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Paradoxo do capacitor e haste

Capacitor and rod paradox

Resumos

Nesse artigo tratamos de um paradoxo, no sentido de contradição aparente, da teoria da Relatividade Especial: um circuito em forma de U, com abertura L0 e contendo um capacitor carregado, movimenta-se em relação a uma haste condutora de comprimento L0. A pergunta é: visto de um referencial no circuito e depois visto de um referencial na haste, o circuito se fecha descarregando o capacitor ou não? A solução do paradoxo, que parece envolver apenas a questão de contração do comprimento, na verdade envolve também a questão de simultaneidade, como mostramos. O artigo, além de apresentar e resolver o paradoxo, revê pontos importantes da teoria da Relatividade Especial, tais como representação geométrica das transformações de Lorentz, simultaneidade e dessincronização dos relógios ao longo de uma objeto em movimento.

Palavras-chave:
Relatividade; paradoxos; simultaneidade


In this article we deal with a paradox, in the sense of apparent contradiction, of the theory of Special Relativity: an U-shaped circuit, with an opening L0 and with a charged capacitor, moves relative to a conductive rod of length L0. The question is: seen from a referential in the circuit and then viewed from a reference point on the rod, does the circuit close discharging the capacitor or not? The solution to the paradox, which seems to involve only the issue of length contraction, actually also involves the issue of simultaneity, as we have shown. The article, in addition to presenting and solving the paradox, reviews important points of the theory of Special Relativity, such as geometric representation of Lorentz transformations, simultaneity and desynchronization of clocks along an object in movement.

Keywords:
Relativity; paradoxes; simultaneity


1. Introdução

A Teoria da Relatividade é, segundo o físico L. D. Landau1 1 [La Relativité générale] a été créée par Einstein … et est vraisemblablement la plus belle des théories physiques existantes. (página 304 de Landau 1966 [1]) , a teoria física mais bonita existente, opinião certamente compartilhada por muitos outros físicos [1[1] L. Landau e E. Lifchitz, Théorie du Champ (Éditions Mir, Moscou, 1966), 10 ed.]. Ela envolve a Relatividade Especial, ou Restrita, que vale para referenciais inerciais, e a Relatividade Geral válida para referenciais quaisquer e que engloba a gravitação. A Relatividade Especial, essencialmente proposta por Einstein em 1905, traz novidades intrigantes e muda a concepção de espaço e tempo como proposta por Newton e presente em nossa vida cotidiana. A estrutura de espaço e tempo passa a depender do referencial. Isso gera fatos estranhos ao senso comum e até mesmo paradoxos, no sentido de “aparente falta de nexo (uma situação que contradiz a intuição comum)”, ou seja, contradições imediatas que, no entanto, desaparecem depois de uma análise refinada [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed.].

Vale enfatizar que o estudo e a pesquisa em questões diversas relacionadas a relatividade são temas de interesse geral e recorrentes [8[8] G.B.R.L. Freitas e A.H. Gomes, Rev. Bras. Ens. Fis. 41, e20180282 (2019)., 9[9] F.B. Kneubil, Rev. Bras. Ens. Fis. 38, e4309 (2016)., 10[10] C.M. Rodrigues, I.P.S. Sauerwein e R.A. Sauerwein, Rev. Bras. Ens. Fis. 36, 1401 (2014)., 11[11] A.C. Fauth, J.C. Penereiro, E. Kemp, W.C. Grizolli, D.M. Consalter e L.F.G. Gonzalez, Rev. Bras. Ens. Fis. 29, 585 (2007).]. Por exemplo, a investigação de paradoxos diversos é frequente na literatura, vide “Dilatação do tempo, referenciais acelerados e o paradoxo dos gêmeos” [8[8] G.B.R.L. Freitas e A.H. Gomes, Rev. Bras. Ens. Fis. 41, e20180282 (2019).]. É também recorrente a preocupação com a aprendizagem de relatividade nos diversos níveis de ensino, como vemos no artigo “Uma proposta de inserção da teoria da relatividade restrita no ensino médio via estudo de GPS” [9[9] F.B. Kneubil, Rev. Bras. Ens. Fis. 38, e4309 (2016).]. Apesar do interesse geral do tema, dificuldades de seu entendimento são comuns, dado que a relatividade envolve efeitos longe do nosso cotidiano.

Nesse artigo revisitamos um paradoxo recorrente e o resolvemos através de uma análise detalhada dos novos conceitos de espaço, tempo e simultaneidade. Recordamos alguns conceitos bem conhecidos e aprofundamos outros menos explorados em exposições introdutórias de Relatividade, tais como a simultaneidade e a diferença de tempo em pontos diferentes do referencial em movimento [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2.].

É de conhecimento geral do estudante de física (mas, como ilustração da representação gráfica das transformações de Lorentz, deduzimos esse resultado no apêndice) que um corpo parado em um referencial S, que por sua vez está em movimento em relação a um referencial S, tem seu comprimento contraído na direção do movimento (comprimento observado por S) [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 13[13] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Editora Blucher, São Paulo, 2009), 2 ed., 14[14] R.M. Wald, Space, Time and Gravity – The Theory of the Big Bang and Black Holes (University of Chicago Press, Chicago, 1992), 2 ed., 15[15] A. Chaves, Física (Reichmann & Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001), v. 3., 16[16] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Blucher, São Paulo, 1998), v. 4.]. Surge então o problema seguinte. Um carro de comprimento L viaja a uma velocidade v (próxima à da luzc). Ele passa por um buraco de comprimento tambémL. No referencial do carro é o buraco que se move em sua direção e terá o comprimento contraído. Assim o carro não cairá no buraco. No entanto, no referencial S onde o buraco está parado, o carro é que se movimenta, terá então seu comprimento L diminuido e cairá no buraco. Aparece, portanto, um paradoxo. Como “cair em um buraco” envolve mover-se em um campo gravitacional, reformulamos o problema trocando o carro por um circuito em forma de U de cabeça para baixo, com um capacitor carregado e o buraco por uma haste metálica. O problema então fica: o capacitor e a haste fecharão o circuito (descarregando o capacitor ainda que parcialmente) ou não? Nesse artigo resolvemos esse paradoxo com uma resposta precisa à questão. Concomitantemente revemos com cuidado a questão da simultaneidade e a questão do tempo dependente da posição no referencial em movimento, questões muitas vezes pouco aprofundadas em livros introdutórios.

