Acessibilidade / Reportar erro

Momento de inércia em plano inclinado com uso de Arduino

Moment of inertia on an inclined plane using Arduino

Resumos

Em física, vários problemas são estudados considerando o objeto extenso como sendo uma partícula na ausência total de atrito. Para objetos em rolamento, esta aproximação acarretará em um grave desacordo entre a teoria e a experimentação, principalmente pelo fato de que, sem atrito entre o objeto e a superfície, não há rolamento. Neste trabalho, é apresentada uma proposta experimental para o estudo do rolamento, sem deslizar, ao longo de um plano inclinado, com o qual é possível obter o comportamento temporal da posição. Além da cinemática básica relativa ao deslizamento na ausência total de atrito, o momento de inércia dos corpos em rotação, cilindros, tubos e esfera, não pode ser suprimido da análise. O uso do Arduino, associado ao sensor HC-SR04, possibilita a obtenção de um grande número de pontos para posterior análise gráfica da posição do centro de massa em função do tempo para o objeto que rola a partir do repouso em um plano inclinado. As medidas obtidas com o uso do aparato proposto apresentam uma boa correlação com os resultados esperados, possibilitando a análise e estudo do experimento, bem como, é possível identificar, graficamente, a discrepância que poderia acarretar uma vez que se desconsiderasse o momento de inércia.

Palavras-chave:
Momento de inércia; Plano inclinado; Arduino; Experimentação


In physics, several problems are solved by considering the extended object as being a particle with all the mass concentrated in the center of mass and neglected dimensions, however for rotating and rolling objects this approximation will result in a serious disagreement between theory and experimentation. In this work we present an experimental assembly of a sliding body on an inclined plane, which can measure its position as a function of time and thus predict its velocity and acceleration. In addition to basic kinematics, the moment of inertia of rotating bodies will be considered. We will use bodies with different shapes and moments of inertia, experimentally identifying their contribution along the displacement. We propose the construction and use of an experimental apparatus using Arduino, collecting a large number of points, in which it is possible to analyze the temporal displacement of the center of mass of the object along the inclined plane with different angles, cylindrical and spherical objects, identifying the discrepancy when disregarding the moment of inertia of the rotating bodies.

Keywords:
Moment of inertia; inclined plane; Arduino; Experimentation


1. Introdução

O entendimento da estática e dinâmica de um objeto em um plano inclinado introduz diversos assuntos relacionados ao estudo do movimento. A rampa é uma ferramenta de acessibilidade cada vez mais presente no cotidiano e, muitas vezes, passa despercebida. É facilmente observado que o esforço de subida ou manutenção da posição é proporcional ao ângulo de inclinação com relação ao solo. É necessário relacionar essas percepções com temas da Física, pois é primordial para um ensino contextualizado, de modo que seja possível entender o Plano Inclinado (PI) não só como uma “máquina simples”, mas como uma fonte de observação e estudo de vários fenômenos físicos, como a dinâmica e a energia. Além disso, quando consideramos o rolamento do objeto, surgem conceitos como momento de inércia e momento angular que não podem ser negligenciados na análise do movimento do centro de massa do corpo [1[1] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgar Blucher, São Paulo, 2002), 4a ed.].

O experimento do plano inclinado pode ter sido o primeiro experimento científico moderno. Com esse experimento, mesmo sob a acusação de nunca o ter realizado, Galileu propôs que uma esfera em rolamento percorre distâncias proporcionais ao quadrado do tempo, tendo como limite a queda livre [2[2] R.P. Crease, Os 10 mais Belos Experimentos Científicos (Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006), 1a ed., p. 47].

Vários trabalhos apresentam propostas para identificar a posição de um objeto em rolamento, em um PI, em função do tempo de modo automático, usando sensores e dispositivos fixos para marcar o tempo a cada posição [3[3] R.R. Soares e P.F. Borges, Revista Brasileira de Ensino de Física 32, 2501 (2010)., 4[4] L.G.R. Genovese e J.A.R. Cunha, Física na Escola 14, 48 (2016).], bem como análise de vídeos [5[5] V.A. Silva e F.A.O. Cruz, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 37, 944 (2020).] e acompanhamento do movimento, de modo a identificar qual objeto chega primeiro [6[6] A.T.B. Celeste e M.L. Neto, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 693 (2011).]. Portanto, para a descrição completa do movimento do objeto em um PI, deve-se considerar a dinâmica de rotação, bem como, grandezas como momento de inércia e momento angular, de modo que não somente a massa desses objetos deve ser levada em conta, mas também a distribuição de massa em relação ao eixo de rotação [7[7] A.V. Andrade-Neto, J.A. Cruz, M.S.R. Miltão e E.S. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 3704 (2013)., 8[8] A. Goya, C.E. Laburú e P.S. Camargo Filho, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 2502 (2014).].

