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Um diagnóstico da formação inicial de professores da área de ciências da natureza na perspectiva do ensino de astronomia

A diagnosis of the initial training of teachers in the area of natural sciences from the perspective of teaching astronomy

Resumos

Este artigo busca apresentar um diagnóstico atual sobre como o Ensino de Astronomia está situado no âmbito da Educação em Ciências no Brasil, e na formação de professores. Para o Ensino Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê um ensino interdisciplinar na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, mas atualmente a formação inicial de professores de Física, Química e Biologia ocorre de maneira disciplinar. Nesse contexto, tentamos identificar se temas inerentes à Astronomia estão inseridos nos currículos dos cursos de formação desses profissionais, a fim de projetar o percentual de professores licenciados em 2020 que puderam ter acesso a essas disciplinas. Como forma de estruturar nosso trabalho, investigamos os locais e as Instituições de Ensino Superior no qual esse contingente foi formado, por meio da análise quantitativa de microdados provenientes do INEP e de dados captados nos sites das licenciaturas. O texto é permeado por discussões e reflexões a respeito da formação docente, em diálogo com a literatura da área. Os resultados apontam para um cenário contraditório, onde as licenciaturas em Física ofereceram o melhor acesso aos temas relacionados à Astronomia, mas formaram um baixo contingente de professores. Por outro lado, as licenciaturas em Química e, principalmente, Biologia tiveram altas taxas de formação docente, mas o acesso de seus licenciados aos temas de Astronomia foi insignificante, o que, infelizmente, pouco contribui para melhorar o cenário do Ensino de Astronomia no Brasil.

Palavras-chave:
Ensino de Astronomia; formação de professores; currículo; BNCC


This article seeks to present a current diagnosis on how Astronomy Teaching is situated in the context of Science Education in Brazil, and in teacher training. For High School, the National Common Curricular Base (NCCB) provides for interdisciplinary teaching in Natural Sciences and its Technologies, but currently the initial training of Physics, Chemistry and Biology teachers takes place in a disciplinary manner. In this context, we tried to identify whether subjects inherent to Astronomy are included in the curricula of these professionals’ training courses, to project the percentage of licensed professors in 2020 who could have access to these disciplines. As a way of structuring our work, we investigated the places and Higher Education Institutions where this contingent was formed, through the quantitative analysis of microdata from INEP and data captured on the websites of the degrees. The text is permeated by discussions and reflections regarding teacher training, in dialogue with the literature in the area. The results point to a contradictory scenario, where the degrees in Physics offered the best access to subjects related to Astronomy but formed a small number of professors. On the other hand, the degrees in Chemistry and, mainly, Biology had high rates of teacher training, but the access of their graduates to Astronomy subjects was insignificant, which, unfortunately, does little to improve the scenario of Astronomy Teaching in Brazil.

Keywords:
Teaching Astronomy; teacher training; curriculum; NCCB


1. Introdução

Desde os primórdios da Ciência, a Astronomia é tida como uma das áreas científicas mais instigantes, pois é capaz de atrair naturalmente a atenção das pessoas e de despertar curiosidades e paixões para as carreiras científicas [1[1] G. Iachel, M.G. Bacha, M.P. Paula e R.M.F. Scalvi, Rev. Bras. Ens. Fís. 31, 4502 (2009)., 2[2] D.E. Peixoto e M.U. Kleinke, Rev. Latino-Americana de Educação em Astronomia 22, 21 (2016)., 3[3] R. Langhi e B. Martins, Cad. Bras. Ens. Fís. 35, 64 (2018)., 4[4] A. Alves-Brito e A. Cortesi, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20200418 (2020).]. O fruto dessa curiosidade materializou-se, ao longo dos séculos, em um grande número de estudos e concepções a respeito da Astronomia, desde, por exemplo, Egípcios e Mesopotâmicos [5[5] M. Hoskin, The history of Astronomy: a very short Introduction (University Press, Oxford, 2003).]; passando pelos modelos propostos por gregos como Aristóteles (384–322 AEC) [6[6] A. Campos e E.C. Ricardo, Rev. Bras. Ens. Fís. 34, 3601 (2012)., 7[7] A. Campos e E.C. Ricardo, Rev. Bras. Ens. Fís. 36, 4601 (2014).] e Ptolomeu (100-170 EC) [8[8] J.M.F. Bassalo, Cad. Cat. Ens. Fís. 7, 212 (2000).]; pelo período da revolução científica dos séculos XVI a XVIII por meio de, entre outros, Copérnico (1473–1543), Galileu (1564–1642), Kepler (1571–1630) e Newton (1643–1727) [9[9] C.M. Porto e M.B.D.S.M. Porto, Rev. Bras. Ens. Fís. 30, 4601 (2008).]; e chegando aos modelos contemporâneos que tentam explicar como se deu a formação e a evolução do Universo.

As pesquisas em Astronomia movimentam recursos da ordem de bilhões de dólares anualmente, valores revertidos para a concepção, fabricação e instalação de telescópios e instrumentos, na superfície terrestre e no espaço, e para o custeio de tais pesquisas. Esse volume de investimentos alavancou um incontável número de investigações que, por sua vez, mudaram completamente nossa concepção a respeito do Cosmos ao longo das últimas décadas. Por exemplo, a constatação de que o Universo está se expandindo de modo acelerado [10[10] J.A.S. Lima e R.C. Santos, Rev. Bras. Ens. Fís. 40, e1313 (2018).], a detecção das ondas gravitacionais [11[11] M. Cattani e J.M.F. Bassalo, Rev. Bras. Ens. Fís. 38, e4202 (2016).] e a obtenção da primeira “imagem” de um buraco negro1 1 Disponível em https://www.eso.org/public/brazil/images/eso1907a/. Acesso em 03/10/2021. , sem contar a detecção de milhares de planetas fora do Sistema Solar2 2 Disponível em https://exoplanets.nasa.gov/. Acesso em 19/10/2022. , que abre outras janelas de investigação, com implicações pedagógicas em várias disciplinas. Mais recentemente, em 2022, entrou em operação o Telescópio Espacial James Webb , fruto de uma parceria da National Aeronautics and Space Administration (NASA3 3 Disponível em https://www.jwst.nasa.gov/. Acesso em 19/10/2022. ), European Space Agency (ESA4 4 Disponível em https://sci.esa.int/web/jwst/. Acesso em 19/10/2022. ) e Canadian Space Agency (CSA5 5 Disponível em https://www.asc-csa.gc.ca/eng/satellites/jwst/. Acesso em 19/10/2022. ), cujo objetivo é captar radiações na faixa do infravermelho, melhorar a precisão das imagens do Universo profundo e ampliar nossa compreensão acerca do Cosmos. Isso permite “enxergar” a luz das primeiras estrelas e galáxias que formaram nosso Universo após o Big Bang . O reconhecimento por tais avanços científicos, propiciados pela Astronomia e Astrofísica, se expressa na conquista de diversos prêmios Nobel de Física6 6 Os prêmios Nobel de Física dedicados a pesquisas em Astronomia neste século foram os de: 2002, para Raymond Davis Jr. e Masatoshi Koshiba, por contribuições pioneiras à Astrofísica, em particular para a detecção de neutrinos cósmicos, e Riccardo Giacconi, por contribuições pioneiras à Astrofísica, que levaram à descoberta de fontes de raios-x cósmicos; 2006, para John C. Mather e George F. Smoot, pela descoberta da forma do corpo negro e anisotropia da radiação cósmica de fundo em micro-ondas; 2011, para Saul Perlmutter, Brian P. Schmidt e Adam G. Riess, pela descoberta da expansão acelerada do Universo através de observações de supernovas distantes; 2017, para Rainer Weiss, Barry C. Barish e Kip S. Thorne, por contribuições decisivas para o detector LIGO e a observação de ondas gravitacionais; 2019, para James Peebles, por descobertas teóricas em Cosmologia Física, e Michel Mayor e Didier Queloz, pela descoberta de um exoplaneta orbitando uma estrela do tipo solar; 2020, para Roger Penrose, pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria geral da relatividade, e Reinhard Genzel e Andrea Ghez (a única mulher da lista), pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia. Disponível em https://www.nobelprize.org/prizes/physics/. Acesso em 03/10/2021. para as pesquisas na área no século XXI.

Apesar de não ser estudada como disciplina específica no ciclo da Educação Básica, a Astronomia tem seus conceitos compartilhados com diversas áreas do conhecimento, como a Física, a Química, a Biologia, a Matemática, a Geografia e a História – apenas para citar algumas das disciplinas escolares. Nesse contexto, a Astronomia é, por natureza, uma ciência interdisciplinar e transdisciplinar, conectada a diversos ramos do conhecimento, atendendo alguns dos preceitos mais fundamentais da educação em ciências contemporâneas. Logo, ensinar Astronomia, do ponto de vista da comunidade – científica ou amadora – que se dedica ao seu estudo, parece ser uma necessidade; no âmbito das leis e diretrizes que regem a Educação no Brasil, é uma obrigação; e na perspectiva dos estudantes, que cada vez mais querem um ensino que os aproxime dos fatos do seu cotidiano, é um anseio. Dessa forma, cabe aos professores que atuam na Educação Básica a responsabilidade de ensinar conceitos ligados à Astronomia prescritos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
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], tanto no Ensino Fundamental (EF) quanto no Ensino Médio (EM). Os docentes que atuam no EM ministrando aulas na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias deveriam ser licenciados em Química, Física e Biologia, ou então nas recentes licenciaturas em Ciências da Natureza para o EM7 7 Essas licenciaturas geralmente são denominadas “Ciências da Natureza”, e podem habilitar seus licenciandos em alguma disciplina específica da área das Ciências Exatas, como Física, Química, Biologia e/ou Matemática, além de habilitação com ênfase em Ciências nas modalidades de Educação do Campo, Educação Indígena e Educação Quilombola. . Porém, os dados mais recentes mostram que o percentual de professores que atuam na Educação Básica e possuem formação adequada ainda está distante do ideal, com a pior situação pairando sobre os docentes licenciados em Física [13[13] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2020, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2020.pdf, acessado em 31/07/2022.
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, 14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
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], onde pouco mais da metade deles possuem licenciatura na área.

No Brasil, a formação de professores é pautada atualmente pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Professores para a Educação Básica [15[15] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Resolução CNE/CP no 2, de 20 de dezembro de 2019, disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file, acessado em 29/09/2021.
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], cuja redação instituiu a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). A BNC-Formação estabelece que o licenciando, futuro professor da Educação Básica, deve desenvolver competências gerais docentes e competências específicas que integram a BNC-Formação, e tais competências alinham-se às habilidades, competências e objetos de conhecimento impostas pela BNCC. Em outras palavras, o professor da Educação Básica, dentro da sua área de atuação (Química, Física ou Biologia) deve ter presente em sua estrutura cognitiva toda a gama de conhecimentos estipulados pela BNCC. Tardif [16[16] M. Tardif, Saberes docentes e formação profissional (Vozes, Petrópolis, 2014).] classificou esses conhecimentos, obtidos formalmente na formação inicial ou continuada, como saberes disciplinares , que junto às outras classes de saberes – os pedagógicos e os curriculares – irão compor o que o autor chamou de saberes experienciais , tidos como núcleo vital do saber dos professores, e que surgem da prática da atividade docente.

Porém, uma vez formados, os professores da área das Ciências da Natureza se deparam com um problema que surgiu com a implementação da BNCC: apesar de serem originários de licenciaturas onde ocorre uma formação eminentemente disciplinar, irão atuar num modelo de ensino baseado na interdisciplinaridade. Em outras palavras, enquanto formamos a maioria absoluta de professores em cursos específicos de Química, Física e Biologia, esses profissionais terão o desafio de ministrar aulas que englobam saberes disciplinares de outras áreas e que não foram adquiridos formalmente durante sua formação inicial. Assim, terão que lecionar conteúdos previstos pela BNCC que, a princípio, não se encontram em seu arcabouço intelectual. Esse problema foi abordado recentemente por Pinheiro [17[17] L.A. Pinheiro, O perfil e os desafios do educador em física na perspectiva das diretrizes curriculares nacionais de 2015: a formação de profissionais críticos à educação básica. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2021).], que argumentou que a interdisciplinaridade é um dos conceitos mais discutidos nos documentos que regulam a Educação no Brasil, mas destaca que, em geral, confunde-se a interdisciplinaridade com a multidisciplinaridade nas práticas docentes. Além disso, a prática vivenciada na universidade é facilmente transferida para o EM, onde os professores são formados em uma cultura disciplinar que será, na maioria das vezes, reproduzida na Educação Básica. Segundo a autora, é preciso que os currículos das licenciaturas incluam vivências interdisciplinares, já que este tipo de estratégia articuladora de saberes disciplinares e pedagógicos não é comum nos cursos universitários, principalmente nos cursos de formação de professores de Física.

