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Desenvolvimento de uma máquina de raios X, um detector Geiger e um goniômetro de baixo custo para estudo sobre raios X

Development of an X-ray machine, a Geiger detector and a goniometer of low-cost to study X-rays

Resumos

Nesse trabalho é relatado o desenvolvimento de uma máquina de raios X de baixo custo para fins didáticos, a obtenção e análise de radiografias de objetos variados, bem como a construção de um contador Geiger-Müller e um goniômetro, para estudos sobre difração, absorção. O equipamento é composto por partes reutilizadas de dispositivos eletrônicos obsoletos, sendo necessário apenas, a aquisição de uma ampola Geiger-Müller e de alguns componentes para confecção do sensor de raios X e do oscilador, utilizado para elevar a tensão no transformador. Todo o dispositivo pode ser custeado com cerca de $250,00. Foram realizadas medidas para caracterização do equipamento como a contagem do número de fótons de raios X emitidos. Com o equipamento foram possíveis a obtenção de radiografias e alguns estudos sobre absorção de raios X. Observou-se que para análises quantitativas de maior confiabilidade envolvendo difração e absorção é necessário a substituição da ampola alternativa utilizada por uma industrial de baixo custo, mas mantendo toda estrutura desenvolvida. Mesmo não tento produzido os resultados esperados para estudos mais precisos de difração e absorção, os dispositivos construídos mostraram-se muito eficientes para fins didáticos envolvendo raios X.

Palavras-chave:
Radiação ionizante; Obtenção de radiograficas; Laboratório de Física; Ensino de Física


In this work reports the development of a low-cost X-ray machine for teaching purposes, the acquisition and analysis of radiographs of various objects, as well as the construction of a Geiger-Müller counter and a goniometer, for studies on diffraction and absorption. The equipment consists of reused parts of obsolete electronic devices, requiring only the acquisition of a Geiger-Müller ampoule and some components for the X-ray sensor and the oscillator, used to raise the voltage in the transformer. The entire device can be cost around $250.00. Measurements were taken to characterize the equipment, such as counting the number of emitted X-ray photons. With the equipment, it was possible to obtain radiographs and some studies on X-ray absorption. It was observed that for quantitative analyzes of greater reliability involving diffraction and absorption, it is necessary to replace the alternative ampoule used by a low-cost industrial one, but maintaining all developed structure. Even do not produced the expected results for more precise diffraction and absorption studies, the constructed devices proved to be very efficient for didactic purposes involving X-rays.

Keywords:
Ionizing radiation; Obtaining radiographs; Physics Laboratory; Physics Teaching


1. Introdução e motivação

Os raios X são um tipo de radiação (ondas eletromagnéticas) invisíveis a olho nu, entretanto, o conhecimento de suas propriedades, permitiu avanços tecnológicos inimagináveis como a aplicação na medicina em diagnósticos por imagens, possibilitando acompanhar diversos processos antes não conhecidos e planejar a melhor intervenção médica [1[1] M.V.T, Navarro, O radiodiagnóstico na saúde pública. Em: Risco, radiodiagnóstico e vigilância sanitária (EDUFBA, Salvador, 2009)., 2[2] R.S, Lima, J.C. Afonso e L.C.F. Pimentel, Química Nova 32, 263 (2009)., 3[3] SOCIEDADE PAULISTA DE RADIOLOGIA, Início da Radiologia, disponível em: https://www.spr.org.br/a-spr/historia-da-radiologia, acessado em 22/02/2023.
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]. Mais recentemente, as conquistas tecnológicas possibilitaram a medicina realizar exames de tomografia computadorizadas, tornando possível a aquisição de imagens 3D dos mais variados órgãos [4[4] https://www.nibib.nih.gov/science-education/science-topics/computed-tomography-ct, acessado em 22/02/2023.
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, 5[5] S. Hermena e M. Young, CT-scan Image Production Procedures, disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK574548/, acessado em 22/02/2023.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK57...
, 6[6] https://serc.carleton.edu/research_education/geochemsheets/techniques/CT.html, acessado em 22/02/2023.
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]. Scanners utilizando raios X, comumente encontrados em aeroportos, inspecionam o interior das bagagens afim de verificar o padrão de objetos transportados, proporcionando maior segurança [7[7] https://vmisecurity.com/pt-br/a-seguranca-em-aeroportos/, acessado em 22/02/2023.
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, 8[8] T. Araújo, Como é feita a segurança nos aeroportos?, disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-e-feita-a-seguranca-nos-aeroportos/, acessado em 22/02/2023.
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]. No campo científico, a descrição e utilização dos raios X trouxe avanços em diferentes áreas como em ciências de materiais e na cristalografia, onde a utilização da difração de raios X possibilitou investigar redes cristalinas possibilitando o advento da eletrônica moderna, essencial na sociedade atual [9[9] C. Kittel, Introduction to solid state physics (John Wiley & Sons, Chichester, 2004)., 10[10] P.R. Edwards, Manufacturing Technology in the Electronics Industry (Springer, Dordrecht, 1991).]. Em 1952, utilizando a técnica de difração, pode-se conhecer a estrutura de dupla hélice do DNA, promovendo grandes contribuições para a engenharia genética [11[11] M.R. Silva, Filosofia e História da Biologia 2, 297 (2007).]. Na astronomia e astrofísica, telescópios com detectores de raios X, como o telescópio da NASA Chandra [12[12] https://chandra.harvard.edu/learn_cxc.html, acessado em 22/02/2023.
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, 13[13] https://chandra.harvard.edu/tech/, acessado em 22/02/2023.
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], foram lançados no espaço afim de se conhecer a emissão nessa faixa do espectro eletromagnético provenientes de estrelas, supernovas, pulsares, núcleos galácticos e buracos negros. Assim, o conhecimento acerca das técnicas, propriedades e métodos associados a radiação X, é fundamental para compreender diversos avanços tecnológicos das últimas décadas, além de essencial para projetar dispositivos que utilizem de alguma forma raios X em seu funcionamento.

A descoberta dos raios X ocorreu nos laboratórios da Universidade de Würzburg na Alemanha, no dia 8 de novembro de 1895. Wilhelm Conrad Röntgen (1845–1923) trabalhava com raios catódicos e notou, casualmente, um novo tipo de radiação que provinha de um tubo de Crookes, que é composto por um tudo de vidro contendo gases altamente rarefeitos, dentro do qual um condutor metálico emite elétrons que são acelerados por uma alta diferença de potencial elétrico em direção a outro condutor [14[14] R. Cesareo, Dos raios X à bomba atômica (1895–1945): os 50 anos que mudaram o mundo (Embrapa, Brasília, 2010)., 15[15] W.C. Röntgen, Uber eine neue art von strahlen (Springer-Verlag, Berlin, 1898)., 16[16] P.P. Ewald, Fifty Years of X-ray Diffraction (International Union of Crystallography, Utrecht, 1962).]. Após diversas análises dos raios X, Röntgen concluiu que a permeabilidade das várias substâncias a esta radiação (que possui um alto poder penetrante) é essencialmente determinada pela espessura e densidade do meio onde a mesma se propaga e também possui uma propagação retilínea, evidenciada por sombras regulares [15[15] W.C. Röntgen, Uber eine neue art von strahlen (Springer-Verlag, Berlin, 1898)., 17[17] JORNAL BRASILEIRO DE PATOLOGIA E MEDICINA LABORATORIAL, Wilhelm Röntgen and X-rays creation, disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpml/a/nx9PgT734TySs5j9RhwzQTn/?lang=en, acessado em: 22/02/2023.
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]. Suas descobertas foram publicados na revista Nature [18[18] W.C. Röntgen, Nature 53, 274 (1896).] e rapidamente Röntgen obteve reconhecimento sendo o ganhador do prêmio Nobel de Física em 1901 por seus estudos sobre raios X. Röntgen doou o dinheiro do Prêmio Nobel para a Universidade de Würzburg e se recusou a patentear sua descoberta, tornando-a disponível para o mundo [19[19] A. Otte, Nature 580, 29 (2020).].