Há algumas propostas sobre o uso do Arduino para monitorar a posição de objetos em função do tempo, com excelente precisão de dados para experimento de queda livre [9[9] A.A. Moya, Physics Education 53, 055020 (2018).] e oscilador harmônico simples [10[10] P.D.M. Pereira e M.S. Souza, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210186 (2021).], dentre outros. O Arduino é uma plataforma de hardware livre e código aberto que possui várias aplicações. Ele pode ser utilizado por pessoas com pouca, ou nenhuma, experiência, por se tratar de uma plataforma de fácil acesso e aprendizado, além de ser uma ótima alternativa de baixo custo e apresentar diversos modelos no mercado. Essas são algumas das razões de sua popularidade entre projetos de automação, desde os mais simples até os mais complexos [11[11] A.L. Coutinho-Júnior, J.A. Monteiro, D.F. Costa e G.L. Sales, Revista Educere Et Educare 16, 175 (2021).]. O coração da placa é o seu microcontrolador, que permite utilizar vários sensores associados a ele, simultaneamente, de modo que possa fazer essa interação entre a tecnologia e o mundo real, permitindo uma análise e compreensão maior dos conceitos associados aos fenômenos físicos estudados [12[12] A.R. Souza, A.C. Paixão, D. Uzêda, M.A. Dias, S. Duarte e H.S.A. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 1702 (2011).].

Propomos um aparato experimental que usa o Arduino associado ao sensor ultrassônico HC-SR04 [13[13] ARDUINO, Ranging Module HC-SR04 (2016), Purlance Industry Co, disponível em: https://www.arduino.cc/.
https://www.arduino.cc/....
] para medir, de forma precisa, a posição do objeto em função do tempo, com pequenos intervalos, centésimos de segundos e, desse modo, construir sua função horária com o auxílio de um editor gráfico [14[14] FRITZING, Fachhochschule Potsdam, disponível em: https://fritzing.org/.
https://fritzing.org/....
]. Nesse caso, não são usados sensores físicos e, portanto, é possível coletar tantos pontos quanto o dispositivo HC-SR04 acoplado ao Arduino permita, sem influenciar no rolamento do objeto. Analisamos o deslocamento temporal do centro de massa do objeto ao longo do PI com diferentes ângulos e objetos de formatos cilíndricos e esféricos e momentos de inércias diferentes. Com isso, verificar a importância do momento de inércia no movimento rotacional do objeto em um plano inclinado.

2. Rolamento em um Plano Inclinado

Objetos em rolamento devem ser analisados considerando a translação do seu Centro de Massa (CM) e sua rotação. Para um cilindro, o rolamento sem deslizamento, ou rolamento puro, acontece quando cada ponto de sua periferia entra em contato, exclusivamente, com um ponto do plano da superfície sem deslizar. Logo, o centro de massa de um cilindro de raio R avança, a cada volta completa, uma distância 2πR.

A translação de um objeto está sujeita a diferentes forças externas, Fext, cuja soma vetorial é obtida com o uso da segunda Lei de Newton, dada por:

(1)Fext=Pt

Na Equação (1), P é o vetor momento linear. Para o movimento de rotação em torno do centro de massa, a equação de movimento é:

(2)τext=Lt

Na Equação (2), τext é o torque externo ao cilindro e L o seu momento angular. A Equação (1) é a lei fundamental da dinâmica de um corpo em translação e a Equação (2) desempenha o mesmo papel para a rotação. Portanto, comparando as Equações (1) e (2), o momento angular está para o momento linear, assim como o torque está para a força.

Para estudar o rolamento do cilindro ao longo de um PI foi construído o aparato apresentado na Figura 1, na qual mostra um cilindro de madeira em rolamento ao longo do PI com inclinação θ, além de apresentar, esquematicamente, as forças vetoriais que serão consideradas. Na parte superior do PI, foi colocado o sensor HC-SR04 acoplado à placa Arduino. Sua finalidade foi identificar a posição do objeto, ao longo do rolamento, a partir do repouso, e enviar os dados da posição, em cada instante de tempo, para o computador (PC) para posterior análise. O plano inclinado foi construído em madeira tipo MDF, com dobradiças na parte inferior, de modo a facilitar a mudança do ângulo.

