem no organismo). Padre Roser descreve com as seguintes palavras os motivos dessas pesquisas:

“Sendo que os efeitos biológicos (sobretudo as mutações genéticas) somente [se] manifestam através de várias gerações e sendo que o conhecimento deles se impõe com urgência ainda antes que aumentem os níveis atuais de radiação artificial com riscos, possivelmente, de danos irreparáveis, são de interesse fazer levantamentos e realizar pesquisas em regiões, onde desde tempos imemoriais já existem níveis altos de radiação natural em consequência de materiais radioativos de seu solo. Este proceder permite estudar os efeitos procurados, já acumulados, em retrospectiva.” [grifos nossos] [9[9] F.X. Roser, Ciência & Cultura 30, 115 (1957).]

Regiões como as apontadas por Roser, só poderiam ser encontradas na Índia e no Brasil,9 9 Segundo aquilo que era conhecido então. por possuírem sítios toríferos com a ocorrência de irregularidades radiométricas, cujas intensidades superavam em 10 vezes o background de regiões normais.

Figura 1
Delegação brasileira na reunião de 1958 da UNSCEAR, em Nova York. Da direita para esquerda: Padre Francisco X. Roser, Carlos Chagas Filho, Crodowaldo Pavan e Nelson Libânio e ao fundo pessoas desconhecidas. Fonte: Núcleo de Memória da PUC-Rio.

No Brasil, as regiões das areias monazíticas10 10 Monazita é um mineral acessório relativamente comum em rochas ígneas ácidas (granitos, sienitos) e seus pegmatitos. Em rochas sedimentares pode ser encontrado como grãos detríticos. Normalmente, está concentrado em locais com possibilidade de mineração [43]. principalmente em Guarapari, no Sul do Espírito Santo, e de rochas vulcânicas intrusivas11 11 Em geologia, define-se como rochas que se formam pelo arrefecimento lento do magma, em geral a grandes massas e a grandes profundidades, também chamadas de rochas plutônicas. Fonte: [42]. na cidade mineira de Poços de Caldas, ofereciam boa oportunidade para a realização dessas investigações. As regiões apresentavam cenários de estudos distintos. A cidade capixaba oferecia um potencial para o estudo das populações humanas sob efeito contínuo de radiação ionizante de baixas doses. Já na cidade mineira, seria possível estudar os biomas do agreste mineiro sob a ação radioativa. No período compreendido entre 1956 e 1967, algumas expedições científicas foram realizadas nessas regiões e que tinham como meta: levantamentos radiométricos, dosimétricos, medidas atmosféricas e monitoramentos de fallout.

3. Pe. Roser, S.J. e o Início de suas Pesquisas em Radiação Ambiental

Francis Xavier Roser, nasceu em 1904 na Áustria, onde fez os seus primeiros estudos. Ele chegou ao Brasil em 1924 para cursar o noviciado jesuíta. Em 1929, tornou-se professor de ciências nos colégios da companhia. Em 1933, regressou ao seu país natal a fim de cursar física e teologia. Na parte científica, ele seguiu os cursos de Egon Ritter von Schweidler (físico experimental) e Phillipp Furtwängler (matemático). Em 1938, Roser conclui o seu doutorado em física com uma tese sobre raios cósmicos sob a orientação de Victor Hess12 12 Victor Hess, em trabalho meticuloso de investigação sobre os níveis de radiação ionizante relacionados à altitude atmosférica, entre 1911 e 1913, constatou, a partir de voos em balões e equipamentos de medidas de precisão, que os elevados níveis de ionização a 5 km do solo deveriam ter origem espacial. Ele é considerado o descobridor dos raios cósmicos (termo cunhado por Robert A. Millikan em meados da década de 1920) e por este trabalho seminal foi laureado com o prêmio Nobel de 1936. (Prêmio Nobel de 1936), intitulada “Investigações sobre a ultra-radiação cósmica no Hafelekar em 1937”.

A partir do momento que a direção geral da Companhia de Jesus decidiu criar, em meados da década de 1940, uma universidade católica na cidade do Rio de Janeiro, ficou claro que seria necessário conceder espaço às ciências naturais. Roser foi escolhido para ser o responsável para planejar a criação do centro científico. Porém, tendo em vista o fato de ter terminado seu doutorado antes do início da Segunda Guerra Mundial, ficou evidente para ele, por não ter podido acompanhar os avanços da física nuclear, que ele estava defasado no que diz respeito aos avanços ocorridos na física. Além de estar desatualizado, Roser percebia que, mesmo sendo douto em física, tinha lacunas em sua formação, provocadas pelo fato de que o seu doutoramento foi realizado concomitantemente com o curso – obrigatório para a sua formação como padre – de teologia, o que impediu de se dedicar integralmente à física. A fim de poder criar um centro de ensino e pesquisa genuinamente bons, Roser sentiu a necessidade de partir para os EUA para se familiarizar com esses novos fundamentos e técnicas de pesquisa. Seria durante esse segundo período de estudos que ele escolheria o(s) campo(s) de investigação a serem desenvolvidos, após o seu regresso ao Brasil, na universidade católica.

Roser chegou aos Estados Unidos ao final do ano de 1948, permanecendo até o início da segunda metade dos anos 1950. Durante esse período, ele passou dois anos no Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago, onde interagiu com Marcel Schein e com Theodor Bowen na área de raios cósmicos (Figura 2). Depois passou uma temporada em Stanford, onde trabalhou com Felix Bloch (Prêmio Nobel de Física em 1952) e Robert Hofstadter (Prêmio Nobel de Física em 1964). O seu retorno ao Brasil se deu em 1956, mesmo ano em que se tornou delegado da UNSCEAR (1956–1967) e em que inaugurou o programa de investigação em radioatividade ambiental. No ano seguinte, ele fundou o Instituto de Ciências da Católica, que dirigiu até sua morte em fevereiro de 1967 [10[10] A.A.P. Videira e B. Nobre, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e2601 (2018).].

É importante ressaltar que o Padre Roser tinha dois objetivos quando decidiu passar uma temporada nos EUA. O primeiro deles, como já mencionado, era aprimorar os seus conhecimentos em física nuclear, pois ele sempre reclamou das lacunas deixadas pelo curso de física que fez em concomitância com o de teologia (1934–1938).13 13 Carta de Roser ao Superior Provincial, Chicago, 25/03/1950 (Acervo da Cúria dos Jesuíta-RJ). ,14 14 Carta de Roser ao Superior Provincial, Santa Clara, Califórnia, 25/01/1952 (Acervo da Cúria dos Jesuíta-RJ). Seria fundamental estar atualizado com os desenvolvimentos da física nuclear e de partículas, assuntos de vanguarda científica no momento, necessários para a formulação de linhas de pesquisas modernas para o futuro centro científico.

Figura 2
Marcel Schein (2° esq. para dir.) e Padre Roser, Chicago (1950), em um estádio esportivo, após realização de experimentos sobre raios cósmicos com balões. Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio.

A segunda razão estava em consonância com os anseios da comunidade de físicos e matemáticos brasileiros que reivindicavam melhores condições de trabalho e estímulo às pesquisas. A situação da ciência brasileira era inversa àquela existente na Europa ou nos EUA. Para o desenvolvimento dos estudos nucleares no país, colocando-nos em posição equivalente à dos países mais desenvolvidos, era preciso inovações no modo de fazer ciência [11[11] A.M.R. Andrade, Físicos Mésons e Política (Hucitec, Rio de Janeiro, 1999).].

A radioatividade ambiental pode ser caracterizada como sendo de dois tipos, natural e artificial. Essa última é produzida por artefatos bélicos, em guerras ou testes nucleares, ou equipamentos que produzem radionuclídeos, como aparelhos médicos. A primeira é toda a radiação que existe desde tempos imemoriais com origens no solo ou do espaço sideral. O campo de pesquisa inicial do padre Roser, os raios cósmicos, se situa neste último contexto. Quando decidiu ir para os EUA, em sua lista de objetivos estava o desejo de se aprofundar em seu campo de pesquisa inicial e também aprender as novas técnicas de indução nuclear, além de outras razões que não caberiam neste artigo.

Roser desenvolveu pesquisas com detecção de partículas por meio de cintiladores, tanto com Marcel Schein, em Chicago de 1950–52, com aplicações em raios cósmicos, quanto com Robert Hofstadter, em Stanford de 1953–54, no campo da física dos sólidos [12[12] T. Bowen e F.X. Roser, Phys. Rev. 85, 992 (1952)., 13[13] F.X. Roser, Science 121, 806 (1955).]. Ele se especializou também em indução nuclear, com Félix Bloch. Os conhecimentos adquiridos, nesses dois laboratórios, lhe permitiam pensar em levá-los para o centro científico da PUC-RJ, se não fosse o fato de serem dispendiosos: a sua inserção dependeria de recursos financeiros que não estavam à disposição da Igreja Católica, comprometida com uma campanha para a construção do Campus Gávea. Estando nos EUA, Roser não tinha acesso direto ao CNPq, órgão nacional de fomento à pesquisa recentemente criado. Diante dessas circunstâncias, Roser via-se sem condições de decidir que projeto científico poderia ser implementado após o seu regresso ao Brasil.

Foram dois os fatores, ocorridos entre 1954 e 1955, que levaram Roser a escolher pelas pesquisas sobre radioatividade natural. O primeiro foi um convite de Victor Hess, à época na Universidade de Fordham, instituição jesuíta em Nova York, para aprender sobre técnicas de radioatividade natural, área a qual o antigo professor se dedicava. A aproximação com os militares, pertencentes ao Conselho Deliberativo do CNPq, conhecedores de seu trabalho e sua dedicação à ciência, foi a segunda. Em atendimento a uma solicitação do Itamaraty, o CNPq precisava indicar dois nomes para compor a delegação brasileira na primeira reunião da recém-criada UNSCEAR. Roser um especialista em radiação, foi um dos escolhidos. Para justificar a indicação dos representantes brasileiros, o Coronel Bernardino de Matos Neto, químico industrial, então conselheiro do CNPq, e amigo de Roser, realizou a leitura do seu parecer no processo 12/56:

“Devo esclarecer que o Professor Roser trabalhou, longo tempo, na Universidade de Stanford, com professor Bloch e o professor Panowsky.15 15 (1919–2007) físico estadunidense nascido na Alemanha. Em Stanford, trabalhou diretamente no projeto de aceleradores lineares, o MARK III. Acresce a circunstância que já se encontra nos Estados Unidos da América.16 16 Roser estava em Nova York, local da primeira reunião da UNSCEAR. Teve ele sua bolsa prorrogada, até março, por que está a serviço da Comissão de Energia Atômica, incumbido de selecionar algum material de física nuclear.17 17 Desde de 1953, Roser recebia bolsa do CNPq. Primeiro pelos trabalhos realizados com Hofstadter (1953–1954), depois por serviços de compra de equipamentos científicos para o conselho (1955). De maneira, que o Professor Carlos Chagas e o Professor Padre Francisco Roser, são os dois nomes indicados pela Comissão de Energia Atômica, a fim de atender ao pedido do Itamaraty.”18 18 Ver nota 5.

