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Princípios fisicos básicos do exame de tomografia de coerência óptica

Basic physical principles of the optical coherence tomography examination

Resumos

Tomografia por coerência óptica (OCT – sigla referente a optical coherence tomography) é um exame de imagem não invasivo, capaz de gerar análises da seção transversal de tecidos biológicos. O exame de OCT gera imagens a partir da luz refletida e retroespalhada pelos materiais, possuindo diversas aplicações em várias áreas da saúde, como na oftalmologia, cardiologia e gastroenterologia por exemplo. O escopo deste texto é apresentar de forma didática os princípios do funcionamento da tomografia obtida através de fontes de luz coerentes.

Palavras-chave:
Ensino; tomografia de coerência óptica; técnicas de imagem.


Optical coherence tomography (OCT) is a non-invasive imaging modality capable of generating cross-sectional analysis of biological tissues. The OCT generates images from light reflected and backscattered by the materials, having several applications in various areas of health, such as ophthalmology, dermatology and dentistry, for example. The scope of this text is to present in a didactic way the principles of the operation of tomography obtained through coherent light sources.

Keywords:
Teaching; optical coherence tomography; imaging techniques


1. Introdução

As técnicas de exame médico através de imagens tiveram um grande desenvolvimento durante o século XX. Desde as primeiras radiografias até as atuais técnicas de tomografias, as imagens do interior do corpo humano em muito auxiliam nos diagnósticos médicos. Esta técnica de análise de imagens, que inicia o seu desenvolvimento na década de 70 do século anterior, rapidamente evoluiu e se tornou um importante exame oftalmológico das estruturas internas do olho, onde permitiram a análise de estruturas no interior do corpo humano sem utilizar a radiação como nos exames de raio x. Inicialmente, esse exame era capaz de produzir cortes transversais de tecidos biológicos, com uma resolução axial até 15 micrômetros [1[1] D. Huang, E.A. Swanson, C.P. Lin, J.S. Schuman, W.G. Stinson, W. Chang, M.R. Hee, T. Flotte, K. Gregory, C.A. Puliafito e J.G. Fujimoto, Science 254, 1178 (1991)., 2[2] B.E.A. Saleh e M.C. Teich, Fundamentals of photonics (John Wiley & Sons, New York, 1991).]. Esse exame mudou a forma como diagnosticamos e tratamos doenças como glaucoma, retinopatia diabética, degeneração de mácula e buraco de mácula.

O exame OCT gera imagens a partir da luz retroespalhanda de uma maneira análoga ao exame de ultrassom. Nesses exames, conhecendo o tempo que a onda leva para percorrer o caminho de ida e volta e a velocidade da onda, podemos calcular a distância entre a estrutura avaliada e o ponto de emissão da onda, esse é o princípio de funcionamento do ultrassom, onde a velocidade de propagação da onda acústica é da ordem de 1.435 m/s na água [1[1] D. Huang, E.A. Swanson, C.P. Lin, J.S. Schuman, W.G. Stinson, W. Chang, M.R. Hee, T. Flotte, K. Gregory, C.A. Puliafito e J.G. Fujimoto, Science 254, 1178 (1991).]. Já para as imagens de tomografia óptica, para medidas de estruturas da ordem de micrometros, os tempos de voo seriam da ordem de dezenas de femtosegundos (10-15s), pois a velocidade da luz é c=3×108m/s no vácuo, ou na água 3/4 dessa velocidade. Para essas velocidades de propagação das ondas eletromagnéticos (luz) fica inviável uma medida de tempo de voo, de forma direta. É utilizada uma outra propriedade da luz: a interferência. As imagens com resolução de até 10 micrômetros indicam com precisão as estruturas da retina dos pacientes [3[3] M. Wojtkowski, V. Srinovasan, T. Ko, J. Fujimoto, A. Kowalczyk e J. Duker, Optics Express 12, 2404 (2004).] (Figura1). O escopo deste texto será apresentar de forma didática os princípios do funcionamento da tomografia obtida através de fontes de luz de baixa coerência.