Além da atuação no EM, esses docentes também podem ser alocados na disciplina de Ciências do EF, já que a formação de professores de Ciências Naturais no País não dá conta da demanda por esses profissionais. Aqui surge outro problema bastante abordado pela comunidade de pesquisadores em Ensino de Ciências no Brasil: a biologização dos currículos de Ciências . Ainda no século passado, Barbieri [18[18] M.R. Barbieri, Revista Em Aberto 40, 7, 17 (1988).] constatou que o professor responsável por lecionar a disciplina de Ciências dificilmente tem pleno êxito na sua missão, já que domina apenas parte dos saberes disciplinares ligados à disciplina – aqueles que estudou na sua formação inicial – e que, em geral, essa função cabe aos professores de Biologia, sendo esse o seu maior mercado de trabalho. Mas as licenciaturas em Biologia pouco têm a ver com o ensino de Ciências no EF, a não ser com as disciplinas relacionadas à Química e à Física, incluídas nos currículos dessas licenciaturas, com as quais os licenciandos têm pouca articulação. A tendência de “biologização” do Ensino de Ciências no EF é algo que ainda é observado nos dias atuais, já que os currículos biologizados ainda estão presentes no EF [19[19] T. Mendes e M. Souza Filho, em: 7o CONAPESC – Congresso Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (Campina Grande, 2022).]. Esse fenômeno também pode ser estendido ao atual formato do EM, proposto pela BNCC, já que o modelo de ensino disciplinar (de Química, Física e Biologia) foi substituído pelo modelo interdisciplinar da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Esse fato se deu sem a prévia preparação dos professores, que associado à falta de docentes dessas disciplinas, principalmente de Física, pode fazer com que, mais uma vez, esses profissionais se confrontem com a ausência de saberes que não são os afeitos à sua área, uma vez que não foram formalmente adquiridos durante sua formação inicial, e/ou continuada, e por isso tenham que adotar táticas para sobreviver ao sistema, deixando de tratar esses temas em sala de aula.

Assim, imersos nesse complexo contexto, somos levados a refletir sobre a seguinte questão: se cabe aos professores de Química, Física e Biologia a nobre missão de levar seus conhecimentos aos alunos do EM, dentro da disciplina de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (e até mesmo aos estudantes dos Anos Finais do EF, na disciplina de Ciências), que aspectos e conteúdos suas formações acadêmicas deveriam conter, a fim de oferecerem um ensino de qualidade aos seus discentes? Sabemos que existem diversas lacunas na formação inicial de professores no Brasil, e que, apesar de existir a possibilidade de estas serem sanadas numa possível formação continuada, no Brasil ela é falha e deficiente [20[20] R. Langhi e R. Nardi, Rev. Latino-Americana de Educação em Astronomia 2, 75 (2005)., 21[21] R. Langhi, Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru (2009)., 22[22] G. Iachel, Os caminhos da formação de professores e da pesquisa em Ensino de Astronomia. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru (2013)., 23[23] M. Batista, Um estudo sobre o Ensino de Astronomia na formação inicial de professores dos anos iniciais. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá (2016).]. Diante deste panorama, não nos parece haver dúvidas de que, dentre as diversas áreas de conhecimento que compõem o campo das Ciências da Natureza, a Astronomia, em particular, deveria ter um papel de destaque nos currículos formativos, uma vez que os Anos Finais do EF são ricamente carregados de conceitos de Astronomia, e o EM, apesar de não trazer a mesma quantidade de habilidades e competências8 8 Segundo a BNCC, ao longo dos nove anos do EF, os estudantes devem desenvolver um total de 21 habilidades relacionadas diretamente à Astronomia, distribuídas em 17 objetos de conhecimento contidos na Unidade Temática Terra e Universo, sendo sete objetos de conhecimento e nove habilidades apenas nos Anos Finais do EF. Já no EM, encontramos apenas uma competência específica e três habilidades identificadas com a Astronomia. , é o lugar de aprofundamento dos saberes, e tópicos de Astronomia devem ser abordados num contexto interdisciplinar.

A área de pesquisa de formação de professores de Ciências no Brasil existe há décadas, e diversos autores constantemente (re)afirmam preocupações quanto à formação inadequada desses profissionais em relação a conceitos de Astronomia, sejam eles voltados aos Anos Iniciais [23[23] M. Batista, Um estudo sobre o Ensino de Astronomia na formação inicial de professores dos anos iniciais. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá (2016)., 24[24] V. Queiroz, A astronomia presente nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas municipais de Londrina. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina (2008)., 25[25] R. Langhi e R. Nardi, Revista Ensaio 12, 205 (2010).] ou Anos Finais do EF, na área das Ciências da Natureza (EM e Anos Finais do EF) [26[26] K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro, 2020)., 27[27] M.M. Nascimento, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200187 (2020).] ou das Ciências Humanas (Geografia ou Pedagogia, que atuam nos Anos Iniciais do EF). Como já apontado, este problema decorre muito em função dos currículos pouco abrangentes nos cursos de formação inicial, que não comportam saberes disciplinares essenciais9 9 Um exemplo de saberes disciplinares tidos como essenciais em Astronomia pode ser encontrado em [25]. Outra fonte de saberes essenciais pode ser encontrada na publicação denominada Big Ideas in Astronomy, da União Astronômica Internacional (International Astronomical Union – IAU), que contém uma série de conceitos astronômicos considerados básicos. Disponível em https://www.iau.org/static/archives/announcements/pdf/ann19029a.pdf. Acesso em 23/01/23. de Astronomia, e que assim dificultam o adequado desenvolvimento dos saberes experienciais [16[16] M. Tardif, Saberes docentes e formação profissional (Vozes, Petrópolis, 2014).] e da autonomia docente [28[28] D.J. Contreras, A Autonomia de professores (Cortez, São Paulo, 2002).].

Assim, este artigo, que deriva de um trabalho mais amplo de doutorado [29[29] L. Slovinscki, Um diagnóstico da pesquisa em Ensino de Astronomia no Brasil: contribuições para a formação de professores da Educação Básica. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2022).], e cujos resultados preliminares da investigação já haviam sido trazidos anteriormente [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], pretende lançar luz sobre como se dá o acesso aos temas referentes à Astronomia durante a formação inicial de professores de Física, Química e Biologia, levando em consideração a amostragem do universo de profissionais formados no Brasil durante o ano de 2020. Inicialmente, buscamos identificar e caracterizar os locais e as Instituições de Ensino Superior (IES) nos quais este contingente foi formado, para depois estimar quantos deles puderam ter acesso às disciplinas de Astronomia durante sua formação inicial, a partir de elementos levantados por nossa investigação. Nesse trajeto, mesclamos discussões e questões a respeito da formação docente, a fim de contribuir com as áreas de pesquisa em Educação e/ou Ensino de Astronomia (EEA) e de Formação de Professores de Ciências.

2. A Astronomia Presente na BNCC

A BNCC tem o propósito de modificar profundamente o funcionamento da Educação Básica no Brasil, já que institui um currículo mínimo de assuntos que devem ser abordados em sala de aula, organizados em termos de habilidades e competências. Tais assuntos não são exatamente uma novidade, haja vista que boa parte deles já constava nos Parâmetros Curriculares Nacionais [31[31] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, Parâmetros Curriculares Nacionais, disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf, acessado em 29/09/2021.
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] e foram revocalizados pela BNCC [32[32] E.A. Júnior, C.J.H. Cavalcanti e F. Ostermann, Cad. Bras. Ens. Fís. 38, 1339 (2021).].

Especificamente sobre o EM, seu funcionamento foi modificado em 2017 pela chamada Lei do Ensino Médio10 10 Lei no 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em 22/04/23. , que substituiu o modelo de currículo tradicional por outro, que se pretende mais diversificado e flexível, os itinerários formativos . Isso fez aumentar a possibilidade de surgirem lacunas de aprendizagem, particularmente no Ensino de Ciências, uma vez que as escolas não são obrigadas a oferecer mais de um itinerário formativo. Em outras palavras, as escolas podem oferecer itinerários que favoreçam determinada área, em detrimento de outras. Essa possível lacuna no ensino pode, entre outras consequências nocivas, prejudicar o amadurecimento do letramento científico dos estudantes, já iniciado no EF, dificultando seu acesso à ciência e à tecnologia, como estabelecido pelo Conselho Nacional de Educação [33[33] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=8016-pceb005-11&Itemid=30192, acessado em 15/07/2021.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
], além de tolher seu ingresso nas carreiras acadêmicas da área das Ciências da Natureza e dificultar o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

Além disso, não podemos desconsiderar o fato de que, ainda hoje, boa parte das escolas do Brasil não conta com professores com formação adequada em seus quadros. Dados do Censo da Educação Básica 2022 [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
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] mostram que uma considerável parcela dos professores das disciplinas enquadradas pela área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, no EM, e pela disciplina de Ciências, no EF, não possuem formação docente adequada às aulas que ministram, e essa situação é ainda mais grave nas escolas públicas [34[34] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, Auditoria coordenada educação: ensino médio 2014, disponível em https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-coordenada-no-ensino-medio.htm, acessado em 23/08/2021.
https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-dig...
] e nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
]. Esse cenário é preocupante, e também devemos ter em mente que as diretrizes contidas na BNC-Formação estabelecem que os currículos dos cursos de licenciatura devem estar em consonância com as aprendizagens prescritas na BNCC (fonte dos saberes disciplinares). Portanto, entendemos que a formação de professores de Física, Química e Biologia precisa voltar seu olhar para o Ensino de Astronomia – respeitando, obviamente, a profundidade com que cada área deve abordar os temas astronômicos, e sem ignorar a importância dos demais temas – já que esses conceitos permeiam a chamada pedagogia de competências assumida pela BNCC em toda a Educação Básica.

A definição das competências específicas e habilidades da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias pela BNCC pretende dar continuidade, no EM, à proposta iniciada no EF. A competência específica no 2 da unidade temática Vida, Terra e Cosmos é a única que pode ser associada à Astronomia, já que, segundo ela, os estudantes devem “analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis” [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 553]. Nessa competência específica, encontramos apenas três habilidades ligadas à Astronomia: as habilidades codificadas como EM13CNT201, EM13CNT204 e EM13CNT209 [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
, p. 557].

Numa comparação puramente quantitativa, saímos de 21 habilidades, distribuídas em 17 objetos de conhecimento durante os nove anos do EF, para apenas uma competência específica e três habilidades relacionadas à Astronomia, em três anos de EM. Entendemos que a tentativa de modernização da Educação proposta pela BNCC é válida e necessária, e não queremos aqui apontar apenas seus equívocos e desacertos, mas é importante assumir uma postura vigilante em relação às políticas públicas educacionais. O contexto estabelecido para o EF deve ser enaltecido e acolhido, pois organiza e reforça a abordagem de conceitos de Astronomia durante toda a etapa, ainda que tenhamos problemas quanto à existência de professores com formação adequada para ministrar tais conteúdos em sala de aula. Por outro lado, nos parece notório que a BNCC negligencia a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias no EM, ao estipular apenas uma competência específica e três habilidades ligadas à Astronomia nos três anos. Entendemos que não foi apenas a Astronomia que deixou de ser atendida pela BNCC, mas todos aqueles conteúdos outrora abrangidos pelas então disciplinas de Química, Física e Biologia que compunham o EM até 2018 podem estar comprometidos, em termos de aprofundamento, para uma formação científica adequada ao exercício da cidadania.

Assim, somos levados a crer que a BNCC organiza a Educação Básica do Brasil de uma maneira um tanto controversa, pois atribui considerável importância à área de Ciências da Natureza no EF (ainda que problemas na formação docente dificultem a abordagem de tais temas, por exemplo, os ligados à Astronomia), ao passo que negligencia tal área no transcorrer do EM, dado que, em tese, os profissionais de educação que lá atuam, em que pese ainda haver falhas na formação, são mais aptos e capacitados a tratar tais assuntos, quando comparados aos docentes do EF, que muitas vezes não têm formação em Ciências [35[35] M.A.T. Rodrigues, Formação continuada de professores dos anos iniciais: problematizando a BNCC, utilizando o ensino por investigação na abordagem da Ciência e para o desenvolvimento de intelectuais reflexivos. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2022).].