O resto do artigo é organizado como se segue. Na seção 2 2. Prolegômenos: Representação geométrica das transformações de Lorentz São as transformações de Lorentz entre as coordenadas de dois referenciais que nos dão as informações de tempo e de espaço de um referencial S′ vistas pelo referencial S, onde, por exemplo, o referencial S′ move-se em relação ao referencial S. É muito conveniente a representação geométrica dessas transformações, isto é, a descrição dos eixos c⁢t′ e x′ de S′ vistos pelo referencial S (das coordenadas c⁢t e x).2 Assim, dado um evento, suas coordenadas (os valores de c⁢t e x, c⁢t′ e x′) podem ser facilmente visualizadas. Na configuração padrão (Figura1), onde a velocidade relativa u=β⁢c entre dois referenciais inerciais S e S′ está orientada ao longo dos eixos x e x′, i.e. S′ move-se com velocidade u em relação a S na direção de x positivo, as transformações de Lorentz direta ou inversa são dadas pelas equações: [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20] (1) { c ⁢ t ′ = γ ⁢ ( c ⁢ t - β ⁢ x ) x ′ = γ ⁢ ( x - β ⁢ c ⁢ t ) y ′ = y z ′ = z ou { c ⁢ t = γ ⁢ ( c ⁢ t ′ + β ⁢ x ′ ) x = γ ⁢ ( x ′ + β ⁢ c ⁢ t ′ ) y = y ′ z = z ′ ; onde ⁢ γ ≡ 1 1 - β 2 . Figura 1: Referenciais inerciais S e S′ na configuração padrão. Queremos representar, em um diagrama de espaço-tempo, os eixos do referencial S′ em termos de um gráfico com os eixos c⁢t e x do referencial S. Isto é, como S′ é visto por S. Vamos começar representando o eixo x′: tal eixo é o lugar geométrico dos pontos onde c⁢t′=0. Isso exige uma equação da transformação de Lorentz que contenha as grandezas c⁢t, x e c⁢t′, ou seja: c ⁢ t ′ = γ ⁢ ( c ⁢ t - β ⁢ x ) ⇒ 0 = γ ⁢ ( c ⁢ t - β ⁢ x ) ∴ c ⁢ t = β ⁢ x . Tal equação representa uma reta passando na origem e com inclinação dada por (2) tan ⁡ θ = β Agora a representação do eixo c⁢t′. Como tal eixo é o lugar geométrico dos pontos onde x′=0, necessitamos uma equação da transformação de Lorentz que contenha as grandezas c⁢t, x e x′, ou seja: x ′ = γ ⁢ ( x - β ⁢ c ⁢ t ) ⇒ 0 = γ ⁢ ( x - β ⁢ c ⁢ t ) ∴ c ⁢ t = β - 1 ⁢ x . Tal equação representa uma reta passando na origem e com inclinação β-1. Ou ainda, x=β⁢c⁢t, que leva a uma reta com inclinação β a partir do eixo c⁢t. Os resultados encontrados são mostrados na Figura2. Trata-se da representação geométrica no espaço-tempo dos eixos c⁢t e x, da transformação de Lorentz para as coordenadas c⁢t′ e x′. Diferentemente de uma rotação no plano, que gira os eixos espaciais de um ângulo θ em um mesmo sentido, ou anti-horário ou horário, a transformação de Lorentz gira os eixos do espaço-tempo de um ângulo θ em sentidos opostos. Esse movimento de tesoura é também conhecido como cisalhamento. Figura 2: Representação geométrica da transformação de Lorentz. No caso de eixos oblíquos, a determinação, por exemplo, da coordenada x′ de um evento, é dada quando a reta paralela ao eixo c⁢t′, que passa pelo evento, intercepta o eixo x′ (ver Figura2). Ou ainda, dois eventos simultâneos no referencial S′ (ou S) se situam em uma reta paralela ao eixo x′ (ou x). O fato da transformação de Lorentz ser representada por um cisalhamento em um diagrama de espaço-tempo está diretamente ligado à invariância da velocidade da luz no vácuo. Note que qualquer evento sobre o “cone de luz” deve satisfazer às expressões: |c⁢t|=|x| e |c⁢t′|=|x′|. Isso significa que a velocidade de um sinal luminoso, indo da origem dos eixos até esse evento, viaja com a velocidade |x|/|t|=|x′|/|t′|=c. recordamos a representação geométrica das transformações de Lorentz [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 14[14] R.M. Wald, Space, Time and Gravity – The Theory of the Big Bang and Black Holes (University of Chicago Press, Chicago, 1992), 2 ed., 17[17] K.S. Thorne e R.D. Blandford, Special Relativity and Classical Field Theory – Optics, Fluids, Elasticity, Relativity and Statistical Physics (Princeton University Press, Princeton, 2017), 2 ed., 18[18] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (W.H. Freeman and Co., New York, 1973)., 19[19] M.P. Hobson, G. Efstathiou e A.N. Lasenby, General Relativity – An Introduction for Physicists (Cambridge University Press, Cambridge, 2006), 2 ed., 20[20] S.M. Carroll, arXiv:9712019 (1997).]. Na seção 3 3. O Paradoxo No referencial do capacitor, uma haste condutora de comprimento próprio L0 (comprimento medido num referencial com a haste em repouso) vai de encontro aos terminais de um capacitor carregado (ver Figura3). Os terminais do capacitor estão separados também do mesmo comprimento próprio L0 e a velocidade relativa entre os dois referenciais é igual au. Figura 3: Representação do sistema haste capacitor nos dois referenciais. Temos então a questão: quando a haste e o capacitor se encontrarem haverá descarga? A fim de concretizar as ideias, vamos escolher valores para u e L0. Sejam | β | ≡ u c = 3 5 ⇒ γ ≡ 1 1 - β 2 = 5 4 . L 0 = 6 ⁢ m = 20 ⁢ ns-luz ∴ L 0 / γ = 4 , 8 ⁢ m = 16 ⁢ ns-luz Analisaremos a questão do ponto de vista do referencial do capacitor e do ponto de vista do referencial da haste. • REFERENCIAL DO CAPACITOR Só é possível haver algum processo de descarga do capacitor se, no seu referencial, houver um contato simultâneo dos seus dois teminais com a haste condutora. No referencial do capacitor é a haste que se movimenta e tem seu comprimento contraído. Portanto, não haverá descarga. O diagrama de espaço-tempo no referencial do capacitor mostra que, devido à contração de Lorentz da haste em movimento, não é possível haver esse contato simultâneo entre os terminais. Na faixa avermelhada da Figura4(a), ora um terminal do capacitor está em contato com a haste, ora é o outro terminal. Os eventos A e B são um caso típico de dois eventos simultâneos no referencial do capacitor que ilustra essa situação. Figura 4: Paradoxo: há ou não descarga do capacitor? (Unidades em ns-luz). • REFERENCIAL DA HASTE Nesse referencial, devido ao movimento do capacitor, é a separação entre os seus terminais que sofre a contração de Lorentz, como mostrado na Figura4(b). Isso poderia sugerir que, ao passar pela haste (não contraída), haveria a possibilidade de um contato simultâneo que fechasse o circuito e permitisse uma descarga do capacitor, ainda que parcial. Seria uma situação paradoxal, pois no referencial do capacitor não haveria descarga, enquanto no referencial da haste a descarga aconteceria. O erro cometido nesse raciocínio se relaciona à noção de simultaneidade no contexto da Relatividade Especial. Eventos simultâneos em determinado referencial não são necessariamente simultâneos em outro referencial [2, 3, 4, 5, 6, 7, 12, 17]. A abordagem dessa questão requer o uso cuidadoso da transformação de Lorentz. Mais do que fazer cálculos algébricos, representar graficamente a transformação de Lorentz em um diagrama de espaço-tempo que contenha os eventos mais relevantes é bastante esclarescedor, permitindo uma visão de conjunto do problema. Nessa representação, como visto anteriormente, as coordenadas de espaço e tempo do referencial em movimento aparecem na forma de eixos oblíquos que se fecham como uma tesoura (cisalhamento). O ângulo θ associado a esse cisalhamento é função da velocidade relativa e dado pela equação (2): tan⁡θ=β. O diagrama de espaço-tempo no referencial da haste é mostrado na Figura4(b), incluindo aí a faixa avermelhada com eventos onde um dos terminais do capacitor está em contato com a haste. Ilustrando essa situação, temos os mesmos dois eventos A e B, mas devido à transformação de Lorentz, o segmento ligando esses dois eventos deve ser paralelo ao eixo oblíquo x′ para que esses sejam simultâneos, i.e., tenham o mesmo t′. Como consequência, o evento B, que é simultâneo ao evento A no referencial do capacitor, acontece posteriormente no referencial da haste. Note que se o envento A está em contato com a extremidade esquerda da haste, o evento B (que é simultâneo a A ) está além da extremidade direita da haste (veja Fig.5). Figura 5: Não simultaneidade dos eventos A e B no referencial da haste. (Unidades em ns-luz). Essa análise nos leva à conclusão de que, mesmo no referencial da haste, a descarga do