Nas décadas seguintes a descoberta dos raios X com a consolidação da teoria quântica para a radiação juntamente com a proposta de Albert Einstein (1879–1955) para o efeito Fotoelétrico (1905), onde evidencia-se o caráter corpuscular da radiação eletromagnética, pode-se descrever os raios X e prever suas propriedades mais detalhadamente [2[2] R.S, Lima, J.C. Afonso e L.C.F. Pimentel, Química Nova 32, 263 (2009)., 20[20] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica – Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas (GEN LTC, Rio de Janeiro, 1988)., 21[21] V. Acosta, C.L. Cowan e B.J. Graham, Curso de física moderna (Harla, Santo André, 1975).]. Em 1912, Max von Laue (1879–1960), Walter Friedrich (1883–1968) e Paul Knipping (1883–1935), verificam que os raios X têm a mesma natureza eletromagnética da luz, diferindo apenas na frequência mais elevada de sua vibração e, ao considerarem o arranjo regularmente espaçado dos átomos em um cristal como rede de difração, obtêm-se as primeiras figuras de difração de raios X de um cristal, abrindo novos ramos de análise nas ciências experimentais. Nos anos que sucederam a década de 1920, com os estudos de Louis de Broglie (1892–1987) sobre a dualidade onda-partícula e os desenvolvimentos posteriores da mecânica quântica estabeleceu-se o caráter dual para a luz e os raios X [22[22] NOBEL FOUNDATION, Nobel Lectures, Physics 1901–1921 (Elsevier, Amsterdam, 1967)., 23[23] M. von Laue, Nature 144, 625 (1939)., 24[24] M. von Laue, Nature 163, 794 (1949)., 25[25] E. Okuno e E. Yoshimura, Física das Radiações (Oficina de Textos, São Paulo, 2010).].

Os raios X são gerados quando uma partícula eletricamente carregada de alta energia cinética é rapidamente desacelerada por exemplo em ampolas geralmente compostas por um tubo de vidro onde se faz alto vácuo e dentro do qual se tem dois terminais elétricos internos, o cátodo e o ânodo, postos de tal forma que, no cátodo, um filamento de tungstênio é aquecido pelo efeito termoiônico formando, no seu entorno, uma nuvem de elétrons, os quais são acelerados por potenciais de algumas dezenas ou centenas de milhares de volts em direção ao ânodo, que é composto por um material de pureza química elevada, comumente composto por Cu , Cr , Fe ou Mo , além de poder-se ter, também, um sistema de resfriamento, evitando superaquecimento da ampola, e consequentemente, o seu desgaste. Pode-se controlar a corrente no filamento e, consequentemente, sua temperatura, que por vez influenciará no número de elétrons ejetados rumo ao ânodo e, por fim, na intensidade da radiação X gerada. Raios X gerados pela desaceleração do elétron ao colidir com o cátodo são denominados radiação X de freamento ou Bremsstrahlung (palavra alemã que significa “radiação de freamento”).