Figura 1:
Secção transversal do exame de OCT de mácula de um paciente sem alterações. Nessa imagem podemos perceber a retina neurossensorial (1) e a coroide (2).

A atual geração de equipamentos de OCT permite realizar imagens que representam cortes transversais da retina com uma resolução de até 3 micrômetros de forma não invasiva, compatível de uma biopsia in vivo e em 3 dimensões, alé de não utilizar radiação ionizante, como por exemplo os exames de tomografia que utilizam raios X. Esses aparelhos podem realizar até 26 mil varreduras por segundo, aumentando a definição da imagens e permitindo imagens em tempo real [3[3] M. Wojtkowski, V. Srinovasan, T. Ko, J. Fujimoto, A. Kowalczyk e J. Duker, Optics Express 12, 2404 (2004).].

Podemos determinar as imagens por uma combinação de refletividades desses tecidos, ou do coeficiente de espalhamento das estruturas. Na Figura1, temos a imagem de uma retina de um paciente, onde podemos observar a retina neurossensorial, responsável por converter a imagem em impulsos elétricos, que são transmitidos ao cérebro pelo nervo ótico. Podemos também identificar a coroide, cuja principal função é suprir a retina com oxigénio e nutrientes [4[4] A. Pifer e K.M. Aurani, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 1603 (2015)., 5[5] C.H. Krinsky, Journal of the Warburg and Courtauld Institutes 30, 36 (1967).].

2. Conceitos fundamentais

2.1. O que é uma onda?

A luz tem um comportamento dual, podendo ser tratada como partícula ou como uma onda. Neste trabalho, trataremos do comportamento ondulatório da luz. Entretanto, antes de entendermos o que são fontes de luz com algum grau de coerência, como as que são usadas no exame de OCT, precisamos saber o que vem a ser uma onda.

As ondas mecânicas se propagam através de meios materiais sólidos, líquidos ou gasosos, que é o caso das ondas utilizadas no ultrassom cuja velocidade é de v=320m/s no ar. Já na tomografia óptica as ondas em questão são as ondas eletromagnéticas, que não necessitam de meio material para se propagarem e cuja velocidade é uma constante com valor: c=3×108m/s, no vácuo, sendo menor em meios materiais, dependendo do seu índice de refração. A velocidade da luz terá valor constante em um meio homogêneo.

Uma onda eletromagnética é uma onda transversal, o que significa que as oscilações dos campos elétrico e magnético são perpendiculares à direção de transferência e deslocamento de energia, ou seja à direção de propagação da onda. As componentes elétrica e magnética do campo têm uma proporção fixa de intensidades para satisfazer as equações de Maxwell que especificam como uma é produzida a partir da outra. Esses campos E e B também estão em fase, com ambos atingindo máximos e mínimos nos mesmos pontos no espaço (Figura2).

Figura 2:
Representação dos campos elétrico e magnético de uma onda eletromagnética se propagando na direção x.

A tomografia por coerência óptica depende apenas das características ondulatórias da luz, vamos nos restringir a esse seu aspecto. Para simplificar, sem comprometer o entendimento do problema nem perder sua generalização, vamos considerar apenas a oscilação do campo elétrico de uma onda eletromagnética, que consideramos harmônica ou sinusoidal. Usando a fórmula de Euler

(1) e - i x = cos ( x ) + i s e n ( x )

podemos escrever

(2) E ( r , t ) = E 0 e - i ( ω t - k r )

onde E(r,t) é o campo elétrico num ponto r do espaço num instante de tempot, E0 é a amplitude do campo elétrico, ω é a frequência angular (ω=2πν), com ν a frequência linear, e k é o número de onda (k=2π/λ), com λ o comprimento de onda. O campo elétrico também pode ser representado na sua componente real por:

(3) E ( r , t ) = E 0 cos ( ω t - k r )

O campo tem um comportamento periódico quer no tempo quer no espaço como facilmente observa se considerarmos na equação acima.

Um importante conceito a ser abordado aqui, é a superposição ou soma de campos elétricos. Dependendo da diferença de fase entre os dois campos poderemos ter uma interferência construtiva, destrutiva ou parcial (Figura3).

