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Uma introdução pedagógica às transéries ressurgentes

A Pedagogical Introduction to Resurgent Transeries

Resumo

Alguns observáveis físicos, como o espectro de energia de um sistema quântico, não podem ser calculados de forma exata em problemas não triviais. Nesses casos, estes observáveis geralmente são obtidos por meio de uma série de potências de um parâmetro constante. Esse tipo de série geralmente é divergente, porém, se forem mantidos apenas alguns termos da série, o valor calculado estará razoavelmente de acordo com o valor medido experimentalmente. A questão é: como uma série infinita que não converge pode estar associada ao valor de uma grandeza física? A explicação para esta questão vem da teoria das transéries ressurgentes, que descreve expansões não perturbativas geradas por séries assintoticamente divergentes. Neste trabalho apresentaremos de maneira pedagógica a definição formal de série assintótica, o processo de soma de Borel para séries assintoticamente divergentes e o fenômeno de Stokes (que origina a transérie). Além disso, discutiremos um exemplo de transérie ressurgente que aparece no cálculo do espectro de energia não perturbativa de uma partícula confinada à potencial de poço duplo quântico.

Palavras-chave:
Transérie Ressurgente; Soma de Borel; Potencial Quártico


1. Introdução

O estudo das transéries é motivado pelo fato de que os observáveis físicos, que geralmente aparecem na Mecânica Quântica e na Teoria Quântica de Campos, tais como o espectro de energia e as amplitudes de espalhamento, são dados por séries de potências de um parâmetro constante (comumente chamado de “constante de acoplamento”). Esse tipo de série geralmente diverge para cada valor diferente de zero da constante de acoplamento, no entanto, se forem considerados apenas alguns termos da série, há uma boa concordância entre o valor teórico obtido e os dados experimentais. Por exemplo, considere o fator-g do elétron que caracteriza seu momento magnético na mecânica quântica relativística ge, o qual é dado por uma série perturbativa [1[1] T. Aoyama, T. Kinoshita e M. Nio, Atoms 7, 28 (2019)., 2[2] M. Maggiore, A Modern Introduction to Quantum Field Theory (Oxford University Press, Oxford, 2004).]:

(1) g e - 2 2 = α 2 π - ( 0.328 478 965 ) ( α π ) 2 + ( 1.176 11 ) ( α π ) 3 - ( 1.434 ) ( α π ) 4 + 𝒪 ( α 5 ) ,

em que α=e2/4π1/137 é a constante de estrutura fina. Os coeficientes desta série estão bem estabelecidos até a ordem α4 e o coeficiente de α5 tem sido calculado extensivamente por integração numérica [1[1] T. Aoyama, T. Kinoshita e M. Nio, Atoms 7, 28 (2019).], fornecendo o valor teórico

g e - 2 2 = 1.159 652 181 606 ( 11 ) ( 12 ) ( 229 ) × 10 - 3 .

A medição do fator-g produz um valor experimental para a quantidade mencionada acima, que é [3[3] https://physics.nist.gov/cgi-bin/cuu/Value?gem, acessado em 26/05/2023.
https://physics.nist.gov/cgi-bin/cuu/Val...
]

(2) g e - 2 2 | exp = 1.159 652 181 28 ( 18 ) × 10 - 3 ,

o que mostra uma excelente concordância com o valor teórico, apesar da série utilizada no cálculo (2) manter apenas 𝒪(α5). O fato de quantidades mensuráveis serem descritas por séries infinitas na abordagem perturbativa é uma evidência de que existem informações não perturbativas que devem ser levadas em conta. É justamente essa informação não perturbativa, quando possível de ser encontrada, que é dada por uma transérie ressurgente [4[4] M. Flory, R.C. Helling e C. Sluka, arXiv:1201.2714 (2012).].

Neste momento surge a seguinte questão: como é possível associar um número a uma série divergente? A resposta a essa pergunta foi encontrada por Émile Borel em 1899 [5[5] E. Borel, Annales Scientiques de l’École Normale Supérieure 16, 9 (1899).], quando desenvolveu o método que hoje é chamado de soma de Borel. Este processo consiste em um mapa linear atuando sobre uma série de potências que produz uma nova série com raio de convergência finito diferente de zero. A partir daí, a série pode ser continuada analiticamente em uma função complexa, porém esta função pode apresentar cortes de ramificações e singularidades [6[6] I. Aniceto, G. Basar e R. Schiappa, Physics Reports 809, 1 (2019).]. Se esta função não possui singularidades, então a questão de associar um número à série está completo. Por outro lado, se a transformada de Borel possui singularidades ao longo de alguma direção θ, essa direção é conhecida como linha de Stokes e é justamente quando a transérie ressurgente se torna relevante. O comportamento assintótico de algumas funções pode variar em diferentes regiões do plano complexo, delimitadas por essas linhas de Stokes. Este aspecto é conhecido hoje como o fenômeno de Stokes em homenagem ao seu descobridor Sir George G. Stokes, que investigou este tópico em 1864 [7[7] G.G. Stokes, em: Transactions of the Cambridge Philosophical Society (Cambridge University Press, Cambridge, 1864).], centenas de anos antes do desenvolvimento da teoria das transéries. Grosso modo, o fenômeno de Stokes é o fato de que o conteúdo não perturbativo da transérie, que é exponencialmente suprimido quando comparado à parte perturbativa, cresce e torna-se dominante quando a linha de Stokes no plano complexo é atingida.