Dada a importância dos raios X para a sociedade atual, conhecer e compreender suas propriedades torna-se essencial para compreender o funcionamento de diversos dispositivos e essencial para conceber e projetar novos dispositivos ou equipamentos que utilizem raios X. Assim neste trabalho propõe-se o desenvolvimento de uma máquina de raio x de baixo custo que pode ser construída para estudar os aspectos mais básicos dessa radiação tão importante para a sociedade atual. Os equipamentos propostos e sua manipulação podem ser facilmente executados por quem possua conhecimento rudimentar de eletrônica e Arduino. Algumas aplicações como radiografias também são propostas e discutidas. Na seção2 2. Materiais e métodos 2.1. A máquina de raios X O aparelho de raios X proposto foi construído utilizando uma válvula diodo a vácuo modelo 2X2A introduzida pela primeira vez em 1949, com a principal aplicação na retificação de sinais de alta tensão, sendo utilizada em tubos de raios catódicos em televisores das décadas de 1960–1970 [26, 27] onde pode ser facilmente obtida. Utilizou-se também um transformador flyback , modelo travo BCS28-2198, e um circuito oscilador baseado no circuito integrado (CI) NE555, encontrado em sites de vendas ou em lojas de componentes eletrônicos. Utilizou-se como enrolamento primário do transformador flyback 8 voltas de fio com bitola de 0,5 mm2 enrolados sobre o seu núcleo de ferrite externo. A Figura1 apresenta um esquema do circuito utilizado, bem como sua montagem no dispositivo. Uma fonte externa de tensão chaveada de 12 volts foi utilizada para alimentação do dispositivo. Utilizou-se como base do dispositivo uma tábua de madeira (Jacarandá da Bahia) de 15×26cm, e como escudo de proteção para o operador foi desenvolvido uma carapaça de chumbo, com 5 mm de espessura, a qual envolve toda a ampola, com exceção de uma abertura para saída dos raios X gerados. O circuito utilizado foi montado em placa perfurada e fixado sobre uma segunda base de madeira (Pinho de Riga) de 10×5cm, a qual foi fixada na primeira. Figura 1: Em (A), circuito oscilador utilizado no sistema de emissão do aparelho. O circuito integrado NE555 gera um sinal do tipo onda quadrada, cuja frequência é regulada pelo potenciômetro de 5 kilohms. O sinal é então aplicado ao enrolamento primário do transformador flyback , como se pode ver na imagem em (B) com o fio cor laranja enrolado no núcleo de ferrite do transformador. 2.2. O detector Geiger-Muller O detector de raios X construído é apresentado na secção resultados e discussão na Figura (6C–E). Tal dispositivo é baseado na ampola Geiger-Müller modelo CI-19BG/SI-19BG de origem russa, comprada no site de venda americano ebay.com . De acordo com o datasheet da ampola, ela pode detectar radiação beta, gama e raios X [28], tendo como abertura para radiação ionizante uma janela de mica. Para o acionamento da ampola, um módulo elevador de tensão DC-DC [29] foi utilizado, também encontrado em sites de venda na internet. Para a aquisição dos sinais gerados pelas partículas ionizantes, utilizou-se um circuito baseado no transistor Darlignton NPN TIP122, comumente encontrado em lojas de eletrônica, e um divisor de tensão com resistores de 100 ohms e 10 megaohms. O TIP122 amplifica o sinal coletado no divisor de tensão, possibilitando obter um sinal com amplitude próxima de 3 volts na porta analógica no microcontrolador Atmega do Arduino Uno. As leituras foram realizadas utilizando a porta analógica A0, cujo conversor analógico digital ADS é de 10bits. Utilizou-se um cabo coaxial devidamente blindado pela malha externa com 3,3 volts, de 40 cm de comprimento, para poder-se ter uma sonda, onde em uma das extremidades foi soldado os terminais de polarização da ampola (Figura2). Todo o circuito foi então acoplado em uma caixa plástica reutilizada de reatores de lâmpada fluorescente de dimensão 8×4 centímetros. Por fim, com a programação do microcontrolador do Arduino, pode-se contar os pulsos e fazer operações algébricas. O código fonte em linguagem C+⁣+ desenvolvidos está disponibilizado em [31] e no apêncide A. A Figura2 representa o circuito do contador Geiger desenvolvido. Figura 2: Circuito utilizado no sistema de detecção do aparelho. (A) Diagrama esquemático mostrando os principais elementos. (B) Esquema elétrico do contador Geiger-Müller proposto. 2.3. Construção do goniômetro para estudo da difração e intensidade de raios X Desenvolveu-se também um goniômetro utilizando materiais alternativos para utilização da máquina de raios X no estudo da difração e utilização da lei de Bragg (n⁢λ=2⁢d⁢sin⁡θ), onde n é um número inteiro, d é o espaçamento interatômico e λ é o comprimento de onda do raio X, incialmente foi providenciada uma base de MDF (Medium-density fiberboard ) de dimensões 30×26cm para suporte das partes que compõem o goniômetro. Já com a base do goniômetro pronta, projetou-se uma imagem de um transferidor no programa de edição de imagem Inkscape com diâmetro de 15,5 cm, o qual está disponível em [30]. Fixou-se, então, o transferidor sobre a base e, acima, fixou-se uma folha de plástico contact transparente para proteção. No centro do transferidor, fez-se um furo por onde foi acoplado a base da porta amostra, que tem liberdade de girar em relação ao feixe de raios X incidente, podendo ser posicionada num ângulo θ em relação a ele. Essa base foi produzida utilizando a madeira Jacarandá da Bahia em forma de disco, com diâmetro de 5,5 cm Figura3C. No seu centro, foi acoplado um rolamento e fixado com parafuso em seu eixo, de modo a obter liberdade de rotação e maior firmeza. Na superfície superior da base do porta amostra, foi fixado o suporte para prender, com fita dupla face, a amostra a ser estudada (Fig.3A), obtendo-se liberdade de ajuste ao longo dos eixos dessa superfície via um parafuso de ajuste. Figura 3: Imagem do goniômetro montado. Em (A) é apresentado uma visão de cima do equipamento, com as principais partes evidenciadas. Em (B) tem-se uma visão lateral do equipamento e, em (C) e (D), é possível observar os indicadores utilizados. Na base da amostra, um indicador cilíndrico de aço com ponta e para a base do braço do detector, uma fissura de 1 mm feita na lata, bem como um furo por onde se pode ver o ângulo medido. Para fixar o detector nas condições adequadas, foi confeccionado um “braço” de lata de 10×1×0,3 centímetros, e em uma das extremidades foi feito um furo e fixado no eixo central da base da porta amostra, sendo, portanto, esse eixo um ponto de giro comum, para a amostra e para o detector. Na outra extremidade, montou-se um suporte para o detector, utilizando a madeira Jacarandá da Bahia, por meio do qual pode-se fixar a ampola do contador Geiger, tendo liberdade de regulagem da posição do detector ao longo do eixo do “braço”. Nessa parte, afim de garantir que os raios X que atingem o detector venham somente da direção desejada, nas laterais fixou-se uma chapa de chumbo de 4 mm de espessura e, de frente a ampola do detector, fixou-se uma fenda de 1 mm, também confeccionada de chumbo com 4 mm de espessura. O indicador do ângulo da base com o feixe foi feito utilizando um bastão de aço com ponta fina. Já para o braço, fez-se uma fenda de 1 mm de abertura para visualizar as linhas do transferidor e, bem como um furo de 5 mm para visualizar os valores mostrados no transferidor. Uma imagem do goniômetro desenvolvido é apresentada na Figura3. Dois suportes para colimar o feixe foram produzidos (Fig.3A). O primeiro, que é colocado logo a frente da saída do feixe de raios X, é produzido com placa de chumbo de 1,5 cm de espessura e abrange toda a porção da ampola. Em seu centro, foi feito um furo de 1 mm de diâmetro e soldado um tubo de 1 cm de comprimento e 1 mm de diâmetro interno, também de chumbo. Um segundo suporte, destinado a ficar mais próximo a amostra foi produzido, também de chumbo, com 1 cm de espessura e diâmetro interno de 1 mm. O goniômetro proposto é operado de forma manual, arranjando a configuração adequada para cada ângulo θ medido com a máquina de raios X desligada e, após determinada essa configuração, liga-se a máquina e coleta-se os dados. Então é desligada a máquina e uma nova configuração é arranjada, repetindo o procedimento para os demais ângulos estudados. Posiciona-se a frente do feixe incidente, no porta amostra, o material analisado. Girando a amostra num ângulo θ em relação ao feixe de raios X incidente e girando o detector Geiger num ângulo 2⁢θ em relação a esse feixe, pode-se obter a configuração θ/2⁢θ utilizada na lei de Bragg em difratômetros para obtenção de difratogramas. Posicionando o detector de frente para o feixe de raios X e retirando o porta amostra, pode-se também realizar estudos de absorção de raios X após serem transmitidos pela amostra, com o detector formando um ângulo de 180 com o feixe incidente. 2.4. Obtenção de radiografias Para obtenção das radiografias utilizando a máquina de raios X proposta foram utilizados filmes digitais para radiografias dentais (PSP). Estes filmes foram doados por uma empresa local de radiografia dentária, os quais, por vez, são descartados, em função de alguma imperfeição superficial que possam vir a comprometer a imagem registrada para fins comerciais. Os objetos analisados foram, então, fixados na placa radiográfica, no lado destinado a exposição, de modo que o objeto na configuração final se encontrasse entre a ampola de raios X e a placa radiográfica. As radiografias foram obtidas expondo os objetos estudados logo a frente da ampola de raios X, cerca de 5 centímetros de distância, de modo que os raios X atinjam toda a placa, num tempo de exposição que variou de 10 a 20 segundos. A imagem da Figura4 ilustra o esquema experimental adotado para obtenção das radiografias. Para revelar as imagens obtidas, foi utilizado um scanner marca: vistascan mini easy [31], disponibilizado para uso pela mesma empresa que doou os filmes radiográficos. Uma alternativa viável seria a revelação utilizando filmes químicos analógicos, comumente encontrados em consultórios e lojas de materiais odontológicos, além de serem de baixo custo e facilmente encontrados na internet em sites de venda de materiais odontológicos. No processo de revelação química, após a placa ser exposta aos raios X, ela é levada a uma câmara escura, onde é retirado o envelope de proteção e mergulhada em solução reveladora por cerca de 30 segundos e, em seguida, é transferida para um banho com água de 10 a 15 segundos para remover o revelador e, por fim, é levada por cerca de 60 segundos a uma solução de fixador. Após esse processo, tem-se a imagem registrada na placa. Uma discussão mais detalhada da química envolvida no processo de interação com os raios X e do processo de revelação pode ser encontrada em [32, 33]. Figura 4: Esquema para obtenção de radiografias utilizando o dispositivo proposto. Após fixar o objeto sobre a superfície sensível do filme radiográfico, posiciona-se o conjunto com a parte sensível do filme voltada para a saída de raios X. Em nossos experimentos, a distância que melhor expôs todo o filme obtendo melhores imagens foi de 5 cm. O tempo de exposição depende da densidade do objeto, e deve ser ajustado num intervalo em torno de 10 a 20 segundos. 