capacitor não pode acontecer. Trata-se de um falso paradoxo, relacionado à noção de simultaneidade. Talvez um modo mais transparente de se entender o fenômeno visto no referencial da haste seja a medida dos instantes de tempo t′ no circuito do capacitor. Na visão da haste, o circuito do capacitor se contrai e ao passar pela haste (que está então mais longa que o circuito) parece formar um circuito fechado (descarregando o capacitor). Mas, como mostraremos à frente, há uma dessincronização dos tempos ao longo do circuito: um relógio em cada ponto do circuito marca um tempo t′ diferente, e nunca encontraremos as extremidades do circuito conjuntamente num mesmo instante t′ e em contato com a haste (ver Fig.6). Isso será calculado e explicado detalhadamente à frente. Ou seja, visto da haste, as extremidades do circuito nunca estarão simultaneamente em contato com a haste e a descarga não ocorrerá. Figura 6: Relógios e sincronismo nos referenciais da haste e do capacitor. (Unidades em ns-luz). A seguir vamos voltar à Figura5 e usar a transformação de Lorentz para calcular quando o evento B acontece depois do evento A no referencial da haste, eventos que são simultâneos no referencial do capacitor. Qualitativamente, quando da observação de um objeto em movimento, relógios fixos nesse objeto aparentam caminhar mais devagar. É a conhecida “dilatação do tempo” (ver apêndice). Menos conhecido é o fato de relógios fixos no objeto não aparentarem estar em sincronismo. A frente do objeto é mais nova que sua traseira. Nessa questão, queremos determinar quando o evento B, simultâneo ao evento A no referencial do capacitor, como foi dito, acontece no referencial da haste. Note que a existência ou não do processo de descarga depende de que a simultaneidade entre os eventos aconteça no referencial do capacitor. Assim, estamos interessados em relacionar as grandezas: { Δ ⁢ t ≡ t B - t A = ? Δ ⁢ t ′ ≡ t B ′ - t A ′ = 0 Δ ⁢ x ′ ≡ x B ′ - x A ′ = L 0 . Para isso, escolhemos no sistema de equações da transformação de Lorentz, a equação que contenha as três grandezas acima: (3) { c ⁢ t ′ = γ ⁢ ( c ⁢ t - β ⁢ x ) x ′ = γ ⁢ ( x - β ⁢ c ⁢ t ) y ′ = y z ′ = z ou { c ⁢ t = γ ⁢ ( c ⁢ t ′ + β ⁢ x ′ ) x = γ ⁢ ( x ′ + β ⁢ c ⁢ t ′ ) y = y ′ z = z ′ ; ⇒ c ⁢ Δ ⁢ t = γ ⁢ ( c ⁢ Δ ⁢ t ′ + β ⁢ Δ ⁢ x ′ ) = γ ⁢ ( 0 + β ⁢ L 0 ) ∴ c ⁢ Δ ⁢ t = + γ ⁢ β ⁢ L 0 No nosso caso, β=+3/5: ⇒ c ⁢ Δ ⁢ t = + 5 4 ⁢ 3 5 ⁢ 20 ⁢ ns-luz ∴ c ⁢ Δ ⁢ t ≡ c ⁢ t B - c ⁢ t A = + 15 ⁢ ns-luz . Podemos também aplicar uma transformação de Lorentz aos eventos A e B (utilizaremos sua expressão matricial), transferindo as coordenadas do referencial do capacitor para o referencial da haste: [ c ⁢ t A x A ] = [ 5 4 3 4 3 4 5 4 ] ⁢ [ 40 ⁢ ns-luz 20 ⁢ ns-luz ] = [ 65 ⁢ ns-luz 55 ⁢ ns-luz ] [ c ⁢ t B x B ] = [ 5 4 3 4 3 4 5 4 ] ⁢ [ 40 ⁢ ns-luz 40 ⁢ ns-luz ] = [ 80 ⁢ ns-luz 80 ⁢ ns-luz ] A seguir, baseando na Figura5, vamos calcular para o evento B o quanto o terminal 2 do capacitor estará fora de contato com a haste. Durante o atraso no tempo Δ⁢t, o terminal 2 do circuito do capacitor contraído, movimenta-se uma distância dada por: u ⁢ Δ ⁢ t = 3 5 ⁢ c ⁢ 15 ⁢ ns = 9 ⁢ ns-luz . Somando-se essa distância ao comprimento contraído do capacitor: L 0 γ + u ⁢ Δ ⁢ t = 16 ⁢ ns-luz + 9 ⁢ ns-luz = 25 ⁢ ns-luz > L 0 = 20 ⁢ ns-luz . Esse cálculo nos mostra que, no referencial da haste mostrado na Figura5, o evento B ocorre com o terminal 2 do capacitor a uma distância de 5⁢ns-luz (=1,5⁢m) fora da extremidade 2 da haste. Qualquer que seja o ponto de vista, não pode haver descarga do capacitor! Isso porque, para o capacitor, a haste condutora não consegue fazer o contato simultâneo entre seus terminais. resolvemos o paradoxo. A seção 4 4. Ausência de sincronia de relógios ao longo de um objeto em movimento Uma importante questão relacionada à simultaneidade diz respeito à sincronia de relógios ao longo do circuito do capacitor, do ponto de vista do referencial da haste [2, 3, 4]. Geometricamente tal efeito está representado no cisalhamento sofrido pelas coordenadas mostrado na Figura5, mas vejamos isso de maneira um pouco mais explícita. Para tanto queremos determinar, do ponto de vista do referencial da haste, o quanto um relógio na frente do circuito do capacitor (terminal 2) está adiantado em relação a um relógio na traseira desse circuito (terminal 1). Para isso, necessitamos relacionar as grandezas: { Δ ⁢ t ′ ≡ t 2 ′ - t 1 ′ = ? Δ ⁢ t ≡ t 2 - t 1 = 0 Δ ⁢ x ≡ x 2 - x 1 = L 0 / γ = 16 ⁢ ns-luz ; Tal relação pode ser obtida a partir da tranformação de Lorentz (eq.1) ⇒ c ⁢ Δ ⁢ t ′ = γ ⁢ ( c ⁢ Δ ⁢ t - β ⁢ Δ ⁢ x ) = 5 4 ⁢ ( 0 - 3 5 ⁢ 16 ) ⁢ ns-luz ∴ Δ ⁢ t ′ ≡ t 2 ′ - t 1 ′ = - 12 ⁢ ns . O capacitor em movimento aparenta sofrer a contração de Lorentz e uma dilatação do tempo onde todos os seus relógios aparentam andar 80% mais devagar. Mas, além disso, sua frente aparenta estar 12⁢ns mais nova que sua traseira. A Figura6, com pequenos relógios digitais anexados ao longo do circuito do capacitor, mostra os efeitos combinados da dilatação do tempo, da contração de Lorentz e o estranho fato da frente do objeto em movimento aparentar-se mais nova que sua traseira. Para melhor entender a consequência da falta de sincronia dos relógios, vamos analisar a Figura6 escolhendo, por exemplo, o instante 65⁢ns do referencial da haste, onde temos contato da haste com as duas extremidades do circuito do capacitor. Um aspecto essencial da questão é que, para haver descarga do capacitor, o eletromagnetismo exige que suas duas extremidades estejam simultaneamente (no referencial do capacitor) em contato com a haste condutora. No referencial do capacitor, o contato da extremidade 1 se dá no instante 40⁢ns (evento A ) e, nesse instante, sua outra extremidade não faz contato com a haste condutora (evento B ). Voltemos ao referencial da haste no instante 65⁢ns. Apesar de observarmos3 as duas extremidades do capacitor em contato com a haste, isso é mera aparência. Na realidade, quando acontece o contato da extremidade 1 (evento A ), os relógios ao longo do circuito do capacitor mostram que o contato da extremidade 2 já havia acontecido 12⁢ns antes. Quando isso aconteceu, no instante 28 ns-luz do referencial do capacitor, a corrente elétrica não podia fluir através do circuito, pois a extremidade 1 não fazia contato com a haste. Assim, em nenhum dos referenciais, o capacitor se descarrega. é dedicada à dessincronização dos relógios ao longo de um objeto em movimento. Na seção 5 5. Conclusão Os paradoxos, no sentido de “contradições aparentes”, podem surgir na teoria da Relatividade Especial. Para se conhecer a teoria faz-se necessário um entendimento preciso, o esclarecimento dessas contradições aparentes. Nesse artigo, descrevemos um paradoxo que, numa primeira impressão, parece estar ligado à questão da contração dos comprimentos em referenciais em movimento, mas que num estudo detalhado vemos envolver também a questão de simultaneidade. Pontos menos comuns em livros introdutórios sobre a Relatividade Especial, como a representação geométrica das transformações de Lorentz e a dessincronização no tempo ao longo de uma barra em movimento, foram também apresentados. As análises dos problemas foram baseadas nos diagramas de espaço-tempo, ilustrando sua utilização como guias extremamente úteis nas aplicações das transformações de Lorentz. Esperamos ter apresentado de forma clara um problema interessante e suas variáveis (com pontos pouco comuns) ao estudante da teoria da Relatividade Especial. fazemos os comentários finais. No apêndice recordamos os bem conhecidos dilatação do tempo e encolhimento do comprimento no referencial em movimento [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 13[13] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Editora Blucher, São Paulo, 2009), 2 ed., 14[14] R.M. Wald, Space, Time and Gravity – The Theory of the Big Bang and Black Holes (University of Chicago Press, Chicago, 1992), 2 ed., 15[15] A. Chaves, Física (Reichmann & Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001), v. 3., 16[16] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Blucher, São Paulo, 1998), v. 4.].