4. Guarapari: As Primeiras Medidas Radiométricas Obtidas Diretamente do Solo

A radioatividade emanada das areias pretas da praia capixaba é conhecida desde do fim do século XIX, quando a empresa franco-brasileira Société Minière Industrielle Franco-Brasilienne, fundada em 1898, começou a extração de óxido de tório. O aquecimento dessa substância apresenta uma luz forte e duradoura, propriedade essa que, na segunda metade do século XIX, era usada na iluminação pública de cidades europeias. Com o crescente aumento da energia elétrica, a extração foi diminuída e acabou sendo extinta no início do século XX [14[14] https://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/, acessado em 17/10/ 2021.
https://especiais.gazetaonline.com.br/bo...
].

A exploração foi retomada nos anos 1940, quando o russo Boris Davidovich19 19 Nasceu na Rússia, naturalizado norte-americano, francês e brasileiro. Ele chegou ao Brasil em 1940 como procurador da “Société Minière”, empresa francesa que já mantinha a exploração de monazita no Espírito Santo e, em apenas um ano, já era dono de todo o patrimônio radioativo da cidade de Guarapari. fundou a empresa MIBRA S/A (Monazita do Brasil) para extração, processamento e transporte dos minerais para os EUA, interessados no tório20 20 Mineral radioativo usado na produção de energia nuclear. Importante combustível de reatores nucleares, também escasso, é encontrado principalmente no Espírito Santo e no Rio de Janeiro [42]. para uso na tecnologia nuclear. Ele comprou todas as áreas que continham a monazita. À época, o governo brasileiro não tinha conhecimento sobre os projetos atômicos no mundo, pois eram todos sigilosos, o que implicava o desconhecimento sobre o real interesse dos estrangeiros nas areias de Guarapari, ricas em óxido de tório [14[14] https://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/, acessado em 17/10/ 2021.
https://especiais.gazetaonline.com.br/bo...
]. Somente a partir de 1951, o Brasil passou a controlar suas reservas de tório e urânio através do CNPq [11[11] A.M.R. Andrade, Físicos Mésons e Política (Hucitec, Rio de Janeiro, 1999).]. No ano de 1953, a empresa LASA21 21 Empresa de prospecção mineral, cuja sigla significa Levantamentos Aerocintilométricos S/A. produziu um mapeamento feito por aerocintilometria22 22 Sistema de prospecção aérea por cintilômetros de NaI(Tl). O registro é analógico, constante, de seis canais para as curvas de altimetria para espectros de tório, urânio e potássio. Registros confiáveis são impressos nas fotografias a cada 10 fotos [44]. que prospectava as regiões radioativas brasileiras, confirmando que a região de Guarapari possuía elevados níveis de radiação [15[15] O. Malm, W.C. Pfeifer e D. Botaro, em: Construtores do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, editado por D.F. Almeida e W. Souza (Corbã, Rio de Janeiro, 2013), p. 169.].

A cidade capixaba, situada ao sul do estado do Espírito Santo, foi uma das eleitas por Roser e Chagas Filho para a realização de pesquisas sobre os efeitos da radioatividade nos seres humanos, estimuladas pelo comitê da Nações Unidas desde 1956. A cidade era também conhecida por seu turismo radioativo, o que ficava evidente nos nomes dados a alguns da cidade como, por exemplo, o Radium Hotel, local em que se hospedava a equipe de cientistas e estudantes liderados pelo padre jesuíta (Figura 3).23 23 Inaugurado em 1953, era um empreendimento luxuoso com funcionamento de cassino [14].

Devido aos processos de intemperismos geológicos nas velhas montanhas da região conhecida como Serra do Mar, surgiram as monazitas, um material duro e insolúvel em água. Na cidade de Guarapari e adjacências, há um considerável sítio natural deste material levado por ações meteorológicas, mas principalmente por rios ao longo da costa numa intensa interação com os oceanos. As monazitas são uma mistura de fosfatos de terras raras, com 4–6% de tório impuro.

Figura 3
Padres Thomas L. Cullen e Roser em Guarapari, usando trajes civis, em frente ao Hotel Radium famoso por seu cassino, executando medidas radioativas em 1956. Sobre a mesa uma câmera de ionização tipo Steiner. Fonte: Núcleo de Memória da PUC-Rio.

No aspecto da ocupacional, no início da década de 1960, a população tinha cerca de 4.600 habitantes residentes, chegando a 10.000 pessoas nos períodos de veraneio. A adjacente Muquiçaba, vila que fica do outro lado do rio, também foi escolhida como local a ser estudado. Sua população era um quinto à de Guarapari [16[16] F.X. Roser e T.L. Cullen, Anais acad. brasil. cienc. 34 (1962).].

Assim que a primeira Reunião da UNSCEAR terminou, Carlos Chagas Filho e Roser, os únicos membros da delegação brasileira, iniciaram os preparativos para empreender suas primeiras viagens às zonas radioativas. O trabalho seria dividido em duas partes. Primeiramente a física, que ficou a cargo de Roser e seu assistente o físico norte-americano e também jesuíta, Pe. Tomas L. Cullen. Roser o conheceu no tempo em que esteve em Fordham.

Padre Cullen lecionava no Shrub Oak College e pertencia ao grupo de pesquisa em contaminação ambiental de Hess. Sua especialidade era detecção de gases radioativos em humanos pelo método da respiração [17[17] P.F. Howard, American In Rio (Cúria dos Jesuítas, Rio de Janeiro, 1973), p. 14.]. Sua vinda ao Brasil estava condicionada à colaboração com Roser nos levantamentos radiométricos, os quais deveriam ser realizados em um curto intervalo de tempo (3 meses), para que a delegação brasileira pudesse contribuir com o comitê internacional no fornecimento de dados das regiões radioativas brasileiras.24 24 Ata 325ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/05/1956_processo 1925/56.

A outra parte, a biológica, ficaria a cargo do IBF-UB. A divisão do trabalho foi descrita por Chagas Filho, quem também esclareceu o papel a ser desempenhado por Roser, no início do programa de investigações:

“O programa apresentado se divide em duas partes. Uma parte biológica, que é aquela sobre a qual eu ouso dar a minha opinião e uma parte de medidas físicas, algumas das medidas sendo também do meu alcance. Porém, medidas de muito, mais precisão, principalmente aquelas relativas à corrente de ionização muito pequenas de ordem de 10 a menos 14 que já são medidas muito especiais, caem, exatamente, dentro da especialização do Padre Roser que trabalhou nos últimos meses na New York University, onde trabalha também o Padre Cullen. Assim, essa parte de equipamento físico ficou sob a orientação do Padre Roser, que foi quem determinou os melhores preços e a melhor aparelhagem em melhores condições.”25 25 Sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisa realizada a 25/05/1956.

Ao longo da primeira etapa, os grupos trabalharam independentemente. O grupo de biologia realizou um estudo pioneiro de determinação do estrôncio-90, a partir da análise radioquímicas de leite em pó e urina humana, na qual encontraram concentrações próximas às encontradas em outros países. As amostras recolhidas não eram provenientes das zonas radioativas [18[18] E.P. Franca, C.C. Filho e A.P. Coelho, Ciência & Cultura 30, 115, 1957.].

Já Roser e Cullen realizaram medições, tanto em Guarapari (ES), como na região do Morro do Ferro26 26 Embora nosso foco neste artigo sejam as pesquisas em Guarapari, algumas vezes mencionaremos a cidade do Morro do Ferro (que seria um outro sítio radioativo importante para estudos e que também recebeu atenção dos cientistas da delegação brasileira), pois esta última fazia parte do planejamento das atividades científicas de Roser. (MG), apresentadas na conferência do comitê científico internacional, além de monitorarem o fallout de testes nucleares, com estações de coletas na PUC-Rio, em pareceria com Instituto Nacional de Tecnologia (INT) [4[4] UNSCEAR, Report Of The United Nations Scientific Committee On The Effects Of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1958)., 19[19] F.X. Roser, Anais da Academia Brasileira de Ciências 30, 24 (1958).].

Para a realização das pesquisas sobre radioatividade natural, o CNPq subvencionou bolsas para Roser e Cullen e para a compra de equipamentos: câmeras de ionização simples e tipo Steiner, eletrômetros Vibrating Reed, registradores Esterline Angus, surveymeter de cintilação, pulse-amplifier, registrador eletrônico e vários outros elementos.27 27 Ata 317ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _24/04/1956_processo 1925/56

A câmera de ionização é um dosímetro de precisão para a detecção de radiação. O seu princípio de funcionamento consiste na ionização dos átomos do gás confinado no interior do equipamento. Da interação, ocorre a criação de pares de íons que são atraídos por um campo elétrico, gerando uma corrente elétrica medida por um eletrômetro [20[20] F.G. Knoll, Radiation detection and measurement (Wiley, Nova York, 2010).]. Os demais equipamentos adquiridos pelo físico jesuíta melhoram a aquisição dos dados experimentais.

O material utilizado para os levantamentos radiométricos foi comprado nos EUA. Conforme relatado por Costa Ribeiro,28 28 Ata 325ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/05/1956 Roser “estava perfeitamente a par do assunto e já havia entrado em entendimento com firmas para compra desse material.” Um desses instrumentos seria “uma câmara de ionização para medidas de background de irradiações e que tem de ser feito de acordo especificações minuciosas que o Padre Roser possui.” O valor liberado pelo CNPq para a compra de equipamentos foi de US[dollar]7.000,00, solicitados por Chagas Filho. Mais tarde, Roser realizou outras compras também com verba do conselho no valor de Cr[dollar] 300 000,00.29 29 Ata 366ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _27/03/1957_processo 1652/57 ,30 30 Ata 377ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/06/1957_processo 1652/57 O recurso foi destinado à aquisição de peças para a montagem de duas câmeras de ionização31 31 Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol.9, n° 4, 1957, p. 260. pelo IF-PUC. O auxílio do CNPq também contemplava uma bolsa de Cr[dollar] 15 000,00, paga a Roser durante o período de um ano.32 32 Ata 330ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/07/1956_processo 1925/56.