A origem das transéries remonta a vários campos da matemática como a Teoria de Modelos, a Álgebra Computacional e os Números Surreais [8[8] G.A. Edgar, Real Analysis Exchange 35, 253 (2010).]. A razão da série completa, incluindo o setor não perturbativo, ser chamada de transérie é que ela transcende o formato usual de séries de potências das teorias de perturbação. Normalmente, as transéries possuem termos proporcionais ao exponencial e logaritmo da constante de acoplamento. Como ilustração, vamos considerar a transérie para o espectro de energia de um sistema da Mecânica Quântica, que tem a forma

(3) E ( N ) ( g ) = k = 0 g k E k ( N ) + 1 g N + 1 / 2 e - S g ( ε N ( 0 ) + ε N ( 1 ) g + ) + ( 1 g N + 1 / 2 ) 2 e - 2 S g ln ( ± 1 g ) × ( ξ N ( 0 ) + ξ N ( 1 ) g + ) + .

Aqui, S, Ek(N), εN(0), εN(1), ξN(0), ξN(1) são parâmetros que podem ser determinados na solução do problema em questão, g é a constante de acoplamento e o primeiro termo é a série perturbativa usual. Por outro lado, o nome ressurgente vem de Jean Écale [9[9] J. Ecalle, em: Publications Mathematiques D’Orsay (Université Paris-Sud, Orsay, 1981), v. 1.], que dizia que algumas funções “ressurgem” ou surgem novamente de suas singularidades. De fato, a informação não perturbativa completa de um dado observável pode ser extraída do comportamento assintótico da série divergente perturbativa [6[6] I. Aniceto, G. Basar e R. Schiappa, Physics Reports 809, 1 (2019).]. Assim, para encontrar o “ressurgimento” das transéries, basta conhecer o comportamento assintótico da parte perturbativa de um observável em termos de alguma constante de acoplamento. Este conceito também faz sentido no contexto da análise de instantons [10[10] E.J. Weinberg, Classical solutions in quantum field theory: Solitons and Instantons in High Energy Physics (Cambridge University Press, Cambrigde, 2012)., 11[11] R. Rajaraman, Solitons and instantons (North-Holland, Amsterdam, 1982).].

Apresentaremos neste trabalho os fundamentos teóricos, que consistem na definição formal da série assintótica, o processo de soma de Borel para séries assintoticamente divergentes e o fenômeno de Stokes (que originam as transéries). Exemplificaremos a ocorrência da transérie ressurgente pelo cálculo do espectro de energia perturbativa e não perturbativa para um problema da Mecânica Quântica. O problema a ser analisado é o de uma partícula confinada em um potencial quártico de poço duplo, o qual será estudado por meio do método WKB Uniforme [12[12] G.V. Dunne e M. Ünsal, Physical Review D 89, 105009 (2014).]. Por fim, discutiremos a relação entre a física perturbativa e não perturbativa e qual a importância da transérie.

2. Séries Assintóticas

Nesta seção apresentaremos a definição de Poincaré de uma série assintótica formal [13[13] G.B. Arfken e H.J. Weber, Mathematical Methods for Physicists (Academic Press, Cambridge, 1999), 4 ed.] e exemplificaremos esse conceito por meio de um caso simples da Física Matemática.

2.1. Definição

Dada a função de valor complexo f(z), com uma série de potências da forma:

(4) f ( z ) = a 0 + a 1 z + a 2 z 2 + ,

denotando por Sn a n-ésima soma parcial, para um n fixo, no limite |z|0 e em uma dada direção ϕ, temos:

(5) lim | z | 0 | z | - n [ f ( z ) - S n ( z ) ] = 0 .

Isso significa que, para grandes valores de |z| com uma fase fixa eiϕ e um dado n, a soma parcial expressa a função no sentido de que Sn se aproxima de f(z) tanto quanto se queira (o resto vai para zero como |z|n+1) na direção do ângulo ϕ. Se a função não admite expansão em série (ou seja, se Sn não converge para f(z) quando n), então temos:

(6) lim n | z | - n [ f ( z ) - S n ( z ) ] =

Se uma expansão obedecer aos dois pré-requisitos (5) e (6) essa série é chamada de série assintótica. Geralmente, nos casos de interesse físico os coeficientes da expansão crescem fatorialmente:

(7) a n n ! .

É interessante notar que é possível encontrar um n ótimo, que é geralmente denotado por N*, de modo que a série assintótica fornece a melhor aproximação de f(z) e começa a se afastar para n>N*. Esse fenômeno é chamado truncamento ótimo e, naturalmente, assim que |z| aumentar, N*. A partir daí, podemos escrever

(8) f ( z ) n = 0 N * a n z n .