Além disso, conforme discutido anteriormente, a abordagem dos temas de Astronomia deve ocorrer num contexto interdisciplinar, já que não estão inseridos especificamente dentro de uma disciplina como a Física, por exemplo. Notamos, também, que os conceitos contidos nas habilidades trazidas pela BNCC não são triviais, e requerem dos docentes um conhecimento mais apurado da Astronomia (e.g. , tratam de assuntos como evolução estelar, cosmologia, gravitação e composição química do Universo). Estariam os docentes de Física, Química e Biologia preparados para tal desafio? Teriam eles os saberes disciplinares essenciais necessários para abordar tais temas? Iachel [22[22] G. Iachel, Os caminhos da formação de professores e da pesquisa em Ensino de Astronomia. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru (2013).] diz que a introdução de disciplinas associadas à Astronomia na formação inicial de professores de Física é algo ainda distante do ideal. Em trabalho anterior [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], verificamos que as licenciaturas em Física ofereciam disciplinas de Astronomia em cerca de 60% dos cursos, ainda que mal distribuídos dentro do território nacional. Porém, qual é o panorama das licenciaturas em Química e Biologia? Entender como se dá o acesso dos alunos desses cursos às disciplinas de Astronomia é o objetivo principal deste trabalho.

3. Aporte Teórico-Metodológico

De acordo com Gil [36[36] A. Gil, Métodos e Técnicas de Pesquisa Social (Atlas, São Paulo, 2008).], o presente estudo pode ser enquadrado como uma pesquisa do tipo descritivo-explicativa, uma vez que tentamos investigar como o Ensino de Astronomia está inserido nas licenciaturas em Física, Química e Biologia no Brasil, e buscamos identificar os fatores que determinaram ou que contribuíram para a ocorrência do cenário que encontramos, tudo na intenção de aprofundar o conhecimento da realidade das licenciaturas e dos seus licenciandos, além de colaborar com as pesquisas em Ensino de Astronomia no Brasil.

Fundamentamos nossa investigação nas premissas de Contreras [28[28] D.J. Contreras, A Autonomia de professores (Cortez, São Paulo, 2002).] e Tardif [16[16] M. Tardif, Saberes docentes e formação profissional (Vozes, Petrópolis, 2014).] sobre a formação docente, pois entendemos que estes referenciais teóricos são apropriados para interpretar os dados que traremos ao longo do artigo, já que estes autores consideram a formação docente como atividade diversificada, constantemente atualizada, incluindo aí os saberes de Astronomia, enquanto campo de saber em construção.

No que diz respeito aos aspectos metodológicos, os cursos de formação de professores de Biologia, que serão assim denominados neste trabalho, referem-se a todas as licenciaturas encontradas no portal e-MEC11 11 Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 20/08/21. , cujas denominações remetem a alcunhas do tipo “Ciências Biológicas” e “Biologia”, principalmente. Todos esses cursos são rotulados pela Classificação Internacional Normalizada da Educação Adaptada para Cursos de Graduação e Sequenciais de Formação Específica do Brasil12 12 Disponível em https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/cine-brasil. Acesso em 26/06/2022. (CINE) como “Biologia formação de professor”. A CINE é o critério que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) utiliza para organizar as licenciaturas nos diversos documentos estatísticos sobre a Educação no Brasil. As licenciaturas em Química e Física são referenciadas segundo a CINE “Química formação de professor” e “Física formação de professor”, respectivamente.

Apesar de nosso estudo focar no Ensino de Astronomia, não nos furtamos de examinar com um pouco mais de profundidade alguns aspectos gerais da formação docente nas disciplinas que compõem a área das Ciências da Natureza. Para tanto, investigamos os dados sobre os licenciados em Física, Química e Biologia no ano de 2020, base de dados mais recente disponibilizada pelo INEP quando da confecção da presente pesquisa. Após a análise inicial, que distinguiu os cursos segundo o tipo de administração e a localização das IES, tentamos identificar se seus concludentes tiveram acesso a disciplinas de Astronomia durante sua formação inicial, além de estimar quantos deles foram contemplados com essas disciplinas. Pudemos relacionar diretamente a quantidade de professores formados às IES das quais egressaram, o que agregou maior confiança aos resultados obtidos.

Os dados relativos às IES e aos profissionais que concluíram suas licenciaturas em Física, Química e Biologia em 2020 foram obtidos do INEP, nas bases Microdados do Censo da Educação Superior13 13 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/microdados/censo-da-educacao-superior. Acesso em 26/08/2022. e Sinopse Estatística da Educação Superior14 14 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-superior-graduacao. Acesso em 26/08/2022. . Os Microdados permitiram-nos associar diretamente os concluintes às suas respectivas IES. Assim, as IES foram classificadas segundo sua categoria administrativa15 15 As IES cuja administração pertence à esfera Federal foram divididas em duas categorias distintas: as Universidades Federais (UF) e os Institutos Federais (IF). Elas foram consideradas separadamente por motivos históricos, organizacionais e funcionais, que diferem entre si. Os dados referentes aos IF também englobam os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) do RJ e de MG. Já as IES cuja administração pertence à iniciativa privada não foram diferenciadas quanto à finalidade de lucro – confessionais e/ou filantrópicas. e localização geográfica. Uma vez que sabíamos onde cada profissional foi formado, consultamos os sítios eletrônicos dessas IES e vasculhamos seus Projetos Pedagógicos de Curso (PPC), grades curriculares e ementas em busca de disciplinas relacionadas à Astronomia. Os cursos, então, foram organizados de acordo com a modalidade de ensino e quanto à oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia, e essas disciplinas, quando identificadas, ainda foram classificadas quanto à sua natureza (obrigatórias ou optativas) e seu enfoque (conteúdos de Astronomia, Ensino de Astronomia ou mistas).

Precisamos ressaltar que os dados sobre os cursos e os professores formados colhidos do INEP dizem respeito ao ano de 2020, enquanto as informações acerca da oferta de disciplinas de Astronomia, obtidas nos sítios eletrônicos das IES, são de 2022. Uma vez que existe um afastamento temporal entre essas duas fontes de dados, nada garante que a oferta de disciplinas de Astronomia de 2020 seja igual à que foi observada em 2022 – isto é, esse quadro pode ter se modificado nesse período. Se somarmos a isso o fato de que uma licenciatura é cursada em quatro ou cinco anos, em média, e que as disciplinas de Astronomia supostamente oferecidas pelas licenciaturas não são sequenciais, como são as de Cálculo ou de Física Básica, por exemplo, então nossa incerteza temporal aumenta ainda mais, já que as disciplinas de Astronomia poderiam ser oferecidas a qualquer momento no decorrer do curso, do primeiro ao último período, a depender da licenciatura. Em outros termos, entendemos que quanto maior o distanciamento temporal entre as fontes de dados, menor é a correlação entre elas. A despeito do cenário teórico aqui descrito, nossa intenção é apresentar uma estimativa da quantidade de professores de Química, Física e Biologia formados em 2020 que puderam ter contato com disciplinas de Astronomia ao longo de sua formação inicial, ampliando a investigação iniciada em trabalho anterior [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], de modo a contemplar todas as disciplinas que compõem a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Ainda que não haja uma completa correspondência na associação entre as bases de dados [cursos/concluintes] e [oferta de disciplinas de Astronomia], entendemos que essa aproximação não foge completamente da realidade, uma vez que mudanças curriculares profundas nos cursos de formação de professores não ocorrem rotineiramente no Brasil. Dessa forma, não temos a intenção de generalizar o assunto, assumir um status de verdade absoluta ou esgotar a questão, já que nosso recorte engloba apenas o ano de 2020. Ainda assim, esperamos colaborar com reflexões sobre o tema, a fim de contribuir com a área de pesquisa em EEA e fomentar melhorias na formação inicial docente, ao investigar essa questão ainda em aberto no Brasil.

Buscando na literatura, encontramos poucos trabalhos que exploram essa temática. Oliveira, Fusinato e Batista [37[37] A.A. Oliveira, P.A. Fusinato e M.C. Batista, Revista Valore 3, 334 (2018).] investigaram os currículos dos cursos de Ciências Biológicas das IES do estado do Paraná em busca de conteúdos de Astronomia. As autoras identificaram que menos de 10% dos cursos traziam disciplinas que discutiam noções básicas de Astronomia, e notaram discrepâncias entre as disciplinas ofertadas pelas IES e as diretrizes estaduais sobre Educação. O interesse das autoras em buscar temas de Astronomia em licenciaturas de Ciências Biológicas reforça o caráter interdisciplinar da Astronomia. Costa, Euzébio e Damasio [38[38] S. Costa, G.J. Euzébio e F. Damasio, Rev. Latino-Americana de Educação em Astronomia 22, 59 (2016).] mostraram que temas relacionados à Astronomia têm a capacidade de motivar e aguçar a curiosidade de licenciandos em Ciências da Natureza, o que sugere que o assunto Astronomia é bem aceito entre os estudantes, independentemente do nível em que é ensinado. Já Guimarães, Lima e Passos [39[39] M.H.U. Guimaraes, F.P. Lima e M.M. Passos, Experiências em Ensino de Ciências 16, 71 (2021).] elaboraram um questionário sobre temas astronômicos, que foi aplicado a licenciandos dos cursos de Biologia, Física e Química de uma IES. Os resultados indicaram a presença de concepções alternativas nas respostas dos alunos de todas as licenciaturas, e esse fato reforça a necessidade de que tais temas devem ser abordados nos cursos de formação de professores da área de Ciências da Natureza, a fim de que tais concepções alternativas não sejam difundidas entre os alunos da Educação Básica.

4. Aspectos Gerais: a Formação Inicial de Professores da Área de Ciências da Natureza

Iniciando nossa análise sobre os aspectos gerais da formação docente na área de Ciências da Natureza no Brasil em 2020, vamos identificar, quantitativamente, o universo que integra nossa pesquisa segundo cada licenciatura considerada, como nos mostra a Tabela1.

Tabela 1:
Quantidade de professores da área de Ciências da Natureza formados no Brasil em 2020, de acordo com sua CINE.

Podemos notar que as licenciaturas em Biologia formaram quase dois terços dos professores da área de Ciências da Natureza no Brasil em 2020, seguida das licenciaturas em Química, com mais de 20%. As licenciaturas em Física formaram menos de 15% desse universo de docentes. Nesse ponto, a baixa quantidade de formandos em Física nos permite compreender por que ela é, dentre as disciplinas que compõem a área das Ciências da Natureza, aquela que apresenta o menor percentual de docentes com formação adequada no EM [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
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], o que vai acabar por gerar déficits de professores cada vez maiores. Essa afirmação é corroborada pelo Parecer CNE/CP no 2/201517 17 Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17625-parecer-cne-cp-2-2015-aprovado-9-junho-2015&category_slug=junho-2015-pdf&Itemid=30192. Acesso em 11/10/22. , que identificou uma baixa relação entre ingressantes e concluintes dos cursos de formação de professores de Física, revelando que um dos maiores desafios da formação está nos processos formativos e na superação de outras variáveis que contribuem para o pequeno número de concluintes/ano.

Além disso, esses números em pouco contribuem para mudar o cenário desigual trazido pela última versão do Censo da Educação Básica [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
], referente ao ano de 2022, com respeito aos indicadores de adequação da formação docente dessas disciplinas. Esses indicadores tentam determinar se as disciplinas estão sendo ministradas por professores com a formação docente adequada, ou seja, professores com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que lecionam. Em 2022, o indicador de adequação da formação docente em Biologia foi de 79,9%; em Química, 68,3%; e, em Física, 54,0%. Apesar de haver uma melhora nesse cenário ao longo dos últimos anos [13[13] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2020, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2020.pdf, acessado em 31/07/2022.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
], a Física ainda apresenta a pior situação dentre todas as disciplinas aqui analisadas, uma vez que mais de 40% dos profissionais que a lecionam são licenciados (ou bacharéis com complementação pedagógica) em diferentes áreas.