2. Prolegômenos: Representação geométrica das transformações de Lorentz

São as transformações de Lorentz entre as coordenadas de dois referenciais que nos dão as informações de tempo e de espaço de um referencial S vistas pelo referencial S, onde, por exemplo, o referencial S move-se em relação ao referencial S. É muito conveniente a representação geométrica dessas transformações, isto é, a descrição dos eixos ct e x de S vistos pelo referencial S (das coordenadas ct e x).2 2 As equações da Relatividade ficam mais simétricas quando multiplicamos a coordenada temporal (t ou t′) pela velocidade da luz (c⁢t ou c⁢t′). Nesse caso, essa coordenada temporal fica com a mesma unidade das coordenadas espaciais (x,y,…). Assim, dado um evento, suas coordenadas (os valores de ct e x, ct e x) podem ser facilmente visualizadas.

Na configuração padrão (Figura1), onde a velocidade relativa u=βc entre dois referenciais inerciais S e S está orientada ao longo dos eixos x e x, i.e. S move-se com velocidade u em relação a S na direção de x positivo, as transformações de Lorentz direta ou inversa são dadas pelas equações: [1[1] L. Landau e E. Lifchitz, Théorie du Champ (Éditions Mir, Moscou, 1966), 10 ed., 2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 13[13] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Editora Blucher, São Paulo, 2009), 2 ed., 14[14] R.M. Wald, Space, Time and Gravity – The Theory of the Big Bang and Black Holes (University of Chicago Press, Chicago, 1992), 2 ed., 15[15] A. Chaves, Física (Reichmann & Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001), v. 3., 16[16] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Blucher, São Paulo, 1998), v. 4., 17[17] K.S. Thorne e R.D. Blandford, Special Relativity and Classical Field Theory – Optics, Fluids, Elasticity, Relativity and Statistical Physics (Princeton University Press, Princeton, 2017), 2 ed., 18[18] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (W.H. Freeman and Co., New York, 1973)., 19[19] M.P. Hobson, G. Efstathiou e A.N. Lasenby, General Relativity – An Introduction for Physicists (Cambridge University Press, Cambridge, 2006), 2 ed., 20[20] S.M. Carroll, arXiv:9712019 (1997).]

