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Observando a influência da temperatura do ar na velocidade de propagação do som com auxílio de um telêmetro acústico

Observing the influence of air temperature on the speed of sound propagation with the aid of an acoustic rangefinder

Resumos

Neste trabalho apresentamos uma experiência simples que procura mostrar a influência da temperatura do ar atmosférico sobre a velocidade de propagação do som. A experiência consiste na observação simultânea da temperatura do ar e da velocidade de propagação do som, usando as próprias variações diurnas de temperatura. O experimento se baseia num telêmetro acústico e faz uso de uma placa Arduino Uno com um escudo datalogger.

Palavras-chave:
Propagação do som; telêmetro acústico; Arduino Uno


In this work we present a simple experiment that seeks to show the influence of atmospheric air temperature on the speed of sound propagation. The experiment consists of the simultaneous observation of air temperature and the speed of propagation of sound, using diurnal temperature variations. The experiment is based on an acoustic range finder and makes use of an Arduino Uno board with a datalogger shield.

Keywords:
Sound propagation; acoustic range finder; Arduino Uno


1. Introdução

Neste trabalho apresentamos uma montagem experimental simples que permite a observação da influência da temperatura na velocidade de propagação de uma onda sonora no ar atmosférico. Essa montagem experimental foi idealizada para uma aplicação educacional no Ensino Médio. Em geral, a propagação de ondas sonoras é abordada como um tópico de Acústica que, por sua vez, é estudada como um tópico da área de Movimento Ondulatório. No ensino de Acústica há uma ênfase em propriedades das ondas sonoras, tais como, reflexão, refração e interferência e pouca atenção é dirigida a propriedades propriamente mecânicas da propagação do som. Nos meios fluidos, em que tensões de cisalhamento estão ausentes, o som é uma onda longitudinal, onde as oscilações se dão ao longo da direção de propagação da onda.

Uma das formas alternativas de descrever a propagação do som é através do comportamento da pressão no meio fluido. O som pode ser entendido como ações de compressão e rarefação do fluido ao longo da direção de propagação [1[1] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (LTC Editora, Rio de Janeiro, 1996), v. 2, 4 ed.]. No meio fluido, a onda sonora pode ser descrita como uma “onda de pressão”, onde a pressão manométrica, Δp, é positiva ou negativa ao longo da direção de propagação da onda e ao longo do tempo. Nestes termos, a função de onda pode ser escrita, genericamente, como,

(1) Δ p ( r , t ) = f ( u r - v t ) ,

onde r é o vetor-posição, t é o tempo, u vetor unitário da direção de propagação e v a velocidade de propagação da onda.

A velocidade de propagação do som, no ar atmosférico, pode ser deduzida de forma bem acurada a partir de um modelo teórico simples [1[1] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (LTC Editora, Rio de Janeiro, 1996), v. 2, 4 ed.]. O modelo parte de uma fórmula geral para a velocidade de propagação de uma onda longitudinal em um meio elástico, dada por,

(2) v = B / ρ

onde ρ é a densidade e B é o módulo de elasticidade volumar do fluido, por sua vez, dado por,

B = - V . p V

onde p é pressão e V o volume de uma amostra do fluido. Nesta última relação, a derivada parcial da pressão em relação ao volume depende da transformação termodinâmica considerada. No caso do ar atmosférico, em condições ambientes, o modelo considera que a o ar se comporta como um gás ideal e que o processo compressão-rarefação na onda se dá de forma adiabática. Essas duas hipóteses têm como consequências um conjunto de equações termodinâmicas que, aplicadas ao gás ideal, nos permitem derivar a velocidade de propagação do som no ar atmosférico,

p = ρ R T M , Equação de estado do gás ideal;
Δ U = W + Q , Primeira Lei da Termodinâmica;
Q = 0 , Transformação adiabática;
Δ U = n c V Δ T , Energia Interna de um gás ideal;

onde, R, é a constante universal dos gases, T, a temperatura absoluta, M, a molécula-grama do gás, U, a energia interna, W, trabalho aplicado, Q, o calor trocado, n, o número de moles e cV, a capacidade térmica molar a volume constante do gás. Desse conjunto de equações podemos concluir que o modulo de elasticidade volumar, B, para um gás ideal numa transformação adiabática reversível, é dado por,