Aqui, o símbolo ‘’ denota que a série não converge para a função, mas a relação entre a expansão e a função obedece às propriedades acima. Geralmente, para uma expansão assintótica é válido que |anzn||an+1zn+1| no momento do truncamento ótimo.

Como exemplo, consideremos a Integral de Stieltjes, definida para pequenos valores de x por:

(9) T ( x ) = 0 + e - t 1 + x t d t .

Sua série de potências pode ser obtida considerando a soma das série, tal que,

(10) T ( x ) = 0 + e - t n = 0 ( - 1 ) n x n t n d t = n = 0 ( - 1 ) n x n Γ ( n + 1 ) , | x | < 1 ,

onde Γ(n+1)=n! é a função Gama. Há dois pontos notáveis neste exemplo: O primeiro é que o procedimento acima está formalmente incorreto, uma vez que a soma das séries requerem que |xt|<1, enquanto a integral foi avaliada de 0 a + na variável t. Assim, a função T(x) não admite expansão em série de potências. O segundo comentário é que os coeficientes da expansão crescem fatorialmente, então a série tem raio de convergência zero para qualquer valor de x. Apesar de isso, os valores numéricos de T(x) podem ser calculados por meio da série, desde que apenas alguns termos sejam mantidos. Portanto, a série in (10) é de fato uma série assintótica de acordo com a definição formal de Poincaré apresentada acima. Como mencionamos, para encontrar o truncamento ótimo é necessário que o próximo termo da soma seja maior que a anterior:

(11) n ! | x n | ( n + 1 ) ! | x n + 1 | ,

ou

(12) | x | - 1 n + 1 .

Então, neste caso, o truncamento ótimo ocorre em

(13) n = | x | - 1 - 1 N * ,

por exemplo, para x=1/10 que implica N*=9, a integral exata (9) fornece T(0.1)=0.91563 e o resultado da soma parcial S9(0.1)=0.91545. A precisão pode ser aprimorada considerando valores menores de x.

Truncando a série assintótica que representa a Integral de Stieltjes até a ordem de N*, o erro é exponencialmente pequeno. Para provar isso, vamos considerar que, em torno do ponto de truncamento ótimo, o resto da soma é pelo menos da ordem do N*-ésimo termo:

(14) | R N * ( x ) | N * ! x N * N * ! ( N * ) - N * .

Para a aproximação final usaremos a expansão de Stirling, que são os termos de primeira ordem da expansão assintótica da função Gamma:

(15) | R N * ( x ) | N * e - N * .

Substituindo x-1N*, temos

(16) | R N * ( x ) | e - 1 / x x ,

isso significa que o erro no cálculo da função T(x) por sua série assintótica truncada é exponencialmente pequena, assim como queríamos demonstrar.

2.2. Soma de Borel

Como mencionamos na introdução, a proposta da transformada de Borel é associar um número a uma série divergente assintótica. Além disso, é possível encontrar uma função que relacione a série perturbativa de algum observável fF a um número, para cada valor da constante de acoplamento. A partir da série perturbativa assintótica

(17) f ( g ) = n = 0 c n g n + 1 ,

na qual g é a constante de acoplamento e os coeficientes cnn!, define-se a transformada de Borel como um mapa linear agindo na série de potências formal [6[6] I. Aniceto, G. Basar e R. Schiappa, Physics Reports 809, 1 (2019).], tal que

(18) [ f ] ( k ) = n = 0 c n n ! k n .

Esta nova série [f](k) normalmente possui um raio de convergência finito para k. A soma de Borel é a continuação analítica da nova série obtida pela transformada de Borel. Se esta função for definida no plano complexo, é necessário escolher alguma direção θ ao longo da qual [f](k) não tenha singularidades, então a soma de Borel é definida como

(19) 𝒮 θ f ( g ) = 0 e i θ [ f ] ( k ) e - k / g d k .

Assim, o trabalho de associar um número à série está concluído. No entanto, se a série original na equação (17) for uma série assintótica, então [f](k) necessariamente apresentará singularidades, então, a soma de Borel não será bem definida na direção em que a série possui singularidades. Essa direção define a chamada linha de Stokes e as singularidades geram ambiguidades quando diferentes setores do plano complexo são considerados. Para ser mais específico, é necessário definir a soma de Borel lateral que evite a singularidade pela direita e pela esquerda. Neste caso, dois contornos diferentes de integração devem ser usados e, em geral, cada contorno resulta em um valor diferente para a soma. Além disso, as somas de Borel laterais da série assintótica são conectadas através do chamado automorfismo de Stokes,

(20) 𝒮 θ + = 𝒮 θ - 𝔖 θ ,

que é um operador. Na verdade, o automorfismo de Stokes 𝔖θ está relacionado com a derivada alien, que aparece no cálculo alien, mas não apresentaremos uma discussão detalhada sobre este tópico aqui. Para uma definição formal deste operador e uma revisão sobre cálculo alien no contexto de transéries, veja [6[6] I. Aniceto, G. Basar e R. Schiappa, Physics Reports 809, 1 (2019).], especialmente o apêndice A. Por enquanto, é importante saber que o automorfismo de Stokes descreve o fenômeno Stokes: a partir de uma transérie que inclui a série perturbativa original (17), quando a linha de Stokes é cruzada, a qual é identificada pelos valores múltiplos das somas de Borel laterais, então uma nova série de termos aparecerão. Esse conteúdo não perturbativo pode eventualmente crescer e se tornar a parte dominante, dependendo de qual setor do plano complexo da constante de acoplamento há interesse.