Figura 3:
Em preto, representação da superposição, campo resultante, das duas funções sinusoidais com igual amplitude, representadas em azul e vermelho. Quando há uma diferença de fase bem pequena entre elas, painel superior esquerdo, a amplitude da soma dos dois sinais é praticamente igual à soma das amplitudes; na medida em que elas vão se defasando, a amplitude da soma é reduzida (painéis superior direito e inferior esquerdo). Quando a diferença de fase se aproxima de 180, painel inferior direito, a interferência é quase totalmente destrutiva.

Vamos considerar dois campos elétricos E1 e E2 dados por:

(4) E 1 ( r , t ) = E 0 cos ( ω t - k r 1 ) e E 2 ( r , t ) = E 0 cos ( ω t - k r 2 )

O campo resultante da soma dessas duas ondas, considerando aqui somente a componente x, sem perda de generalidade, será dado por:

ER(x,t)=E1(x,t)+E2(x,t), ou seja, é a simples superposição dos campos. É essa propriedade que dá origem à interferência de duas ou mais ondas.

3. Interferômetro de Michelson-Morley

Entre abril e julho de 1887, Albert Michelson (1852–1931) e Edward Morley (1838–1923) desenvolveram um instrumento que, através da interferência de duas ondas monocromáticas coerentes, serviu para investigar a possível existência de um meio material para a propagação da luz. Neste tipo de interferômetro, como o mostrado na Figura4, um feixe de luz incide num espelho com refletividade típica de 50% para incidência a 45 (M0). Este espelho é conhecido como divisor de feixe, e divide a luz em dois feixes em fase e ortogonais. Cada um desses feixes incide num espelho, M1 ou M2, sendo um fixo e o outro móvel, onde serão retrorefletidos ao divisor de feixe [3[3] M. Wojtkowski, V. Srinovasan, T. Ko, J. Fujimoto, A. Kowalczyk e J. Duker, Optics Express 12, 2404 (2004)., 6[6] A. Cassini e L. Levinas, Scientiae Studia 3, 357 (2005).] (Figura4).

Figura 4:
Interferômetro de Milchelson-Morley onde S é a fonte de luz, M0 é o divisor de feixe, M1 e M2 são espelhos retrorefletores, x1 e x2 é a distância entre os espelhos e o divisor de feixe, e B é um detector.

Sendo S a fonte de luz seu campo elétrico pode ser descrito pela Equação5:

(5) E ( r , t ) = E 0 e - i ( ω t - k r )

Em cada um dos braços do interferômetro teremos:

(6) E 1 = E 0 2 e - i ( ω t - k r 1 ) e E 2 = E 0 2 e - i ( ω t - k r 2 )

Em qualquer ponto do espaço, o campo elétrico resultante será a soma dos dois campos, E1 e E2. Entretanto, detectores usuais de sinais eletromagnéticos na faixa de frequência correspondente à luz (incluindo nossos olhos) não conseguem medir a amplitude de um sinal, mas, sim, sua intensidade e esta é proporcional ao módulo do quadrado do campo elétrico resultante (Figura5):

(7) I | E | 2 = | E 1 + E 2 | 2 = ( E 1 + E 2 ) ( E 1 * + E 2 * )

Figura 5:
Gráfico da intensidade do campo resultante no detector em função da diferença de caminho óptico.

Considerando a dependência temporal na forma e-iωt, vemos que ela é cancelada (veja equação (1)). Assim, a intensidade da onda eletromagnética depende apenas da posição e é dada por

(8) I = E 0 2 2 { 1 + cos [ 2 k ( x 2 - x 1 ) ] }

onde assumimos, por simplicidade mas sem perda de generalidade, o versor k na direção x, tal que kr=kx sendo k=2πλ, com λ o comprimento de onda.