4.1. Breve histórico das licenciaturas da área das ciências da natureza no Brasil

A década de 1930 foi marcada pela fundação das licenciaturas em Física, Química e Biologia no Brasil. As licenciaturas em Biologia tiveram sua origem no curso de História Natural da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, que abordava conteúdos de Botânica Geral, Fisiologia Vegetal, Zoologia Geral, Fisiologia Geral e Animal, e Biologia Geral, entre outros [40[40] E.P.R. Araujo, M.C.M. Toledo e C.D.R. Carneiro, TERRÆ 11, 28 (2014).]. Três décadas depois de sua criação, os cursos de História Natural foram extintos porque não continham ensinamentos que preparavam seus egressos para atuarem nas disciplinas de Ciências do então Curso Ginasial, equivalente aos atuais Anos Finais do EF. No entanto, eles serviram de modelo embrionário e inspiraram os demais cursos de licenciatura em Biologia que surgiram no País a partir dali. Esses cursos, então, multiplicaram-se, principalmente após a promulgação da última versão da LDB [41[41] BRASIL. Lei no 9.394, 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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], sendo tal informação corroborada pela Tabela1. Esse crescimento teve reflexos diretos na Educação Básica, e de certa forma fomentaram a biologização do Ensino de Ciências. As licenciaturas em Biologia foram, também, as primeiras a serem regidas por Diretrizes Curriculares Nacionais, pelo fato de o currículo de Ciências do Ginásio ser majoritariamente composto por conteúdos de Biologia [42[42] R.D.C. Reis e E.F. Mortimer, Educação em Revista 36, e205692 (2020).]. A adoção dessa nova metodologia de formação de professores não significou, no entanto, que o problema do Ensino de Ciências para aquela porção da Educação Básica estivesse resolvido.

A origem das licenciaturas em Química ocorreu com a criação da Faculdade de Filosofia da USP, e foi nesse mesmo período que a disciplina de Química passou a ser obrigatória no ensino secundário, se tornando assim uma preocupação inserida no ideal de construção de um projeto educacional para o Brasil [43[43] K.M.G. Costa, J.D.B. Kalhil e A.F. Texeira, Latin American Journal of Science Education 1, 12061 (2015).]. Todavia, não havia àquela época uma legislação específica para a formação de professores no País, mesmo sendo essa uma reivindicação defendida há muito tempo. E, apesar de a Faculdade de Filosofia da USP ter sido criada com o intuito de promover a formação de professores, essa formação profissional não era incentivada no interior das faculdades de Filosofia em geral. Nas décadas seguintes houve uma expansão significativa no número de faculdades de Filosofia no País, mas a oferta de cursos de licenciatura em Química não aumentou na mesma proporção. Mais tarde, na década de 1960, ocorreu a fragmentação das faculdades de Filosofia, transformando os departamentos de Educação em faculdades de Educação, no intuito de conceder a elas maior competência pedagógica para formar professores. Apesar disso, o exercício da docência na década de 1960 era caracterizado por uma simples “transmissão de conhecimentos”, onde não havia interação entre formação pedagógica e específica [43[43] K.M.G. Costa, J.D.B. Kalhil e A.F. Texeira, Latin American Journal of Science Education 1, 12061 (2015).].

As licenciaturas em Física tiveram suas bases iniciais estabelecidas pelos mesmos decretos que criaram as licenciaturas em Química e os extintos cursos de História Natural, todas elas ligadas às Faculdades de Filosofia. Os professores de Física formados naquela época eram bacharéis que realizavam um curso complementar de Didática, com duração de um ano, e ao final dele eram declarados licenciados em Física. Essa formação era denominada esquema 3+1 [44[44] R.S. Araujo e D.M. Vianna, Rev. Bras. Ens. Fís. 32, 4403 (2010).]. De um modo geral, a história das licenciaturas em Física no Brasil se assemelha às demais licenciaturas aqui investigadas, já que com elas compartilhou os mesmos contextos e dificuldades educacionais vividos ao longo da própria História do Brasil

Na segunda metade do século XX, o aumento da demanda pelo ensino secundário e superior levou à Reforma Universitária. As dificuldades em se implantar novos cursos de formação de professores na área de Ciências da Natureza, aliado à expansão do ensino obrigatório para oito anos, aumentou sobremaneira a demanda por professores com formação específica e ocasionou a criação das Licenciaturas Curtas em substituição à licenciatura plena [45[45] C.W.D. Rosa e A.B.D. Rosa, Rev. Ibero-americana de Educação 2, 58 (2012).], já que disciplinas ligadas às Ciências eram a área na qual havia a maior carência de professores àquela época [42[42] R.D.C. Reis e E.F. Mortimer, Educação em Revista 36, e205692 (2020).]. A criação das Licenciaturas Curtas foi motivo de duras críticas [46[46] J. Zanetic e V.L. Soares, Rev. Bras. Ens. Fis. 2, 67 (1980).], mas ainda assim elas perduraram até a década de 1990, quando foi promulgada a última versão da LDB [41[41] BRASIL. Lei no 9.394, 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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] que instituiu a obrigatoriedade da Licenciatura Plena para os docentes que lecionavam na Educação Básica. Desde então, o número de licenciaturas plenas em Física, Química e, principalmente, Biologia aumentou consideravelmente.

Diante do panorama aqui exposto, sabemos que os professores formados pelas licenciaturas em Física, Química e Biologia devem exercer a docência no EM, como responsáveis pelas disciplinas que integram a área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, e também atuar como eventuais substitutos dos professores de Ciências Naturais na disciplina de Ciências do EF. Sendo assim, devemos nos questionar se não era de se esperar que os professores de Química e Biologia devessem ter acesso a algumas noções de Astronomia durante sua formação inicial, uma vez que eles têm o encargo de compartilhar os conhecimentos da sua área com seus alunos. Como a Física e a Astronomia comungam dos mesmos conceitos, métodos e rotinas de pesquisa, e não é necessário trazer demais argumentos que demonstrem a importância da Astronomia dentro da Física (como disciplina escolar) e justifiquem a inclusão destes conceitos nos currículos dos cursos de formação de professores de Física. Mas em relação à Química e à Biologia, essa justificativa parece ser necessária.

Pesquisadores, no Brasil e no mundo, articulam a Biologia e a Astronomia para estudar a existência de vida em outros lugares do Universo através da Astrobiologia [47[47] I.G. Paulino-Lima e C.A.S. Lage, Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira 29, 14 (2010).]. Apesar de recente, este campo de pesquisa é naturalmente interdisciplinar e apresenta-se como um desafio distante da escola, mas pode ser inserido no contexto do Ensino de Ciências [48[48] J.G. Souza, Astrobiologia: obstáculos e possibilidades, a (re)ligação com o cosmos e o ensino de ciências. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru (2013).]. Logo, não parece haver dúvidas da importância que a Astronomia deveria ter nos currículos das licenciaturas em Biologia, já que, em tese, os licenciados em Biologia são corresponsáveis, junto ao contingente de professores de Ciências Naturais, pela docência da disciplina de Ciências nos Anos Finais do EF – parcela da Educação Básica densamente povoada de conceitos astronômicos – e de Ciências da Natureza e suas Tecnologias no EM, na qual também surgem temas ligados à Astronomia, ainda que em menor número. No entanto, como demonstraremos no decorrer dessa discussão, o cenário observado para as licenciaturas em Biologia na perspectiva do Ensino de Astronomia é bastante sombrio e merecedor de atenção por parte dos gestores da Educação no Brasil.

A BNCC traz na competência específica no 2 da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias a seguinte redação: “Analisar a evolução estelar associando-a aos modelos de origem e distribuição dos elementos químicos no Universo , compreendendo suas relações com as condições necessárias ao surgimento de sistemas solares e planetários, suas estruturas e composições ” [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
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, p. 557, grifo nosso]. Esse extrato evidencia o fato de que a Química ajuda a explicar a evolução estelar e do próprio Universo, sendo que a Astronomia e a Cosmologia têm na Química uma poderosa ferramenta para poderem embasar suas teorias [49[49] A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Astrofísica para a Educação Básica: A Origem dos Elementos Químicos no Universo (Appris, Curitiba, 2019).]. Além disso, os professores de Química podem ser empregados nos Anos Finais do EF como docentes – ainda que eventuais – da disciplina de Ciências. Assim, nos parece claro que os licenciandos em Química não podem ficar desassistidos com relação ao acesso aos saberes disciplinares essenciais relacionados à Astronomia em sua formação inicial. Nossa investigação, porém, revelou que a quase totalidade dos professores de Química formados no Brasil em 2020 ficou completamente à margem desses assuntos.

4.2. Formação inicial de professores de biologia na perspectiva do ensino de astronomia

Os dados quantitativos mais amplos referentes à formação de professores de Biologia no Brasil em 2020 são trazidos pela Tabela2. No total, quase dez mil professores de Biologia foram formados no País naquele ano em 459 diferentes licenciaturas pelo País. Desta classe, os cursos com professores formados disponibilizados na modalidade EaD representaram menos de 10% do total, mas ainda assim foram responsáveis pela formação de mais de um terço dos profissionais, apesar de quase 60% deles não terem formado um único professor em 2020. Apesar de existiram em menor quantidade, os cursos EaD têm a possibilidade de serem oferecidos em múltiplos polos espalhados pelo País, e isso explica sua grande quantidade de concluintes. Esses números por si só impressionam e mostram a força da modalidade de ensino no País. Já os cursos presenciais formaram professores em mais de 80% das IES que os ofereciam, e mesmo sendo mais de dez vezes mais numerosos que os cursos EaD com a mesma característica, formaram menos que o dobro da quantidade de professores dos cursos EaD.

Tabela 2:
Distribuição dos cursos de licenciatura em Biologia e concluintes segundo a modalidade de ensino no Brasil em 2020.

Ao examinarmos mais detalhadamente os dados referentes à formação de professores de Biologia sob a perspectiva geográfica e a categoria administrativa das IES, trazidos na Tabela3, percebemos que a região Sudeste concentra a maior oferta de cursos e quantidade de profissionais formados, seguida das regiões Nordeste e Sul. Essas são, por sinal, as regiões que abrangem a maior parcela da população brasileira. Quando considerados segundo o tipo de administração das IES que ofereceram tais cursos, visualizamos que quase metade deles foram formados nas IES Privadas (percentual superior às licenciaturas em Química e Física), tendo destaque ainda as IES Estaduais e as UF, formando parcelas praticamente idênticas de professores naquele ano. Em comparação a essas categorias, os IF apresentaram números bem mais aquém, tanto no número de cursos quanto na quantidade de profissionais formados. Os IF, dentre as IES cuja administração pertence ao poder público, também tiveram o menor percentual de licenciaturas com a formação de ao menos um professor em 2020. É importante sempre analisar esse indicador, uma vez que essas IES demandam o uso de verbas públicas. No geral, o percentual de cursos que formaram ao menos um professor de Biologia em 2020 se assemelhou bastante ao número alcançado pelas licenciaturas de Química e Física.

Na Tabela3, podemos perceber uma clara diferença na quantidade total de cursos mostrados. Essa diferença, observada nos cursos da modalidade EaD, ocorre porque as IES Privadas podem oferecer seus cursos em âmbito nacional, o que faz com que um curso EaD de uma única IES Privada possa ser computado até cinco vezes – um em cada região do País – quando analisado sob a perspectiva geográfica. Essa diferença na contagem de cursos também surgirá nos estudos das licenciaturas em Química e Física.

Tabela 3:
Quantidade de cursos e professores de Biologia formados nas IES do Brasil em 2020, segundo a localização e a categoria administrativa das IES.

A localização geográfica dos cursos presenciais e dos polos de EaD das licenciaturas em Biologia, bem como a classificação desses cursos segundo a existência ou não de professores formados no Brasil em 2020 são trazidos pela Figura1. Notamos que a oferta de cursos de formação de professores de Biologia é bastante grande quando comparada à oferta das demais licenciaturas, e se concentra fortemente em torno das regiões metropolitanas do País – apesar de povoarem o interior de maneira bastante efetiva. A maior parte dos cursos que lá aparecem são da modalidade EaD.

Figura 1:
Localização dos cursos presenciais e dos polos EaD das licenciaturas em Biologia no Brasil em 2020 (E) e localização e classificação das licenciaturas em Biologia no Brasil, com relação à existência ou não de professores formados (PF) em 2020 (D). Fonte: Autor 1, com dados do INEP.