As primeiras pesquisas conduzidas em terras capixabas foram os levantamentos radiométricos com as câmeras de ionização e cintilômetros portáteis a fim de mapear os hot spots33 33 Expressão utilizada por Roser nos relatórios para indicar pontos elevados de radioatividade de fundo nos levantamentos radiométricos. radioativos da cidade de Guarapari e adjacências. Roser e Cullen mediram sequências de faixas costeiras intermitentes, cada uma com vários quilômetros de comprimento e centenas de metros de largura. Os valores de irradiação externa, encontrados para a região, estavam na faixa de 500–10000 mR/ano [4[4] UNSCEAR, Report Of The United Nations Scientific Committee On The Effects Of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1958).]. Segundo Chagas Filho, as primeiras medições de radioatividade natural obtidas pela dupla de padres foram realizadas através do apoio do DNPM, das companhias LASA e PROSPEC que colocaram todo seu aparelhamento e todo seu pessoal à disposição, para levantamentos aerocintilométricos necessários aos trabalhos.34 34 Ata 342ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _26/09/1956.

Duas eram as finalidades desses equipamentos: medir as contaminações do ar e do solo das zonas radioativas habitadas com baixas doses de radioatividade ionizante para avaliação do problema das contaminações através da distribuição das águas e seus depósitos em canais e bacias, e a assimilação de radioisótopos pela vegetação.

A segunda finalidade era a realização de um monitoramento contínuo de eletricidade atmosférica em contribuição ao Ano Geofísico Internacional.35 35 Evento científico proposto pela ONU (1957–58) com objetivo de congregar esforços para uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados à Terra. Bolsas para a realização dessas pesquisas foram concedidas pela Navy Research Laboratory (NRL) obtidas por Costa Ribeiro, após apresentação feita por Roser, que possuía conhecimentos em vários departamentos científicos americanos decorrentes dos seis anos de trabalhos em pesquisas.36 36 Ata 330ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/07/1956. Outras foram concedidas ao Observatório Nacional37 37 Ata 37ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/04/1957;; processo 179/57. e ao INT.38 38 Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol. 9, nº 4, 1957, p. 261.

5. Projeto Guarapari: Um Programa Sobre os Efeitos Biológicos-Genéticos em Populações Humanas de Irradiação Nuclear de Baixas Doses

Desde o início das pesquisas sobre os efeitos da radioatividade sobre os seres vivos, Chagas e Roser mobilizaram grupos de cientistas interessados nessas questões. Eventos científicos foram organizados com apoio financeiro inicialmente do CNPq e depois da CNEN, organizados por Chagas Filho no IBF-UB, em 195639 39 Ata 317ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _24/04/1956. e outro em 195740 40 Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol. 9, nº 4, 1957, p. 260. e um terceiro realizado em Curitiba sobre genética humana, todos com a participação de Roser. A partir dessa interação, surgiu a ideia de se organizar um projeto de colaboração entre físicos e biólogos, nomeado de Projeto Guarapari.

O programa teve início no segundo semestre de 1959.41 41 Anuário da PUC-Rio (1960). Contava com a participação, além da PUC e do IBF-UB, do departamento de Biologia da Universidade de São Paulo, representado pelo geneticista Crodowaldo Pavan42 42 Foi um biólogo e geneticista brasileiro. Foi presidente do CNPq de 1986 a 1990. Foi professor-emérito da Universidade de São Paulo. Também atuou como delegado da UNSCEAR. e o Instituto de Genética da Universidade de Curitiba, representado pelo também geneticista Newton Freire Maia.43 43 Foi um professor, pesquisador e geneticista brasileiro. Lecionou na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Paraná. Pela PUC-Rio, estavam, além de Roser e Cullen, cedido pela Universidade de Fordham, pago com recursos da CNEN, Antônio Cesar Olinto de Oliveira e Rogério Jaques de Morais. A equipe era assistida pelo técnico de laboratório Ephrem Sano. Todos trabalhavam em tempo integral na instituição [21[21] PUC-RIO, Anuário PUC-Rio 1960 (PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1960)., 22[22] PUC-RIO, Anuário PUC-Rio 1961 (PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1961).].

Por quatro meses, o grupo científico do IF-PUC percorreu cerca de 7 000 km, principalmente refazendo levantamentos radiométricos em várias localidades em zonas radioativas de elevada atividade, mas também em regiões normais. O percurso foi realizado por meio de um Jeep fornecido pela CNEN [23[23] F.X. Roser e T.L. Cullen, Anais da Academia Brasileira de Ciências 31, 45 (1961)., 24[24] F. Roser, T. Cullen, L. Heinberg, H. Gomes e N. Costa, em: The Natural Radiation Environmental (Houston, 1964).].

Podemos dividir o trabalho realizado pela equipe de Roser neste projeto em: medidas de radiação externa emanada pelo solo e por contaminações atmosféricas; e interna, obtida por detecção tóron ou rádon44 44 São gases radioativos enquadrados dentro dos chamados gases nobres, é incolor inodoro e insípido. Ao contrário dos outros descendentes do urânio, o rádon é gasoso e pertence à família dos gases nobres, libertando-se dos solos e rochas, materiais de construção e água, sendo que no seu processo natural de decaimento emite partículas alfa, beta e gama. O tóron Isótopo radioativo pesado, gasoso, formado pela desintegração de tório. Emite raios alfa e tem meia-vida de menos de um minuto; também chamado emanação de tório. através de corpos já contaminados, que seriam medidos pelo método respiratório, especialidade de seu assistente, Padre Cullen. Cintilômetros, câmeras de ionização, contadores Geiger-Müller, filmes de cristais para medir as doses diárias recebidas pela população local, filtros para análise do ar atmosférico e vasos coletores para medidas de tóron exalados pela respiração foram os equipamentos utilizados.

Das regiões investigadas por Roser e Cullen, Guarapari foi a única que reuniu todos os experimentos (no solo, ar e na população), em diferentes locais dentro da cidade, seja nas praias, seja nas ruas. No Projeto Guarapari, Antônio Olinto descreve assim o seu trabalho ao longo da região litorânea:

“Eu fiquei um mês lá – era em Guarapari medindo a radioatividade das areias monazíticas. Em 60, janeiro de 60. Ou 59? […]. Ele [Roser] já tinha ido, depois eu fui com o padre Cullen, ele [Roser] voltou e eu fiquei lá fazendo um levantamento não só da praia, mas da cidade toda. E foi um trabalho!’45 45 Olinto, Antônio César. Antônio César Olinto depoimento [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF.

Os levantamentos radiométricos tinham a finalidade de ampliar as medidas realizadas nas expedições anteriores e produzir um mapa mais detalhado da região (Figura 4). Para isso, foram usadas câmeras de ionização e cintilômetros portáteis para medir os níveis de radiação locais.

Figura 4
Mapa do centro da cidade de Guarapari (1960) com as estações de medidas de radiação de fundo obtidos por meio de detectores de radiação. Fonte: relatório [16[16] F.X. Roser e T.L. Cullen, Anais acad. brasil. cienc. 34 (1962).].

Roser e Cullen escolheram vinte e seis pontos de medidas, distribuídos ao longo da cidade. As regiões de praia e da MIBRA S/A, empresa que explorava minerais na região, não foram escaladas para as medições, pois continham uma poeira fina, que oferecia riscos de contaminação por inalação.

A câmara de ionização realizava medições de raios gama e beta do solo nas estações escolhidas (Figura 4). O instrumento realizava medidas de alta precisão em mR/h.46 46 (miliroentgen/hora) Taxa de exposição à radiação ionizante por unidade de tempo. É a quantidade de radiação necessária para libertar cargas positivas e negativas de uma unidade eletrostática de carga em um centímetro cúbico. A unidade era usada no tempo de Roser, sua equivalência em unidades modernas é 1 gray(Gy) = 100 roentgen(R). Sua eficiência melhorava quando era combinado com cintilômetros na produção de pontos estáveis de referência na região investigada. Deste modo, os cintilômetros eram calibrados frequentemente para serem usados como medidores adicionais e para levantamento mais rápidos para determinadas áreas.

A câmera de ionização tinha forma quadrada e operava em conjunto com um vibrating reed electrometer, equipamento, projetado por Hess e colaboradores da Universidade de Fordham, que media radiações gama do solo e radiação beta do ar. As medidas de radioatividade gama eram detectadas pela janela faceada para cima. Para as medidas de radioatividade beta, a verificação seria feita com a janela faceada para o chão, alternando a folha de alumínio (Figura 5). O erro experimental chegava a 2% para raios beta com cerca de 2,3 MeV. A câmera também foi utilizada para medir o decaimento beta dos filtros de ar. Os valores de referência para baixa radioatividade foram obtidos no Campus da PUC-Rio no bairro carioca da Gávea, onde ficava a sede da universidade. Os contadores portáteis de cintilação, com NaI(Tl) de 1 × 1/2” e com escala de 0.01 a 5 mR/h, (Figura 6) abrangiam uma área maior da região e de forma mais rápida do que as câmeras de ionização. As medidas obtidas eram frequentemente comparadas com a câmera de ionização.

Figura 5
Câmara de ionização sobre a mesa, a 1 m do chão, o eletrômetro sobre outros equipamentos, utilizados por Roser nos levantamentos radiométricos realizados no Projeto Guarapari. O local da foto não é informado, mas inferimos que seja no Campus da Gávea da PUC-Rio, pois a foto é indicada como equipamento de campo. (Fonte: ROSER e CULLEN, 1962).
Figura 6
Partes do cintilômetro utilizados por Roser e o grupo de cientistas da PUC nos anos 1960, depositadas no Laboratório Francisco Xavier Roser (Acelerador eletrostático) PUC-RJ. Ao centro um capsula de NaI(Tl).Fotografia tirada por Marcos Martinho, em 12/08/2021.