Desta forma, teremos interferência construtiva quando a seguinte condição for satisfeita:

(9) cos [ 2 k ( x 2 - x 1 ) ] = 1 ( x 2 - x 1 ) = n λ 2

E interferência destrutiva quando:

(10) cos [ 2 k ( x 2 - x 1 ) ] = - 1 ( x 2 - x 1 ) = ( 2 n + 1 ) λ 4

As distâncias 2x1 e 2x2, correspondendo ao percurso de ida e volta são definidas como caminho óptico. Caso a diferença entre os caminhos ópticos entre as duas ondas que saem do divisor de feixes (2(x2-x1)) seja igual a um múltiplo inteiro do comprimento de onda os feixes estarão em fase, logo interferem de forma construtiva (Figura6).

Figura 6:
Cortes transversais da tomografia de coerência óptica. (na verdade esse conceito vale para qualquer tomografia).

No interferômetro, quando utilizamos uma fonte de luz com comprimento de onda previamente conhecido o valor do deslocamento relativo do espelho móvel poderá ser determinado através da observação de interferências construtivas que se sucedem no anteparo.

Uma característica relevante de uma onda é seu comprimento de coerência. Uma onda que se propaga ao longo de uma direção, digamos x, cuja amplitude pudesse ser descrita por uma função senoidal do tipo seno(kx-ωt) para todo o valor x, teria um comprimento de coerência infinito. Mas ondas reais não têm tal característica; elas não têm uma forma exata e suavemente senoidal em todo o espaço e durante todo o tempo. Uma forma de caracterizar o grau de coerência de uma onda é definir uma distância para a qual ela pode ser razoavelmente descrita por uma função senoidal, mas na medida em que a distância entre dois pontos aumenta, essa descrição vai perdendo a validade. Ondas com grandes comprimentos de coerência têm comprimento de onda e frequência bem definidos, como ocorre com a luz emitida por alguns lasers ou o som produzido por uma flauta enquanto ela permanecer sendo soprada. Por outro lado, a luz emitida por uma lâmpada incandescente ou o som produzido pela batida em um tambor têm um comprimentos de coerência menores e apresentando várias frequências ou comprimento de onda.

Uma forma usual de caracterizar o grau de coerência de uma onda é pela chamada largura de banda, ou seja, uma medida de quantas diferentes frequências estão misturadas em uma determinada “onda”. Por exemplo, enquanto a luz vermelha de um laser de Hélio-Neônio pode ser composta basicamente por uma mistura de ondas com praticamente a mesma frequência, a luz vermelha emitida por um semáforo de trânsito é, de fato, uma mistura de vários comprimentos de onda que enxergamos como vermelho.

As equações acima são válidas quando utilizamos uma fonte com comprimento de onda muito bem definido, como um laser de largura de banda estreita, ou seja, com uma mistura de ondas dentro de uma faixa estreita de frequência, como é a maioria dos lasers. Mas quando utilizamos uma fonte de luz com grande largura de banda, ou seja, que apresenta uma distribuição de comprimentos de onda em torno de um valor central, o processo de interferência fica um pouco diferente. Nesse caso, ainda temos máximos e mínimos, mas agora a intensidade depende também fortemente da posição relativa dos espelhos M1 e M2. Isso ocorre por causa do comprimento de coerência da luz, como veremos adiante.

4. Tomografia por coerência óptica (OCT)

4.1. O que é uma tomografia?

As tomografias são imagens bidimensionais de objetos tridimensionais. Essas imagens são obtidas através de cortes transversais do corpo examinado. Por exemplo, dois objetos no interior de uma caixa, um cubo e um cilindro, através de uma varredura iremos obter uma sequência de imagens planas, as quais, em conjunto, permitirão construir uma imagem tridimensional do conteúdo da caixa. A imagem da tomografia é formada por cortes transversais de diferentes espessuras (ΔL) (Figura6) [7[7] A. Invernizzi, M. Cozzi e G. Staurenghi, Clin Exp Ophthalmol. 47, 357 (2019).].

Uma onda ao incidir em uma interface pode ser refletida ou refratada. O poder refletor da superfície determina que parte da energia transportada será refletida. Por exemplo, quando 4 em cada 100 unidades de energia transportada pela luz que incide na interface é refletida, dizemos que a superfície tem 4% de refletância. Logo, nesse caso, 96% da energia segue para o segundo meio.