Figura 1:
Montagem do PI com inclinação θ utilizado, detalhando, vetorialmente, as forças consideradas. No detalhe, o sensor HC-SR04 e o Arduino acoplado ao computador para a coleta de dados.

Para um cilindro de massa m em rolamento ao longo do eixo-x, a Equação (1) pode ser reescrita como

(3)mgsenθi^Fai^=maxi^
sendo ax o módulo da aceleração do centro de massa do corpo cilíndrico ao longo do eixo-x, g o módulo da aceleração da gravidade, que ao longo deste trabalho será adotado o valor de 9,81 m/s2.

A força de atrito Fa aponta no sentido do versor i^, sendo responsável pelo rolamento do objeto, uma vez que não há rolamento sem ela, e aplicada no ponto de contato entre o cilindro e a superfície do PI. De fato, não há um ponto de contato, mas sim uma pequena área de contato correspondente à deformação da superfície do plano e do cilindro, onde atua o denominado atrito de rolamento. Não obstante, esse efeito não será considerado neste trabalho [1[1] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgar Blucher, São Paulo, 2002), 4a ed.].

Os vetores da Equação (2) são paralelos e apontam na direção perpendicular ao plano-xy, ou seja, a Fa gera um torque responsável pelo rolamento do cilindro de raio R, de modo que essa equação pode ser reescrita como:

(4)FaRk^=Iαk^

Nesse caso, I é o momento de inércia do centro de massa do cilindro, ao passo que α é a aceleração angular, dada por α=axR1. Associando as Equações (3) e (4), o módulo do componente x da aceleração será:

(5)ax=11+ImR2gsenθ
considerando a rotação do objeto através do fator f=1+ImR21, que denominaremos de fator de correção da aceleração (f) na direção x para o rolamento. No caso f = 1, a Equação (5) descreve o deslizamento de um objeto na completa ausência de atrito entre o objeto e a superfície do PI. Assim, o objeto que rola a partir do repouso, na posição inicial x0 = 0, terá sua posição x em função do tempo t descrita por:
(6)x=12fgsenθt2.

O momento de inércia (I) de um corpo rígido em relação ao eixo de rotação apresenta papel análogo ao da massa no movimento de translação, por estar associado à medida da resistência de um corpo de variar sua velocidade angular. Assim, não depende da massa do corpo, mas sim de como aquela se distribui ao longo do eixo de rotação. Para um corpo rígido, o momento de inércia pode ser calculado por: I=limΔmi0iriΔmi, ou seja, a somatória de todos os elementos de massa Δmi com respeito à distância ri em relação ao eixo de rotação. Importante destacar que o momento de inércia de um corpo depende da escolha do eixo de rotação, não tendo o corpo um valor único de momento de inércia. Neste trabalho, em todos os casos, o momento de inércia é usado para a rotação em torno do eixo de simetria dos objetos, portanto, ele é mínimo, mas não pode ser negligenciado no estudo [15[15] R.A. Serway e J.W. Jewett Jr., Princípios de Física – Mecânica Clássica (Thomson, São Paulo, 2003), v. 1.].

Os objetos utilizados para rolar ao longo do PI são apresentados na Figura 2 com suas respectivas dimensões. Todos os objetos têm 2,5 cm de raio de giro e 10 cm de comprimento lateral para os objetos cilíndricos. O cilindro de madeira (C) tem massa 122 g; o tubo eletroduto de PVC (TE), 65 g, obtido de um corte de eletroduto facilmente encontrado no comércio, ou seja, material reaproveitado. Os tubos T68 e T40 foram fabricados em uma impressora 3D em material denominado PLA (polímero termoplástico), próprio desse tipo de impressora. A impressão em 3D permite controlar a densidade do objeto com certas limitações relacionadas à resistência e ao formato do material. Visualmente os tubos são iguais, mas apresentam massas distintas, respectivamente, 68 g e 40 g, fato perceptível, facilmente, por quem os manipulam. A esfera (E) é uma bola de bilhar, com massa 100 g, e apresenta diâmetro igual ao dos tubos. As dimensões foram escolhidas de forma que o sensor ultrassônico pudesse detectar os objetos enquanto rolavam no PI, fornecendo os dados de interesse.