A obtenção dos níveis radiométricos na cidade obedeciam a seguinte metodologia: nas ruas com maior população ou onde eram detectadas muitas anomalias, eram realizadas três leituras. Nas praias, se os níveis encontrados nas areias fossem elevados, a concentração de radioatividade parecia estar correlacionada às correntes atmosféricas. Havia muitos lugares com registros elevados de radioatividade, na faixa de mR/h. Das duas praias existentes na cidade, a do Norte apresentou poucas anomalias comparadas com as do Sul, nas quais vários hot sposts47 47 Expressão usado por Roser e Cullen para pontos com elevados índices de radiação gama. foram registrados. (0.4 a 2 mR/h).

As construções domésticas também eram de interesse da pesquisa, pois os habitantes passavam boa parte de suas vidas diárias em seu interior, expostos à irradiação interna dos domicílios. O tipo da construção tinha relevância para a pesquisa, pois a constituição do material poderia blindar total ou parcialmente as radiações, ou em alguns casos até emitir, caso tivessem sido utilizados materiais locais como areia da praia. As residências eram classificadas de acordo com o material usado em suas edificações: estuque, tijolo e concreto.

As casas de estuque, feitas de barro local, ofereciam ambiente de potencial radioatividade, com valores médios de 72 μR/h. As construções feitas com tijolos utilizavam a areia da praia, material indispensável para este tipo de construção;; os valores encontrados, neste caso, foram de 103 μR/h. Já nos hotéis, feitos com concreto, os valores encontrados foram de 75 μR/h. Contudo na MIBRA S/A, empresa de extração de areia monazítica local, os níveis chegaram a valores de 4 mR/h.

Além desses levantamentos radiométricos, os pesquisadores também procederam a estudos particulares de decaimento de rádon e tóron, presentes na atmosfera, utilizando para isto filtros de ar apropriados para a captura de partículas radioativas.48 48 Especificações: diâmetro de 4 polegadas, fluxo de ar 40 pés cúbicos por minuto, eficiência de retenção de partículas radioativas de 95% [39]. Estes filtros, fabricados e doados NRL, eram usados na captação radioativa, intermediada pela Divisão de Saúde US-AEC chefiada por Merril Eisenbud [25[25] B. Gross, Anais da Academia Brasileira de Ciências 30, 428 (1958)., 26[26] G. Kegel, Anais da Academia Brasileira de Ciências 28, 447 (1956)., 27[27] T. L. Cullen e F. X. Roser, Anais da Academia Brasileira de Ciências 34, 23 (1962).]. A dosagem de radiação gama resultante do ar podia ser calculada pela fórmula de Hultqvist49 49 D=14,2⋅10-12⋅Cnmrad/ano, onde Cn é a concentração de rádon ou tóron no ar na unidade 10-15 curies/cc. Os valores previstos para os pulmões 0.09 rad, 0.01 e 0.02 rad por ano para uma concentração de 5.10-16 curies/cc. A radiação gama sobre rochas e solos contendo quantidades conhecidas de materiais radioativos foi primeiro calculado por Hess Posteriormente, Hultqvist calculou valores característicos de radiação para minerais com as concentrações de materiais radioativos. Hultqvist desenvolveu expressões numéricas simples para a dose de raios gama, corrigida para a radiação espalhada. Se suas fórmulas são usadas para estimar a contribuição para a taxa de dose (D, rad / ano) de várias concentrações de materiais radioativos no solo, UNSCEAR (1958) [45]. [8[8] M. Eisenbud e T.F. Gesell, Environmental Radioactivity from Natural, Industrial and Military Sources (Academic Press, Massachusetts, 1997)., 28[28] UNSCEAR, Report of The Untided Nations Scientific Commitee on the Effects of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1958).].

Foram utilizados três filtros, que ficavam expostos a uma altura de 6 m. Dois desses foram posicionados na rua principal da cidade em seus extremos com a finalidade de medir a concentração dos gases radioativos presentes na atmosfera. O terceiro foi colocado na empresa de mineração MIBRA S/A, onde foram medidos valores elevados de concentração radioativa para o tóron. Detectou-se que as partículas presentes no filtro tinham meia-vida um pouco superior a do tório B (Pb212)50 50 Este isótopo instável do chumbo pertence a série do Th232. que é de 10,6 h, devido à presença de impurezas.

Durante os quatro anos de pesquisas com os filtros, os valores médios medidos de concentrações de rádon e tóron foram, 1.10-16 Ci/cc51 51 A unidade de quantidade de atividade de dado material radioativo cujo o número de desintegração de radionuclídeos por segundo é 3,7×1010. A unidade apresentada por Roser curie/cc não foi encontrada sua definição. Presumimos que seja desintegração por certo volume de ar atmosférico. e 5.1017 Ci/cc, respectivamente. Essas pesquisas tinha uma componente original, pois as medidas de gases radioativos na atmosfera não tinham sido feitas com filtros de captura de partículas radioativas e câmeras de ionização simultaneamente. A percepção era que os filtros apresentavam valores relativamente mais baixos do que quando medidos por câmeras de ionização [29[29] T. L. Cullen, Anais da Acadêmia Brasileira de Ciências 30, 274 (1958).]. O experimento mostrou que as medidas obtidas por ambos equipamentos eram equivalentes [6[6] F.X. Roser e T.L. Cullen, Environmental Radioactivity in High Background Areas of Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1962).].

Uma das questões centrais da pesquisa seria conhecer as doses radioativas ionizantes recebidas por um indivíduo ao longo de um período determinado. Guarapari oferecia essas condições para esse estudo, já que milhares de pessoas que ali residiam estavam continuamente sujeitas as variações dessas irradiações em seu trânsito diário pela região.

Para conseguir as medidas dessas doses diárias recebidas pelos habitantes, Roser e colaboradores utilizaram pacotes de cristais de NaI(Tl) fosforado, que amplificavam os sinais em locais de baixa radiação gama. Com um dispositivo contendo os cristais acoplado ao corpo através de um cinto, as doses eram coletadas por 24 h. Segundo Roser, o método apresentava algumas dificuldades em relação à dependência entre a densidade do filme e as taxas de doses captadas, fazendo com que algumas amostras fossem descartadas [6[6] F.X. Roser e T.L. Cullen, Environmental Radioactivity in High Background Areas of Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1962).].

Os filmes em boas condições de análise eram enviados para o Laboratório de Segurança e Saúde (HASL52 52 Health and Safety Laboratory (Divisão de Saúde da AEC). ) da US-AEC, em Nova York. Os dados obtidos por meio dos pacotes de cristais estavam em concordância com as medidas da câmera de ionização, e também com as recentes pesquisas apresentadas pela comunidade internacional, conforme descrito em relatório [6[6] F.X. Roser e T.L. Cullen, Environmental Radioactivity in High Background Areas of Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1962).].

Outra forma de investigação implementada por Roser e Cullen foi o método de exalação de tóron. Em ambientes de alta concentração radioativa é comum seres vivos fazerem a ingestão de partículas carregadas através da respiração ou dos ciclos da natureza como o do carbono e/ou da água. A semelhança entre o mesotório (MsThl) e o cálcio faz com que está molécula seja absorvida pelos tecidos e ossos humanos após a ingestão de alimentos contaminados. A família química do mesotório tem cinco emissores de partículas alfa de 32 MeV e quatro de partículas beta com 6 MeV [16[16] F.X. Roser e T.L. Cullen, Anais acad. brasil. cienc. 34 (1962).].

Em Guarapari, havia também a possibilidade de se estudar o mecanismo de absorção do mesotório pelos humanos. O método escolhido para isso propunha a captação da expiração humana por meio de um vaso coletor de 40 l, durante uma hora, tempo necessário para que uma pessoa exalasse partículas de tóron e/ou seus produtos. Essas partículas depositadas nesse vaso eram coletadas eletrostaticamente sobre uma prancheta suspensa com um recipiente e mantida num potencial negativo de 10 000 V. A prancheta era coberta com uma fina camada de cristais de sulfato de zinco, depois colocada de frente a um tubo fotomultiplicador. A atividade alfa era medida por um período de 20 horas [16[16] F.X. Roser e T.L. Cullen, Anais acad. brasil. cienc. 34 (1962).].

Roser e Cullen acreditavam que esse aparato experimental teria a sensibilidade equivalente a qualquer whole body counting,53 53 Contadores de corpo inteiro. com a vantagem de ser relativamente barato e transportável. Contudo, a dupla de cientistas, mais tarde, mudaria de opinião e construiria um contador de corpo inteiro no Campus da Católica apoiado financeiramente pelos órgãos estatais [7[7] F.X. Roser e T.L. Cullen, A Study of Natural Radioactivity in Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, (1966).].

A eficiência da exalação é definida com a percentagem da produção de tóron com o corpo que exalou. Quando é produzido no baço a eficiência é de 8 porcento e nos ossos é de apenas 1 porcento. Experimentos sobre contaminações por rádio e/ou mesotório em ossos indicavam que o segundo seria responsável por 47% do total das contaminações. Assim 40% das emissões das partículas alfas seriam oriundas dos ossos. Deve ser observado que, na época, não era incomum a existência de divergências com respeito à origem das emissões internas, o que exigiu um refinamento das técnicas de obtenção desses dados e da teoria vigente que ainda estava sendo construída (Roser e Cullen 1962).

Em 1962, Padre Roser participou das Assembleia da UNSCEAR em Nova York, ocasião em que apresentou um relatório contendo os levantamentos radiométricos realizados no Projeto Guarapari, nas áreas das areias monazíticas do Espírito Santo, com picos de 1 mR/ano, e nas rochas intrusivas do Morro do Ferro, Minas Gerais, picos de 12 mR/ano. As medidas obtidas com câmaras de ionização e contadores de cintilação foram publicadas na seção de regiões de elevada radiação natural, mais especificamente na crosta terrestre (solos e rochas). Na mesma seção em que Roser descreveu os seus resultados, foram apresentados dados de mais quatro regiões, com destaque para Kerala e Madras, na Índia, com picos de 200 mR/ano de radiação beta [5[5] UNSCEAR, Report Of The United Nations Scientific Committee On The Effects Of Atomic Radiation (UNSCEAR, Nova York, 1962).].