A refletância de uma superfície permanece quase constante para baixos ângulos de incidência, e aumenta rapidamente para ângulos maiores que 60 graus. Quando a luz se propaga de um meio A para outro meio B, tal que sua velocidade em B é maior que em A, poderá ocorrer a reflexão total da energia incidente. Esta ocorrerá sempre que o ângulo de incidência for maior que um valor limite. Por exemplo, a luz no interior da água somente emerge para o ar quando o ângulo de incidência for menor que 48,8, o valor do ângulo limite. No ar a velocidade da luz é maior que a velocidade da luz na água. O som, diferente da luz, no ar tem uma velocidade menor que na água. Logo, a reflexão total do som ocorre quando este se propagando no ar incide na água. Para produzir imagens do interior do corpo humano utilizando ultrassom, a fim de impedir a reflexão total e miminizar a reflexão na superfície, submergimos o transdutor ultrassônico1 1 Transdutores ultrassônicos são dispositivos que transformam um tipo de energia em ondas de ultrassom. no interior de um gel. O mesmo não ocorre quando utilizamos ondas de luz porque sempre no ar a velocidade luz tem o maior valor. Logo, não existirá valor limite para os ângulos de incidência da luz nos tecidos. Na tomografia óptica apenas nos preocupamos com o poder que os tecidos têm de absorver e espalhar a energia da luz, o que trataremos a seguir. Entretanto em alguns casos na tomografia por coerência óptica também utilizamos um gel, para minimizar a reflexão da supeefície do tecido, realizando o que é conhecido como index matching (casamento do índice de refração).

4.2. Interação da luz com o meio

Em março de 1995, Arjun Yodh e Britton Chance, publicaram em Physics Today [8[8] A. Yodh e B. Chance, Physics Today 48, 34 (1995).] o artigo Spectroscopy and Imaging with Diffusing Light. Nesse artigo estão relatados os resultados obtidos de medidas da absorção da luz em diferentes tecidos biológicos. Como conclusão do estudo, ficou determinado que as ondas de luz são mais penetrantes nos tecidos quando seus comprimentos estão compreendidos entre 700 nm e 900 nm. Considerando que 700 nm é a faixa da frequência da cor vermelha, concluímos que a radiação infravermelha próxima é a mais adequada para ser utilizada nas fontes de luz dos tomógrafos ópticos.

Os fótons de luz no interior de um tecido têm uma trajetória errática. Assim sendo, o espalhamento, além da absorção, serão as causas que limitam a penetração da luz no interior dos tecidos.

4.3. A fonte de luz do tomógrafo

As fontes de luz utilizadas nos tomógrafos ópticos emitem luz na região do espectro eletromagnético do infravermelho próximo, que se estende dos 700 nm aos 1400 nm. No caso da OCT essa fonte de luz deve possuir grande largura de banda a fim de possuir baixa coerência temporal, permitindo uma alta resolução espacial na geração das imagens.

Uma fonte de luz monocromática, como uma onda com amplitude constante que se estende infinitamente através do espaço não existe. Essa é uma idealização teórica que vale enquanto uma simplificação da realidade. Uma fonte real não é monocromática. Ao invés de emitir uma única frequência νo ou comprimento de onda, posto que ν0=cλ, portanto, no lugar de emitir um único valor νo de frequência a fonte emite um intervalo de valores: (νo±Δν). A Figura7, a seguir, seria um melhor modelo didático para representar uma fonte de luz monocromática teórica e quase monocromática, de frequência νo ou comprimento de onda λ0 (Figura7)

Figura 7:
Γ(ΔL,ν1,ν2) é a intensidade resultante da fonte de luz que emite dois diferentes comprimentos de onda ou frequências, com fase relativa ΔL constante.

Com auxílio do analisador harmônico verificamos que a voz do cantor, diferente do diapasão, é composta por um conjunto de harmônicos com frequências e amplitudes diferentes (Figura8).

Figura 8:
Representação de um analisador harmônico.