Para exemplificar a soma de Borel, consideremos o processo inverso do que fizemos na equação (10), ou seja, começando da série divergente, recuperaremos a função de Stieltjes na equação (9) via soma de Borel. Definindo a função

(21) f ( x ) = 1 x n = 0 ( - 1 ) n n ! x n + 1 ,

Sua transformada de Borel será:

(22) [ f ] ( k ) = 1 x n = 0 ( - 1 ) n k n .

A soma de 𝒮f(g) ao longo da direção θ=0 é dada por

(23) 𝒮 f ( x ) = 1 x 0 + n = 0 ( - 1 ) n k n e - k / x d k = 0 e - u 1 + x u d u = T ( x ) ,

na qual foi feita a mudança de variáveis uk/x e usou-se a soma da série geométrica. Vejamos graficamente a comparação entre as somas parciais

(24) S p ( x ) = n = 0 p ( - 1 ) n n ! x n + 1 ,

e a função exata T(x) na Figura 1. Podemos observar que as somas parciais coincidem bem com a função exata para pequenos valores de x, que faz o papel da constante de acoplamento neste exemplo. Além disso, quando mais termos são levados em consideração, as somas parciais começam a se afastar do valor exato. Isto é esperado, pois há um truncamento ótimo para a soma. O procedimento acima foi aplicado a uma série com raio de convergência zero, mas também funciona para uma série com raio de convergência finito e não nulo.

Figura 1.
Gráfico da Integral de Stieltjes T(x) e das somas parciais Sp (x) para p = 1, 2, 3, 4, 5, 6.

Com o objetivo de ilustrar a necessidade de somatórios laterais de Borel, é interessante considerar o somatório de Borel da série na equação (17) porém sem o sinal alternado

(25) f ( g ) = n = 0 n ! g n .

Seguindo os mesmos passos mencionados acima, pode-se encontrar que

(26) 𝒮 θ f ( g ) = 0 e i θ e - t 1 - g t d t .

Considerando f(g) como uma função da variável complexa g, segue que esta função possui uma linha de corte no eixo real positivo (direção θ=0). Isso pode ser visto na integral da equação (26), pois a variável t é avaliada de 0 a +, portanto, qualquer valor da parte real e positiva de g gerará uma divergência. Por outro lado, se olharmos para a função e-t1-gt, dependendo da variável complexa t e para um dado g fixo, esta função apresenta apenas um polo simples em t=1g. Este polo caracteriza a linha de Stokes e a soma de Borel não está bem definida ao longo de θ=0, é necessário considerar a soma de Borel lateral. Calculando apenas a parte imaginária da integral (26), usando o contorno de integração γ na Figura 2, no limite de ϵ0, temos:

Figura 2.
Contorno de integração que evita o polo por cima.
(27) Im [ 𝒮 θ + f ] = π 0 e - ( 1 g + ϵ e i ϕ ) i ϵ e i ϕ d ϕ 1 - g ( 1 g + ϵ e i ϕ ) = i π g e - 1 / g .

No entanto, se o polo for contornado por baixo, a integral resultará em uma parte imaginária negativa

(28) Im [ 𝒮 θ - f ] = - i π g e - 1 / g ,

como esperado, os valores das somas de Borel laterais são diferentes, mas estão relacionados.

Apesar de termos evitado o polo usando o contorno γ mostrado na Figura 2, o mesmo resultado deve ser encontrado se escolhermos evitar a linha de corte por um pequeno ângulo θ, como nos contornos C+ e C- representados na Figura 3. O nome “soma de Borel lateral” faz mais sentido usando este tipo de contorno, embora o contorno γ torne o cálculo mais fácil neste caso.

Figura 3.
Contornos C+ e C para a soma de Borel lateral Sθ ± f(g).

Na próxima seção encontraremos a transérie para o poço duplo de potencial para mostrar em um exemplo prático e bem conhecido da Mecânica Quântica os conceitos teóricos apresentados acima. Será visto que os termos não perturbativos surgem naturalmente da série perturbativa (ressurgimento) e a transérie possui uma parte imaginária ambígua (i. e. que apresenta diferentes valores) devido à presença de singularidades.

3. Transérie da Energia para um Potencial Quártico

3.1. Parte perturbativa

Nesta seção obteremos a parte perturbativa do espectro de energia de uma partícula em potencial de poço duplo, dada pela seguinte expressão:

(29) U ( x ) = x 2 ( 1 + g x ) 2 .