Por cerca de dois anos, Roser e Cullen percorreram a região das monazitas (ES) e das rochas vulcânicas intrusivas (MG) procurando por níveis anormais de radioatividade natural com a finalidade de mapeá-las. Esses levantamentos visavam colaborações interdisciplinares (biólogos, químicos, botânicos e geneticistas). Sobre isso Eduardo Penna-Franca escreveu no prefácio de sua tese sobre os trabalhos que desenvolveu por conta do Projeto Guarapari:

“O extraordinário trabalho pioneiro de Roser, Cullen e colaboradores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que procederam ao levantamento radiométrico de extensas áreas do Brasil e à seleção de sítios e populações mais favoráveis à investigação biológica, abriram perspectivas para estudos radio-ecológicos e radio-epidemiológicos a serem conduzidos nestas regiões.”54 54 A opinião do Penna-Franca é interessante sobre o ponto de vista da relação científica interdisciplinar que Roser estabelecia com os seus colaboradores, além de mostrar que a colaboração com os biólogos foi produtiva e profícua. [30[30] E.P. Franca, Radioatividade na Dieta dos Habitantes das Regiões Brasileiras de Elevada Radioatividade Natural. Tese, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (1968)., p. 5].

Nos anos seguintes, o projeto ganhou novos contornos científicos com o ingresso de Merril Eisenbud, da Universidade da Nova York. Sua presença não trouxe apenas recursos da US-AEC ao programa, mas também fomentou outras parcerias e apoio para as expedições, alargando os horizontes para a pesquisa nas regiões radioativas. Para Penna-Franca (1968, p. 5), antes de Eisenbud, aos estudos faltavam condições materiais e psicológicas para nos lançar num programa de pesquisa de envergadura, como exigia a exploração de algumas possibilidades científicas dessas regiões, pode ser demostrado pela incipiente produção do grupo. Por exemplo, no seu próprio grupo, ele estava trabalhando em um método de determinação para a captação de partículas radioativas por frangos em laboratório [31[31] M.X. Musachio e E.P. Franca, Anais da Academia Brasileira de Ciências 33, 462 (1961).] sem nenhuma conexão direta com o trabalho do Projeto Guarapari conduzido por Roser [27[27] T. L. Cullen e F. X. Roser, Anais da Academia Brasileira de Ciências 34, 23 (1962).].

6. O Projeto Radio-epidemiológico: Estudos Dosimétricos da População de Guarapari em Colaboração Interinstitucional Internacional

As incursões às regiões de elevada radioatividade no Brasil não geraram significativos resultados de pesquisa até o ano de 1963, apesar dos detalhados levantamentos radiométricos, realizados para selecionar sítios e populações favoráveis à investigação radiobiológica. Faltavam ao grupo de pesquisadores recursos financeiros e materiais, além de orientações de pesquisa mais precisas, isto é, escasseavam pessoas com conhecimentos nas técnicas relacionadas às investigações em contaminação por radiação ambiental, para operação de equipamentos e a realização de medidas no campo. Eisenbud estabeleceu com as universidades brasileiras (PUC e IBF-UB) uma pareceria que preencheria as lacunas do Projeto Guarapari. Ele era um pesquisador experiente, tendo sido diretor do HASL-AEC de 1947 a 1959. A partir dos anos 1960, ele se dedicou à pesquisa na Universidade de Nova York (NYU), dirigindo o Laboratório de Estudos Ambientais. Eisenbud também fez parte da delegação norte-americana da UNSCEAR, local onde Roser e Eisenbud se conheceram em 1956.

Com a presença de Eisenbud houve um intenso intercâmbio entre pesquisadores e as instituições. Um deles foi Robert Drew, que conclui seu doutorado com uma tese sobre populações de seres vivos em locais de elevada radioatividade de fundo em regiões brasileiras; por alguns anos, ele foi professor visitante na PUC-RJ. A parceria deu novos contornos ao programa, permitindo desenvolver investigações de contaminação radioativa, integrando áreas de pesquisas como a física, química e biologia. A colaboração internacional trouxe visibilidade, conhecimento e recursos para execução das pesquisas e treinamento, por exemplo da Pan American Health Organization (PAHO) que custeava as passagens dos intercâmbios. Parte dessa história é contada pelo próprio Eisenbud:

“Shortly thereafter I was invited to Brazil as a consultant to the Pan American Health Organization to see those interesting places and to advise the scientists at both Federal University and Catholic University as to the kind of research that should be undertaken. Shortly after I moved to NYU I made the first about thirty trips to that wonderful country. Strong bonds of friendship and respect developed between the staff of our laboratory and the students and faculties of two Brazilian universities. We have published many joint research papers, and have also exchanged graduate students.” [32[32] M. Eisenbud, Environmental odyssey: people, pollutions, and politics in life of a pratical scientist/Merril Eisenbud (University of Washington Press, Washington, 1990)., p. 154]

Os treinamentos mencionados por Eisenbud possibilitaram a qualificação dos quadros de cientistas da PUC envolvidos com as pesquisas em radioatividade natural. Alguns eram enviados à Universidade de Nova York para cursos de pós-graduação, outros recebiam treinamento na própria PUC, através dos pesquisadores americanos que vinham na condição de professores visitantes. Pela PUC-Rio, Enrique Raul Rentería Guerrero55 55 Engenheiro Formado pela PUC, fez seu mestrado em física na NYU. Depois concentrou sua carreira em no campo da história. foi enviado para NYU [33[33] PUC-Rio, Anuário da PUC-Rio 1963 (PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1963).]. Até então, os treinamentos, dados ou pelo próprio Roser o pelo Cullen, estavam baseados no manuseio dos equipamentos. Conforme explicado por um dos primeiros assistentes, Antônio Olinto, quando perguntado sobre se havia algum treinamento para as pesquisas de campo em Guarapari: “Aí, sim, mas isso a gente já sabia do próprio laboratório”.56 56 Olinto, Antônio César. “Antônio César Olinto depoimento” [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF. Sua resposta demonstra que o conhecimento necessário lhes era passado pela rotina de laboratório alcançadas nos próprios laboratórios da PUC.

O projeto também teve apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) (transporte, acomodação e bolsas), mas sem a dotação de quantias vultuosas para compra de equipamentos ou treinamento no exterior. O foco da comissão neste projeto se situava na operação e manutenção de reatores nucleares. Muitas divisões foram criadas para atender as demandas correlatas ao desenvolvimento dessas áreas científico-tecnológico57 57 Relatório Anual-Comissão Nacional de Energia Nuclear (1966) – Ministério de Minas e Energia. [34[34] F. Roser, N.L.C.H. Gomes, L. Hainberger e T. Cullen, A Study of Natural and Artificial Radioactive Contamination In Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1965)., 7[7] F.X. Roser e T.L. Cullen, A Study of Natural Radioactivity in Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, (1966).]. Importante destacar que o pessoal da PUC e do IBF também contaram com auxílio do Museu Nacional através do entomologista J. Becker e da botânica M. Emmerich para investigações relacionadas a ecologia [34[34] F. Roser, N.L.C.H. Gomes, L. Hainberger e T. Cullen, A Study of Natural and Artificial Radioactive Contamination In Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1965).].

As pesquisas ganharam novos rumos com características ecológico-epidemiológicas. A utilização de artefatos nucleares e a consequente liberação de fallout (partículas radioativas em precipitação na atmosfera) despertou a consciência sobre a contaminação ambiental, que se ampliou para outros tipos de vetores de contaminação, por exemplo dos produtos químicos usados ou despejados no ambiente. Estudos relacionados ao tema levantaram questões difíceis sobre a degradação dos ecossistemas, em especial, devido ao contágio por radioatividade. Quais eram os caminhos ecológicos pelos quais essas partículas chegam aos humanos? Como se acumulavam e quais os seus danos ecológicos? Existiriam efeitos sinérgicos com outros poluentes ambientais? Sobre muitos aspectos, esperava-se que esses estudos pioneiros, tomados inicialmente em usinas nucleares e depois em programa de pesquisas em universidades, fornecessem as ferramentas necessárias para a compreensão do processo de poluição radioativa ambiental e seus efeitos sobre saúde humana. Assim, caberia aos estudos verificar e demostrar que a exposição a baixas doses não era digna de preocupação à vida em nosso planeta [8[8] M. Eisenbud e T.F. Gesell, Environmental Radioactivity from Natural, Industrial and Military Sources (Academic Press, Massachusetts, 1997).].

Os grupos de pesquisa se dividiram em dois sítios radioativos: Guarapari e Morro do Ferro. O grupo liderado por Roser atuou nas duas localidades. Contudo, na cidade do Litoral Sul capixaba eles realizaram medidas dosimétrica da população, ou seja, mediram a exposição ou a dose de radiação absorvida pelas pessoas residentes a partir de dosímetros termoluminescentes sobre o corpo. Essas novas pesquisas visavam à ampliação das informações dos níveis de contaminação da população, em relação aos dados obtidos em anos anteriores.

Nesta nova fase, ocorreu a substituição dos dosímetros a base de cristais de iodeto de sódio dopado com tálio, colocados em cintos, por cristais de fluoreto de lítio, dispostos em medalhas. Esses últimos apresentavam um melhor tempo de exposição. Enquanto o primeiro dosímetro tinha uma capacidade expositiva que não passava de 24 horas para atividades baixas de radionuclídeos e baixa propriedade de reutilização, o outro era mais resistente e suportava tempos longos de exposição. No período compreendido entre 1963–64, realizou-se um estudo de reconstrução de doses vitalícias58 58 A expressão diz respeito as doses recebidas por uma vida. Considerando o fluxo constante de radiação natural, desde tempos imemoriais, de determinadas regiões, seria possível conhecer os valores de radiação recebidos pela pessoa residente, desde seu nascimento ou momento em que foi viver na região até a data dos estudos. de um grande número de indivíduos (cerca de 150 participantes) das cidades de Guarapari e Meaipe. Esse novo método permitia exposições de três a seis meses, o que melhorava as análises das doses recebidas por um indivíduo por longos períodos. Deste modo, outros pesquisadores poderiam utilizar os dados obtidos por Roser e prosseguir nas investigações sobre a interferência dos possíveis fatores que disseminam doenças provocadas pela exposição radioativa contínua de baixa atividade.

A pesquisa era parte integrante de uma ação coletiva entre o IF-PUC e o IBF-UB. Ao primeiro coube aplicar os testes dosimétricos explicados anteriormente. E, ao segundo, através da análise sanguínea, fazer um estudo sobre danos cromossômicos [24[24] F. Roser, T. Cullen, L. Heinberg, H. Gomes e N. Costa, em: The Natural Radiation Environmental (Houston, 1964).].