Se recombinarmos os dados da Tabela3 em função da localização e do tipo de administração das IES, temos a distribuição das licenciaturas em Biologia e dos seus respectivos professores formados mostrados na Tabela4, na qual foram considerados apenas os cursos que formaram professores de Biologia no ano de 2020. Esse recorte nos possibilita analisar a formação docente com maior nível de detalhamento, a fim de identificar seus aspectos mais significativos. As informações trazidas na cor verde significam que, naquela região e classe de IES, a formação de professores superou a expectativa média, enquanto as destacadas na cor vermelha querem expressar a ideia oposta, ou seja, que a formação ficou aquém da média esperada. Por expectativa média entendemos que, se determinada classe de IES de determinada região possui um percentual de x cursos de licenciatura, então é esperado que nela também tenha sido formado um percentual de x professores. Essa compreensão é estendida também às investigações subsequentes.

Tabela 4:
Distribuição do número de cursos e concluintes (Concl) das licenciaturas em Biologia no Brasil em 2020, segundo a localização e o tipo de administração da IES, em termos absolutos e percentuais.

Nossa análise mostra que as IES Estaduais, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, e as IES Privadas, no Norte e no Nordeste, formaram proporcionalmente mais professores por curso nessas regiões do que as demais classes de IES. No outro vértice dessa mesma análise, a menor proporção de professores de Biologia formados no Brasil em 2020 foi observada nos IF – com exceção da região Norte, que tiveram nas IES Estaduais seus piores índices de formação. Os IF apresentaram uma relação negativa na proporção de cursos e professores formados em todas as regiões do País, incluindo aí a região Norte, o que o torna o destaque negativo na formação de professores de Biologia no Brasil em 2020. Notamos que as IES Privadas se sobressaíram perante as demais classes ao exibirem a melhor relação na proporção de cursos e professores formados (assim como na Química e na Física), ainda que os números alcançados pelas IES Estaduais e pelas UF tenham ficado bastante próximos daquela primeira. Impressiona, também, o número absoluto de professores formados nas IES Privadas da região Sudeste, que sozinhas concentraram a metade da região e quase um quarto do total de professores de Biologia formados no Brasil em 2020. Para se ter uma ideia do que esse número representa, a formação docente em Biologia das IES Privadas da região Sudeste em 2020 superou o número de professores de Física formados por todas as licenciaturas do Brasil no mesmo período. E somente na região Sudeste foram formados mais professores de Biologia do que de Química em todo o País, em 2020.

4.2.1. O ensino de astronomia na formaçãoinicial de professores de biologia

Antes de prosseguirmos, é importante ressaltar, mais uma vez, que os Microdados do Censo da Educação Superior, provenientes do INEP, referem-se ao ano de 2020, e que a consulta aos sítios eletrônicos das IES foi realizada no início de 2022. Assim, ainda que haja um afastamento temporal entre as fases de obtenção de dados desta pesquisa, aliado ao fato de que as disciplinas de Astronomia são oferecidas em diferentes períodos curriculares de acordo com a IES (dado extraído dos diversos currículos analisados), enfatizamos que temos aqui a intenção de estimar a quantidade de profissionais, formados em 2020, que puderam ter acesso a disciplinas de Astronomia ao longo de sua formação inicial. Todavia, a presente estimativa tende a se aproximar mais da realidade, uma vez que, pela base de dados coletada no INEP, é possível obter a quantidade exata de professores formados em cada IES – diferentemente da metodologia empregada por nós em trabalho de análise anterior [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], na qual utilizamos apenas os dados da Sinopse Estatística da Educação Superior (mais generalista do que os Microdados).

Assim, após consulta aos sítios eletrônicos das IES que ofereciam cursos de licenciatura em Biologia em 2022, classificamos tais cursos quanto à presença de disciplinas relacionadas à Astronomia em seus currículos, na tentativa de projetar como pode ter ocorrido o acesso dos concluintes desses cursos às disciplinas de Astronomia. Esses resultados estão apresentados na Tabela5, na qual adotamos uma escala de cores para identificar a natureza das disciplinas relacionadas à Astronomia: em verde, as disciplinas que eram oferecidas na forma obrigatória; em laranja, as na forma opcional; e em vermelho, os cursos que não ofereciam nenhuma disciplina de Astronomia. Essa mesma escala de cores é adotada no estudo das demais licenciaturas, apresentadas na sequência deste trabalho.

Tabela 5:
Distribuição do número de cursos de licenciatura em Biologia segundo a oferta (ou não) de disciplinas de Astronomia no Brasil em 2022, em termos absolutos e percentuais.

Com base nos dados trazidos pela Tabela5, notamos que, ao menos no recorte do ano de 2022, as licenciaturas em Biologia não ofereceram opções de disciplinas

ligadas à Astronomia em mais de 95% dos cursos. Logo, somos levados a crer que o elevado percentual de não oferta dessas disciplinas poderá prejudicar a formação dos saberes docentes dos professores recém-formados e, consequentemente, sua futura atuação na sala de aula, uma vez que eles não terão adquirido os saberes disciplinares ligados à Astronomia. Essa constatação fica ainda mais clara quando analisamos a Tabela6, que traz nossa projeção da quantidade de professores formados que tiveram acesso a essas disciplinas, segundo sua localização e tipo de administração das IES.

Tabela 6:
Resumo da projeção de professores de Biologia formados no Brasil em 2020, segundo a localização da IES, o tipo de administração da IES e a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia.

Analisando a Tabela6, não verificamos um acesso minimamente aceitável dos profissionais formados pelas licenciaturas em Biologia aos conceitos de Astronomia em nenhum dos cenários trazidos – ao menos, no ano de 2020. As IES Privadas, por exemplo, formaram quase metade dos professores de Biologia no Brasil em 2020, e a quase totalidade deles não teve qualquer acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação inicial. Os melhores cenários, em números absolutos, foram verificados nas IES localizadas na região Sul e nas IES Estaduais, onde 143 e 133 concluintes cursaram disciplinas de caráter obrigatório, respectivamente. Em termos percentuais, vimos que as UF proporcionaram acesso a disciplinas de Astronomia a quase 10% dos professores que lá foram formados no ano de 2020. Esses números, no entanto, acabam diluídos dentro da imensa maioria de docentes formados em 2020 que não tiveram acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação básica, como nos mostra a mesma Tabela6. Vemos, ainda, que nenhum profissional formado na região Norte teve acesso a qualquer dessas disciplinas – situação quase que semelhante à região Centro-Oeste. De todas as regiões, a Sul é a que mais se evidenciou ao proporcionar acesso a disciplinas de Astronomia aos professores de Biologia formados no Brasil em 2020, com pouco mais de 10% dos formandos – a quase totalidade em disciplinas de natureza obrigatória.

Assim, o resumo da projeção de professores de Biologia formados no Brasil em 2020, trazido pela Tabela6, mostra que, segundo nossa avaliação, apenas 2,4% dos professores tiveram acesso a disciplinas de Astronomia de caráter obrigatório, 1,7% tiveram acesso a disciplinas optativas, e a imensa maioria, 95,9%, não teve qualquer acesso a tais disciplinas. Esses percentuais estão muito próximos daqueles trazidos pela Tabela5, na qual pudemos observar como se dava a oferta (ou não oferta) de disciplinas de Astronomia nos cursos de licenciatura em Biologia no Brasil em 2022. A Figura2 mostra onde se localizam as IES que formaram professores, classificadas de acordo com a natureza das disciplinas de Astronomia que ofereciam (ou não), na qual o tamanho de cada circunferência corresponde à proporção de concluintes daquele município, de acordo com a natureza da disciplina, sendo que o maior círculo vermelho equivale a cerca de 400 professores, e o menor, a apenas um. As circunferências em verde e laranja não se enquadram nessa proporção e tiveram seu tamanho aumentado, de forma que pudessem ser percebidas perante o “mar vermelho” da não oferta de disciplinas de Astronomia.

Figura 2:
Localização dos cursos de licenciatura em Biologia das IES do Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autor 1.

Na tentativa de obter maiores informações acerca das disciplinas de Astronomia oferecidas nas licenciaturas em Biologia (investigação que também foi estendida às demais licenciaturas aqui estudadas), optamos por examinar suas ementas, a fim de categorizá-las quanto ao enfoque principal de cada uma delas. Dessa forma, encontramos disciplinas fortemente identificadas com a visão conteudista, que priorizavam a transmissão de conceitos e conteúdos de Astronomia em detrimento às metodologias de ensino e aprendizagem, as quais foram denominadas “Conteúdos de Astronomia”. Também encontramos disciplinas que foram estruturadas justamente para considerar essas metodologias de ensino e aprendizagem, sem relegar esses aspectos a um segundo plano. Essas disciplinas foram classificadas como pertencentes à categoria “Ensino de Astronomia”. Quando a disciplina apresentava aspectos relacionados a estes dois enfoques, foi classificada como “Misto”, e quando não se teve acesso à ementa da disciplina, após consulta aos sítios eletrônicos das IES, seu enfoque foi classificado como “Não identificado”18 18 Ainda que, pela nomenclatura da disciplina, ela esteja mais identificada com a visão conteudista do que com metodologias de ensino e aprendizagem. .

A Tabela7 traz a distribuição das disciplinas voltadas à Astronomia das licenciaturas em Biologia, segundo o enfoque de cada disciplina. Nossa pesquisa mostrou que as disciplinas focadas em Conteúdos de Astronomia eram maioria, tanto nas disciplinas obrigatórias quanto nas optativas. Não encontramos disciplinas que poderiam ser enquadradas como Ensino de Astronomia.

Tabela 7:
Classificação das disciplinas de Astronomia oferecidas nos cursos de licenciatura em Biologia no Brasil em 2022, segundo o enfoque da disciplina, com a quantidade de professores formados.

As disciplinas de natureza obrigatória tiveram a maioria de seus professores formados num enfoque mais conteudista, mas uma boa parcela deles também pode ter cursado disciplinas mistas. Já as disciplinas de natureza optativa tiveram a maioria de seus docentes formados num enfoque não identificado, que, numa primeira aproximação, estão mais identificados com a visão conteudista do que com a do Ensino, além de outra parte focada em Conteúdos de Astronomia.

4.2.2. Resumo das licenciaturas em biologia

As licenciaturas em Biologia do Brasil em 2020 formaram quase dois terços dos professores do universo considerado por nossa investigação, com quase dez mil docentes. Esse contingente de profissionais ajuda a reforçar o bom cenário visto no Censo da Educação Básica 2022 [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
], no qual a disciplina de Biologia conta com cerca de 80% de professores com formação docente adequada. Esses profissionais também atuam no EF, reforçando as fileiras docentes responsáveis por ministrar a disciplina de Ciências para os Anos Finais daquela porção do Ensino Básico. As IES Privadas respondem por quase metade dos professores formados em 2020, cuja atuação ocorre principalmente nas regiões Sudeste e Sul do País.

Se, por um lado, a formação de professores de Biologia impressiona quando comparada às demais licenciaturas, de outro, decepciona, no que diz respeito à quantidade de cursos que oferecem disciplinas relacionadas à Astronomia e, consequentemente, à quantidade de profissionais formados por eles, independente da natureza da disciplina. Essa comparação é mostrada na Figura3, em que vemos que os percentuais de cursos e professores formados segundo a natureza das disciplinas de Astronomia são bastante semelhantes, o que torna o cenário da área bastante sombrio com respeito ao acesso a essas disciplinas por parte de seus licenciandos, já que estes, provavelmente, não conseguirão incorporar os saberes disciplinares relativos à Astronomia em sua estrutura cognitiva – ao menos durante sua formação inicial.

Assim, podemos afirmar que o resultado obtido através de nossa investigação não é o esperado para a licenciatura, uma vez que, apesar dos conteúdos abarcados pela Biologia no EM (área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias) não contemplarem competências específicas relacionadas à Astronomia (nem à Astrobiologia), a disciplina de Ciências dos Anos Finais do EF é fortemente ancorada em objetos de conhecimento e habilidades relacionados aos conceitos de Astronomia e, em função disso, a formação inicial dos professores de Biologia no Brasil, ao menos no recorte relativo ao ano de 2020, não está de acordo com o previsto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Professores para a Educação Básica [15[15] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Resolução CNE/CP no 2, de 20 de dezembro de 2019, disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file, acessado em 29/09/2021.
http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro...
], que prevê que os licenciandos devem desenvolver as competências específicas que integram a BNC-Formação, além dos conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e objetos de conhecimento da BNCC-Educação Básica [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
] – dentre eles, aqueles que dizem respeito aos conhecimentos sobre Astronomia. Dessa forma, entendemos que os currículos dos cursos de formação de professores de Biologia devem ser revistos e atualizados, de forma a contemplarem aqueles conceitos entendidos como fundamentais para a compreensão básica do panorama da Astronomia nos dias atuais.