(1) { c t = γ ( c t - β x ) x = γ ( x - β c t ) y = y z = z ou { c t = γ ( c t + β x ) x = γ ( x + β c t ) y = y z = z ; onde γ 1 1 - β 2 .

Figura 1:
Referenciais inerciais S e S na configuração padrão.

Queremos representar, em um diagrama de espaço-tempo, os eixos do referencial S em termos de um gráfico com os eixos ct e x do referencial S. Isto é, como S é visto por S.

Vamos começar representando o eixo x: tal eixo é o lugar geométrico dos pontos onde ct=0. Isso exige uma equação da transformação de Lorentz que contenha as grandezas ct, x e ct, ou seja:

c t = γ ( c t - β x ) 0 = γ ( c t - β x ) c t = β x .

Tal equação representa uma reta passando na origem e com inclinação dada por

(2) tan θ = β

Agora a representação do eixo ct.

Como tal eixo é o lugar geométrico dos pontos onde x=0, necessitamos uma equação da transformação de Lorentz que contenha as grandezas ct, x e x, ou seja:

x = γ ( x - β c t ) 0 = γ ( x - β c t ) c t = β - 1 x .

Tal equação representa uma reta passando na origem e com inclinação β-1. Ou ainda, x=βct, que leva a uma reta com inclinação β a partir do eixo ct.

Os resultados encontrados são mostrados na Figura2. Trata-se da representação geométrica no espaço-tempo dos eixos ct e x, da transformação de Lorentz para as coordenadas ct e x. Diferentemente de uma rotação no plano, que gira os eixos espaciais de um ângulo θ em um mesmo sentido, ou anti-horário ou horário, a transformação de Lorentz gira os eixos do espaço-tempo de um ângulo θ em sentidos opostos. Esse movimento de tesoura é também conhecido como cisalhamento.

Figura 2:
Representação geométrica da transformação de Lorentz.

No caso de eixos oblíquos, a determinação, por exemplo, da coordenada x de um evento, é dada quando a reta paralela ao eixo ct, que passa pelo evento, intercepta o eixo x (ver Figura2). Ou ainda, dois eventos simultâneos no referencial S (ou S) se situam em uma reta paralela ao eixo x (ou x).

O fato da transformação de Lorentz ser representada por um cisalhamento em um diagrama de espaço-tempo está diretamente ligado à invariância da velocidade da luz no vácuo. Note que qualquer evento sobre o “cone de luz” deve satisfazer às expressões: |ct|=|x| e |ct|=|x|. Isso significa que a velocidade de um sinal luminoso, indo da origem dos eixos até esse evento, viaja com a velocidade |x|/|t|=|x|/|t|=c.

3. O Paradoxo

No referencial do capacitor, uma haste condutora de comprimento próprio L0 (comprimento medido num referencial com a haste em repouso) vai de encontro aos terminais de um capacitor carregado (ver Figura3). Os terminais do capacitor estão separados também do mesmo comprimento próprio L0 e a velocidade relativa entre os dois referenciais é igual au.

Figura 3:
Representação do sistema haste capacitor nos dois referenciais.

Temos então a questão: quando a haste e o capacitor se encontrarem haverá descarga?

A fim de concretizar as ideias, vamos escolher valores para u e L0. Sejam

| β | u c = 3 5 γ 1 1 - β 2 = 5 4 . L 0 = 6 m = 20 ns-luz L 0 / γ = 4 , 8 m = 16 ns-luz

Analisaremos a questão do ponto de vista do referencial do capacitor e do ponto de vista do referencial da haste.

REFERENCIAL DO CAPACITOR

Só é possível haver algum processo de descarga do capacitor se, no seu referencial, houver um contato simultâneo dos seus dois teminais com a haste condutora. No referencial do capacitor é a haste que se movimenta e tem seu comprimento contraído. Portanto, não haverá descarga. O diagrama de espaço-tempo no referencial do capacitor mostra que, devido à contração de Lorentz da haste em movimento, não é possível haver esse contato simultâneo entre os terminais. Na faixa avermelhada da Figura4(a), ora um terminal do capacitor está em contato com a haste, ora é o outro terminal. Os eventos A e B são um caso típico de dois eventos simultâneos no referencial do capacitor que ilustra essa situação.

Figura 4:
Paradoxo: há ou não descarga do capacitor? (Unidades em ns-luz).

REFERENCIAL DA HASTE

Nesse referencial, devido ao movimento do capacitor, é a separação entre os seus terminais que sofre a contração de Lorentz, como mostrado na Figura4(b). Isso poderia sugerir que, ao passar pela haste (não contraída), haveria a possibilidade de um contato simultâneo que fechasse o circuito e permitisse uma descarga do capacitor, ainda que parcial. Seria uma situação paradoxal, pois no referencial do capacitor não haveria descarga, enquanto no referencial da haste a descarga aconteceria.

O erro cometido nesse raciocínio se relaciona à noção de simultaneidade no contexto da Relatividade Especial. Eventos simultâneos em determinado referencial não são necessariamente simultâneos em outro referencial [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 17[17] K.S. Thorne e R.D. Blandford, Special Relativity and Classical Field Theory – Optics, Fluids, Elasticity, Relativity and Statistical Physics (Princeton University Press, Princeton, 2017), 2 ed.].

A abordagem dessa questão requer o uso cuidadoso da transformação de Lorentz. Mais do que fazer cálculos algébricos, representar graficamente a transformação de Lorentz em um diagrama de espaço-tempo que contenha os eventos mais relevantes é bastante esclarescedor, permitindo uma visão de conjunto do problema. Nessa representação, como visto anteriormente, as coordenadas de espaço e tempo do referencial em movimento aparecem na forma de eixos oblíquos que se fecham como uma tesoura (cisalhamento). O ângulo θ associado a esse cisalhamento é função da velocidade relativa e dado pela equação (2): tanθ=β.

O diagrama de espaço-tempo no referencial da haste é mostrado na Figura4(b), incluindo aí a faixa avermelhada com eventos onde um dos terminais do capacitor está em contato com a haste. Ilustrando essa situação, temos os mesmos dois eventos A e B, mas devido à transformação de Lorentz, o segmento ligando esses dois eventos deve ser paralelo ao eixo oblíquo x para que esses sejam simultâneos, i.e., tenham o mesmo t. Como consequência, o evento B, que é simultâneo ao evento A no referencial do capacitor, acontece posteriormente no referencial da haste. Note que se o envento A está em contato com a extremidade esquerda da haste, o evento B (que é simultâneo a A ) está além da extremidade direita da haste (veja Fig.5).