Figura 2:
Diferentes materiais utilizados, da esquerda para direita: cilindro de madeira (C), tubo eletroduto (TE), tubos impressos 3D com massa 68 g (T68) e 40 g (T40) e esfera (E).

O momento de inércia de cada objeto é apresentado na Tabela 1, não sendo explicitados os detalhamentos matemáticos. No entanto, são facilmente encontrados em livros textos de física básica [15[15] R.A. Serway e J.W. Jewett Jr., Princípios de Física – Mecânica Clássica (Thomson, São Paulo, 2003), v. 1.]. O fator f também é apresentado para todos os objetos utilizados. O rolamento desses objetos ao longo do PI tem o potencial de despertar no discente o questionamento sobre qual objeto chegará primeiro ao final do PI. Os tubos T40 e T68, de massas diferentes, foram, propositalmente, construídos com as mesmas dimensões, de modo que o discente que esteja observando o experimento possa perceber o comportamento do rolamento, como descrito pela Equação (6), e que o fator f é puramente geométrico.

Tabela 1
Momento de inércia e fator f para os objetos utilizados.

3. Sistema de Aquisição de Dados

A montagem da Figura 1, juntamente com a plataforma Arduino e o sensor HC-SR04, permite identificar a posição e o tempo correspondente, de forma automatizada, para o objeto que rola ao longo do PI, medindo vários pontos com intervalos da ordem de centésimos de segundos, obtendo, em média, 50 medições ao longo da descida, com excelente precisão, como será visto adiante. Tal fato é impossível para sensores do tipo LDR comuns em equipamentos comerciais de laboratórios de ensino de Física.

O sensor HC-SR04 é um sensor ultrassônico que permite a medição de distâncias entre 20 e 4000 mm, composto por um emissor e um receptor de ondas ultrassônicas com frequência de 40 kHz [13[13] ARDUINO, Ranging Module HC-SR04 (2016), Purlance Industry Co, disponível em: https://www.arduino.cc/.
https://www.arduino.cc/....
]. Após emitidas, as ondas refletem no objeto em rolamento e retornam ao sensor, identificando, dessa maneira, a posição em cada intervalo de tempo. Como a velocidade do som no ar é muito maior que as velocidades estudadas, as medidas são consideradas como sendo instantâneas.

Quanto à Figura 3, ela mostra o esquema do circuito de acoplamento do Arduino com o sensor HC-SR04. A alimentação da placa e aquisição dos dados são feitas pelo mesmo cabo tipo USB-B que liga o Arduino ao PC.

Figura 3:
Esquema de montagem do circuito do acoplamento do HC-SR04 e o Arduino [14[14] FRITZING, Fachhochschule Potsdam, disponível em: https://fritzing.org/.
https://fritzing.org/....
].

O código fonte da programação é apresentado na Figura 4. O código em execução escreve os valores da posição e tempo no monitor serial do Arduino, organizados em duas colunas, limitado a distância máxima em 55 cm. Os dados podem ser transferidos e analisados em programa tipo editor gráfico.

Figura 4:
Código fonte utilizado para aquisição dos dados.

4. Resultados e Discussões

Nesta seção, serão apresentadas a execução e a análise dos dados coletados nos rolamentos dos objetos apresentados na Figura 2 no PI para, assim, avaliar como o aparato construído para realização do experimento e para a coleta de dados se adequa aos resultados esperados pela Equação (6). Serão apresentadas três seções: a primeira para o cilindro de madeira e tubo eletroduto; a segunda para os tubos geometricamente idênticos, T68 e T40; e a terceira para a esfera.

Os experimentos propostos consistem em obter os dados da posição em cada instante de tempo para os objetos em rolamento. Os objetos são abandonados, a partir do repouso na parte superior do PI, e, com isso, o sensor HC-SR04 mede sua posição temporal. Para os cilindros, o sensor consegue identificar pontos nos primeiros 55 cm de descida, já a esfera, em média, somente os 15 cm iniciais, devido o sensor não identificá-las em distâncias superiores a estes limites.