Na fonte de luz real, ondas com frequências e as amplitudes diferentes produzem uma onda resultante complexa. Nos tomógrafos ópticos as fontes de luz têm espectro largo comparado a um laser convencional, ou curto se comparado com o de uma lâmpada. Nos tomógrafos óticos, o intervalo de frequências é formado por frequências com valor muito próximo do valor central νo. O conjunto produz uma onda resultante com a forma de um pulso de onda que tem amplitude variável, como mostra Figura9.

Figura 9:
Γ(ΔL,ν1,ν2,,ν7) é a intensidade da fonte de luz de espectro curto (ν0±Δν). A onda resultante tem a forma de um pulso, em azul.

O pulso emitido pela fonte tem velocidade de fase (vf) e velocidade de grupo (vg), que é a velocidade da onda que modula a onda de frequência ωo emitida pela fonte. No vácuo a velocidade de grupo é igual a velocidade de fase. Porém, nos meios dispersivos2 2 As ondas de luz se propagam com um mesmo valor de velocidade apenas no vãcuo. No entanto, em todos os outros meios ópticos o valor velocidade da luz depende da frequéncia da onda. Por essa razão, com exceção do vãcuo, todos os meios são denominados dispersivos. a velocidade de fase é maior que a velocidade de grupo. A dispersão é considerada anômala quando a velocidade do grupo é maior que a velocidade de fase. Para simplificar, vamos desprezar a existência de meios dispersivos no interior do tomógrafo. Logo, a velocidade de grupo e de fase serão iguais no pulso de onda emitido pela fonte.

4.4. Medida da distância que separa duasinterfaces

Em um interferômetro de Michelson-Morley vamos considerar que a fonte emite um pulso de onda que é transformado em dois pulsos com baixa coerência3 3 Para uma fonte monocromãtica os dois pulsos seriam perfeitamente coerentes. Mas, como o pulso é formado por um espectro estreito de frequéncias, esta fonte é considerada de baixa coeréncia. no divisor de feixes (Mo). Esses pulsos seguem até as interfaces dos espelhos, M1 e M2, onde são refletidos de volta ao divisor de feixe (Figura4). Agora, considere que no lugar do espelho fixo M2 do interferômetro de Michelson-Morley colocamos uma lâmina de faces paralelas4 4 Uma lâmina de vidro com faces paralelas é formada por duas interfaces. , com espessura x, maior que o comprimento de coerência da fonte, como mostra a Figura10. Com a lâmina fixa nessa posição movimentamos o espelho móvel até que sejam iguais as distâncias da lâmina e do espelho móvel ao divisor de feixes [9[9] F. Catelli e S. Vicenzi, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 2, 350 (2004).].

Figura 10:
Interferômetro de Michelson-Morley utilizado para determinar a espessura de uma lâmina de faces paralelas.

Os pulsos após refletidos no espelho móvel e nas interfaces da lâmina retornam ao divisor de feixe. Como a distância do espelho móvel ao divisor de feixe foi igualada a da primeira interface da lâmina, apenas o pulso refletido nesta interface irá interferir de forma construtiva na trajetória que os conduz do divisor de feixe ao anteparo. A seguir, após observar no anteparo a primeira interferência construtiva, o espelho móvel é afastado do divisor de feixe até que, finalmente, a sua distância ao divisor de feixe se iguale a distância da segunda interface da lâmina ao divisor de feixe. A nova posição do espelho móvel provoca o reaparecimento no anteparo de outra interferência construtiva. A medida do deslocamento do espelho móvel é a medida da espessura da lâmina de faces paralelas (Figura10).

Figura 11:
Interferômetro de Michelson-Morley.

Dando ao espelho móvel um deslocamento com velocidade constante teremos controle sobre o tempo que separa as duas interferências construtivas. Ao substituir o simples anteparo por um sistema adequado de detecção poderemos obter a imagem dos pulsos ao longo do eixo do tempo, que, devido à velocidade constante do espelho móvel, é proporcional à distância axial. Como veremos a seguir, este será o princípio de funcionamento do Tomógrafo de Coerência Óptica no Domínio Temporal (TD-OCT) (Figura11).