A partir deste estudo, cujos resultados não foram publicados no relatório devido à demora da entrega dos resultados pela fabricante,59 59 As leituras eram feitas pela fabricante dos dosímetros, assim todos os usados eram enviados a CON-RAD Company, em Cambridge, Massachussetts. os cientistas da católica, por volta de 1965, reorientaram a metodologia de pesquisa dosimétricas, tanto no tempo de exposição dos dispositivos de detecção quanto na distribuição mais uniforme dentro da cidade do que os testes realizados anteriormente.

A pesquisa contou com 156 participantes, sendo que 24 receberam um par de medalhas para verificar possíveis desvios, cujo desvio estava dentro erro experimental da medida. Duas medalhas foram usadas por participantes do Rio de Janeiro, que foram usadas como medidas de controle. Os cristais termoluminescentes foram usados por três meses. Das 156, apenas 115 retornaram para serem avaliados pela CON-RAD Co. O resultado das taxas de doses de radiação recebidas pela população de Guarapari, em média, ficara em torno de 717 mR/ano. Apenas 19 % dos participantes receberam doses acima de 1 R/ano [34[34] F. Roser, N.L.C.H. Gomes, L. Hainberger e T. Cullen, A Study of Natural and Artificial Radioactive Contamination In Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1965).].

Os participantes eram submetidos a dois testes para verificar os níveis de radiação que estavam sujeitos: o dosimétrico relatado acima e a verificação da contaminação interna avaliada pelo método da respiração. Em regiões de elevada contaminação é natural que os organismos vivos façam a ingestão de partículas radioativas através da respiração ou dos ciclos da natureza como o do carbono e da água. A semelhança entre o mesotório (MsThl)60 60 Produto do decaimento do tório. A família química do mesotório tem cinco emissores de partículas alfa. De 32 MeV e quatro betas com 6 MeV. e o cálcio, que pode ser absorvido pelos tecidos e ossos humanos após a ingestão de alimentos contaminados, foi considerada por Roser e seus colaboradores, já que existia a possibilidade de avaliar o mesotório por conta de um dos seus produtos ser um gás.61 61 O método usado para a detecção desse gás, orienta que após uma pessoa expirar dentro de um vaso coletor de 40 l por cerca de uma hora, ela exala tóron e seus produtos. As partículas são coletadas eletrostaticamente sobre uma prancheta suspensa com um recipiente e mantida num potencial negativo de 10 000 V. A prancheta, coberta de com uma camada de cristais de sulfato de zinco é colocado revestimento semelhante a um tubo fotomultiplicador. A atividade alfa é contada num período de 20 horas.

Os resultados obtidos de forma direta pelo método de respiração indicavam valores na faixa entre 0.16–0.52 nCi,62 62 Mede atividade da amostra radioativa. assumindo uma eficiência de 8%, que significava que a origem do mesotório estava no fígado ou baço. Essa hipótese de eficiência levou-os ao experimento conhecido como o contador de corpo inteiro (whole body counter) para melhorias na precisão da origem dessa irradiação interna. A partir da identificação preliminar da carga corporal obtida por estes métodos, os participantes eram convidados a realizar o teste de corpo inteiro para a determinação da origem dessa carga radioativa interna.

Medidas de corpo inteiro era uma prática conhecida e difundida pela comunidade internacional desde 1950; o primeiro deles foi construído por Leônidas Marinelli.63 63 Leônidas D. Marinelli – (28 de novembro de 1906 – 13 de setembro de 1974) foi o físico radiológico norte-americano que fundou o campo da Radiobiologia Humana, em 1942. Marinelli estabeleceu os princípios para a determinação da dosagem de radioisótopos internos no corpo humano. Fonte: Leonidas D. Marinelli, Ph.D.|Radiology (rsna.org). A contagem de corpos inteiros referia-se à medição de radioatividade dentro do corpo humano. A técnica era aplicável principalmente aos materiais emissores de radiação gama. Os decaimentos de partículas alfa também podiam ser detectadas indiretamente por sua radiação gama coincidente. Em certas circunstâncias, emissores beta eram medidos, mas com sensibilidade degradada.

O posicionamento dos participantes do experimento podia ser realizado de múltiplas maneiras: sentada, deitada, em pé. Os detectores podiam ser únicos ou múltiplos e estar estacionários ou em movimento. As vantagens da contagem de corpos inteiros são que esta media diretamente o conteúdo corporal, independe de métodos indiretos.64 64 Operational Monitoring Good Practice Guide – The Selection of Alarm Levels for Personnel Exit Monitors. Industry Radiological Protection Coordination Group, NPL, UK, Dec 2009.

Figura 7
Caminhão com 10 toneladas de açúcar doadas pelo Instituto do Álcool para serem usados como blindagem no Contador de Corpo Inteiro, instalado no Laboratório de Dosimetria da PUC-RJ, Campus Gávea (provavelmente fins da década de 1950). Fonte: Acervo: Núcleo de Memória da PUC-RJ.

As medidas de corpo inteiro necessitavam de uma sala blindada. A blindagem poderia ser realizada de diversas formas. Roser optou por uma proteção com toneladas de açúcar, pois possuía propriedades químicas65 65 As sacas de açúcar ofereciam uma espessura suficiente para blindar as radiações externas, impedindo sua interferência no experimento. que favoreciam aos resguardos externos, além da viabilidade financeira. O Instituto do Álcool e Açúcar e a Companhia Siderúrgica Nacional colaboraram com a doação de sacas de açúcar e dos ferros, estes últimos para a construção do experimento no Laboratório Nacional de Dosimetria, que ficava no Campus da Gávea (Figura 7) (Figura 8) [7[7] F.X. Roser e T.L. Cullen, A Study of Natural Radioactivity in Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, (1966).].

O arranjo experimental, mostrado na Figura 9, era constituído por uma pequena cabine blindada com sacas de açúcar (47 × 40 cm2), onde o participante entrava sem roupas, depois de uma ducha para limpeza de impurezas e permanecia sentado por 50 min. A detecção da radiação ionizante era feita por um cristal de 100 cm2, de iodeto de sódio dopado de tálio, usado em conjunto com fotomultiplicadores e um analisador de 256 multicanais. O estudo registrou valores médios para amostra populacional de Guarapari na ordem de 1 nCi [7[7] F.X. Roser e T.L. Cullen, A Study of Natural Radioactivity in Brazil (Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, (1966).].

Figura 8
Laboratório de Dosimetria da PUC-RJ, Campus Gávea, construído com apoio da CNEN. Local onde foi instalado o Contador de Corpo Inteiro. provavelmente fins da década de 1950). Fonte: Acervo: Núcleo de Memória da PUC-RJ.

Finalmente, abordamos a interessante estratégia utilizada por Roser e seu grupo para conseguir participantes para a realização dos estudos dosimétricos em Guarapari. Para que estes fossem efetuados, os integrantes da pesquisa deveriam usar os dosímetros junto ao corpo por longos períodos, conforme já mencionado.

Figura 9
Representação do Contador de corpo inteiro utilizados em participantes de Guarapari. A figura mostra também a posição geométrica da cadeira em relação aos detectores. Fonte: Relatório (ROSER e CULLEN, 1966).

Nas primeiras medições com os cristais de NaI(Tl), a forma de acoplar os cristais foi por meio de cintos. Para que a população utilizasse sem receio, tudo era explicado e, como exemplo, os próprios membros, em particular os padres, da equipe utilizavam o dispositivo durante o período de investigação.

Neste primeiro momento, a pouca quantidade de pacotes de cristais, limitava a quantidade de pessoas para o experimento. Deste modo, os dados obtidos também não permitiam fazer uma análise mais abrangente e conclusiva sobre as doses recebidas. Conforme relatado, pelo então estagiário Antônio Olinto, o fato de serem padres lhes dava vantagem no trato com os munícipes que participavam das pesquisas:

“Tem uma vantagem, que era uma cidade pobre, na época, os evangélicos eram inexistentes e eles eram padres. Iam, rezavam a missa todo dia, e a turma ia lá. Então, isso dava para os moradores, isso era uma autoridade e uma aceitação.66 66 Olinto, Antônio César. “Antônio César Olinto depoimento” [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF.

Em uma comunidade pouco esclarecida, e em sua maioria católica, a presença de dois padres, dava-lhes ascendência moral sobre a população, o que acabava por abrir portas: a prática científica recorreu à fé para ser realizada. Naquela época, a simples desconfiança sobre um determinado grupo, mesmo que constituído por cientistas bem intencionados, poderia não ser bem-sucedida no recrutamento de participantes para os testes dosimétricos.

Cerca três anos depois das primeiras medidas, já com os dosímetros termoluminescentes de fluoreto de lítio, a forma de coleta das doses recebidas passou a ser realizada por meio de medalhas, na verdade escapulários, que continha os detectores. Esta nova forma permitia que os participantes da pesquisa ficassem por mais tempo com o dispositivo de forma mais confortável e contínua.

Ainda sobre a distribuição dos dosímetros para a população, Marcelo A. Barcinski, na época assistente de Penna-Franca (1965), descreve alguns pormenores dos procedimentos utilizados pelos grupos da Católica e da Biofísica:

“Enfim uma ideia que surgiu foi de desenvolver um dosímetro que fosse capaz de medir as doses baixas de radiação, que foi uma construção do Penna Franca, junto do Anselmo67 67 Anselmo Salles Paschoa (?–2011), físico nuclear, professor da PUC (1965–2005). e M. Bender.68 68 Biólogo, Pesquisador de Oak Ridge. ,69 69 Importante destacar que os medidores eram da Conrad Co. Contudo, os pesquisadores podem ter adaptado para seu uso na pesquisa naquela realidade. Mas não tivemos acesso a essas informações em nenhum documento analisado. Como foi para a população de Guarapari carregar esse dosímetro e obviamente isso não era fácil, pois as pessoas tiravam, achavam chato e tiravam a noite. E a ideia que surgiu e que eu vou falar entre aspas, que na época era completamente aceitável. Foi a ideia de se colocar esses dosímetros dentro de um escapulário, e o padre distribuía isso para a população como, enfim…Abençoado pela igreja. … Na época isso tinha o beneplácito até da própria igreja, com o Padre Cullen e o Roser. E era necessária a presença deles no sentido de fazer convencer a população usar esse escapulário durante pelo menos um certo tempo, sem tirar seja de noite, seja de dia, obviamente tiravam para tomar banho e depois colocar de novo. O que nos daria uma medida aproximada que cada um desses habitantes recebia”.70 70 Barcinski, Marcelo André. “Marcelo André Barcinski depoimento” [24 de agosto de 2021]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada por videoconferência.