B = γ p
γ = c p c v

onde cp é a capacidade térmica molar a pressão constante do gás [2[2] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Fluidos, Oscilações e Ondas, Calor (Editora Edgard Blucher, 2002), v. 2.]. Aplicando estes resultados na relação para a velocidade de propagação da onda longitudinal, apresentada acima, obtemos [2[2] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: Fluidos, Oscilações e Ondas, Calor (Editora Edgard Blucher, 2002), v. 2., 3[3] N. Villas Boas, R.H. Doca e G.J. Biscuola, Tópicos de Física: termologia, ondulatória e óptica (Saraiva, São Paulo, 2001), v. 2.],

(3) v = γ R T M

A simples observação destas fórmulas nos remete a constatação de que a onda sonora é um fenômeno complexo, para o qual convergem vários conceitos, muito distintos entre si, e teorias de Mecânica e Termodinâmica que, finamente integrados, oferecem uma solução, ou seja, a compreensão de um problema. A fórmula (2) estabelece que a velocidade do som decorre de uma relação entre a propriedade elástica do meio, caracterizada por B, e a inercia do meio, caracterizada por ρ. A fórmula (3), por fim, resulta de como o princípio de conservação de energia regula as relações entre trabalho e energia potencial (energia interna) através das variáveis de estado.

O som, além das propriedades ondulatória já apontadas, apresenta um conjunto de aspectos conceituais que sugerem uma discussão mais detalhada, intermediada por uma aplicação prática. Na experiência, que passamos a descrever, utilizamos um telêmetro ultrassônico para medir o tempo de propagação (Δt), no ar, de um pulso sonoro, entre a emissão e a recepção da onda refletida (eco), considerando um alvo refletor mantido a uma distância fixa do emissor (L). Essa medida é repetida para diferentes temperaturas do meio. Assim sendo, como a distância, L, é fixa, as variações observadas no tempo de propagação são devidas às variações na velocidade do som que, por sua vez, são dependentes da temperatura do meio, como se quer mostrar. Uma experiência similar foi proposta por Jabon e Beck-Winchatz [4[4] D. Jabon e B. Beck-Winchatz, Measuring the Speed of Sound with an Ultrasonic Range Finder, disponível em: https://www.iastatedigitalpress.com/ahac/article/id/8335/, acessado em: 03/06/2023.
https://www.iastatedigitalpress.com/ahac...
], que usaram um telêmetro acústico para medir a velocidade do som. Para observarem a influência da temperatura sobre a velocidade do som, embarcaram o equipamento em um balão à gás. Foi reportando que o balão atingiu 17 km, enfrentando temperaturas muito baixas. Os autores puderam verificar que os valores medidos para a velocidade do som seguem o modelo teórico que apresentamos. A experiência por eles relatada foi, também, sugerida para aplicação no ensino.

A análise dos resultados é de natureza qualitativa e se baseia, como veremos, numa quantidade massiva de dados envolvendo a duração de propagação do pulso sonoro versus a temperatura do ar. A experiência é simples, pois é feita ao ar livre, aproveitando-se das variações de temperaturas naturais no meio ambiente. Essa característica elimina muitos problemas técnicos, como por exemplo, a homogeneidade da temperatura do meio. Se consideramos um volume de ar fechado, suficientemente grande para se poder medir o tempo de propagação de uma onda sonora no seu interior, variar e manter a temperatura homogênea, é fácil perceber, envolveria dificuldades técnicas difíceis de serem superadas e custos mais altos.