Figura 5:
Não simultaneidade dos eventos A e B no referencial da haste. (Unidades em ns-luz).

Essa análise nos leva à conclusão de que, mesmo no referencial da haste, a descarga do capacitor não pode acontecer. Trata-se de um falso paradoxo, relacionado à noção de simultaneidade.

Talvez um modo mais transparente de se entender o fenômeno visto no referencial da haste seja a medida dos instantes de tempo t no circuito do capacitor. Na visão da haste, o circuito do capacitor se contrai e ao passar pela haste (que está então mais longa que o circuito) parece formar um circuito fechado (descarregando o capacitor). Mas, como mostraremos à frente, há uma dessincronização dos tempos ao longo do circuito: um relógio em cada ponto do circuito marca um tempo t diferente, e nunca encontraremos as extremidades do circuito conjuntamente num mesmo instante t e em contato com a haste (ver Fig.6). Isso será calculado e explicado detalhadamente à frente. Ou seja, visto da haste, as extremidades do circuito nunca estarão simultaneamente em contato com a haste e a descarga não ocorrerá.

Figura 6:
Relógios e sincronismo nos referenciais da haste e do capacitor. (Unidades em ns-luz).

A seguir vamos voltar à Figura5 e usar a transformação de Lorentz para calcular quando o evento B acontece depois do evento A no referencial da haste, eventos que são simultâneos no referencial do capacitor. Qualitativamente, quando da observação de um objeto em movimento, relógios fixos nesse objeto aparentam caminhar mais devagar. É a conhecida “dilatação do tempo” (ver apêndice). Menos conhecido é o fato de relógios fixos no objeto não aparentarem estar em sincronismo. A frente do objeto é mais nova que sua traseira.

Nessa questão, queremos determinar quando o evento B, simultâneo ao evento A no referencial do capacitor, como foi dito, acontece no referencial da haste. Note que a existência ou não do processo de descarga depende de que a simultaneidade entre os eventos aconteça no referencial do capacitor. Assim, estamos interessados em relacionar as grandezas:

{ Δ t t B - t A = ? Δ t t B - t A = 0 Δ x x B - x A = L 0 .

Para isso, escolhemos no sistema de equações da transformação de Lorentz, a equação que contenha as três grandezas acima:

(3) { c t = γ ( c t - β x ) x = γ ( x - β c t ) y = y z = z ou { c t = γ ( c t + β x ) x = γ ( x + β c t ) y = y z = z ; c Δ t = γ ( c Δ t + β Δ x ) = γ ( 0 + β L 0 ) c Δ t = + γ β L 0

No nosso caso, β=+3/5:

c Δ t = + 5 4 3 5 20 ns-luz c Δ t c t B - c t A = + 15 ns-luz .

Podemos também aplicar uma transformação de Lorentz aos eventos A e B (utilizaremos sua expressão matricial), transferindo as coordenadas do referencial do capacitor para o referencial da haste:

[ c t A x A ] = [ 5 4 3 4 3 4 5 4 ] [ 40 ns-luz 20 ns-luz ] = [ 65 ns-luz 55 ns-luz ] [ c t B x B ] = [ 5 4 3 4 3 4 5 4 ] [ 40 ns-luz 40 ns-luz ] = [ 80 ns-luz 80 ns-luz ]

A seguir, baseando na Figura5, vamos calcular para o evento B o quanto o terminal 2 do capacitor estará fora de contato com a haste.

Durante o atraso no tempo Δt, o terminal 2 do circuito do capacitor contraído, movimenta-se uma distância dada por:

u Δ t = 3 5 c 15 ns = 9 ns-luz .

Somando-se essa distância ao comprimento contraído do capacitor:

L 0 γ + u Δ t = 16 ns-luz + 9 ns-luz = 25 ns-luz > L 0 = 20 ns-luz .

Esse cálculo nos mostra que, no referencial da haste mostrado na Figura5, o evento B ocorre com o terminal 2 do capacitor a uma distância de 5ns-luz (=1,5m) fora da extremidade 2 da haste.

Qualquer que seja o ponto de vista, não pode haver descarga do capacitor!

Isso porque, para o capacitor, a haste condutora não consegue fazer o contato simultâneo entre seus terminais.

4. Ausência de sincronia de relógios ao longo de um objeto em movimento

Uma importante questão relacionada à simultaneidade diz respeito à sincronia de relógios ao longo do circuito do capacitor, do ponto de vista do referencial da haste [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed.]. Geometricamente tal efeito está representado no cisalhamento sofrido pelas coordenadas mostrado na Figura5, mas vejamos isso de maneira um pouco mais explícita. Para tanto queremos determinar, do ponto de vista do referencial da haste, o quanto um relógio na frente do circuito do capacitor (terminal 2) está adiantado em relação a um relógio na traseira desse circuito (terminal 1). Para isso, necessitamos relacionar as grandezas:

{ Δ t t 2 - t 1 = ? Δ t t 2 - t 1 = 0 Δ x x 2 - x 1 = L 0 / γ = 16 ns-luz ;

Tal relação pode ser obtida a partir da tranformação de Lorentz (eq.1)

c Δ t = γ ( c Δ t - β Δ x ) = 5 4 ( 0 - 3 5 16 ) ns-luz Δ t t 2 - t 1 = - 12 ns .

O capacitor em movimento aparenta sofrer a contração de Lorentz e uma dilatação do tempo onde todos os seus relógios aparentam andar 80% mais devagar. Mas, além disso, sua frente aparenta estar 12ns mais nova que sua traseira. A Figura6, com pequenos relógios digitais anexados ao longo do circuito do capacitor, mostra os efeitos combinados da dilatação do tempo, da contração de Lorentz e o estranho fato da frente do objeto em movimento aparentar-se mais nova que sua traseira.

Para melhor entender a consequência da falta de sincronia dos relógios, vamos analisar a Figura6 escolhendo, por exemplo, o instante 65ns do referencial da haste, onde temos contato da haste com as duas extremidades do circuito do capacitor. Um aspecto essencial da questão é que, para haver descarga do capacitor, o eletromagnetismo exige que suas duas extremidades estejam simultaneamente (no referencial do capacitor) em contato com a haste condutora. No referencial do capacitor, o contato da extremidade 1 se dá no instante 40ns (evento A ) e, nesse instante, sua outra extremidade não faz contato com a haste condutora (evento B ).