Figura 12:
No TD-OCT o deslocamento do espelho móvel ocorre para igualar o comprimento dos caminhos ópticos.

4.5. Tomografia de Coerência Óptica no Domínio do Tempo (TD-OCT)

Em 1989, John Apostolopoulos, aluno de graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT), realizou medidas axiais em profundidade do olho humano utilizando um interferômetro. Nesta época, tais medidas eram feitas utilizando pulsos de ondas emitidos por fontes de elevado custo. No entanto, Apostolopoulos inovou quando passou a usar como fonte de luz no interferômetro diodos emissores de luz (LED), o que em muito diminuiu o custo da fonte [10[10] B.V. Bui, L.E. Downie e R.G. Lindsay, Clinical & Experimental Optometry 102, 193 (2019).].

No início da década de 90, no Massachusetts Institute of Technology, o médico David Huang, orientado em seus estudos por James Fujimoto, propõe uma modificação no projeto original de Apostolopoulos. No lugar de simples medidas axiais para determinar a distância entre interfaces no interior do olho, Huang propõe que fossem feitas sobre uma mesma interface diversas medidas através de varreduras verticais e horizontais. Com esse conjunto de medidas uma imagem da interface poderia ser construída. Em novembro de 1991, os resultados dessa pesquisa foram publicados na revista Science com o título Optical Coherence Tomography. Ainda hoje, esse artigo com apenas três páginas é considerado o início da (TD-OCT) [1[1] D. Huang, E.A. Swanson, C.P. Lin, J.S. Schuman, W.G. Stinson, W. Chang, M.R. Hee, T. Flotte, K. Gregory, C.A. Puliafito e J.G. Fujimoto, Science 254, 1178 (1991).].

As primeiras imagens obtidas com a tomografia de tecidos de retina foram comparadas com os próprios cortes histológicos. A comparação tornava evidente que estava surgindo uma nova técnica de exame do fundo do olho.

Em 1996, o fabricante ZEISS começou a comercializar (TD-OCT). Inicialmente tiveram pouca aceitação pela comunidade médica. Em resposta à pouca aceitação do tomógrafo o fabricante lançou em 2000 um segundo modelo. Novamente, houve pouca aceitação do equipamento. Este fato levou o fabricante a pensar em desistir do projeto. No entanto, James Fujimoto insistiu com o fabricante a persistir nas pesquisas e não abandonar o projeto. Em 2002, ZEISS lançou o Stratus OCT um tomógrafo OCT no domínio do tempo que permitia 400 varrimentos axiais por segundo. A partir de então o OCT tornou-se uma ferramenta clínica importante, com o número acumulado de exames a ultrapassar os 10 milhões em 2004 (Fujimoto J, Swanson E., 2016). Rapidamente surgiram diversos fabricantes competindo neste novo mercado e encontros e congressos passaram a ser oferecidos à comunidade médica [11[11] R. Rau, A.L.F. Silva, A.L.A. Salame e L.A.S. Melo Junior, Revista Brasileira de Oftalmologia 71, 380 (2012).]

4.6. TCO no domínio de Fourier (FD-OCT ou SS-OCT)

Em 2006, foi lançado no mercado o primeiro OCT de domínio Fourier. Esta nova tecnologia, que veio a ser a tecnologia dominante, utilizava um espelho de referência fixo e um detetor multipixel, realizando a aquisição do padrão de interferência no domínio da frequência. Tal permitia ganhos consideráveis de velocidade de aquisição e de sensibilidade.

Após essas inversões no sentido das marchas ambos retornam ao divisor de feixes onde devem entrar em fase para que haja interferência construtiva entre as ondas a eles assemelhadas. No entanto, para que a marchas cadenciadas estejam em fase será necessário que a diferença entre os dois caminhos ópticos percorrido pelos gêmeos seja um múltiplo inteiro de um comprimento de onda. Inicialmente o comprimento dos caminhos ópticos não tem necessariamente o mesmo comprimento. O movimento do espelho móvel ocorre até que finalmente ocorra a igualdade e, consequentemente, uma interferência construtiva seja observada no anteparo. Para cada nova interface que será escaneada o espelho móvel será reposicionado a fim de igualar o comprimento dos caminhos ópticos. O deslocamento do espelho móvel é igual a medida axial da distância que separa as duas interfaces (x1=x2) (Figura12).