Seguiremos o método WKB Uniforme [12[12] G.V. Dunne e M. Ünsal, Physical Review D 89, 105009 (2014).] para encontrar a solução perturbativa da equação de Schrödinger, que é um pouco diferente do método WKB geralmente apresentado em cursos de graduação. Pela mudança de variáveis y=gx na equação estacionária de Schrödinger pode-se encontrar que:

(30) - g 4 d 2 d y 2 ψ ( y ) + y 2 ( 1 + y ) 2 ψ ( y ) = g 2 E ψ ( y ) ,

na qual V(y)=y2(1+y)2 será a expressão matemática para o potencial que usaremos a partir de agora. O método WKB Uniforme parte de um ansatz para a função de onda que aparentemente torna o problema mais complicado, pois transforma a EDO linear (30) em uma equação não linear. No entanto, a EDO não linear pode ser resolvida iterativamente como veremos a seguir. Como o potencial em questão no limite g20 possui a forma de um oscilador harmônico, é natural utilizarmos o ansatz do método WKB Uniforme em termos das funções parabólicas para a função de onda, isto é,

(31) ψ ν ( y ) = D ν ( 1 g u ( y ) ) u ( y ) ,

em que Dν é a função parabólica cilíndrica [14[14] http://dlmf.nist.gov/, acessado em 26/05/2023.
http://dlmf.nist.gov/...
], que satisfaz a equação diferencial:

(32) d 2 d z 2 D ν ( z ) + ( ν + 1 2 - z 2 4 ) D ν ( z ) = 0 ,

e as condições de contorno

(33) D ν ( 0 ) = π 2 - ν 2 Γ ( 1 2 - ν 2 ) ,
(34) D ν ( 0 ) = π 2 - 1 2 - ν 2 Γ ( - ν 2 ) .

Como veremos posteriormente, o uso das funções parabólicas cilíndricas permite que as funções de onda do oscilador harmônico de poço único sejam recuperadas no limite g20. As funções parabólicas cilíndricas possuem a seguinte representação integral:

(35) D ν ( z ) = 2 π e z 2 / 4 0 t ν e - t 2 / 2 cos ( z t - ν π 2 ) d t ,

válida sob a condição Re(ν)>-1. A função Dν(z) também pode ser escrita como uma série de potências com um fator e-z24, que possui raio de convergência finito em todo o plano complexo:

(36) D ν ( z ) = e - z 2 4 ( 1 + ( - ν ) z 2 2 ! + ( - ν ) ( 2 - ν ) z 4 4 ! + ) .

Veja na Figura 4 o gráfico de Dν(x) para alguns valores de ν.

Figura 4.
Gráfico de Dν(x) para x real e ν = 0, 3/2, 3, 9/2.

Substituindo ψ(y) da equação (31) na equação de Schrödinger encontra-se a EDO não linear supracitada para u(y):

(37) V ( y ) - 1 4 u 2 ( u ) 2 - g 2 E + g 2 ( ν + 1 2 ) ( u ) 2 + g 4 2 u ( u ′′ ( u ) 3 / 2 ) = 0 .

Esta equação pode ser resolvida usando séries de potências para o espectro de energia e para a função de onda u(y) em termos da “constante de acoplamento” g2, isto é:

(38) E = E 0 + g 2 E 1 + g 4 E 2 +
(39) u ( y ) = u 0 ( y ) + g 2 u 1 ( y ) + g 4 u 2 ( y ) +

Inserindo estas séries em (37) e mantendo até a ordem zero em g2 encontra-se u0(y), mantendo termos até 𝒪(g2) a função u1(y) e E0 são obtidos, e assim por diante. Portanto, repetindo este procedimento toda a série perturbativa pode ser calculada, resultando para o espectro de energia até a ordem 𝒪(g10):

(40) E ( ν , g 2 ) = 2 ( ν + 1 2 ) - 2 g 2 [ 3 ( ν + 1 2 ) 2 + 1 4 ] - 2 g 4 [ 17 ( ν + 1 2 ) 3 + 19 4 ( ν + 1 2 ) ] - 2 g 6 [ 375 2 ( ν + 1 2 ) 4 + 459 4 ( ν + 1 2 ) 2 + 131 32 ] - 2 g 8 [ 10689 4 ( ν + 1 2 ) 5 + 23405 8 ( ν + 1 2 ) 3 + 22709 64 ( ν + 1 2 ) ] - 3 g 10 [ 29183 ( ν + 1 2 ) 6 + 50715 ( ν + 1 2 ) 4 + 217663 16 ( ν + 1 2 ) 2 + 10483 32 ] + 𝒪 ( g 12 ) .

É importante notar que (40) para g=0 é a expressão para a energia do oscilador harmônico quântico E=ν+1/2, exceto por um fator 2, que está presente devido ao nosso ansatz . Da mesma forma, calculamos a função de onda u(y) até a ordem g10, porém mostraremos aqui o resultado somente até 𝒪(g2) pois a expressão se torna muito grande

(41) u ( y ) = 2 y 1 + 2 y 3 + g 2 ( ν + 1 2 ) ln [ ( 1 + 2 y 3 ) ( 1 + y ) 2 ] 2 y 1 + 2 y 3 + 𝒪 ( g 4 ) .