Voltemos ao referencial da haste no instante 65ns. Apesar de observarmos3 3 OBSERVAÇÃO: A tudo que se diz sobre a aparência de objetos em movimento, é importante acrescentar mais um item, que usualmente não é bem compreendido. Os cálculos dos eventos nos diversos referenciais, tanto da contração de Lorentz, quanto da falta de sincronia dos relógios ao longo de um objeto em movimento, são insuficientes para mostrar como o objeto será visto por determinado observador. Isso porque, dependendo da posição ocupada pelo observador no seu referencial, os sinais luminosos provenientes dos vários eventos vão sofrer tempos de retardos diferentes. A informação proveniente dos eventos mais próximos do observador tende a chegar primeiro. as duas extremidades do capacitor em contato com a haste, isso é mera aparência. Na realidade, quando acontece o contato da extremidade 1 (evento A ), os relógios ao longo do circuito do capacitor mostram que o contato da extremidade 2 já havia acontecido 12ns antes. Quando isso aconteceu, no instante 28 ns-luz do referencial do capacitor, a corrente elétrica não podia fluir através do circuito, pois a extremidade 1 não fazia contato com a haste. Assim, em nenhum dos referenciais, o capacitor se descarrega.

5. Conclusão

Os paradoxos, no sentido de “contradições aparentes”, podem surgir na teoria da Relatividade Especial. Para se conhecer a teoria faz-se necessário um entendimento preciso, o esclarecimento dessas contradições aparentes.

Nesse artigo, descrevemos um paradoxo que, numa primeira impressão, parece estar ligado à questão da contração dos comprimentos em referenciais em movimento, mas que num estudo detalhado vemos envolver também a questão de simultaneidade.

Pontos menos comuns em livros introdutórios sobre a Relatividade Especial, como a representação geométrica das transformações de Lorentz e a dessincronização no tempo ao longo de uma barra em movimento, foram também apresentados.

As análises dos problemas foram baseadas nos diagramas de espaço-tempo, ilustrando sua utilização como guias extremamente úteis nas aplicações das transformações de Lorentz.

Esperamos ter apresentado de forma clara um problema interessante e suas variáveis (com pontos pouco comuns) ao estudante da teoria da Relatividade Especial.

Apêndice Dilatação do tempo e contração de Lorentz

Duas consequências da Relatividade Especial são as conhecidas “dilatação do tempo” e “contração de Lorentz” [2[2] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Spacetime Physics (W.H. Freeman and Co., New York, 1992), 2 ed., 3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 4[4] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed., 5[5] P.M. Schwarz e J.H. Schwarz, Special Relativity – From Einstein to Strings (Cambridge University Press, Cambridge, 1992)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 7[7] L. Susskind e A. Friedman, Special Relativity and Classical Field Theory – The Theoretical Minimum (Penguin, Londres, 2017), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 13[13] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Editora Blucher, São Paulo, 2009), 2 ed., 14[14] R.M. Wald, Space, Time and Gravity – The Theory of the Big Bang and Black Holes (University of Chicago Press, Chicago, 1992), 2 ed., 15[15] A. Chaves, Física (Reichmann & Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001), v. 3., 16[16] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Editora Blucher, São Paulo, 1998), v. 4., 17[17] K.S. Thorne e R.D. Blandford, Special Relativity and Classical Field Theory – Optics, Fluids, Elasticity, Relativity and Statistical Physics (Princeton University Press, Princeton, 2017), 2 ed.]. No primeiro caso, um relógio, quando observado em movimento, aparenta trabalhar mais lentamente e, no segundo caso, uma régua movimentando-se na direção de seu comprimento aparenta contraída. Esses dois resultados bem conhecidos, envolvendo réguas e relógios, são necessários para que o valor medido para a velocidade da luz não dependa do referencial, isto é, seja invariante. A seguir, deduziremos esses resultados a partir da transformação de Lorentz.

Dilatação do Tempo

Consideremos um referencial S, movimentando-se na configuração padrão, com velocidade u=βc em relação ao referencial S. Um relógio fixo no referencial S mede o “tempo próprio” ΔτΔt=tB-tA entre dois eventos A e B, enquanto um relógio no referencial S mede o “tempo aparente” Δt=tB-tA (veja Figura7).

Figura 7:
Representação geométrica da dilatação do tempo.

Como o relógio está fixo no referencial S, temos que Δx=xB-xA=0. Assim, necessitamos de uma equação de transformação de Lorentz (eq.1) relacionando Δt, Δt e Δx, ou seja:

(4) c Δ t = γ ( c Δ t + β Δ x ) c Δ t = γ ( c Δ τ + 0 ) Δ t = γ Δ τ .

Essa expressão mostra que o tempo aparente entre os dois eventos, Δt, é maior que o tempo próprio, Δτ. Como o observador em S terá que esperar um tempo aparente maior, entre os dois eventos que aconteceram no relógio em movimento, sua conclusão é que o relógio em S está caminhando mais lentamente.

De maneira geral, analisando dois eventos em um diagrama de espaço-tempo, onde um evento está dentro do cone de luz do outro, o tempo próprio entre esses eventos é aquele medido por um mesmo relógio presente aos dois eventos. Esse resultado se aplica mesmo ao caso do relógio estar sujeito a acelerações e é útil quando existe dúvida se determinado lapso de tempo é ou não um tempo próprio. O tempo próprio é uma grandeza invariante importante, tanto na Relatividade Especial, quanto na Relatividade Geral [3[3] W. Rindler, Relativity: Special, General and Cosmological (Oxford University Press, Oxford, 2006)., 6[6] D. Griffiths, D. Derbes e R. Sohn, Sidney Coleman’s Lectures on Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2022), 2 ed., 12[12] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Boston, 1972), v. 1 e 2., 17[17] K.S. Thorne e R.D. Blandford, Special Relativity and Classical Field Theory – Optics, Fluids, Elasticity, Relativity and Statistical Physics (Princeton University Press, Princeton, 2017), 2 ed., 18[18] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (W.H. Freeman and Co., New York, 1973)., 19[19] M.P. Hobson, G. Efstathiou e A.N. Lasenby, General Relativity – An Introduction for Physicists (Cambridge University Press, Cambridge, 2006), 2 ed., 21[21] E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Exploring Black Holes – Introduction to General Relativity (Addison Wesley Longman, Boston, 2000).].