2.5. Absorção de raios X Assim como a radiação visível, os raios X, ao interagirem com a matéria, podem ser parcialmente refletidos, absorvidos ou transmitidos. Röntgen percebeu tal propriedade logo no início após a descoberta, quando, ao colocar materiais mais densos no caminho dos raios X, mais absorvidos eles eram, como na imagem da mão de sua esposa, onde os raios X são mais absorvidos pelos ossos e pelo anel (provavelmente de algum metal) do que pelo tecido da pele humana, gerando uma imagem de contraste na chapa fotográfica. Ele concluiu que a diminuição na intensidade I de um feixe de raios X à medida que ele atravessa qualquer substância homogênea é proporcional ao caminho óptico x[15, 26], como mostrado na Figura5 abaixo. A equação (1) representa tal interação (35): (1) I x = I 0 ⁢ e - ( μ / ρ ) ⁢ ρ ⁢ x , Figura 5: Esquema de um arranjo experimental para estudo da absorção de raios X por uma amostra. A fonte de raios X emite radiação de intensidade I0 e após ser absorvida pela amostra, diminui para Ix, onde é detectada por um sensor [34]. sendo I0 a intensidade do feixe incidente, Ix a intensidade do feixe transmitido após percorrer uma distância x, μ o coeficiente de absorção linear, uma característica do material e ρ a densidade do material utilizado. Utilizando o esquema da Figura5, pode-se configurar a posição dos colimadores e do detector Geiger na estrutura do goniômetro desenvolvido. Os colimadores foram posicionados de modo que o feixe incidente fosse em direção a amostra, que foi colocada no centro onde se encontra o porta amostras. Na mesma direção do feixe incidente, porém atrás da amostra, foi posicionado o braço do contador Geiger que prende a ampola do contador, de modo que, tirando a amostra, toda a radiação incidente fosse em direção a ampola do contador. Com esse arranjo, foi possível variar o número de folhas de alumínio situadas no centro do porta amostra e realizar um estudo sobre a absorção dos raios X pelo alumínio. O equipamento proposto ainda possui, além das já citadas, outras possibilidades de aplicações e análise. Nesse sentido, no Apêndice A são discutidos dois experimentos qualitativos, sobre o efeito fotoelétrico e sobre a fluorescência de raios X de uma amostra, que podem ser implementados utilizando-se a máquina de raios X proposta. são apresentados os materiais e métodos de construção da máquina de raio X e dos dispositivos propostos como detector Geiger-Müller e o goniômetro. Na seção3 3. Resultados e discussão Para utilizar a máquina de raios X, estimou-se a tensão de operação do tubo, medindo a tensão de queda em um resistor, num divisor de tensão de 500 megaohms, onde chegamos a um valor de operação de 30 kilovolts, sendo possível variar a tensão da máquina de 0 a cerca de 50 kilovolts. Com o tubo em funcionamento, alimentado com a tensão de 30 kilovolts, mediu-se a corrente no tubo com um amperímetro analógico ligado em série, a qual obteve-se um valor de 40 microamperes. Essa configuração de tensão e corrente foram mantidas para os experimentos realizados. A onda quadrada gerada pelo CI NE555 pode ser regulada pelo potenciômetro de 5 kilohms, e tem uma varredura em frequência de 10 a 26 kilohertz. Uma vez que a variação do fluxo magnético é diretamente proporcional a voltagem induzida no secundário do transformador (fem induzida ), com a mudança da frequência do sinal aplicado ao primário, obtém-se diferentes variações de fluxo para diferentes frequências e, assim, pode-se controlar a tensão no secundário do transformador flyback . A imagem da máquina de raios X construída e do circuito de detecção (contador Geiger-Müller) são apresentadas na Figura6 abaixo. Figura 6: Imagem da máquina de raios X e do detector Geiger-Müller desenvolvido. Em (A), vista de cima, onde pode-se visualizar, da esquerda para direita, circuito oscilador, o transformador flyback no centro e, a direita, o protetor de chumbo. Em (B), uma visão lateral do dispositivo. Em (C), tem-se o suporte desenvolvido para a ampola Geiger, acoplada a um tubo de caneta, cuja tampa é utilizada para proteger a ampola. Em (D), uma visão interna dos principais componentes e, em (E), imagem do equipamento montado. A disposição da máquina de raios X, o goniômetro e o contador Geiger, ambas as partes sobre uma base de madeira, são apresentados na Figura7. Foi obtido uma resolução de 1∘ para as medidas de ângulos utilizando o goniômetro. Tal configuração pode ser utilizada para verificação experimental de fenômenos de absorção e difração de raios X, sendo, portanto, a configuração padrão para estudo da relação de Bragg por onde pode-se obter informações sobre a estrutura cristalina dos materiais utilizados. Figura 7: Imagem do aparato montado, no qual pode-se verificar a disposição do equipamento em sua configuração de uso. Com todo o aparato pronto e montado para ser utilizado em estudos de difração e intensidade, verificou-se que com a ampola 2X2A utilizada não seria possível obter uma emissão de raios X constante, o que inviabilizou sua utilização para estudos quantitativos. A utilização de uma válvula alternativa funcionando no modo cátodo frio, ou seja, a emissão dos elétrons não são via efeito termiônico em um filamento aquecido e sim via emissão de campo [35, 36], onde os elétrons tunelam a barreira de potencial do material do cátodo em função de um forte campo elétrico aplicado, inviabiliza o controle da quantidade de elétrons disponíveis para colisão no anodo e, consequentemente, o controle do número de fótons de raios X emitidos. Tal verificação se deu medindo a emissão da fonte de raios X utilizando o contador Geiger proposto e um contador Geiger industrial. Um segundo problema encontrado se deve ao processo de aterramento do equipamento, sendo necessário um aterramento de boa qualidade por trabalhar com tensões elevadas. Contudo, mesmo aterrando a placa da carapaça do equipamento nas paredes do laboratório, não se obtém boa estabilidade da fonte. Tentou-se distanciar a máquina do contador Geiger afim de verificar alguma influência, o que não foi constatado. Todavia, ao aterrar a máquina de raios X conectando-se a estrutura protetora de chumbo (totalmente isolada eletricamente da ampola), no aterramento da rede elétrica observa-se uma queda na quantidade de fótons lida pelo contador Geiger. O gráfico da Figura8 abaixo apresenta o resultado para três momentos de acionamento da máquina de raios X. Figura 8: Três curvas correspondentes a leituras do número de fótons emitidos pela válvula 2X2A para a mesma tensão e corrente de funcionamento. Ao tocar na estrutura protetora de chumbo, fazendo um aterramento, o número de fótons cai. Em ambas as curvas lidas, para as mesmas configurações de corrente e tensão aplicadas a ampola (30 kilovolts e 40 microamperes), a contagem inicial de fótons é variável, bem como a sua evolução ao longo dos 150 segundos analisados. No que se refere a possível influência da carga estática decorrente de um mau aterramento, quando se aterra, conectando a estrutura protetora de chumbo a rede elétrica, ambas as curvas mostram uma queda na contagem de fótons, o que indica uma possível interferência de origem eletromagnética/ eletrostática influenciando o número de fótons lidos pelo contador. Ao aterrar, num período compreendido entre 60 e 80 segundos, as contagens por segundo (CPS) diminuíram em cerca de 10 vezes para ambas as curvas, apresentando um desvio de cerca de 25% da média de fótons lidos após o aterramento. A não possibilidade de um ajuste mais fino da emissão de fótons bem como a falta de uma constância na emissão para condições de tensão a corrente de funcionamento da ampola indicam a inviabilidade de utilização da válvula 2X2A para uso em experimentos onde se precisa conhecer com boa precisão o número de fótons que interage com a amostra, bem como mantê-lo constante ao longo do experimento. Desse modo, sugere-se que, para utilização de todo o aparato experimental desenvolvido, faça-se a substituição da válvula 2X2A por uma ampola industrializada. É possível adquirir tais ampolas em sites de venda na internet, como a ampola da marca Hebeijin modelo HBJ21 ao custo de cerca de 350 reais [37]. Tal ampola, do tipo Coolidge, possibilita maior controle no número de fótons de raios X emitidos, pois utiliza o modo de cátodo quente, onde, por meio de um aquecimento do filamento, pode-se controlar a quantidade de elétrons que colide com o material do ânodo, comumente de cobre. Para substituição da ampola, faz-se necessária acrescentar um estágio de controle da corrente no filamento, o qual está incrementado juntamente com o do circuito oscilador e disponibilizado na imagem da Figura S1 do Apêndice B. Como forma de validar o contador Geiger produzido, eliminando as possíveis interferências causadas pela ampola 2X2A, verificou-se a estabilidade de uma fonte de raios X padrão, ampola modelo KL74-1.0-2.0-150, acionadas pelo circuito oscilador proposto com controle da corrente de filamento apresentado no esquema da Figura S1. O gráfico da Figura9 apresenta os resultados. Num período de aproximadamente 4 minutos, realizou-se medições da fonte, por onde pode-se verificar o funcionamento do equipamento bem como analisar a estabilidade da fonte. Nota-se um desvio de cerca de 3%, o que indica boa estabilidade na emissão da fonte industrial utilizando a estrutura eletrônica proposta, de modo que, com a fonte industrial, poder-se-ia realizar estudos quantitativos com boa precisão. Figura 9: Gráfico obtido utilizando o contador Geiger desenvolvido. Por um período de 4 minutos, o aparelho registou a contagem por segundo (CPS) de fótons emitidos pela fonte de raios X industrial acionada utilizando a eletrônica desenvolvida para a máquina de raios X proposta. Na tentativa de se realizar um estudo sobre absorção de raios X utilizando a ampola alternativa 2X2A, realizou-se medidas utilizando o esquema da Figura5, cujos materiais analisados foram folhas de alumínio de espessura de 1 milímetro, com a máquina de raios X aterrada por meio do contato direto da estrutura da carapaça de chumbo com o aterramento da rede elétrica. Para cada ponto do gráfico da Figura10, foram analisadas medidas da CPS obtidas num intervalo de 5 segundos. Os pontos em azul no gráfico representam a média de 5 pontos coletados pelo contador Geiger. Figura 10: Estudo da absorção de raios X por folhas de alumínio utilizando a máquina de raios X aterrada. Com o ajuste da equação (1) aos pontos experimentais do gráfico da Figura10, pode-se obter os valores dos parâmetros I0=65,6 cps e (μ/ρ)⁢ρ=4,8cm-1. Desse modo, pode-se obter o valor do coeficiente de atenuação mássica (μ/ρ) e comparar com aquele encontrado na literatura. Os valores de (μ/ρ) para uma dada energia fixa dos raios X incidentes numa amostra de alumínio podem ser consultados em (39). Assim, pode-se estimar a energia dos raios X emitidos, com o auxílio da equação (2) abaixo, onde E=e⁢V é energia adquirida pelo elétron, de carga elétrica e=1,60×10-19C ao ser acelerado pela diferença de potencial V=30kV aplicada ao tubo de raios X, como descrito acima. Após o processo de colisão do elétron com o material do anodo, um fóton de raios X de energia E=h⁢υ é emitido, onde h=6,62×10-34m2.kg/s é a constante de Planck, υ é a frequência do fóton. Desse modo a energia do elétron é transferida para o fóton emitido, resultando em: (2) E = e ⁢ V = h ⁢ υ = 1 , 60 × 10 - 19 ⁢ C * 3 × 10 4 ⁢ V 1 , 60 × 10 - 19 ⁢ J * 1 ⁢ e ⁢ V = 0 , 03 ⁢ M ⁢ e ⁢ V . Consultando a referência [38], para o alumínio, e considerando a energia do raio X incidente de 0,03 MeV, chega-se ao valor de (μ/ρ)=0,6cm2/g. Portando, sendo ρ=2,7g/cm3 a densidade do alumínio, obtemos para o nosso experimento (μ/ρ)=1,1cm2/g. Alguns aspectos importantes relacionados a essa estimativa devem ser ressaltados. Consideramos que o dispositivo proposto emite um feixe com energia fixa em 0,03 MeV, predominantemente a radiação característica associada ao material do anodo. O fato de o anodo aquecer com passar do tempo de funcionamento certamente altera a energia do feixe, de modo que provavelmente ela deva ser menor que 0,03 MeV. Outro fator está na imprecisão relacionada a medida da tensão de funcionamento do tubo, utilizando um divisor de tensão. Contudo, para fins didáticos, essa estimativa é construtiva e pode ser utilizada. A substituição do tubo por um industrial, como descrito acima, certamente levará a resultados mais precisos. Outra possibilidade de utilização da máquina de raios X construída é a obtenção de radiografias de objetos variados. Foram obtidas radiografias utilizando os filmes digitais PSP discutidos anteriormente, o que apresentou ser uma alternativa viável e rápida para obtenção de imagens radiográficas. Uma imagem com as principais radiografias obtidas é apresentada na Figura11 abaixo. Note que a obtenção de radiografias, como era de se esperar, não é afetada pela inconstância do número de fótons de raios X emitidos pelo aparelho. Sendo assim, a válvula 2X2A pode ser utilizada para esse fim. A respeito da vida útil da válvula 2X2A operando no modo catodo frio para emissão de raios X, todos os testes aqui realizados, preliminares e definitivos, foram realizados com uma única válvula que ainda está em funcionamento. Sobre os estudos almejados sobre a difração de raios X utilizando o aparelho aqui proposto, em virtude de não se ter conseguido estabilidade na emissão de fótons utilizando a ampola alternativa 2X2A, não foi possível dar continuidade na investigação utilizando estruturas cristalinas para o estudo da difração. Contudo, acredita-se que, com a substituição da ampola alternativa pela proposta acima, será possível obter difratogramas utilizando o instrumental conseguido nesse trabalho. Tal substituição e estudo não foi possível nesse trabalho por razões diversas mas permanece em aberto para análises futuras. Figura 11: Radiografias obtidas utilizando a máquina de raios X desenvolvida. Em (A), radiografia de uma pequena abelha Mandaçaia (Melipona mandacaia ), (B) de um dos pés de um pardal encontrado já morto, (C) de um pequeno Lambarí, (D) de um relé eletromecânico, (E) de um cartão de memória micro SD e, em (F) de uma pequena lagartixa. são apresentados os resultados e as análises feitas, bem como formas de se melhorar o aparato para medidas com maior precisão. Posteriormente apresenta-se as conclusões e três apêndices, o Apêndice A discutindo alguns detalhes qualitativos sobre efeito fotoelétrico e fluorescência que também podem ser explorados com o dispositivo, detalhes técnicos do circuito elétrico e do código Arduino utilizado no contador Geiger são apresentados no Apêndice B e, no Apêndice C, é discutido alguns aspectos associados aos perigos e cuidados da radiação ionizante e sobre o trabalho com altas tensões.