Este procedimento também é relatado pelo Dr. Jacob Kastner71 71 Físico canadense, especialista em radioatividade, pesquisador associado do Laboratório Nacional de Argonne, Illinois. :

“…para induzir essas pessoas a usarem os pacotes continuamente, eles foram disfarçados como medalhões religiosos de areia distribuídos pelo cientista principal, os padres jesuítas Thomas L. Cullen e o falecido Francisco X. Roser.” [35[35] J. Kastaner, The Natural Radiation Enviroment (US- AEC, Washington, 1968).]

7. Considerações Finais

O trabalho que apresentamos neste artigo visou mostrar as origens das pesquisas em contaminação radioativa oriunda de fontes naturais em solo brasileiro, que fora iniciado em 1956 pela delegação brasileira que integrou o comitê científico da Nações Unidas para estudos dos efeitos das radiações ionizantes sobre os seres humanos. Aprendemos que a prática científica para a realização deste estudo liderado por Padre Roser era a mais moderna que se tinha à época, amparada por organizações internacionais e nacionais, além de colaboração com importante cientistas de seu tempo. Suas origens estão em decisões tomadas no seio da UNSCEAR, cuja função era promover estudos que permitissem avaliar e relatar os níveis da exposição à radiação ionizante, fazendo com que os governos e organizações mundiais contassem com as estimativas do comitê para conhecer os riscos e estabelecer medidas de proteção. No caso brasileiro, permitiu aos cientistas do IF-PUC-RIO e IBF-UB que eles se organizassem em grupos interdisciplinares com objetivo de participar desse esforço internacional de pesquisa, consolidando presença neste campo de investigação, consequentes da tecnologia nuclear.

No início da participação brasileira, os levantamentos radiométricos empreendidos por Roser e seu assistente, o Padre Cullen, deram conta de mapear áreas brasileiras de elevada radioatividade, com destaque para Guarapari (ES), que seria um local de uma investigação duradoura por parte de Roser e seu grupo. A região por ser habitada permitia que o grupo de pesquisa, formado em torno do programa estimulado pelo comitê científico internacional, examinasse a população a partir dos eventuais efeitos da radioatividade de baixas doses contínuas oriundas das areias monazíticas. Na época apenas Kerala, na Índia, poderia servir para tais estudos.

Assim, as pesquisas conduzidas pelo grupo de pesquisadores do IF-PUC, pioneiras no Brasil, se caracterizaram pela obtenção de medidas precisas sobre os níveis de radiação gama e beta, por meio de câmaras de ionização e cintiladores, varrendo toda cidade de Guarapari. Os temas investigados foram os seguintes: detecção de gases radioativos presentes na atmosfera (rádon e tóron) através de filtros de ar; identificação de partículas radioativas inaladas pelos ambientes com o método da respiração; o uso de dosímetros para medir as doses recebidas pela população, inicialmente em períodos de 24 h, e posterior para períodos maiores de 3 e 6 meses; e, por fim, a utilização de contador de corpo inteiro para refinamento dos alcançados pelos dosímetros.

Em relação às colaborações, merece destaque a criação de uma rede constituída por físicos, biólogos e químicos, empenhada no melhor entendimento dos efeitos biológicos da radioatividade, num período em que os campos da geofísica e o da física médica ainda davam os seus primeiros passos no Brasil. A aproximação com Carlos Chagas Filho possibilitou a Roser esse profícuo intercâmbio com as investigações da física biológica, estreitadas em seguida com Eduardo Penna-Franca, a partir do Programa Guarapari no início dos anos 1960. Sua posição de delegado científico da UNSCEAR, ocupada por Roser até a sua morte, não só lhe abriu portas para esse novo campo do conhecimento, mas também estabeleceu novas conexões científicas, para além das Universidades de Chicago, Stanford e Fordham. A intermediação com AEC-EUA e da Universidade de Nova York através da figura de Merril Eisenbud foi providencial não só para a consolidação das pesquisas em radioatividade natural, como também para o desenvolvimento do Instituto de Física da PUC. Equipamentos, intercâmbio institucionais e treinamentos foram possibilitados mediante essa relação entre Roser e Eisenbud.

O comitê das Nações Unidas, conhecido pela sigla UNSCEAR, desde sua criação em 1955, elaborou inúmeros estudos sobre os efeitos biológicos das radiações ionizantes organizados em relatórios abrangentes, que são publicados a cada quatro ou cinco anos. As reuniões foram originalmente realizadas na sede da ONU em Nova York. Dentre os temas abordados seguiam a constante atualização de fontes naturais, artificiais e médicas, as revisões epidemiológicas da carcinogênese, efeitos de dose e efeitos determinísticos relacionados à radiação local e de corpo inteiro, bem como aos efeitos genéticos e ecológicos. Com o apoio de um grande número de países, que colocavam cientistas a serviço do conhecimento global sobres os riscos à saúde provocados por radioatividade, o comitê publicou importantes resultados nessa área. De acordo com Fred Mettler Jr [36[36] F.A. Mettler.Jr, Pergamon 20, 681 (1994).], após dez anos da criação do comitê, os cientistas estimaram que havia, de fato, riscos para o surgimento de tumores a partir de exposições prolongadas. O que viria ser confirmado no relatório de 1988 quando foi alargada a lista de tipos de câncer específicos utilizada para cobrir modelos de projeção de vida e dosimetria em Hiroshima em regiões afetados por bombas ou vazamentos nucleares.

Por fim, as origens das pesquisas sobre os efeitos biológicos das radiações ionizantes no Brasil se devem ao pioneirismo de Roser que estabeleceu a metodologia desse estudo, amparado por Carlos Chagas Filho, que atuou com um verdadeiro articulador para que o campo se desenvolvesse no Brasil. Coube a Roser o desenvolvimento da parte técnica, a montagem das equipes e ser a ponte com as pesquisas modernas que ocorriam nesse campo científico naquele período. Este papel lhe foi destinado até sua morte, em 1967. O grupo de cientistas ainda se manteve ativo na década seguinte, liderados por Penna-Franca e Cullen que deram continuidade ao programa brasileiro e a colaboração com a Universidade de Nova York.

Agradecimentos

Ao Núcleo de Memória da PUC-Rio e à Cúria dos Jesuítas. Esta pesquisa foi apoiada com uma bolsa de produtividade do CNPq (n° 306612/2018-6) e pelo Programa Prociência/FAPERJ.