A montagem experimental pode ser acompanhada na Figura 1. O telêmetro é controlado por uma placa Arduino Uno, a qual mede a duração do tempo entre a emissão e a recepção do eco, mede a temperatura do ar através de um termistor NTC, e armazena os dados em um cartão de memória controlado por um escudo (shield) datalogger, próprio para a Arduino Uno. A execução da experiência envolve tempos longos de aquisição de dados para se aproveitar das variações diurnas de temperatura. O equipamento pode ser mantido em funcionamento contínuo na escola ou, até mesmo, em um ambiente domiciliar, de alunos ou do professor, alimentado por bateria ou uma fonte elétrica DC. Na Figura 2(a), mostramos uma foto do equipamento montado. Em algumas coletas de dados, o telêmetro foi direcionado para o teto, reduzindo sensivelmente a ocupação do espaço da sala. Na próxima seção apresentamos os detalhes da montagem experimental. Na Figura 2(b) mostramos uma vista ampliada dos dispositivos eletrônicos envolvidos.

Figura 1
Representação esquemática da montagem experimental. O telêmetro é a fonte emissora daonda sonora e receptora da onda refletida no anteparo (eco). A placa Arduino Uno controla o disparo do som e cronometra o tempo gasto até a recepção do eco. A placa Arduino mede a temperatura através de um termistor NTC e registra, ambas as medidas, no escudo datalogger (ver texto).
Figura 2
(a) – A fotografia mostra o equipamento montado sobre uma mesa, no interior de uma sala bem ventilada. A haste vertical suporta o telêmetro e o termistor NTC. Na base da haste está o conjunto Arduino e datalogger, alimentado por uma fonte 9,0 VDC. O telêmetro está alinhado para a emissão de pulsos na horizontal. A frente do telêmetro está uma placa plana vertical, o anteparo. (b) – Na fotografia, vemos uma ampliação da base (azul) mostrada no canto inferior direito da Figura 2(a). Sobre a base vemos o conjunto Arduino e datalogger, alimentados por uma fonte de tensão de 9 VDC. O telêmetro HC-SR04 está alojado em um pequeno suporte plástico (vermelho) especialmente desenhado para este fim e que pode ser facilmente adquirido com o telêmetro. O suporte com o telêmetro está fixado em uma haste vertical. Esta montagem é apenas uma sugestão e se deve a disponibilidades encontradas na oficina local.

2. Montagem Experimental

O experimento é baseado na placa Arduino Uno. Na montagem experimental, utilizamos como telêmetro o modelo, muito difundido em montagens de robótica como sensor de distância, muito versátil, HC-SR04. Nesse modelo, os dispositivos emissor e receptor são separados e possuem uma capacidade de deteção de distância na faixa de 2 cm – 400 cm, com uma tolerância nominal de 3 mm [5[5] E.J. Morgan, HCSR04 Ultrasonic Sensor, disponível em: https://www.alldatasheet.com/datasheet-pdf/pdf/1132203/ETC2/HC-SR04.html, acessado em: 03/06/2023.
https://www.alldatasheet.com/datasheet-p...
]. Ao ser acionado o telêmetro emite um trem de ondas, com oito picos, na frequência de 40 kHz.

O HC-SR04 possui quatro pinos para conexões denominados, VCC, Trig, Echo e Gnd. O pino VCC é a tensão de alimentação, +5 VDC. O pino Trig é usado para o disparo do trem de pulsos. Esse disparo é acionado por um sinal (TTL, 10 μs) enviado a partir de uma porta digital da Arduino. O pino Echo envia o sinal de recepção do pulso refletido (eco) para uma segunda porta digital da Arduino. Esse sinal é tipo TTL, com uma duração que corresponde ao tempo entre a emissão e a chegada da onda refletida (eco). Esse tempo pode ser acessado diretamente na Arduino e usado para determinar a distância do alvo a partir do valor da velocidade de propagação do som, distância = velocidade × tempo.

A medida da temperatura é realizada através de um termistor NTC do tipo 10K-2. Esse modelo é de uso muito difundido como sensor de temperatura, é muito barato e de fácil aquisição no mercado de componentes eletrônicos. Sua resistência nominal é de 10 kΩ na temperatura de 25°C. Para se determinar a temperatura é necessário medir a resistência do termistor. Como na Arduino não medimos diretamente a resistência, se faz necessário um divisor de tensão. Na Figura 3 apresentamos uma pequena inserção detalhando o divisor de tensão. O divisor de tensão é alimentado pela fonte de 5 VDC (V0) da Arduino e a resistor fixo (R0) é de 10 kΩ (2%). Como indicado nesta figura, a tensão dividida (VNTC) é medida em uma das portas analógicas da Arduino. A partir do valor medido, a resistência do termistor (R) pode ser facilmente obtida a partir da relação,