2. Materiais e métodos

2.1. A máquina de raios X

O aparelho de raios X proposto foi construído utilizando uma válvula diodo a vácuo modelo 2X2A introduzida pela primeira vez em 1949, com a principal aplicação na retificação de sinais de alta tensão, sendo utilizada em tubos de raios catódicos em televisores das décadas de 1960–1970 [26[26] http://www.r-type.org/exhib/aaa0506.htm, acessado em 22/02/2023.
http://www.r-type.org/exhib/aaa0506.htm...
, 27[27] https://www.radiomuseum.org/tubes/tube_2x2a.html, acessado em 22/02/2023.
https://www.radiomuseum.org/tubes/tube_2...
] onde pode ser facilmente obtida. Utilizou-se também um transformador flyback , modelo travo BCS28-2198, e um circuito oscilador baseado no circuito integrado (CI) NE555, encontrado em sites de vendas ou em lojas de componentes eletrônicos. Utilizou-se como enrolamento primário do transformador flyback 8 voltas de fio com bitola de 0,5 mm2 enrolados sobre o seu núcleo de ferrite externo. A Figura1 apresenta um esquema do circuito utilizado, bem como sua montagem no dispositivo. Uma fonte externa de tensão chaveada de 12 volts foi utilizada para alimentação do dispositivo. Utilizou-se como base do dispositivo uma tábua de madeira (Jacarandá da Bahia) de 15×26cm, e como escudo de proteção para o operador foi desenvolvido uma carapaça de chumbo, com 5 mm de espessura, a qual envolve toda a ampola, com exceção de uma abertura para saída dos raios X gerados. O circuito utilizado foi montado em placa perfurada e fixado sobre uma segunda base de madeira (Pinho de Riga) de 10×5cm, a qual foi fixada na primeira.

Figura 1:
Em (A), circuito oscilador utilizado no sistema de emissão do aparelho. O circuito integrado NE555 gera um sinal do tipo onda quadrada, cuja frequência é regulada pelo potenciômetro de 5 kilohms. O sinal é então aplicado ao enrolamento primário do transformador flyback , como se pode ver na imagem em (B) com o fio cor laranja enrolado no núcleo de ferrite do transformador.

2.2. O detector Geiger-Muller

O detector de raios X construído é apresentado na secção resultados e discussão na Figura (6C–E). Tal dispositivo é baseado na ampola Geiger-Müller modelo CI-19BG/SI-19BG de origem russa, comprada no site de venda americano ebay.com . De acordo com o datasheet da ampola, ela pode detectar radiação beta, gama e raios X [28[28] https://www.gstube.com/data/5196/, acessado em 07/06/2023.
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], tendo como abertura para radiação ionizante uma janela de mica. Para o acionamento da ampola, um módulo elevador de tensão DC-DC [29[29] https://bityli.com/kv6I9, acessado em 22/02/2023.
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] foi utilizado, também encontrado em sites de venda na internet. Para a aquisição dos sinais gerados pelas partículas ionizantes, utilizou-se um circuito baseado no transistor Darlignton NPN TIP122, comumente encontrado em lojas de eletrônica, e um divisor de tensão com resistores de 100 ohms e 10 megaohms. O TIP122 amplifica o sinal coletado no divisor de tensão, possibilitando obter um sinal com amplitude próxima de 3 volts na porta analógica no microcontrolador Atmega do Arduino Uno. As leituras foram realizadas utilizando a porta analógica A0, cujo conversor analógico digital ADS é de 10bits. Utilizou-se um cabo coaxial devidamente blindado pela malha externa com 3,3 volts, de 40 cm de comprimento, para poder-se ter uma sonda, onde em uma das extremidades foi soldado os terminais de polarização da ampola (Figura2). Todo o circuito foi então acoplado em uma caixa plástica reutilizada de reatores de lâmpada fluorescente de dimensão 8×4 centímetros. Por fim, com a programação do microcontrolador do Arduino, pode-se contar os pulsos e fazer operações algébricas. O código fonte em linguagem C++ desenvolvidos está disponibilizado em [31[31] D. Dürr, VistaScan Mini Easy (Cardiff University, Cardiff, 2009).] e no apêncide A. A Figura2 representa o circuito do contador Geiger desenvolvido.

Figura 2:
Circuito utilizado no sistema de detecção do aparelho. (A) Diagrama esquemático mostrando os principais elementos. (B) Esquema elétrico do contador Geiger-Müller proposto.