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    » https://rigeo.cprm.gov.br/bitstream/doc/14038/1/rli_projeto_alto_garcas.pdf
  • [45]
    https://inis.iaea.org/collection/NCLCollectionStore/_Public/09/398/9398592.pdf
    » https://inis.iaea.org/collection/NCLCollectionStore/_Public/09/398/9398592.pdf
  • [46]
    S. Motoyama, em: A História das Ciências no Brasil (EDUSP, São Paulo, 1979).
  • 1
    Nuclear Arms Control and Non-Proliferation – Table 12B.2. Estimated number of nuclear explosions, 1945–2006, disponível em https://www.ctbto.org/, acessado em 16/11/2021.
  • 2
    A sigla S.J significa Societas Jesuitae (ou Iesu), todos os padres dessa congregação assinam seus nomes seguidos dela.
  • 3
    Anais da sessão 302ª do Conselho Deliberativo do CNPq_11/01/1956 – processo 12/56.
  • 4
    ANDRADE, 1999_p.123, Quadro 19.
  • 5
    É a radiação ionizante presente no ambiente, que se origina de uma variedade de fontes naturais e artificiais.
  • 6
    Foi no governo de Truman que a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. A tensão entre EUA e a URSS se intensificou quase que imediatamente dando início à chamada Guerra Fria.
  • 7
    Boletim do Organismo Internacional de Energia Atômica [37[37] https://www.iaea.org/sites/default/files/publications/magazines/bulletin/bull54-4/54401210304_es.pdf, acessado em 27/10/2021.
    https://www.iaea.org/sites/default/files...
    ].
  • 8
    A lei aprovada em 12/07/1954 facultava aos EUA a troca de informações no setor nuclear com outras nações, podendo o governo estadunidense assinar acordos com outros países e exportar materiais atômicos de qualquer natureza. Além disso, outorgava à US-AEC a propriedade exclusiva de todos os materiais físseis. A comissão poderia conceder licença comercial e industrial a particulares para o emprego destes materiais, sem direitos a propriedade [41[41] R.V.M. Brandão, Negócio do Século: O Acordo de Cooperação Nuclear Brasil-Alemanha . Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, Niterói (2002).].
  • 9
    Segundo aquilo que era conhecido então.
  • 10
    Monazita é um mineral acessório relativamente comum em rochas ígneas ácidas (granitos, sienitos) e seus pegmatitos. Em rochas sedimentares pode ser encontrado como grãos detríticos. Normalmente, está concentrado em locais com possibilidade de mineração [43[43] M. Rócio, M. Silva, P. Cravalho e J. Cardoso, BNDES 35, 369 (2017).].
  • 11
    Em geologia, define-se como rochas que se formam pelo arrefecimento lento do magma, em geral a grandes massas e a grandes profundidades, também chamadas de rochas plutônicas. Fonte: [42[42] https://www2.ufrb.edu.br/ead/images/imagensACESSE/Geologia_Minera%C3%A7%C3%A3o_e_Meio_Ambiente.pdf
    https://www2.ufrb.edu.br/ead/images/imag...
    ].
  • 12
    Victor Hess, em trabalho meticuloso de investigação sobre os níveis de radiação ionizante relacionados à altitude atmosférica, entre 1911 e 1913, constatou, a partir de voos em balões e equipamentos de medidas de precisão, que os elevados níveis de ionização a 5 km do solo deveriam ter origem espacial. Ele é considerado o descobridor dos raios cósmicos (termo cunhado por Robert A. Millikan em meados da década de 1920) e por este trabalho seminal foi laureado com o prêmio Nobel de 1936.
  • 13
    Carta de Roser ao Superior Provincial, Chicago, 25/03/1950 (Acervo da Cúria dos Jesuíta-RJ).
  • 14
    Carta de Roser ao Superior Provincial, Santa Clara, Califórnia, 25/01/1952 (Acervo da Cúria dos Jesuíta-RJ).
  • 15
    (1919–2007) físico estadunidense nascido na Alemanha. Em Stanford, trabalhou diretamente no projeto de aceleradores lineares, o MARK III.
  • 16
    Roser estava em Nova York, local da primeira reunião da UNSCEAR.
  • 17
    Desde de 1953, Roser recebia bolsa do CNPq. Primeiro pelos trabalhos realizados com Hofstadter (1953–1954), depois por serviços de compra de equipamentos científicos para o conselho (1955).
  • 18
    Ver nota 5.
  • 19
    Nasceu na Rússia, naturalizado norte-americano, francês e brasileiro. Ele chegou ao Brasil em 1940 como procurador da “Société Minière”, empresa francesa que já mantinha a exploração de monazita no Espírito Santo e, em apenas um ano, já era dono de todo o patrimônio radioativo da cidade de Guarapari.
  • 20
    Mineral radioativo usado na produção de energia nuclear. Importante combustível de reatores nucleares, também escasso, é encontrado principalmente no Espírito Santo e no Rio de Janeiro [42[42] https://www2.ufrb.edu.br/ead/images/imagensACESSE/Geologia_Minera%C3%A7%C3%A3o_e_Meio_Ambiente.pdf
    https://www2.ufrb.edu.br/ead/images/imag...
    ].
  • 21
    Empresa de prospecção mineral, cuja sigla significa Levantamentos Aerocintilométricos S/A.
  • 22
    Sistema de prospecção aérea por cintilômetros de NaI(Tl). O registro é analógico, constante, de seis canais para as curvas de altimetria para espectros de tório, urânio e potássio. Registros confiáveis são impressos nas fotografias a cada 10 fotos [44[44] https://rigeo.cprm.gov.br/bitstream/doc/14038/1/rli_projeto_alto_garcas.pdf
    https://rigeo.cprm.gov.br/bitstream/doc/...
    ].
  • 23
    Inaugurado em 1953, era um empreendimento luxuoso com funcionamento de cassino [14[14] https://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/, acessado em 17/10/ 2021.
    https://especiais.gazetaonline.com.br/bo...
    ].
  • 24
    Ata 325ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/05/1956_processo 1925/56.
  • 25
    Sessão do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisa realizada a 25/05/1956.
  • 26
    Embora nosso foco neste artigo sejam as pesquisas em Guarapari, algumas vezes mencionaremos a cidade do Morro do Ferro (que seria um outro sítio radioativo importante para estudos e que também recebeu atenção dos cientistas da delegação brasileira), pois esta última fazia parte do planejamento das atividades científicas de Roser.
  • 27
    Ata 317ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _24/04/1956_processo 1925/56
  • 28
    Ata 325ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/05/1956
  • 29
    Ata 366ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _27/03/1957_processo 1652/57
  • 30
    Ata 377ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/06/1957_processo 1652/57
  • 31
    Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol.9, n° 4, 1957, p. 260.
  • 32
    Ata 330ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/07/1956_processo 1925/56.
  • 33
    Expressão utilizada por Roser nos relatórios para indicar pontos elevados de radioatividade de fundo nos levantamentos radiométricos.
  • 34
    Ata 342ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _26/09/1956.
  • 35
    Evento científico proposto pela ONU (1957–58) com objetivo de congregar esforços para uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados à Terra.
  • 36
    Ata 330ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _12/07/1956.
  • 37
    Ata 37ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _25/04/1957;; processo 179/57.
  • 38
    Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol. 9, nº 4, 1957, p. 261.
  • 39
    Ata 317ª Sessão do Conselho Deliberativo do CNPq _24/04/1956.
  • 40
    Comunicação publicada na Revista Ciência e Cultura, Vol. 9, nº 4, 1957, p. 260.
  • 41
    Anuário da PUC-Rio (1960).
  • 42
    Foi um biólogo e geneticista brasileiro. Foi presidente do CNPq de 1986 a 1990. Foi professor-emérito da Universidade de São Paulo. Também atuou como delegado da UNSCEAR.
  • 43
    Foi um professor, pesquisador e geneticista brasileiro. Lecionou na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Paraná.
  • 44
    São gases radioativos enquadrados dentro dos chamados gases nobres, é incolor inodoro e insípido. Ao contrário dos outros descendentes do urânio, o rádon é gasoso e pertence à família dos gases nobres, libertando-se dos solos e rochas, materiais de construção e água, sendo que no seu processo natural de decaimento emite partículas alfa, beta e gama. O tóron Isótopo radioativo pesado, gasoso, formado pela desintegração de tório. Emite raios alfa e tem meia-vida de menos de um minuto; também chamado emanação de tório.
  • 45
    Olinto, Antônio César. Antônio César Olinto depoimento [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF.
  • 46
    (miliroentgen/hora) Taxa de exposição à radiação ionizante por unidade de tempo. É a quantidade de radiação necessária para libertar cargas positivas e negativas de uma unidade eletrostática de carga em um centímetro cúbico. A unidade era usada no tempo de Roser, sua equivalência em unidades modernas é 1 gray(Gy) = 100 roentgen(R).
  • 47
    Expressão usado por Roser e Cullen para pontos com elevados índices de radiação gama.
  • 48
    Especificações: diâmetro de 4 polegadas, fluxo de ar 40 pés cúbicos por minuto, eficiência de retenção de partículas radioativas de 95% [39[39] T.L. Cullen, Anais da Academia Brasileira de Ciências 29, 475 (1957).].
  • 49
    D=14,210-12Cnmrad/ano, onde Cn é a concentração de rádon ou tóron no ar na unidade 10-15 curies/cc. Os valores previstos para os pulmões 0.09 rad, 0.01 e 0.02 rad por ano para uma concentração de 5.10-16 curies/cc. A radiação gama sobre rochas e solos contendo quantidades conhecidas de materiais radioativos foi primeiro calculado por Hess Posteriormente, Hultqvist calculou valores característicos de radiação para minerais com as concentrações de materiais radioativos. Hultqvist desenvolveu expressões numéricas simples para a dose de raios gama, corrigida para a radiação espalhada. Se suas fórmulas são usadas para estimar a contribuição para a taxa de dose (D, rad / ano) de várias concentrações de materiais radioativos no solo, UNSCEAR (1958) [45[45] https://inis.iaea.org/collection/NCLCollectionStore/_Public/09/398/9398592.pdf
    https://inis.iaea.org/collection/NCLColl...
    ].
  • 50
    Este isótopo instável do chumbo pertence a série do Th232.
  • 51
    A unidade de quantidade de atividade de dado material radioativo cujo o número de desintegração de radionuclídeos por segundo é 3,7×1010. A unidade apresentada por Roser curie/cc não foi encontrada sua definição. Presumimos que seja desintegração por certo volume de ar atmosférico.
  • 52
    Health and Safety Laboratory (Divisão de Saúde da AEC).
  • 53
    Contadores de corpo inteiro.
  • 54
    A opinião do Penna-Franca é interessante sobre o ponto de vista da relação científica interdisciplinar que Roser estabelecia com os seus colaboradores, além de mostrar que a colaboração com os biólogos foi produtiva e profícua.
  • 55
    Engenheiro Formado pela PUC, fez seu mestrado em física na NYU. Depois concentrou sua carreira em no campo da história.
  • 56
    Olinto, Antônio César. “Antônio César Olinto depoimento” [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF.
  • 57
    Relatório Anual-Comissão Nacional de Energia Nuclear (1966) – Ministério de Minas e Energia.
  • 58
    A expressão diz respeito as doses recebidas por uma vida. Considerando o fluxo constante de radiação natural, desde tempos imemoriais, de determinadas regiões, seria possível conhecer os valores de radiação recebidos pela pessoa residente, desde seu nascimento ou momento em que foi viver na região até a data dos estudos.
  • 59
    As leituras eram feitas pela fabricante dos dosímetros, assim todos os usados eram enviados a CON-RAD Company, em Cambridge, Massachussetts.
  • 60
    Produto do decaimento do tório. A família química do mesotório tem cinco emissores de partículas alfa. De 32 MeV e quatro betas com 6 MeV.
  • 61
    O método usado para a detecção desse gás, orienta que após uma pessoa expirar dentro de um vaso coletor de 40 l por cerca de uma hora, ela exala tóron e seus produtos. As partículas são coletadas eletrostaticamente sobre uma prancheta suspensa com um recipiente e mantida num potencial negativo de 10 000 V. A prancheta, coberta de com uma camada de cristais de sulfato de zinco é colocado revestimento semelhante a um tubo fotomultiplicador. A atividade alfa é contada num período de 20 horas.
  • 62
    Mede atividade da amostra radioativa.
  • 63
    Leônidas D. Marinelli – (28 de novembro de 1906 – 13 de setembro de 1974) foi o físico radiológico norte-americano que fundou o campo da Radiobiologia Humana, em 1942. Marinelli estabeleceu os princípios para a determinação da dosagem de radioisótopos internos no corpo humano. Fonte: Leonidas D. Marinelli, Ph.D.|Radiology (rsna.org).
  • 64
    Operational Monitoring Good Practice Guide – The Selection of Alarm Levels for Personnel Exit Monitors. Industry Radiological Protection Coordination Group, NPL, UK, Dec 2009.
  • 65
    As sacas de açúcar ofereciam uma espessura suficiente para blindar as radiações externas, impedindo sua interferência no experimento.
  • 66
    Olinto, Antônio César. “Antônio César Olinto depoimento” [14 de agosto. 2018]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada no CBPF.
  • 67
    Anselmo Salles Paschoa (?–2011), físico nuclear, professor da PUC (1965–2005).
  • 68
    Biólogo, Pesquisador de Oak Ridge.
  • 69
    Importante destacar que os medidores eram da Conrad Co. Contudo, os pesquisadores podem ter adaptado para seu uso na pesquisa naquela realidade. Mas não tivemos acesso a essas informações em nenhum documento analisado.
  • 70
    Barcinski, Marcelo André. “Marcelo André Barcinski depoimento” [24 de agosto de 2021]. Entrevistadores: A.A.P. Videira e M.P.C. Martinho. Entrevista concedida ao Projeto de tese sobre Padre Roser por M. Martinho, realizada por videoconferência.
  • 71
    Físico canadense, especialista em radioatividade, pesquisador associado do Laboratório Nacional de Argonne, Illinois.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2021
  • Revisado
    22 Mar 2022
  • Aceito
    03 Maio 2022
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