R = R 0 ( V N T C V 0 - 1 )
Figura 3
Figura esquemática mostrando as ligações elétricas. A imagem à esquerda, mostra o escudo datalogger conectado sobre a placa Arduino, visto de cima. Nesta orientação a placa Arduino Uno encontra-se abaixo, não sendo visível. A inserção à direita, mostra o divisor de tensão usado para medir a resistência do termistor NTC a partir da medida da DDP dividida, via porta analógica. O divisor de tensão foi fixado, por solda, na área de contatos do datalogger. O telêmetro HC-SR04 possui quatro pinos: dois pinos usados para a medida do tempo entre emissão do som e a recepção do eco, ligados a duas portas digitais e dois pinos de alimentação, GND e +5VDC (desenho feito com auxílio do programa Fritzing [6[6] Fritzing, v1.0.1, disponível em: https://fritzing.org.
https://fritzing.org....
]; a inserção à direita da figura foi feita com auxílio do programa Inkscape [7[7] The Inkscape Project, Inkscape, v1.3, disponível em: https://inkscape.org.
https://inkscape.org....
]).

A temperatura, por sua vez, é obtida a partir da resistência através de uma curva de calibração. Em nosso trabalho, fizemos uso da equação de Steinhart – Hart, muito utilizada em termometria,

1 T = A 0 + A 1 L n ( R ) + A 2 ( L n ( R ) ) 2 + A 3 ( L n ( R ) ) 3

A equação original foi proposta, em 1968, por John S. Steinhart e Stanley R. Hart [8[8] J.S. Steinhart e S.R. Hart, Deep Sea Research and Oceanographic Abstracts 15, 497 (1968)., 9[9] WIKIPEDIA, Steinhart–Hart equation, disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Steinhart%E2%80%93Hart_equation, acessado em: 03/06/2023.
https://en.wikipedia.org/wiki/Steinhart%...
] e não continha o termo quadrático. Esse trabalho foi fundamental para a popularização do uso do termistor como sensor de temperatura. Na equação, T é a temperatura absoluta (K), R é a resistência do termistor e os coeficientes Ai(i=0-3) são constantes a serem determinadas experimentalmente. No trabalho original, Steinhart e Hart consideraram que termo A2 se mostrava, em termos práticos, desprezível e apresentaram a relação final sem o termo quadrático. Uma avaliação mais recente dos coeficientes Ai foram apresentados, em outro trabalho mais recente, por engenheiros da empresa BAPI (EEUU), especializada em termômetros digitais [10[10] BAPI, Comments on the Steinhart-Hart Equation, disponível em: https://www.bapihvac.com/wp-content/uploads/SHH_Equation_Comments.pdf, acessado em: 03/06/2023.
https://www.bapihvac.com/wp-content/uplo...
]. Esses resultados foram utilizados no presente trabalho. Verificamos em ensaios realizados com o nosso equipamento que as medidas de temperatura obtidas são equivalentes às medidas feitas com um termômetro de dilatação de mercúrio (1/10◦C) em ± 0,5◦C.