Para recuperar a função de onda ψ(N)(x) na forma mais conhecida da teoria de perturbações, é necessário fazer νN (com N inteiro e positivo), mudar a variável ygx e expandir a equação (31) em uma série de potências de g2:

(42) ψ ( N ) ( x ) = D N ( 1 g [ u 0 ( g x ) + g 2 u 1 ( g x ) + ] ) ( d / d x ) [ u 0 ( g x ) + g 2 u 1 ( g x ) + ] / g = D N ( 2 x ) 2 + g 2 ψ 1 ( N ) ( x ) + g 4 ψ 2 ( N ) ( x ) +

Usando a seguinte relação para for DN(z) [14[14] http://dlmf.nist.gov/, acessado em 26/05/2023.
http://dlmf.nist.gov/...
]:

(43) D N ( z ) = 2 - N / 2 e - z 2 4 N ( z 2 ) ,

na qual N=0,1,2, e N é o polinômio de Hermite de ordem N, encontra-se:

(44) ψ ( N ) ( x ) = 2 - N / 2 2 e - x 2 2 N ( x ) + g 2 ψ 1 ( N ) ( x ) +

A contribuição de ordem zero em g2 na equação (44) é a função de onda para o oscilador harmônico quântico sem perturbações.

Na próxima seção veremos que as condições de contorno fornecem uma relação implícita entre ν e g2. Esta relação permitirá o cálculo da transérie de energia na forma da equação (3), a qual está contida na série perturbativa (40).

3.2. Parte não perturbativa

Nesta seção obteremos a parte não perturbativa do espectro de energia, que consiste em uma transérie ressurgente. A função de onda do estado fundamental deve ser simétrica em relação ao centro do poço (y=-12) e o primeiro estado excitado é anti-simétrico em relação a este ponto. Da mesma forma, todos os estados pares (ímpares) serão simétricos (antissimétricos) respectivamente, logo, as condições de contorno são:

(45) ψ even ( - 1 2 ) = 0 ,
(46) ψ odd ( - 1 2 ) = 0 .

Aplicando a condição (46) no ansatz (31), temos:

(47) D ν ( u ( - 1 2 ) g ) = 0 ,

na qual g0 assim, é necessário conhecer o comportamento de Dν(z) quando z. Para isso, faremos uso do comportamento assintótico de Dν [14[14] http://dlmf.nist.gov/, acessado em 26/05/2023.
http://dlmf.nist.gov/...
]:

(48) D ν ( z ) z ν e - z 2 / 4 F 1 ( z 2 ) + e ± i π ν 2 π Γ ( - ν ) z - 1 - ν e z 2 / 4 F 2 ( z 2 ) ,

válida para π2<±arg(z)<π, com

(49) F 1 ( z 2 ) = k = 0 Γ ( k - ν 2 ) Γ ( k + 1 2 - ν 2 ) Γ ( - ν 2 ) Γ ( 1 2 - ν 2 ) 1 k ! ( - 2 z 2 ) k ,
(50) F 2 ( z 2 ) = k = 0 Γ ( k + 1 2 + ν 2 ) Γ ( k + 1 + ν 2 ) Γ ( 1 2 + ν 2 ) Γ ( 1 + ν 2 ) 1 k ! ( 2 z 2 ) k .

Portanto, temos,

(51) 0 = [ u ( - 1 2 ) g ] ν e - u 2 ( - 1 2 ) 4 g 2 F 1 ( z 2 ) + e ± i π ν 2 π Γ ( - ν ) [ u ( - 1 2 ) g ] - 1 - ν e u 2 ( - 1 2 ) 4 g 2 F 2 ( z 2 ) .

na qual z2=u2(-12)g2. Multiplicando por e-u02(-1/2)2g2, em que u0(y) é o primeiro coeficiente da expansão em série (39), após um pouco de álgebra, encontra-se:

(52) 1 Γ ( - ν ) ( e ± i π 2 g 2 ) - ν = - e - u 0 2 ( - 1 / 2 ) 2 g 2 π g 2 [ u 2 ( - 1 2 ) 2 ] ν + 1 2 × F 1 ( u 2 ( - 1 2 ) g 2 ) F 2 ( u 2 ( - 1 2 ) g 2 ) e - 1 2 g 2 [ u 2 ( - 1 2 ) - u 0 2 ( - 1 2 ) ] .

Definindo a quantidade

(53) ξ 1 π g 2 e - u 0 2 ( - 1 2 ) 2 g 2 = 1 π g 2 e - 1 6 g 2

e também

(54) H 0 [ u 2 ( - 1 2 ) 2 ] ν + 1 2 F 1 ( u 2 ( - 1 2 ) g 2 ) F 2 ( u 2 ( - 1 2 ) g 2 ) × e - 1 2 g 2 [ u 2 ( - 1 2 ) - u 0 2 ( - 1 2 ) ] ,

encontra-se uma relação implícita entre ν e g:

(55) 1 Γ ( - ν ) ( e ± i π 2 g 2 ) - ν = - ξ H 0 ( ν , g 2 ) ,

que será útil para obter ν como uma função de g2. O primeiro passo para o cálculo da transérie é considerar ν=N+δν na relação obtida das condições de contorno (55), com N um inteiro positivo:

(56) 1 Γ ( - ν ) ( e ± i π 2 g 2 ) - ν = 1 Γ ( - N - δ ν ) ( e ± i π 2 g 2 ) - N × ( e ± i π 2 g 2 ) - δ ν .