2.3. Construção do goniômetro para estudo da difração e intensidade de raios X

Desenvolveu-se também um goniômetro utilizando materiais alternativos para utilização da máquina de raios X no estudo da difração e utilização da lei de Bragg (nλ=2dsinθ), onde n é um número inteiro, d é o espaçamento interatômico e λ é o comprimento de onda do raio X, incialmente foi providenciada uma base de MDF (Medium-density fiberboard ) de dimensões 30×26cm para suporte das partes que compõem o goniômetro. Já com a base do goniômetro pronta, projetou-se uma imagem de um transferidor no programa de edição de imagem Inkscape com diâmetro de 15,5 cm, o qual está disponível em [30[30] https://github.com/wphysics/M-quina-de-raios-X-goni-metro-e-contador-Geiger, acessado em 22/02/2023.
https://github.com/wphysics/M-quina-de-r...
]. Fixou-se, então, o transferidor sobre a base e, acima, fixou-se uma folha de plástico contact transparente para proteção. No centro do transferidor, fez-se um furo por onde foi acoplado a base da porta amostra, que tem liberdade de girar em relação ao feixe de raios X incidente, podendo ser posicionada num ângulo θ em relação a ele. Essa base foi produzida utilizando a madeira Jacarandá da Bahia em forma de disco, com diâmetro de 5,5 cm Figura3C. No seu centro, foi acoplado um rolamento e fixado com parafuso em seu eixo, de modo a obter liberdade de rotação e maior firmeza. Na superfície superior da base do porta amostra, foi fixado o suporte para prender, com fita dupla face, a amostra a ser estudada (Fig.3A), obtendo-se liberdade de ajuste ao longo dos eixos dessa superfície via um parafuso de ajuste.

Figura 3:
Imagem do goniômetro montado. Em (A) é apresentado uma visão de cima do equipamento, com as principais partes evidenciadas. Em (B) tem-se uma visão lateral do equipamento e, em (C) e (D), é possível observar os indicadores utilizados. Na base da amostra, um indicador cilíndrico de aço com ponta e para a base do braço do detector, uma fissura de 1 mm feita na lata, bem como um furo por onde se pode ver o ângulo medido.

Para fixar o detector nas condições adequadas, foi confeccionado um “braço” de lata de 10×1×0,3 centímetros, e em uma das extremidades foi feito um furo e fixado no eixo central da base da porta amostra, sendo, portanto, esse eixo um ponto de giro comum, para a amostra e para o detector. Na outra extremidade, montou-se um suporte para o detector, utilizando a madeira Jacarandá da Bahia, por meio do qual pode-se fixar a ampola do contador Geiger, tendo liberdade de regulagem da posição do detector ao longo do eixo do “braço”. Nessa parte, afim de garantir que os raios X que atingem o detector venham somente da direção desejada, nas laterais fixou-se uma chapa de chumbo de 4 mm de espessura e, de frente a ampola do detector, fixou-se uma fenda de 1 mm, também confeccionada de chumbo com 4 mm de espessura. O indicador do ângulo da base com o feixe foi feito utilizando um bastão de aço com ponta fina. Já para o braço, fez-se uma fenda de 1 mm de abertura para visualizar as linhas do transferidor e, bem como um furo de 5 mm para visualizar os valores mostrados no transferidor. Uma imagem do goniômetro desenvolvido é apresentada na Figura3.

Dois suportes para colimar o feixe foram produzidos (Fig.3A). O primeiro, que é colocado logo a frente da saída do feixe de raios X, é produzido com placa de chumbo de 1,5 cm de espessura e abrange toda a porção da ampola. Em seu centro, foi feito um furo de 1 mm de diâmetro e soldado um tubo de 1 cm de comprimento e 1 mm de diâmetro interno, também de chumbo. Um segundo suporte, destinado a ficar mais próximo a amostra foi produzido, também de chumbo, com 1 cm de espessura e diâmetro interno de 1 mm. O goniômetro proposto é operado de forma manual, arranjando a configuração adequada para cada ângulo θ medido com a máquina de raios X desligada e, após determinada essa configuração, liga-se a máquina e coleta-se os dados. Então é desligada a máquina e uma nova configuração é arranjada, repetindo o procedimento para os demais ângulos estudados. Posiciona-se a frente do feixe incidente, no porta amostra, o material analisado. Girando a amostra num ângulo θ em relação ao feixe de raios X incidente e girando o detector Geiger num ângulo 2θ em relação a esse feixe, pode-se obter a configuração θ/2θ utilizada na lei de Bragg em difratômetros para obtenção de difratogramas. Posicionando o detector de frente para o feixe de raios X e retirando o porta amostra, pode-se também realizar estudos de absorção de raios X após serem transmitidos pela amostra, com o detector formando um ângulo de 180 com o feixe incidente.

2.4. Obtenção de radiografias

Para obtenção das radiografias utilizando a máquina de raios X proposta foram utilizados filmes digitais para radiografias dentais (PSP). Estes filmes foram doados por uma empresa local de radiografia dentária, os quais, por vez, são descartados, em função de alguma imperfeição superficial que possam vir a comprometer a imagem registrada para fins comerciais. Os objetos analisados foram, então, fixados na placa radiográfica, no lado destinado a exposição, de modo que o objeto na configuração final se encontrasse entre a ampola de raios X e a placa radiográfica. As radiografias foram obtidas expondo os objetos estudados logo a frente da ampola de raios X, cerca de 5 centímetros de distância, de modo que os raios X atinjam toda a placa, num tempo de exposição que variou de 10 a 20 segundos. A imagem da Figura4 ilustra o esquema experimental adotado para obtenção das radiografias. Para revelar as imagens obtidas, foi utilizado um scanner marca: vistascan mini easy [31[31] D. Dürr, VistaScan Mini Easy (Cardiff University, Cardiff, 2009).], disponibilizado para uso pela mesma empresa que doou os filmes radiográficos. Uma alternativa viável seria a revelação utilizando filmes químicos analógicos, comumente encontrados em consultórios e lojas de materiais odontológicos, além de serem de baixo custo e facilmente encontrados na internet em sites de venda de materiais odontológicos. No processo de revelação química, após a placa ser exposta aos raios X, ela é levada a uma câmara escura, onde é retirado o envelope de proteção e mergulhada em solução reveladora por cerca de 30 segundos e, em seguida, é transferida para um banho com água de 10 a 15 segundos para remover o revelador e, por fim, é levada por cerca de 60 segundos a uma solução de fixador. Após esse processo, tem-se a imagem registrada na placa. Uma discussão mais detalhada da química envolvida no processo de interação com os raios X e do processo de revelação pode ser encontrada em [32[32] D. Oborska-Kumaszyńska e S. Wiśniewska-Kubka, Pol J Radiol 75, 73 (2010)., 33[33] N. Serman, Processing the radiograph, disponível em: http://www.columbia.edu/itc/hs/dental/sophs/material/processing.pdf, acessado em 22/02/2023.
http://www.columbia.edu/itc/hs/dental/so...
].

Figura 4:
Esquema para obtenção de radiografias utilizando o dispositivo proposto. Após fixar o objeto sobre a superfície sensível do filme radiográfico, posiciona-se o conjunto com a parte sensível do filme voltada para a saída de raios X. Em nossos experimentos, a distância que melhor expôs todo o filme obtendo melhores imagens foi de 5 cm. O tempo de exposição depende da densidade do objeto, e deve ser ajustado num intervalo em torno de 10 a 20 segundos.

2.5. Absorção de raios X

Assim como a radiação visível, os raios X, ao interagirem com a matéria, podem ser parcialmente refletidos, absorvidos ou transmitidos. Röntgen percebeu tal propriedade logo no início após a descoberta, quando, ao colocar materiais mais densos no caminho dos raios X, mais absorvidos eles eram, como na imagem da mão de sua esposa, onde os raios X são mais absorvidos pelos ossos e pelo anel (provavelmente de algum metal) do que pelo tecido da pele humana, gerando uma imagem de contraste na chapa fotográfica. Ele concluiu que a diminuição na intensidade I de um feixe de raios X à medida que ele atravessa qualquer substância homogênea é proporcional ao caminho óptico x[15[15] W.C. Röntgen, Uber eine neue art von strahlen (Springer-Verlag, Berlin, 1898)., 26[26] http://www.r-type.org/exhib/aaa0506.htm, acessado em 22/02/2023.
http://www.r-type.org/exhib/aaa0506.htm...
], como mostrado na Figura5 abaixo. A equação (1) representa tal interação (35):

(1) I x = I 0 e - ( μ / ρ ) ρ x ,
Figura 5:
Esquema de um arranjo experimental para estudo da absorção de raios X por uma amostra. A fonte de raios X emite radiação de intensidade I0 e após ser absorvida pela amostra, diminui para Ix, onde é detectada por um sensor [34[34] B.D. Cullity e S.R. Stock, Elements of X-Ray Diffraction (Pearson Education, Harlow, 2014).].

sendo I0 a intensidade do feixe incidente, Ix a intensidade do feixe transmitido após percorrer uma distância x, μ o coeficiente de absorção linear, uma característica do material e ρ a densidade do material utilizado.