Agora vamos considerar que por alguma razão o espelho móvel perdeu sua mobilidade se transformando num espelho fixo. Além disso, também vamos considerar que existe uma interface cuja distância ao divisor de feixes é maior que a do espelho fixo e a diferença dos caminhos ópticos é menor que um comprimento de onda, como mostra a Figura13. Nesse caso, as frentes das duas ondas que retornam ao divisor de feixes não estarão em fase e, consequentemente, não haverá interferência construtiva entre as ondas, o que também podemos chamar de interferência destrutiva. Como poderemos voltar a ter uma interferência construtiva mantendo o espelho fixo?

Figura 13:
Com espelho fixo, quando a diferença entre o comprimento dos caminhos ópticos é menor que um comprimento de onda não será possível observar interferência construtiva no anteparo do interferômetro, também podemos chamar de interferência destrutiva.

A interferência construtiva ocorre entre ondas que têm a mesma frequência e estão em fase.

Basicamente existem 3 tipos de OCTs, os que se baseiam no domínio temporal (TD-OCT do inglês time domain), onde o espelho de referência se move no tempo, no domínio de Fourier FD-OCT que utiliza o espelho de referência fixo, mas pode ser implementado com um detector de análise de frequência (espectrômetro) ou realizando uma varredura em frequência da fonte e utilizando um detector simples [12[12] S. Komma, J. Chhablani, M.H. Ali, C.S. Garudadri, S. Senthil, BMJ Open Ophthalmol. 4, e000258 (2019)., 13[13] J. Fujimoto e E. Swanson, Invest Ophthalmol Vis Sci. 57, OCT1 (2016)., 14[14] J.L.P. Santos, Estudo do potencial tecnológico de materiais alternativos em absorção sonora (Editora da UFSM, Santa Maria, 2005).]. Nesse caso, entre muitas frequências emitidas pela fonte haverá uma onda que tenha comprimento de onda igual a diferença dos caminhos ópticos. Para essa frequência será observado sobre o anteparo uma interferência construtiva. Assim sendo, para cada interface haverá uma frequência que produz uma interferência construtiva. No detector do OCT o sinal é composto pela somatória de todas as frequências contínuas na fonte (veja Figura13).

5. Conclusão

A partir do interferômetro de Michelson-Morley foi possível obter os princípios físicos que deram origem a tomografia de coerência óptica (OCT), a qual vem se tornando atualmente uma das principais técnicas de exame não invasivo que permite o diagnóstico de diversas doenças oftalmológicas e sistêmicas que afetam a retina e o nervo óptico, além de outras áreas de interesse, como na cardiologia, gastroenterontologia, dermatologia e odontologia, para citar algumas.

Agradecimentos

Otaviano Helene pela colaboração.

Referências

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    D. Huang, E.A. Swanson, C.P. Lin, J.S. Schuman, W.G. Stinson, W. Chang, M.R. Hee, T. Flotte, K. Gregory, C.A. Puliafito e J.G. Fujimoto, Science 254, 1178 (1991).
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  • 1
    Transdutores ultrassônicos são dispositivos que transformam um tipo de energia em ondas de ultrassom.
  • 2
    As ondas de luz se propagam com um mesmo valor de velocidade apenas no vãcuo. No entanto, em todos os outros meios ópticos o valor velocidade da luz depende da frequéncia da onda. Por essa razão, com exceção do vãcuo, todos os meios são denominados dispersivos.
  • 3
    Para uma fonte monocromãtica os dois pulsos seriam perfeitamente coerentes. Mas, como o pulso é formado por um espectro estreito de frequéncias, esta fonte é considerada de baixa coeréncia.
  • 4
    Uma lâmina de vidro com faces paralelas é formada por duas interfaces.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2023
  • Revisado
    21 Maio 2023
  • Aceito
    03 Jul 2023
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