Usando a expansão w-δν=e-δνln(w)1-δνln(w), temos para o primeiro termo:

(57) ( e ± i π 2 g 2 ) - δ ν = 1 - δ ν ln ( e ± i π 2 g 2 ) + 𝒪 ( δ ν 2 ) .

O segundo termo pode ser expandido a partir da expansão para a função Gamma

(58) Γ ( - N - δ ν ) = Γ ( - δ ν ) ( - N - δ ν ) ( - N - δ ν + 1 ) ( - 1 - δ ν ) ,

então,

(59) 1 Γ ( - N - δ ν ) = ( - 1 ) N N ! Γ ( - δ ν ) ( 1 + δ ν 1 ) ( N + δ ν N ) = ( - 1 ) N N ! Γ ( - δ ν ) [ 1 + h N δ ν + 𝒪 ( δ ν 2 ) ] ,

na qual hN=11+12++1N é o N-ésimo Número Harmônico. Para obter uma expressão para 1Γ(-δν), consideremos a expansão para o termo ln[Γ(z)], dada por:

(60) ln [ Γ ( z ) ] = - ln z - γ z + k = 2 ( - 1 ) k k ζ ( k ) z k ,

em que γ é a constante de Euler-Mascheroni e ζ(z) é a função Zeta de Riemann. A equação (60) implica que:

(61) Γ ( z ) = e - ln z e - γ z + 𝒪 ( z 2 ) ,

logo, usando a série de Taylor da função exponencial, encontra-se

(62) 1 Γ ( z ) = z [ 1 + γ z + 𝒪 ( z 2 ) ] .

Finalmente, substituindo z-δν temos a expressão desejada

(63) 1 Γ ( - δ ν ) = - δ ν + γ δ ν 2 + 𝒪 ( δ ν 3 ) .

Inserindo esse resultado na equação (64), segue que

(64) 1 Γ ( - N - δ ν ) = - ( - 1 ) N N ! [ δ ν - ( γ - h N ) δ ν 2 + 𝒪 ( δ ν 3 ) ] .

É sabido que a função Digama ψ(z)ddzlnΓ(z) obedece a relação ψ(N+1)=hN-γ, portanto, substituindo (64) e (57) na equação (56), resulta:

(65) 1 Γ ( - ν ) ( e ± i π 2 g 2 ) - ν = - ( - 1 ) N N ! ( e ± i π 2 g 2 ) - N { δ ν - δ ν 2 [ ln ( e ± i π 2 g 2 ) - ψ ( N + 1 ) ] + 𝒪 ( δ ν 3 ) } .

A seguir, trabalharemos com o lado direito da equação (55), considerando a expansão H0(ν,g2) em uma série de potências de δν e assumindo que exista a expansão de δν em potências de ξ, tal que:

(66) H 0 ( ν , g 2 ) = H 0 ( N , g 2 ) + N H 0 ( N , g 2 ) δ ν + 𝒪 ( δ ν 2 ) ,
(67) δ ν = c 0 + c 1 ξ + c 2 ξ 2 + 𝒪 ( ξ 3 ) .

Usando (65) e comparando com os coeficientes de ξ ambos os lados da equação (55) pode-se calcular as constantes c0, c1, . É importante notar que o lado direito da equação (55) começa com ξ1, logo, c0=0. Na ordem seguinte, temos:

(68) - H 0 ( N , g 2 ) ξ - c 1 H 0 ( N , g 2 ) N ξ 2 = - ( - 1 ) N N ! ( e ± i π 2 g 2 ) - N × { c 1 ξ + { c 2 - [ ln ( e ± i π 2 g 2 ) - ψ ( N + 1 ) ] c 1 2 } ξ 2 }

Igualando os coeficientes de ξ1, resulta:

(69) c 1 = ( - 1 ) N H 0 ( N , g 2 ) N ! ( e ± i π 2 g 2 ) N .

Seguindo esse procedimento, calculamos a série de δν até a ordem ξ5. Aqui apresentaremos o resultado apenas até a ordem ξ3 pois a expressão se torna muito grande. Recordando que ν=N+δν, temos:

(70) ν = N + ( 2 g 2 ) N H 0 N ! ξ + ( 2 g 2 ) 2 N H 0 ( N ! ) 2 ξ 2 × [ H 0 + ( ln ( e ± i π 2 g 2 ) - ψ ( N + 1 ) ) H 0 ] + ( 2 g 2 ) 3 N H 0 6 ( N ! ) 3 ξ 3 { 18 H 0 H 0 [ ln ( e ± i π 2 g 2 ) - ψ ( N + 1 ) ] + 3 H 0 H 0 ′′ + 6 H 0 2 + H 0 2 { 9 ln 2 ( e ± i π 2 g 2 ) + 9 ψ ( N + 1 ) × [ ψ ( N + 1 ) - 2 ln ( e ± i π 2 g 2 ) ] - 3 ψ ( 1 ) ( N + 1 ) + π 2 } } .