Utilizando o esquema da Figura5, pode-se configurar a posição dos colimadores e do detector Geiger na estrutura do goniômetro desenvolvido. Os colimadores foram posicionados de modo que o feixe incidente fosse em direção a amostra, que foi colocada no centro onde se encontra o porta amostras. Na mesma direção do feixe incidente, porém atrás da amostra, foi posicionado o braço do contador Geiger que prende a ampola do contador, de modo que, tirando a amostra, toda a radiação incidente fosse em direção a ampola do contador. Com esse arranjo, foi possível variar o número de folhas de alumínio situadas no centro do porta amostra e realizar um estudo sobre a absorção dos raios X pelo alumínio.

O equipamento proposto ainda possui, além das já citadas, outras possibilidades de aplicações e análise. Nesse sentido, no Apêndice A são discutidos dois experimentos qualitativos, sobre o efeito fotoelétrico e sobre a fluorescência de raios X de uma amostra, que podem ser implementados utilizando-se a máquina de raios X proposta.

3. Resultados e discussão

Para utilizar a máquina de raios X, estimou-se a tensão de operação do tubo, medindo a tensão de queda em um resistor, num divisor de tensão de 500 megaohms, onde chegamos a um valor de operação de 30 kilovolts, sendo possível variar a tensão da máquina de 0 a cerca de 50 kilovolts. Com o tubo em funcionamento, alimentado com a tensão de 30 kilovolts, mediu-se a corrente no tubo com um amperímetro analógico ligado em série, a qual obteve-se um valor de 40 microamperes. Essa configuração de tensão e corrente foram mantidas para os experimentos realizados. A onda quadrada gerada pelo CI NE555 pode ser regulada pelo potenciômetro de 5 kilohms, e tem uma varredura em frequência de 10 a 26 kilohertz. Uma vez que a variação do fluxo magnético é diretamente proporcional a voltagem induzida no secundário do transformador (fem induzida ), com a mudança da frequência do sinal aplicado ao primário, obtém-se diferentes variações de fluxo para diferentes frequências e, assim, pode-se controlar a tensão no secundário do transformador flyback . A imagem da máquina de raios X construída e do circuito de detecção (contador Geiger-Müller) são apresentadas na Figura6 abaixo.

Figura 6:
Imagem da máquina de raios X e do detector Geiger-Müller desenvolvido. Em (A), vista de cima, onde pode-se visualizar, da esquerda para direita, circuito oscilador, o transformador flyback no centro e, a direita, o protetor de chumbo. Em (B), uma visão lateral do dispositivo. Em (C), tem-se o suporte desenvolvido para a ampola Geiger, acoplada a um tubo de caneta, cuja tampa é utilizada para proteger a ampola. Em (D), uma visão interna dos principais componentes e, em (E), imagem do equipamento montado.

A disposição da máquina de raios X, o goniômetro e o contador Geiger, ambas as partes sobre uma base de madeira, são apresentados na Figura7. Foi obtido uma resolução de 1 para as medidas de ângulos utilizando o goniômetro. Tal configuração pode ser utilizada para verificação experimental de fenômenos de absorção e difração de raios X, sendo, portanto, a configuração padrão para estudo da relação de Bragg por onde pode-se obter informações sobre a estrutura cristalina dos materiais utilizados.

Figura 7:
Imagem do aparato montado, no qual pode-se verificar a disposição do equipamento em sua configuração de uso.

Com todo o aparato pronto e montado para ser utilizado em estudos de difração e intensidade, verificou-se que com a ampola 2X2A utilizada não seria possível obter uma emissão de raios X constante, o que inviabilizou sua utilização para estudos quantitativos. A utilização de uma válvula alternativa funcionando no modo cátodo frio, ou seja, a emissão dos elétrons não são via efeito termiônico em um filamento aquecido e sim via emissão de campo [35[35] V.T. Binh e C.H. Adessi, Physical review letters 85, 864 (2000)., 36[36] W. Lei, X. Zhang, X. Zhou, Z. Zhu, C. Lou e H. Zhao, Applied Surface Science 251, 254 (2005).], onde os elétrons tunelam a barreira de potencial do material do cátodo em função de um forte campo elétrico aplicado, inviabiliza o controle da quantidade de elétrons disponíveis para colisão no anodo e, consequentemente, o controle do número de fótons de raios X emitidos. Tal verificação se deu medindo a emissão da fonte de raios X utilizando o contador Geiger proposto e um contador Geiger industrial. Um segundo problema encontrado se deve ao processo de aterramento do equipamento, sendo necessário um aterramento de boa qualidade por trabalhar com tensões elevadas. Contudo, mesmo aterrando a placa da carapaça do equipamento nas paredes do laboratório, não se obtém boa estabilidade da fonte. Tentou-se distanciar a máquina do contador Geiger afim de verificar alguma influência, o que não foi constatado. Todavia, ao aterrar a máquina de raios X conectando-se a estrutura protetora de chumbo (totalmente isolada eletricamente da ampola), no aterramento da rede elétrica observa-se uma queda na quantidade de fótons lida pelo contador Geiger. O gráfico da Figura8 abaixo apresenta o resultado para três momentos de acionamento da máquina de raios X.

Figura 8:
Três curvas correspondentes a leituras do número de fótons emitidos pela válvula 2X2A para a mesma tensão e corrente de funcionamento. Ao tocar na estrutura protetora de chumbo, fazendo um aterramento, o número de fótons cai.

Em ambas as curvas lidas, para as mesmas configurações de corrente e tensão aplicadas a ampola (30 kilovolts e 40 microamperes), a contagem inicial de fótons é variável, bem como a sua evolução ao longo dos 150 segundos analisados. No que se refere a possível influência da carga estática decorrente de um mau aterramento, quando se aterra, conectando a estrutura protetora de chumbo a rede elétrica, ambas as curvas mostram uma queda na contagem de fótons, o que indica uma possível interferência de origem eletromagnética/ eletrostática influenciando o número de fótons lidos pelo contador. Ao aterrar, num período compreendido entre 60 e 80 segundos, as contagens por segundo (CPS) diminuíram em cerca de 10 vezes para ambas as curvas, apresentando um desvio de cerca de 25% da média de fótons lidos após o aterramento. A não possibilidade de um ajuste mais fino da emissão de fótons bem como a falta de uma constância na emissão para condições de tensão a corrente de funcionamento da ampola indicam a inviabilidade de utilização da válvula 2X2A para uso em experimentos onde se precisa conhecer com boa precisão o número de fótons que interage com a amostra, bem como mantê-lo constante ao longo do experimento. Desse modo, sugere-se que, para utilização de todo o aparato experimental desenvolvido, faça-se a substituição da válvula 2X2A por uma ampola industrializada. É possível adquirir tais ampolas em sites de venda na internet, como a ampola da marca Hebeijin modelo HBJ21 ao custo de cerca de 350 reais [37[37] https://www.alibaba.com/product-detail/hbj21-Dental-xray-tube-inserted_62504134046.html?spm=a2700.wholesale.0.0.5fe53a46tvwB3P, acessado em 07/06/2023.
https://www.alibaba.com/product-detail/h...
]. Tal ampola, do tipo Coolidge, possibilita maior controle no número de fótons de raios X emitidos, pois utiliza o modo de cátodo quente, onde, por meio de um aquecimento do filamento, pode-se controlar a quantidade de elétrons que colide com o material do ânodo, comumente de cobre. Para substituição da ampola, faz-se necessária acrescentar um estágio de controle da corrente no filamento, o qual está incrementado juntamente com o do circuito oscilador e disponibilizado na imagem da Figura S1 do Apêndice B.