Figura 3:
Resumo da relação entre cursos e concluintes das licenciaturas em Biologia no Brasil em 2020, segundo a natureza das disciplinas de Astronomia oferecidas. Fonte: Autor 1.

4.3. Formação inicial de professores de química na perspectiva do ensino de astronomia

A Tabela8 traz a disposição dos cursos de licenciatura em Química no Brasil em 2020, de acordo com a modalidade de ensino. Dos 325 cursos listados pelo Censo da Educação Superior 2020, 251 foram responsáveis pela formação de 3460 professores naquele ano – o segundo maior contingente dentro do nosso universo de pesquisa. Os cursos EaD, apesar de representarem apenas um décimo dos cursos que tiveram professores formados em 2020, formaram um terço dos professores de Química no ano. Os cursos presenciais, por sua vez, tiveram mais de 80% de suas licenciaturas contempladas com a formação de ao menos um professor naquele ano, enquanto nos EaD essa proporção foi de pouco mais da metade do total. Essa quantidade de profissionais formados em 2020 certamente ajuda a atenuar a falta de professores com formação docente adequada na área, já que quase um terço dos professores que lecionam a disciplina Química no EM se enquadram nessa situação [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
].

Tabela 8:
Distribuição dos cursos de licenciatura em Química e concluintes segundo a modalidade de ensino no Brasil em 2020.

Quando as IES que mantêm os cursos de licenciatura em Química são analisadas sob a perspectiva da sua localização e do tipo de administração a que estão submetidas, os dados apresentados na Tabela8 assumem a configuração mostrada na Tabela9. Podemos perceber que as regiões Sudeste e Nordeste concentram quase 70% do total de professores de Química formados no Brasil em 2020, sendo que essas duas regiões também possuem a maior quantidade de cursos totais e que tiveram professores formados no período considerado. Além disso, notamos que as UF e os IF concentram a maior oferta de cursos, mas foram as IES Privadas que formaram a maior quantidade de professores em 2020, muito em função da elevada contribuição dos cursos EaD.

Tabela 9:
Quantidade de cursos e professores de Química formados nas IES do Brasil em 2020, segundo a localização e a categoria administrativa das IES.

As instituições cuja administração cabe ao Governo Federal – UF e IF – foram as que tiveram os maiores percentuais19 19 Juntamente com a IES Especial, onde seu único curso também teve professores formados. de licenciaturas com a formação de ao menos um professor em 2020. Aqui, verificamos novamente uma diferença na quantidade de cursos totais entre os parâmetros localização e administração das IES, devido ao fato de as IES Privadas poderem oferecer seus cursos em âmbito nacional.

O mapa mostrado à esquerda da Figura4 apresenta a distribuição geográfica dos cursos presenciais, bem como dos polos da modalidade EaD. Podemos perceber que a quantidade de polos EaD supera em muito a de cursos presenciais – característica percebida também nas licenciaturas em Biologia e Física – ainda que o total de cursos da modalidade presencial seja quase seis vezes maior que a da EaD. Percebemos, também, uma maior concentração de cursos nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul – por sinal, as mais populosas do País. Já o mapa da direita localiza e classifica as IES segundo a existência ou não de professores de Química formados nos diversos cursos presenciais ou polos EaD no Brasil em 2020, e sintetiza as informações trazidas pela Tabela9. Podemos notar a predominância de cursos/polos onde não houve formação docente no período considerado, muito em função da contribuição dos polos de EaD.

Se mais uma vez recombinarmos os dados da Tabela9 em função da localização e do tipo de administração da IES, obteremos os dados que estão expostos na Tabela10, na qual as informações referentes à formação de professores nas licenciaturas em Química no Brasil em 2020 são explicitadas segundo o tipo de administração das IES que as oferecem, bem como a região onde se localizam. Nesse recorte, notabilizaram-se as IES Estaduais da região Nordeste, as UF da região Norte e as IES Privadas das regiões Sudeste e Sul, uma vez que, proporcionalmente, formaram mais professores (em relação ao número de cursos que ofereciam) do que as demais classes de IES. Em contrapartida, os IF da região Nordeste, as IES Privadas da região Norte e as UF das regiões Sudeste e Sul tiveram o pior desempenho no mesmo quesito. A região Centro-Oeste não apresentou grandes variações na relação entre cursos e professores formados.

Figura 4:
Localização dos cursos presenciais e dos polos EaD das licenciaturas em Química no Brasil em 2020 (E) e localização e classificação das licenciaturas em Química no Brasil, com relação à existência ou não de professores formados (PF) em 2020 (D). Fonte: Autor 1, com dados do INEP.
Tabela 10:
Distribuição do número de cursos e concluintes (Concl) das licenciaturas em Química no Brasil em 2020, segundo a localização e o tipo de administração da IES, em termos absolutos e percentuais.

No panorama geral, o destaque positivo coube às IES Privadas, que representavam um quarto dos cursos e formaram mais de um terço dos professores de Química no Brasil em 2020. Os IF, por sua vez, foram na contramão de tal indicativo, pois também eram cerca de um quarto dos cursos, mas formaram menos de um quinto dos profissionais no mesmo período. Cenário semelhante a esse foi observado nas licenciaturas em Biologia (e também em Física, como veremos mais à frente).

4.3.1. O ensino de astronomia na formaçãoinicial de professores de química

Para determinar quantos professores de Química formados em 2020 puderam ter acesso a alguns conceitos de Astronomia durante sua formação inicial, acessamos os sítios eletrônicos das IES que ofereciam licenciaturas na área no ano de 2022, e, consultando suas respectivas grades curriculares, classificamos esses cursos quanto à presença ou não de disciplinas identificadas com a Astronomia. Os resultados dessa consulta, sinalizados pela escala de cores por nós adotada nos estudos anteriores, são apresentados na Tabela11.

Tabela 11:
Distribuição do número de cursos de licenciatura em Química segundo a oferta (ou não) de disciplinas de Astronomia no Brasil em 2022, em termos absolutos e percentuais.

A Tabela11 nos mostra que a quase totalidade das licenciaturas em Química não oferecia nenhuma disciplina relacionada à Astronomia no ano de 2022. Isso nos leva a crer que uma mínima parcela dos professores de Química formados em 2020 teve acesso a disciplinas de Astronomia durante sua formação inicial. Essa previsão é confirmada pela Tabela12, que traz um resumo da nossa projeção da quantidade de professores formados que tiveram (ou não) acesso a essas disciplinas, segundo a localização e tipo de administração das IES.

Tabela 12:
Resumo da projeção de professores de Química formados no Brasil em 2020, segundo a localização da IES, o tipo de administração da IES e o acesso às disciplinas relacionadas à Astronomia.

Da análise da Tabela12, podemos verificar que nenhum professor de Química formado em 2020 pelas IES Estaduais, Municipais e/ou Especiais e Privadas teve acesso a quaisquer disciplinas de Astronomia em sua formação inicial, uma vez que nenhuma delas oferecia tais disciplinas. O mesmo quadro se repete se considerarmos apenas as regiões Norte e Centro-Oeste, pois nenhuma disciplina de Astronomia foi localizada nessas regiões. Nas UF e nos IF, a oferta abrangeu uma parcela insignificante de professores, o que gera um quadro bastante crítico no que diz respeito à formação de professores de Química em conceitos de Astronomia. Vale sempre lembrar que esses profissionais, além de exercerem a licenciatura na sua própria área, podem ser empregados como docentes da disciplinas de Ciências no EF (que, como já vimos, possui diversas unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades ligadas à Astronomia), e de Ciências da Natureza no EM (que conta com uma competência e três habilidades), além de eventualmente servirem como solução ao déficit de professores de Física, como possíveis substitutos destes. Esse resumo mostra ainda que na região Sul, considerando o cenário mais otimista, apenas 3% dos profissionais tiveram acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação inicial – e esse é o melhor recorte que pode ser extraído da presente análise. Nas regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste, o número de licenciandos que talvez tenham tido acesso a essas disciplinas pode ser zero.

No geral, nossa pesquisa mostra que, no melhor cenário, somente 1% dos professores de Química formados no Brasil em 2020 podem ter tido acesso a alguma disciplina de Astronomia durante sua formação inicial, enquanto no pior esse percentual é menor ainda. A Figura5 mostra a localização das IES que formaram esses profissionais, classificadas segundo a quantidade de concluintes e a natureza das disciplinas de Astronomia que ofereciam ou deixavam de oferecer. Na figura, o tamanho de cada circunferência equivale à proporção de professores formados naquele local, de acordo com a natureza da disciplina, sendo que a maior circunferência equivale a cerca de 200 professores, e a menor, a apenas um. Segundo a escala de cores por nós adotada, quase não notamos a localização das poucas IES que oferecem disciplinas de Astronomia em seus cursos de formação de professores de Química, trazidas nas cores verde e laranja, uma vez que o mapa da Figura5 é quase que completamente tomado pela cor vermelha.

Figura 5:
Localização dos cursos de licenciatura em Química das IES do Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autor 1.

Com relação ao enfoque das disciplinas de Astronomia que foram encontradas nos raros cursos que as ofereciam, todos os professores que lá se formaram cursaram apenas disciplinas focadas em Conteúdos de Astronomia – ou seja, que traziam apenas conceitos sobre Astronomia, sem no entanto discutir a melhor forma de ensiná-los.

4.3.2. Resumo das licenciaturas em química

As licenciaturas em Química não são tão numerosas quanto as licenciaturas em Biologia, e tampouco formaram um contingente de professores da mesma ordem dessa última. Todavia, como veremos na próxima seção, esses números foram superiores aos apresentados pela Física. A formação de professores de Química em 2020 ocorreu majoritariamente na modalidade presencial, apesar de os cursos EaD representarem um terço dos licenciados. A maior parte dos docentes formados residia no centro-sul brasileiro e na faixa mais próxima ao litoral da região Nordeste, e as principais IES que os prepararam eram as de administração Privada e as UF.

No tocante ao acesso a disciplinas relacionadas à Astronomia por parte dos professores de Química formados no Brasil em 2020, verificamos aqui um cenário mais lastimável do que o apresentado pelas licenciaturas em Biologia, uma vez que apenas um em cada cem licenciados pode ter tido contato com essas disciplinas. Assim como nas licenciaturas em Biologia, o percentual projetado de professores de Química que podem ter tido acesso a disciplinas relacionadas à Astronomia em sua formação inicial é equivalente ao percentual de cursos que ofereciam tais disciplinas – devido à baixíssima oferta, esse resultado já era esperado. Essa relação é trazida pela Figura6.

Figura 6:
Resumo da relação entre cursos e concluintes das licenciaturas em Química no Brasil em 2020, segundo a natureza das disciplinas de Astronomia oferecidas. Fonte: Autor 1.

Para concluir, o resultado obtido por nossa investigação era, de certa forma, esperado, uma vez que não é incumbência principal do professor de Química lecionar em substituição aos professores de Ciências, no EF, ou mesmo de Física, no EM. Mas se esse resultado já era esperado, não podemos nos furtar em afirmar que ele não é o ideal para a licenciatura, uma vez que a BNCC [12[12] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Comum Curricular, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br, acessado em 29/09/2021.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br...
] traz competências específicas e habilidades relacionadas à Astronomia que são comuns às três disciplinas que compõem a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias – Química, Física e Biologia. Assim, em que pese o fato de a BNCC ser um documento ainda recente dentro da história do Ensino no Brasil, e mais recente ainda são as diretrizes contidas na BNC-Formação, entendemos que os currículos das licenciaturas em Química no Brasil devem ser atualizados, de forma a contemplarem os saberes disciplinares essenciais da Astronomia.

4.4. Formação inicial de professores de física na perspectiva do ensino de astronomia

Antes de iniciarmos a análise dos dados referentes às licenciaturas em Física, lembramos mais uma vez que existe uma discrepância entre os números aqui apresentados e os constantes dos relatórios do INEP (Microdados do Censo da Educação Superior 2020 e Sinopse Estatística da Educação Superior 2020) quanto ao número de concludentes dos cursos de formação de professores de Física em 2020, conforme explicitado no início deste capítulo. Além disso, a intenção deste estudo final é atualizar um cenário já apresentado anteriormente [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], a fim de estimar como se deu o acesso dos professores licenciados em 2020 às disciplinas de Astronomia durante sua formação inicial.