Substituindo a série para ν obtida acima (70) na parte perturbativa do espectro de energia (40), encontra-se a transérie para o N-ésimo nível de energia.

(71) E ( N , g 2 ) = 2 ( N + 1 2 ) - 2 g 2 [ ( N + 1 2 ) 2 + 1 4 ] - 2 g 4 [ 17 ( N + 1 2 ) 3 + 19 4 ( N + 1 2 ) ] - 2 N e - 1 6 g 2 g 2 π N ! ( e ± i π g 2 ) N × [ 1 - 3 g 2 ( 1 + N + N 2 + ( 1 + 2 N ) 2 1.2972 ) ] - 2 2 N e - 2 6 g 2 g 4 π 2 ( N ! ) 2 ( e ± i π g 2 ) 2 N × 8 ( 1 + N + N 2 + ( 1 + 2 N ) 2 1.2972 ) × { - 3 g 2 ( 1 + N + N 2 + ( 1 + 2 N ) 2 1.2972 ) + [ ln ( 2 e ± i π g 2 ) - ψ ( N + 1 ) ] × [ 1 - 3 g 2 ( 1 + N + N 2 + ( 1 + 2 N ) 2 1.2972 ) ] } + .

Esta expressão contém as informações perturbativas e não perturbativas para o espectro de energia e está na forma de equação (3) apesar de nossa constante de acoplamento para poço duplo ser g2. É importante notar que o termo ln(e±iπ) é imaginário puro, embora a energia observável seja obviamente real. Para resolver este problema Dunne e Ünsal afirmaram que a parte imaginária que vem da soma de Borel da série perturbativa (40) se cancela com a parte imaginária da série (71) [12[12] G.V. Dunne e M. Ünsal, Physical Review D 89, 105009 (2014).]. Além disso, deve-se notar que, se considerarmos uma constante de acoplamento complexa g2 a condição Re(g2)=0 fornece um expressão real para a série (71). Por analogia com a análise do ponto de sela apresentada em [6[6] I. Aniceto, G. Basar e R. Schiappa, Physics Reports 809, 1 (2019).] para um potencial quártico muito semelhante, podemos ver que a condição arg(g2)=0 e arg(g2)=π caracteriza a linha Stokes, onde exponenciais suprimidos começam a contribuir com a série. Aumentando o arg(g2) esses termos crescem e se tornam da mesma magnitude das principais contribuições quando arg(g2)=π/2 é alcançado.

4. Conclusão

Apresentamos neste trabalho uma introdução à teoria das transéries ressurgentes explicando de forma pedagógica sua origem e como essa teoria permite associar um observável físico a uma série perturbativa infinita. Para isso, começamos com a definição formal de uma série divergente assintótica e explicamos como associar um número a essa série usando o processo de soma de Borel. Como vimos, existem algumas funções que apresentam singularidades ao longo da direção do plano complexo em que a soma de Borel é realizada. Estes foram os nossos casos de interesse, pois dão origem à necessidade das transéries e manifestam o fenômeno Stokes.

Para ilustrar a teoria das transéries ressurgentes, mostramos como a série perturbativa codifica todas as informações sobre a parte não perturbativa do espectro de energia, no contexto de uma análise de Mecânica Quântica de uma partícula em um potencial de poço duplo. Para derivar o conteúdo não perturbativo usamos o método WKB Uniforme considerando um ansatz para a função de onda em termos das funções de Parabólicas Cilíndricas. A ideia essencial do que fizemos foi usar o comportamento assintótico dessas funções especiais nas condições de contorno e considerar o índice dos níveis de energia ν contendo uma parte não inteira ν=N+δν. Lidando com a expansão em potências de δν da equação para as condições de contorno, calculamos a transérie ressurgente a partir do espectro de energia perturbativa.

Apesar das contribuições da transéries (71) parecerem exponencialmente pequenas em comparação com a parte perturbativa (já que a constante de acoplamento g2 é pequena), deve-se notar que o fenômeno de Stokes pode mudar este cenário. Considerando g2 como uma grandeza complexa, vimos que existem algumas regiões no plano complexo em que a contribuição das transéries se torna dominante. Esses diferentes setores do plano complexo são delimitados pelas linhas de Stokes. Nosso objetivo aqui foi apenas apresentar esse fenômeno de forma abrangente usando um exemplo bem conhecido da Mecânica Quântica. O leitor interessado é incentivado a seguir as referências citadas para se aprofundar no assunto.

Agradecimentos

D. J. agradece o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. B. M. P. agradece ao CNPQ pelo apoio financeiro parcial.

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    » http://dlmf.nist.gov/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Revisado
    14 Abr 2023
  • Aceito
    19 Maio 2023
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