Contração de Lorentz

Consideremos um referencial S, movimentando-se na configuração padrão, com velocidade u=βc em relação ao referencial S. No referencial S, uma régua é posicionada ao longo do eixo x. A distância entre as extremidades da régua, no referencial onde ela está em repouso, é denominado “comprimento próprio” e dado por L0Δx. Para determinar o “comprimento aparente” da régua no referencial S, representado por LΔx, usaremos uma transformação de Lorentz. Mas, nesse caso, as possíveis equações da transformação, além de envolverem duas grandezas de espaço, Δx e Δx, necessitam envolver também uma grandeza temporal, ou Δt ou Δt. Uma análise do significado de observar o comprimento de um objeto em movimento mostra a necessidade de que suas duas extremidades sejam observadas simultaneamente no referencial S, ou seja Δt=0.4 4 Na análise feita na seção 4, do principal assunto desse artigo, vemos que dois eventos simultâneos em um determinado referencial não podem ser necessariamente simultâneos em outro referencial. No nosso caso, a condição Δ⁢t=Δ⁢t′=0 é incompatível com a transformação de Lorentz (eq.1). A Figura8 sintetiza essas ideias, mostrando dois eventos A e B relevantes para o cálculo da chamada contração de Lorentz.

Figura 8:
Representação geométrica da contração de Lorentz.

O que foi discutido nos mostra que necessitamos de uma equação de transformação (eq.1) relacionando L0Δx=xB-xA, LΔx=xB-xA e Δt=tB-tA=0. Ou seja:

(5) Δ x = γ ( Δ x - β c Δ t ) L 0 = γ ( L - 0 ) L = L 0 γ .

Essa equação mostra que o comprimento aparente do objeto fica contraído pelo mesmo “fator de Lorentz” γ que aparece na dilatação do tempo. É importante ressaltar que apenas o comprimento do objeto ao longo da direção do seu movimento se aparenta contraído. Os comprimentos transversais não sofrem alteração, como mostrado pelas componentes y e z da transformação de Lorentz (eq.1) na configuração padrão.

Referências

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    T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology – A Basic Introduction (Oxford University Press, Oxford, 2010), 2 ed.
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    C.M. Rodrigues, I.P.S. Sauerwein e R.A. Sauerwein, Rev. Bras. Ens. Fis. 36, 1401 (2014).
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    A.C. Fauth, J.C. Penereiro, E. Kemp, W.C. Grizolli, D.M. Consalter e L.F.G. Gonzalez, Rev. Bras. Ens. Fis. 29, 585 (2007).
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  • [21]
    E.F. Taylor e J.A. Wheeler, Exploring Black Holes – Introduction to General Relativity (Addison Wesley Longman, Boston, 2000).
  • 1
    [La Relativité générale] a été créée par Einstein et est vraisemblablement la plus belle des théories physiques existantes. (página 304 de Landau 1966 [1[1] L. Landau e E. Lifchitz, Théorie du Champ (Éditions Mir, Moscou, 1966), 10 ed.])
  • 2
    As equações da Relatividade ficam mais simétricas quando multiplicamos a coordenada temporal (t ou t) pela velocidade da luz (ct ou ct). Nesse caso, essa coordenada temporal fica com a mesma unidade das coordenadas espaciais (x,y,).
  • 3
    OBSERVAÇÃO: A tudo que se diz sobre a aparência de objetos em movimento, é importante acrescentar mais um item, que usualmente não é bem compreendido. Os cálculos dos eventos nos diversos referenciais, tanto da contração de Lorentz, quanto da falta de sincronia dos relógios ao longo de um objeto em movimento, são insuficientes para mostrar como o objeto será visto por determinado observador. Isso porque, dependendo da posição ocupada pelo observador no seu referencial, os sinais luminosos provenientes dos vários eventos vão sofrer tempos de retardos diferentes. A informação proveniente dos eventos mais próximos do observador tende a chegar primeiro.
  • 4
    Na análise feita na seção 4 4. Ausência de sincronia de relógios ao longo de um objeto em movimento Uma importante questão relacionada à simultaneidade diz respeito à sincronia de relógios ao longo do circuito do capacitor, do ponto de vista do referencial da haste [2, 3, 4]. Geometricamente tal efeito está representado no cisalhamento sofrido pelas coordenadas mostrado na Figura5, mas vejamos isso de maneira um pouco mais explícita. Para tanto queremos determinar, do ponto de vista do referencial da haste, o quanto um relógio na frente do circuito do capacitor (terminal 2) está adiantado em relação a um relógio na traseira desse circuito (terminal 1). Para isso, necessitamos relacionar as grandezas: { Δ ⁢ t ′ ≡ t 2 ′ - t 1 ′ = ? Δ ⁢ t ≡ t 2 - t 1 = 0 Δ ⁢ x ≡ x 2 - x 1 = L 0 / γ = 16 ⁢ ns-luz ; Tal relação pode ser obtida a partir da tranformação de Lorentz (eq.1) ⇒ c ⁢ Δ ⁢ t ′ = γ ⁢ ( c ⁢ Δ ⁢ t - β ⁢ Δ ⁢ x ) = 5 4 ⁢ ( 0 - 3 5 ⁢ 16 ) ⁢ ns-luz ∴ Δ ⁢ t ′ ≡ t 2 ′ - t 1 ′ = - 12 ⁢ ns . O capacitor em movimento aparenta sofrer a contração de Lorentz e uma dilatação do tempo onde todos os seus relógios aparentam andar 80% mais devagar. Mas, além disso, sua frente aparenta estar 12⁢ns mais nova que sua traseira. A Figura6, com pequenos relógios digitais anexados ao longo do circuito do capacitor, mostra os efeitos combinados da dilatação do tempo, da contração de Lorentz e o estranho fato da frente do objeto em movimento aparentar-se mais nova que sua traseira. Para melhor entender a consequência da falta de sincronia dos relógios, vamos analisar a Figura6 escolhendo, por exemplo, o instante 65⁢ns do referencial da haste, onde temos contato da haste com as duas extremidades do circuito do capacitor. Um aspecto essencial da questão é que, para haver descarga do capacitor, o eletromagnetismo exige que suas duas extremidades estejam simultaneamente (no referencial do capacitor) em contato com a haste condutora. No referencial do capacitor, o contato da extremidade 1 se dá no instante 40⁢ns (evento A ) e, nesse instante, sua outra extremidade não faz contato com a haste condutora (evento B ). Voltemos ao referencial da haste no instante 65⁢ns. Apesar de observarmos3 as duas extremidades do capacitor em contato com a haste, isso é mera aparência. Na realidade, quando acontece o contato da extremidade 1 (evento A ), os relógios ao longo do circuito do capacitor mostram que o contato da extremidade 2 já havia acontecido 12⁢ns antes. Quando isso aconteceu, no instante 28 ns-luz do referencial do capacitor, a corrente elétrica não podia fluir através do circuito, pois a extremidade 1 não fazia contato com a haste. Assim, em nenhum dos referenciais, o capacitor se descarrega. , do principal assunto desse artigo, vemos que dois eventos simultâneos em um determinado referencial não podem ser necessariamente simultâneos em outro referencial. No nosso caso, a condição Δt=Δt=0 é incompatível com a transformação de Lorentz (eq.1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2023
  • Revisado
    15 Jun 2023
  • Aceito
    20 Jun 2023
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