Os docentes de Física, formados nas diversas licenciaturas do Brasil no ano de 2020, são listados na Tabela13 segundo a modalidade de ensino. A proporção de profissionais formados nos cursos presenciais para os formados na modalidade EaD foi de dois para um, e se assemelha bastante ao resultado apresentado pelas licenciaturas em Biologia e Química, bem como o número de cursos que formaram ao menos um professor naquele ano. Todavia, a quantidade total de professores de Física formados em 2020 equivale a apenas 60% dos formandos em Química e a 20% dos licenciandos em Biologia no mesmo período. Essa constatação apenas reforça a realidade observada atualmente no Brasil, no que se refere ao déficit de professores de Física, principalmente nas escolas públicas [26[26] K.I. Beltrão, L.C. Barçante, M.G.F. Pedrosa e R.S. Megahós, Evidências do Enade e de outras fontes – mudanças no perfil do Físico graduado (Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro, 2020)., 27[27] M.M. Nascimento, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200187 (2020)., 30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], e que pouco altera o panorama atual das escolas brasileiras, no qual praticamente metade dos docentes que lecionam a disciplina Física não possui formação adequada [14[14] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo Escolar da Educação Básica 2022, disponível em https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2022.pdf, acessado em 15/03/2023.
https://download.inep.gov.br/publicacoes...
].

Tabela 13:
Distribuição dos cursos de licenciatura em Física e concluintes segundo a modalidade de ensino no Brasil em 2020.

De um modo geral, as licenciaturas em Física e a quantidade de professores que concluíram sua graduação em 2020 se distribuem, segundo a localização e o tipo de administração das IES que as oferecem, conforme nos mostra a Tabela14.

Tabela 14:
Quantidade de cursos e professores de Química formados nas IES do Brasil em 2020, segundo a localização e a categoria administrativa das IES.

Notamos que, a exemplo das licenciaturas em Química e Biologia, a região Sudeste concentrou a maior parte dos formandos, seguida do Nordeste e do Sul. Aqui, voltamos a notar uma diferença na quantidade de cursos oferecidos na modalidade EaD das IES Privadas, pois uma mesma IES pode atuar em todas as regiões do Brasil. Ainda nesse recorte, a Física apresentou a pior razão entre cursos totais e cursos que efetivamente formaram professores em 2020, em comparação às licenciaturas em Química e Biologia, tendo mais de um terço de seus cursos sem registro de docentes formados naquele ano, o que de certa forma nos mostra que o índice de evasão escolar na Física é maior do que nas demais licenciaturas. Ainda com relação à Tabela14, se as UF ofereceram a maior quantidade de cursos, foram as IES Privadas que formaram a maior quantidade de docentes – semelhante à Química e a Biologia. O destaque negativo coube aos IF, que eram a segunda classe de IES que mais ofereciam cursos, mas que formaram o menor número de professores (excluindo-se as IES Especiais e Municipais). Essa mesma circunstância também foi observada nas licenciaturas em Química e Biologia em 2020, mas difere um pouco da análise da própria Física em 2019 [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).]. Assim, algum motivo levou à queda no número de formandos em Física nos IF em 2020, mas deixaremos de fazer qualquer comparação porque a crise provocada pela pandemia do Coronavírus (SARS-CoV-2) pode ter tido influência direta nesse cenário.

Os cursos listados na Tabela14 localizam-se no território nacional como mostra a Figura7. No mapa à esquerda da figura notamos, a exemplo das licenciaturas em Biologia e Química, uma forte concentração de cursos nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, com o predomínio dos polos de EaD. Já o mapa da direita traz esses mesmos cursos, agora categorizados segundo a existência ou não de professores formados, e que mostra uma maior formação de professores nessas mesmas regiões.

Redistribuindo os dados da Tabela14 em função da localização e do tipo de administração da IES, obtemos o que é trazido pela Tabela15. Nela, observamos que as IES Privadas são particularmente importantes nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as IES Estaduais, no Nordeste, e as UF, na região Norte. Corroborando a informação trazida anteriormente, percebemos que os IF se destacaram de maneira negativa nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sul, enquanto as IES Privadas tiveram uma baixa formação de professores na região Norte. No Sudeste – região com maior número de professores formados em 2020 – as UF ficaram aquém das demais classes de IES.

Figura 7:
Localização dos cursos presenciais e dos polos EaD das licenciaturas em Física no Brasil em 2020 (E) e localização e classificação das licenciaturas em Física no Brasil, com relação à existência ou não de professores formados (PF) em 2020 (D). Fonte: Autor 1, com dados do INEP.
Tabela 15:
Distribuição do número de cursos e concluintes (Concl) das licenciaturas em Física no Brasil em 2020, segundo a localização e o tipo de administração da IES, em termos absolutos e percentuais.

No panorama geral, os IF eram um quarto dos cursos, mas formaram pouco mais de 15% dos professores, ao passo que as IES Privadas eram um quinto das licenciaturas, e ainda assim formaram mais de um terço dos docentes em Física no Brasil em 2020. Vale lembrar que esse cenário – boa quantidade de formandos pelas IES Privadas e péssima pelos IF – também foi observado nas discussões das licenciaturas em Química e Biologia, representando uma tendência na área de Ciências da Natureza no Brasil em 2020.

4.4.1. O ensino de astronomia na formação inicial de professores de física

Uma vez consultados os sítios eletrônicos das IES que ofereciam cursos de licenciatura em Física em 2022 quanto à presença de disciplinas relativas à Astronomia em seus currículos, associamos essas informações às disponibilizadas pelo INEP e classificamos estes cursos conforme a categorização por nós adotada. Os resultados dessa investigação são mostrados na Tabela16, sinalizados pela escala de cores por nós adotada nos anteriormente, e que indicam uma distribuição bastante homogênea entre a oferta de disciplinas de natureza obrigatória e optativa e a não oferta de disciplinas de Astronomia nas licenciaturas em Física do Brasil, o que se configura no melhor cenário verificado dentre todas as áreas analisadas.

Tabela 16:
Distribuição do número de cursos de licenciatura em Física segundo a oferta (ou não) de disciplinas de Astronomia no Brasil em 2022, em termos absolutos e percentuais.

Em comparação ao estudo desenvolvido anteriormente [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], no qual realizamos pesquisa semelhante quanto à presença de disciplinas relativas à Astronomia nas licenciaturas em Física (no ano de 2020), notamos uma queda na oferta de disciplinas optativas e na não oferta, o que acabou por se traduzir no aumento da quantidade de cursos que ofereciam disciplinas de cunho obrigatório – um ótimo indicativo por sinal, mas que não nos autoriza a afirmar que o crescimento da oferta dessas disciplinas é uma tendência, tendo em vista a pequena amostra temporal envolvida em nossa investigação. De qualquer forma, percebemos um panorama mais favorável em 2022 do que aquele visto em 2020.

A Tabela17 traz o resumo de nossa projeção da quantidade de professores formados que tiveram acesso a essas disciplinas, segundo sua localização e tipo de administração das IES, a exemplo do que fizemos com as licenciaturas em Biologia e Química.

Tabela 17:
Resumo da projeção de professores de Física formados no Brasil em 2020, segundo a localização da IES, o tipo de administração da IES e a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia.

Analisando mais detalhadamente os dados contidos na Tabela17, notamos que mais da metade dos professores formados nas regiões Sudeste e Sul tiveram acesso a disciplinas de Astronomia de caráter obrigatório durante sua formação inicial. O acesso de tal público a disciplinas de natureza optativa se fez sentir mais fortemente na região Nordeste, na qual também se sobressaiu a não oferta, assim como nas regiões Norte e Centro-Oeste. Essas regiões, por sinal, são as que possuem a menor quantidade de espaços não formais de ensino voltados à Astronomia no Brasil [50[50] J.B.V. Marques e D. Freitas, Rev. Latino-Americana de Educação em Astronomia 20, 37 (2015).], onde o Norte e Centro-Oeste têm por volta de apenas uma instituição por milhão de habitantes, enquanto o Sudeste e o Sul possuem mais de três instituições para essa mesma população.

As IES Estaduais mostram um panorama no qual praticamente metade de seus licenciandos tiveram acesso a disciplinas na forma optativa, já que a maioria das IES traziam cursos com disciplinas dessa natureza ou nem as traziam. O reflexo disso é que cerca de apenas um em cada cinco professores de Física formados em 2020 nas IES Estaduais teve acesso a disciplinas de Astronomia de natureza obrigatória. Já nos IF percebemos a situação mais favorável à oferta de disciplinas de Astronomia na formação inicial de professores de Física dentre todas as classes de IES analisadas, uma vez que mais de três quartos dos cursos continham alguma disciplina relacionada à Astronomia em seus currículos. Esse fato possibilitou que mais de 80% dos docentes formados nos IF, em 2020, pudessem ter acesso a tais disciplinas, sendo que mais da metade deles na forma de disciplinas obrigatórias. No entanto, esse contexto teve pouco impacto no cenário nacional, uma vez que os IF tiveram uma baixa formação de professores de Física em 2020, quando comparados às demais classes de IES.

As IES Privadas apresentam um contexto bastante peculiar, no qual a distribuição dos cursos se divide, de forma quase igualitária, entre os que oferecem disciplinas de Astronomia de caráter obrigatório e os que não oferecem nenhuma disciplina, como mostra a Tabela17. Felizmente, a distribuição dos licenciandos que passaram por tais cursos não se deu de modo semelhante, uma vez que mais de 70% deles podem ter cursado disciplinas de natureza obrigatória, e menos de 30% não tiveram a oportunidade de acesso a esses conceitos. Esse cenário vai influenciar muito o resultado final de nossa análise das licenciaturas em Física, já que as IES Privadas formaram o maior contingente de professores de Física no Brasil em 2020 – em sua maioria, na modalidade EaD. Por fim, nas UF os cursos que oferecem disciplinas optativas são maioria, apesar do número de professores lá formados que puderam ter acesso a tais disciplinas ser quase idêntico aos que não tiveram tal possibilidade. Nas UF, cerca de apenas um em cada cinco docentes formados em 2020 teve acesso a disciplinas obrigatórias, mas o número absoluto de licenciandos que podem ter tido acesso às disciplinas de Astronomia durante sua formação inicial ainda foi maior do que nos IF, uma vez que a formação de professores de Física foi baixa nessa classe de IES. A Figura8 localiza e classifica as informações trazidas pela Tabela17, de acordo com o número de professores formados em cada município brasileiro, na qual a maior circunferência equivale, proporcionalmente, a cerca de 70 docentes formados, e a menor, a apenas um.

Figura 8:
Localização dos cursos de licenciatura em Física das IES do Brasil, segundo a oferta de disciplinas relacionadas à Astronomia. Fonte: Autor 1.

Para determinar qual era o enfoque das disciplinas de Astronomia localizadas por nossa pesquisa, analisamos suas ementas e categorizamos as disciplinas de acordo com o seu propósito e sua natureza. Os resultados dessa investigação, trazidos pela Tabela18, mostram que não foi possível determinar o enfoque das disciplinas obrigatórias cursadas por metade dos docentes que puderam ter acesso a elas. Tal circunstância ocorreu pelo fato de que cerca de 95% dos professores enquadrados nessas condições, todos formados na modalidade EaD, eram oriundos de apenas duas IES Privadas, onde o enfoque das disciplinas de Astronomia por elas oferecidas não pode ser identificado, uma vez que tais IES não disponibilizaram as ementas de suas disciplinas. No entanto, a nomenclatura20 20 As disciplinas oferecidas eram denominadas “Cosmologia” e “Introdução à Astronomia e à Astrofísica”. utilizada para designar essas disciplinas nos leva a crer que haveria uma grande chance de elas poderem ser enquadradas no enfoque “Conteúdos de Astronomia”, pois se assemelham, ao menos na nomenclatura, à maioria das disciplinas abrangidas por tal categoria.

Tabela 18:
Classificação das disciplinas de Astronomia oferecidas nos cursos de licenciatura em Física no Brasil em 2022, segundo o enfoque da disciplina, com a quantidade de professores formados.