Os dados são coletados em intervalos de tempo fixo, são processados e armazenados em um cartão de memória tipo SD, através de um escudo datalogger acoplado à placa Arduino. O escudo datalogger, para Arduino Uno, utilizado é um modelo genérico, de fácil aquisição no comércio, concebido originalmente pela empresa Adafruit (EEUU). O escudo contém um relógio digital integrado (RTC, Real Time Clock) baseado num oscilador de quartzo de 100 kHz, modelo RTC DS1307 [11[11] DALLAS, DS1307 64 X 8 Serial Real Time Clock, disponível em: https://www.alldatasheet.com/datasheet-pdf/pdf/58481/DALLAS/DS1307.html, acessado em: 03/06/2023.
https://www.alldatasheet.com/datasheet-p...
]. Essa unidade é suportada por uma bateria própria (3,0 V) e disponibiliza data, hora, minuto e segundo, com alta estabilidade. As medidas realizadas são armazenadas em um arquivo serial (ASCII) contendo quatro colunas, separadas por espaços simples, contendo: dia/mês/ano, hora: minuto: segundo, temperatura (◦C) e duração do pulso (ms). Essa formatação de saída de dados é muito flexível e pode ser alterada de forma simples para atender as mais diferentes necessidades. A placa datalogger possui uma pequena área de contatos (Figura 3) que pode ser utilizada para a fixação do divisor de tensão. Com essa solução simples evitamos o emprego de uma matriz de contato, melhoramos a qualidade dos contatos elétricos e a portabilidade do equipamento1. O termistor foi ligado por meio de um cabo paralelo, de duas vias, para facilitar o seu posicionamento no ambiente.

Na Tabela 1 relacionamos todos os componentes utilizados. Vale ressaltar que são componentes facilmente adquiridos no mercado nacional, via web, e os custos envolvidos são baixos. A relação completa dos itens utilizados foi orçada, através de uma busca simples em sites de vendas na web, no mês de junho/2023, em menos de R$ 200,00.

Tabela 1
Relação de materiais.

O programa (sketch) de controle foi desenvolvido a partir da IDE Arduino, tomando como base exemplos de utilização do escudo datalogger fornecidos pela empresa Adafruit [12[12] B. Earl, Adafruit Data Logger Shield, disponível em: https://learn.adafruit.com/adafruit-data-logger-shield, acessado em 03/06/2023.
https://learn.adafruit.com/adafruit-data...
]. Apresentamos a listagem do programa, com comentários, como Material Suplementar.

3. Resultados

Várias coletas de dados foram realizadas. Na Figura 4 mostramos um resultado típico. As medidas foram realizadas no interior de uma sala bem ventilada. O uso de um espaço fechado tinha por finalidade evitar a incidência direta de luz solar, ventos e chuvas ocasionais sobre o equipamento. Mostramos (Fig. 4) uma coleta de dados, tomados em intervalos de 1 minuto (DT), entre 14h 20min do dia 18/03/2023 e 12h 30min do dia 24/03/2023, totalizando aproximadamente 8500 medidas. Deste conjunto, foram removidos 64 pares de dados que apresentaram uma forte dispersão em relação à média. Cada medida da duração do tempo, entre a emissão do som e a recepção do eco, (Δt), e a medida da temperatura do ar, correspondem ao valor médio de 10 medidas sucessivas (N) em intervalos (Dt) de 1 segundo. Esses parâmetros DT, N e Dt são definidos no programa (sketch) e podem ser escolhidos de forma independente para cada experimento. Nas diversas experiências realizadas para este trabalho, L variou de 1,30 m a 1,80 m.

Figura 4
Os gráficos mostram o resultado de uma coleta de dados típica, entre o dia 18/03/2023 e o dia 24/03/2023. As medidas foram tomadas em intervalos de 1 minuto e os valores correspondem ao valor médio de 10 medidas sequenciais feitas em intervalos de 1 segundo. Vemos o comportamento da temperatura do ar (em vermelho, abaixo) em comparação com o tempo de propagação de uma onda sonora para percorrer uma distância fixa (variável duração, em azul, acima). Os gráficos evidenciam uma relação entre as duas grandezas, quando a temperatura aumenta a duração diminui e vice-versa.

Essas coletas de longa duração procuravam flagrar amplitudes térmicas diurnas altas, pois, quanto maiores as variações de temperatura, maiores as chances de observar o efeito da temperatura do ar sobre a velocidade do som. No entanto, na sequência dos dias mostrados na Figura 4, observamos que as amplitudes térmicas diurnas não excederam 5°C. Foi surpreendente, para os autores, observar que apesar das pequenas variações de temperatura o sistema de telemetria, baseado no HC-SR04, foi capaz de detectar uma, possível, influência da temperatura sobre a duração de propagação do som. Na faixa de temperaturas observadas vemos que a variação correspondente à duração de propagação não excedeu 0,16 ms. Como o efeito de dispersão dos dados de duração, representado pela largura da faixa delineada pelos pontos, foi menor do que este valor, foi possível observar uma relação entre essas grandezas. Na Figura 5 apresentamos uma ampliação da Figura 4, entre 07:30h e 15:30h do dia 20/03, onde podemos observar uma pequena elevação de temperatura e a correspondente reação na duração da propagação do som.