Como forma de validar o contador Geiger produzido, eliminando as possíveis interferências causadas pela ampola 2X2A, verificou-se a estabilidade de uma fonte de raios X padrão, ampola modelo KL74-1.0-2.0-150, acionadas pelo circuito oscilador proposto com controle da corrente de filamento apresentado no esquema da Figura S1. O gráfico da Figura9 apresenta os resultados. Num período de aproximadamente 4 minutos, realizou-se medições da fonte, por onde pode-se verificar o funcionamento do equipamento bem como analisar a estabilidade da fonte. Nota-se um desvio de cerca de 3%, o que indica boa estabilidade na emissão da fonte industrial utilizando a estrutura eletrônica proposta, de modo que, com a fonte industrial, poder-se-ia realizar estudos quantitativos com boa precisão.

Figura 9:
Gráfico obtido utilizando o contador Geiger desenvolvido. Por um período de 4 minutos, o aparelho registou a contagem por segundo (CPS) de fótons emitidos pela fonte de raios X industrial acionada utilizando a eletrônica desenvolvida para a máquina de raios X proposta.

Na tentativa de se realizar um estudo sobre absorção de raios X utilizando a ampola alternativa 2X2A, realizou-se medidas utilizando o esquema da Figura5, cujos materiais analisados foram folhas de alumínio de espessura de 1 milímetro, com a máquina de raios X aterrada por meio do contato direto da estrutura da carapaça de chumbo com o aterramento da rede elétrica. Para cada ponto do gráfico da Figura10, foram analisadas medidas da CPS obtidas num intervalo de 5 segundos. Os pontos em azul no gráfico representam a média de 5 pontos coletados pelo contador Geiger.

Figura 10:
Estudo da absorção de raios X por folhas de alumínio utilizando a máquina de raios X aterrada.

Com o ajuste da equação (1) aos pontos experimentais do gráfico da Figura10, pode-se obter os valores dos parâmetros I0=65,6 cps e (μ/ρ)ρ=4,8cm-1. Desse modo, pode-se obter o valor do coeficiente de atenuação mássica (μ/ρ) e comparar com aquele encontrado na literatura. Os valores de (μ/ρ) para uma dada energia fixa dos raios X incidentes numa amostra de alumínio podem ser consultados em (39). Assim, pode-se estimar a energia dos raios X emitidos, com o auxílio da equação (2) abaixo, onde E=eV é energia adquirida pelo elétron, de carga elétrica e=1,60×10-19C ao ser acelerado pela diferença de potencial V=30kV aplicada ao tubo de raios X, como descrito acima. Após o processo de colisão do elétron com o material do anodo, um fóton de raios X de energia E=hυ é emitido, onde h=6,62×10-34m2.kg/s é a constante de Planck, υ é a frequência do fóton. Desse modo a energia do elétron é transferida para o fóton emitido, resultando em:

(2) E = e V = h υ = 1 , 60 × 10 - 19 C * 3 × 10 4 V 1 , 60 × 10 - 19 J * 1 e V = 0 , 03 M e V .

Consultando a referência [38[38] https://physics.nist.gov/PhysRefData/XrayMassCoef/ElemTab/z13.html, acessado em 22/02/2023.
https://physics.nist.gov/PhysRefData/Xra...
], para o alumínio, e considerando a energia do raio X incidente de 0,03 MeV, chega-se ao valor de (μ/ρ)=0,6cm2/g. Portando, sendo ρ=2,7g/cm3 a densidade do alumínio, obtemos para o nosso experimento (μ/ρ)=1,1cm2/g. Alguns aspectos importantes relacionados a essa estimativa devem ser ressaltados. Consideramos que o dispositivo proposto emite um feixe com energia fixa em 0,03 MeV, predominantemente a radiação característica associada ao material do anodo. O fato de o anodo aquecer com passar do tempo de funcionamento certamente altera a energia do feixe, de modo que provavelmente ela deva ser menor que 0,03 MeV. Outro fator está na imprecisão relacionada a medida da tensão de funcionamento do tubo, utilizando um divisor de tensão. Contudo, para fins didáticos, essa estimativa é construtiva e pode ser utilizada. A substituição do tubo por um industrial, como descrito acima, certamente levará a resultados mais precisos.

Outra possibilidade de utilização da máquina de raios X construída é a obtenção de radiografias de objetos variados. Foram obtidas radiografias utilizando os filmes digitais PSP discutidos anteriormente, o que apresentou ser uma alternativa viável e rápida para obtenção de imagens radiográficas. Uma imagem com as principais radiografias obtidas é apresentada na Figura11 abaixo. Note que a obtenção de radiografias, como era de se esperar, não é afetada pela inconstância do número de fótons de raios X emitidos pelo aparelho. Sendo assim, a válvula 2X2A pode ser utilizada para esse fim. A respeito da vida útil da válvula 2X2A operando no modo catodo frio para emissão de raios X, todos os testes aqui realizados, preliminares e definitivos, foram realizados com uma única válvula que ainda está em funcionamento. Sobre os estudos almejados sobre a difração de raios X utilizando o aparelho aqui proposto, em virtude de não se ter conseguido estabilidade na emissão de fótons utilizando a ampola alternativa 2X2A, não foi possível dar continuidade na investigação utilizando estruturas cristalinas para o estudo da difração. Contudo, acredita-se que, com a substituição da ampola alternativa pela proposta acima, será possível obter difratogramas utilizando o instrumental conseguido nesse trabalho. Tal substituição e estudo não foi possível nesse trabalho por razões diversas mas permanece em aberto para análises futuras.

Figura 11:
Radiografias obtidas utilizando a máquina de raios X desenvolvida. Em (A), radiografia de uma pequena abelha Mandaçaia (Melipona mandacaia ), (B) de um dos pés de um pardal encontrado já morto, (C) de um pequeno Lambarí, (D) de um relé eletromecânico, (E) de um cartão de memória micro SD e, em (F) de uma pequena lagartixa.

4. Conclusões

Nesse trabalho discutiu-se como desenvolver e construir uma máquina de raios X de baixo custo, um contador Geiger-Müller e um goniômetro, para estudos sobre difração de raios X, absorção e obtenção de radiografias. O equipamento tem alto potencial para ser empregado em ambientes de ensino, para enriquecer as aulas de física envolvendo radiações de alta frequência, como em cursos de laboratório de física moderna, os quais em grande parte não dispõem de tais equipamentos. Com o equipamento, pode-se também realizar experimentos de fluorescência de raios X, sendo necessário a utilização de uma amostra fluorescente com radiação incidente nessa faixa de frequência, assim como sobre o efeito fotoelétrico. A máquina construída mostrou-se muito eficiente na obtenção de radiografias e no estudo de absorção, porém em experimentos onde um controle preciso da intensidade da radiação emitida é necessária a válvula utilizada mostrou-se pouco eficiente devido a seu processo de emissão a frio. A substituição da válvula 2X2A por uma industrial (Apêndice B) a fim de poder-se ter melhor estabilidade na emissão para realização de experimentos quantitativos mais precisos é uma alternativa. Uma questão importante a ser destacada é sobre a segurança da utilização do dispositivo construído, uma vez que raios X são ionizantes e podem ser prejudiciais ao ser humano. A carapaça de chumbo é essencial para proteção dos usuários e operadores. Medidas realizadas no entorno da máquina com contador Geiger-Müller mostraram índices baixos de radiação, que demandariam uma exposição por tempos demasiadamente longos para serem prejudiciais a saúde humana, o que demonstra a segurança do aparelho. Mais detalhes sobre perigos e cuidados associados a radiação ionizante bem como relacionados a altas tensões podem ser encontrados no Apêndice C. Sendo assim, conclui-se que a construção de uma máquina de raios X utilizando materiais de baixo custo e fácil acesso é possível, desmistificando a ideia de que os princípios tecnológicos envolvidos na construção de alguns dos equipamentos científicos requerem grandes investimentos e são de difícil acesso. Por fim, no Apêndice A são discutidos de forma qualitativa dois experimentos, efeito fotoelétrico e fluorescência, que podem ser feitos utilizando a máquina de raios X proposta.

Agradecimentos

Os autores expressam seus agradecimentos aos professores Sukarno Olavo Ferreira e Joaquim Bonfim Santos Mendes pela leitura e comentários sobre o trabalho. Agradecemos também as agências de fomento CAPES (Código de Financiamento 001), CNPq e FAPEMIG pelo apoio financeiro.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Apêndice A

Apêndice B

Apêndice C

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2023
  • Revisado
    24 Maio 2023
  • Aceito
    01 Jun 2023
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