Encontramos, em nossa busca, 290 disciplinas que de alguma forma se relacionavam com a Astronomia e que eram oferecidas aos alunos dos cursos de licenciatura em Física em 2022 – em média, mais de uma disciplina por curso – com pouco mais da metade delas sendo de natureza optativa. No geral, a maioria dos professores formados em 2020 pode ter tido acesso às disciplinas mais identificadas com a visão conteudista, ainda mais se a elas somarmos as disciplinas que não tiveram seu enfoque determinado e tendem a se aproximar mais da categoria ligada aos conteúdos do que ao Ensino. As disciplinas mistas ou com foco no Ensino de Astronomia representaram uma pequena fração do total de disciplinas e abrangeram uma parcela ainda menor de professores formados, contribuindo assim para formar um panorama distante do desejado, onde disciplinas ligadas aos conteúdos e ao Ensino sejam oferecidas em iguais condições.

4.4.2. Resumo das licenciaturas em física

As licenciaturas em Física formaram o menor contingente de professores no Brasil em 2020, quando comparadas às licenciaturas em Biologia e Química. A prevalência ocorreu nas IES Privadas e na região Sudeste, e um terço dos licenciados foram formados na modalidade EaD.

Em relação à oferta de disciplinas de Astronomia por parte das IES, e ao acesso a elas por parte dos professores de Física formados no Brasil em 2020, nossa projeção aponta que quase 43% dos licenciados podem ter tido acesso a disciplinas de caráter obrigatório (menos de um terço dos cursos), cerca de um quarto podem ter cursado disciplinas optativas (frente a pouco menos de um terço dos cursos), e por volta de 30% não frequentaram nenhuma disciplina de Astronomia durante sua formação (35% dos cursos não ofereciam tais disciplinas). Esses números são apresentados na Figura9, na qual se vê que o percentual de professores que puderam cursar algum tipo de disciplina de Astronomia supera o percentual de cursos que ofereciam essas disciplinas. Isso indica que, talvez por “sorte”, os cursos que ofereciam disciplinas de caráter obrigatório foram os que tiveram uma taxa de formação de professores acima da média das demais IES. Não se pode depender da “sorte”, e defendemos uma oferta ainda maior de disciplinas de Astronomia nos cursos de formação de professores de Física.

Figura 9:
Resumo da relação entre cursos e concluintes das licenciaturas em Física no Brasil em 2020, segundo a natureza das disciplinas de Astronomia oferecidas. Fonte: Autor 1.

Se comparada com os resultados apresentados anteriormente por nós [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).], notamos que o percentual de professores formados que tiveram acesso a disciplinas obrigatórias passou de 24,1% em 2019, para 42,9% em 2020 (aumento de quase 80%); disciplinas optativas, de 35,6% para 26,8% (queda de aproximadamente 25%); e os que não cursaram disciplinas de Astronomia eram 40,3% em 2019, e passaram para 30,3% em 2020 (queda de quase 25%). Todavia, não podemos afirmar que houve avanços no acesso às disciplinas de Astronomia por parte dos professores de Física formados no Brasil entre os anos de 2019 e 2020 – até mesmo porque as duas pesquisas empregaram metodologias diferentes – mas podemos notar que os índices de 2020 trazem um recorte mais atual e fidedigno do Ensino de Astronomia, além do que a oferta de cursos que continham disciplinas de Astronomia em suas grades curriculares aumentou no período considerado.

5. Considerações Finais

Baseados em recorte referente ao ano de 2020, podemos afirmar que as licenciaturas em Física são as que mais oferecem acesso a disciplinas de Astronomia, mas possuem o menor número de concluintes na área das Ciências da Natureza, o que pouco contribui para melhorar o cenário do Ensino de Astronomia no Brasil.

As licenciaturas em Biologia e Química exibiram um panorama semelhante com relação ao Ensino de Astronomia: ambas formaram uma boa quantidade de professores em 2020, mas uma ínfima parcela deles puderam ter acesso a disciplinas de Astronomia em sua formação inicial. Apesar dos antigos currículos escolares dessas disciplinas tradicionalmente não abrangerem conteúdos de Astronomia, com a BNCC, os professores possuidores dessa titulação podem lecionar21 21 Aqui tem-se um exemplo da contradição atual que existe entre a formação disciplinar dos professores e a interdisciplinaridade dos currículos da Educação Básica, observada particularmente do EM. as disciplinas de Ciências (EF) e Ciências da Natureza (EM), onde os assuntos relacionados à Astronomia aparecem em profusão, principalmente na porção que compreende o EM. Com isso, é plausível dizer que sentirão dificuldades no exercício da docência, pois apresentarão lacunas em sua formação inicial – com formação disciplinar, terão que atuar num cenário que preconiza a interdisciplinaridade –, o que pode resultar em insegurança para tratar de temas de Astronomia em sala de aula. Tal fato poderá impactar na formação da base dos saberes experienciais, que para Tardif [16[16] M. Tardif, Saberes docentes e formação profissional (Vozes, Petrópolis, 2014).] são a fonte principal dos saberes docentes; o impacto poderá incluir a construção de táticas que, para sobreviver ao sistema, seria evitar tratar esses temas em sala de aula. O não acesso aos saberes disciplinares também afeta a autonomia docente. Para Contreras [28[28] D.J. Contreras, A Autonomia de professores (Cortez, São Paulo, 2002).], quando o professor se torna autônomo, passa a ser visto como intelectualmente independente, sendo capaz de questionar de maneira crítica suas concepções de ensino e de sociedade, o que os ajuda a fugir de ideias simplistas sobre a prática docente (prática como aplicação de procedimentos, regras e técnicas), e os afastando da concepção positivista de ciência, que sustenta o modelo racionalista técnico, combatido por Contreras.

As licenciaturas em Física formaram, em 2020 (um ano marcado pela pandemia), um contingente de profissionais ainda menor do que o observado em 2019. Se a quantidade de concluintes diminuiu, percebemos que a qualidade da formação melhorou, ao menos na perspectiva de oferta e acesso a disciplinas de Astronomia por parte dos licenciados em Física, uma vez que mais de dois terços deles podem ter tido acesso a elas. Essas disciplinas eram, em sua maioria, mais identificadas com a visão conteudista, ainda que uma parcela delas também possuísse um enfoque que as aproximava do Ensino. A comparação dos resultados dessa investigação com os obtidos anteriormente [30[30] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210173 (2021).] não nos permite afirmar categoricamente que o cenário do Ensino de Astronomia no contexto do Ensino de Física na formação inicial de professores efetivamente avançou, uma vez que os estudos empregaram metodologias distintas. Todavia, temos convicção de que o panorama observado em 2020, tanto na Física quanto na própria área das Ciências da Natureza, reflete muito mais a realidade do Ensino de Astronomia na formação inicial de professores nas IES brasileiras.

Por fim, queremos enfatizar a necessidade e importância de as licenciaturas em Química, Física e Biologia investirem esforços em reestruturações curriculares que visem incluir disciplinas de Astronomia para agregar saberes disciplinares e teóricos, atentando também para aspectos pedagógicos e estratégias inovadoras para ensiná-los na Educação Básica. Indica também a relevância de dar voz às necessidades e lacunas apontadas e aos saberes experienciais dos docentes [16[16] M. Tardif, Saberes docentes e formação profissional (Vozes, Petrópolis, 2014).], bem como à relevância da construção de políticas públicas consistentes de formação inicial e continuada, e que incentivem e possibilitem a reflexão crítica da prática docente [28[28] D.J. Contreras, A Autonomia de professores (Cortez, São Paulo, 2002).]. Se lembrarmos que a observação e interpretação dos céus é uma das curiosidades mais antigas da humanidade, se podendo encontrar registros de acontecimentos astronômicos e cosmológicos desde os povos arcaicos, é incompreensível que estes temas não sejam tratados com o devido cuidado na educação científica da contemporaneidade.

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  • 6
    Os prêmios Nobel de Física dedicados a pesquisas em Astronomia neste século foram os de: 2002, para Raymond Davis Jr. e Masatoshi Koshiba, por contribuições pioneiras à Astrofísica, em particular para a detecção de neutrinos cósmicos, e Riccardo Giacconi, por contribuições pioneiras à Astrofísica, que levaram à descoberta de fontes de raios-x cósmicos; 2006, para John C. Mather e George F. Smoot, pela descoberta da forma do corpo negro e anisotropia da radiação cósmica de fundo em micro-ondas; 2011, para Saul Perlmutter, Brian P. Schmidt e Adam G. Riess, pela descoberta da expansão acelerada do Universo através de observações de supernovas distantes; 2017, para Rainer Weiss, Barry C. Barish e Kip S. Thorne, por contribuições decisivas para o detector LIGO e a observação de ondas gravitacionais; 2019, para James Peebles, por descobertas teóricas em Cosmologia Física, e Michel Mayor e Didier Queloz, pela descoberta de um exoplaneta orbitando uma estrela do tipo solar; 2020, para Roger Penrose, pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria geral da relatividade, e Reinhard Genzel e Andrea Ghez (a única mulher da lista), pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia. Disponível em https://www.nobelprize.org/prizes/physics/. Acesso em 03/10/2021.
  • 7
    Essas licenciaturas geralmente são denominadas “Ciências da Natureza”, e podem habilitar seus licenciandos em alguma disciplina específica da área das Ciências Exatas, como Física, Química, Biologia e/ou Matemática, além de habilitação com ênfase em Ciências nas modalidades de Educação do Campo, Educação Indígena e Educação Quilombola.
  • 8
    Segundo a BNCC, ao longo dos nove anos do EF, os estudantes devem desenvolver um total de 21 habilidades relacionadas diretamente à Astronomia, distribuídas em 17 objetos de conhecimento contidos na Unidade Temática Terra e Universo, sendo sete objetos de conhecimento e nove habilidades apenas nos Anos Finais do EF. Já no EM, encontramos apenas uma competência específica e três habilidades identificadas com a Astronomia.
  • 9
    Um exemplo de saberes disciplinares tidos como essenciais em Astronomia pode ser encontrado em [25[25] R. Langhi e R. Nardi, Revista Ensaio 12, 205 (2010).]. Outra fonte de saberes essenciais pode ser encontrada na publicação denominada Big Ideas in Astronomy, da União Astronômica Internacional (International Astronomical Union – IAU), que contém uma série de conceitos astronômicos considerados básicos. Disponível em https://www.iau.org/static/archives/announcements/pdf/ann19029a.pdf. Acesso em 23/01/23.
  • 10
    Lei no 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em 22/04/23.
  • 11
    Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 20/08/21.
  • 12
  • 13
  • 14
  • 15
    As IES cuja administração pertence à esfera Federal foram divididas em duas categorias distintas: as Universidades Federais (UF) e os Institutos Federais (IF). Elas foram consideradas separadamente por motivos históricos, organizacionais e funcionais, que diferem entre si. Os dados referentes aos IF também englobam os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) do RJ e de MG. Já as IES cuja administração pertence à iniciativa privada não foram diferenciadas quanto à finalidade de lucro – confessionais e/ou filantrópicas.
  • 16
    A quantidade de concluintes dos cursos de formação de professores de Física no Brasil em 2020 que consideramos para fins desta pesquisa difere da trazida pelo INEP. Identificamos que uma IES classificou os concluintes de um curso de formação pedagógica de Licenciatura em Educação Profissional e Tecnológica na modalidade EaD – que pela natureza do curso não possui código e-MEC – como concluintes do curso de licenciatura em Física daquela IES. Cursos de complementação pedagógica são voltados a quem já concluiu o ensino superior, na forma de bacharelado ou superior de tecnologia, de modo que possam exercer o magistério da educação profissional em todos os seus níveis e modalidades – e nada têm a ver com uma licenciatura em Física. Para maiores informações, consultar Autor 1 (2022).
  • 17
  • 18
    Ainda que, pela nomenclatura da disciplina, ela esteja mais identificada com a visão conteudista do que com metodologias de ensino e aprendizagem.
  • 19
    Juntamente com a IES Especial, onde seu único curso também teve professores formados.
  • 20
    As disciplinas oferecidas eram denominadas “Cosmologia” e “Introdução à Astronomia e à Astrofísica”.
  • 21
    Aqui tem-se um exemplo da contradição atual que existe entre a formação disciplinar dos professores e a interdisciplinaridade dos currículos da Educação Básica, observada particularmente do EM.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2023
  • Aceito
    03 Maio 2023
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