Figura 5
O gráfico mostra uma ampliação de uma pequena seleção do gráfico apresentado na Figura 4. Este pequeno detalhe mostra que para uma pequena variação de temperatura, ocorrida no dia 20/03/2023, com amplitude de 2◦C, é possível perceber uma alteração na velocidade de propagação do som.

As coletas de longa duração procuravam, também, estabelecer uma base consistente de comparação entre as duas grandezas envolvidas, isto é, qualquer associação encontrada entre essas grandezas deve ser reproduzida em toda a extensão de observação e, consequentemente, quanto maior o tempo de observação maior a confiança nas conclusões. Como vemos na Figura 4, um aumento de temperatura corresponde uma diminuição da duração de propagação, uma diminuição da temperatura corresponde um aumento da duração em todo o período de observação. Esse é, pois, o comportamento previsto teoricamente: a fórmula (3) mostra que a velocidade é uma função crescente da temperatura, de forma que Δt=2L/v varia inversamente com a raiz quadrada da temperatura absoluta,

Δ t 1 T

4. Conclusão

A partir deste estudo, podemos concluir de forma inequívoca que a temperatura exerce uma influência significativa na velocidade de propagação do som no ar atmosférico. O experimento utiliza dispositivos acessíveis, de fácil obtenção no mercado nacional. Por sua vez, esses dispositivos se mostraram adequados, sensíveis, para observar a influência da temperatura sobre a velocidade do som a partir de variações diurnas de temperatura pequenas, menores do que 5°C, variações essas que podem ser observadas, com facilidade, em diferentes regiões e diferentes épocas do ano.

Como vimos, o experimento, em linhas gerais, envolve a observação de uma relação entre certas grandezas físicas, uma relação de causa e efeito, e de caráter qualitativo. Como sugestão, considerando que se trata da observação de um fenômeno, o experimento poderia ser proposto como uma atividade de pesquisa cientifica. Poderia se propor aos alunos uma questão: a velocidade de propagação do som no ar, se mantém constante ao longo do dia? Essa questão pode ser facilmente respondida usando o telêmetro, sem a necessidade de envolver a medida de temperatura. Como vemos, na Figura 4, é possível concluir que a velocidade não é constante. Na sequência, o professor poderia organizar uma discussão que procuraria estabelecer uma linha de investigação sobre o que poderia estar influenciando a não-constância da velocidade do som. Um dos possíveis fatores a serem examinados seria a temperatura do ar. Uma segunda coleta de dados, envolvendo a medida concomitante de temperatura e o do tempo de propagação do som, como apresentamos, surgiria como uma investigação relevante.

É importante ressaltar que é possível fazer alterações simples na montagem experimental. Por exemplo, optamos em medir a temperatura do ar com um termistor NTC. O objetivo é criar um maior envolvimento dos alunos com o problema da calibração de termômetros e escalas termométricas, assuntos que são muito importantes em Termologia. O professor deve avaliar se seria esta uma boa oportunidade para tratar este assunto. Se não for este o caso, é possível substituir o NTC por um sensor de temperatura previamente calibrado na fábrica. Podemos lembrar os sensores analógicos da família LMx35 que podem ser facilmente calibrados por um único ponto, o sensor analógico LM35DZ que não necessita de calibração e, mesmo, sensores digitais como o DS18B20, já calibrados, com acurácia de ± 0,5°C.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online: Listagem do programa (sketch) de controle.

Referências

  • 1
    Devemos ressaltar que é, perfeitamente, possível fazer todas as conexões com auxílio de uma matriz de contatos (protoboard) pequena (170 pontos) e fios jumper macho-macho adicionais, evitando o uso de soldas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2023
  • Revisado
    04 Ago 2023
  • Aceito
    05 Ago 2023
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