4.1. Cilindro (C) e Tubo Eletroduto (TE)

Nesta seção, foi usado o PI com 30° de inclinação. A Figura 5 apresenta, graficamente, os resultados obtidos pelo sensor ultrassônico para o rolamento do cilindro C para a posição em cada instante de tempo ao longo do rolamento. Os dados obtidos, experimentalmente, com o nosso aparato são as bolinhas laranjas. Já a curva contínua é obtida considerando o fator de correção f = 0,67 para Equação (6). Logo, tem-se uma ótima correlação entre o resultado experimental e o teórico. A linha tracejada mostra graficamente a Equação (6) para f = 1, ou seja, desconsiderando o momento de inércia, que é equivalente a um objeto em deslizamento sem atrito. Isso demonstra uma clara evidência da necessidade de considerar o momento de inércia de rotação I em torno do centro de massa para rolamento.

Figura 5:
Evolução da posição em função do tempo para o cilindro de madeira (C), bolinhas laranjas. A linha contínua representa a Equação (6) para f = 0.67 e a linha tracejada é considerando o caso f = 1.

O rolamento do tubo TE utilizando o aparato proposto é apresentado na Figura 6, bolinhas pretas abertas. A linha contínua é o gráfico x(t) para Equação (6) com o fator de correção, f = 0.53, apresentado na Tabela 1. Do mesmo modo que na Figura 5, a linha tracejada desconsidera o momento de inércia, ou seja, f = 1. Corroborando com os resultados obtidos na Figura 5, mostrando a importância de considerar o momento de inércia de rotação para esse tipo de movimento.

Figura 6:
Evolução da posição em função do tempo para TE, bolinhas pretas abertas. A linha contínua representa a Equação (6) para f = 0,53 e a linha tracejada para o caso de f = 1.

Os gráficos apresentados nas Figuras 5 e 6 mostram a importância de considerar o movimento de rotação, bem como a correlação entre os resultados obtidos pelo aparato experimental e o resultado esperado. Com a finalidade de quantificar a eficácia do aparato, foi feita a linearização dos dois últimos gráficos, ou seja, foi construído o gráfico x(t2). Nesse caso, o coeficiente angular γ pode ser obtido pelo método dos mínimos quadrados [16[16] R. Larson e B. Farber, Estatística Aplicada (Pearson, São Paulo, 2015) 6a ed.], dado por:

(7)γ=i=1nti2xin1(i=1nti2)(i=1nxi)i=1nti2n1(i=1nti2)2

Para n pares de dados de xi e ti2, no qual i representa o i-ésimo par de dados para os valores entre 1 e n.

O coeficiente linear esperado é nulo e não foi analisado. Os coeficientes angulares obtidos com o método dos mínimos quadrados para o rolamento de C e TE são apresentados, graficamente, na Figura 7, linhas contínuas, ou seja, a função x = γt2. Comparando γ com o termo que multiplica t2 na Equação (6) para C e TE, houve uma diferença de 3% e de 4%, respectivamente, confirmando a efetividade do aparato. Um software de planilhas foi utilizado com os n dados medidos de x e t2 para encontrar o parâmetro γ dado pela Equação (7).

Figura 7:
Construção gráfica x(t2) para o rolamento de C e TE em um PI de 30°. A linha contínua mostra a linearização com uso de regressão linear com o coeficiente angular obtido pela Equação (7).

4.2. Tubos geometricamente idênticos T40 e T68

O acesso à impressora 3D tem sido facilitado nos últimos anos, bem como os custos de impressão. Para o estudo no aparato proposto, construímos dois tubos geometricamente e visualmente idênticos com massas diferentes, 40 g e 68 g, denominados T40 e T68, respectivamente.

O pensamento aristotélico ainda persistente ou o desconhecimento do conceito de momento de inércia pode gerar, nos discentes, a dificuldade de se responder à pergunta: “Qual dos dois tubos gastaria menos tempo para chegar ao final do PI?” Mesmo o discente familiarizado com cinemática de queda-livre poderia apresentar dúvidas e concepções alternativas quanto à resposta. A presente proposta desta seção visa explicar, de forma experimental, as razões físicas presentes na resposta correta: “os dois tubos terão o mesmo tempo de descida, ao longo do PI, se soltos do mesmo ponto, a partir do repouso”.

A Figura 8 apresenta a posição em função do tempo rolamento dos tubos T40 e T68 para PI com inclinação de 15°. Os tubos são representados pelas bolinhas azul (T40) e vermelha (T68). A linha contínua mostra o comportamento esperado para os tubos dado pela Equação (6). Como ambos apresentam o mesmo fator f, conforme esperado, rolam com o mesmo comportamento temporal, em concordância da superposição de resultados. Isso comprova que f é um fator puramente geométrico.

Figura 8:
Evolução da posição em função do tempo para os tubos T40 e T68 em rolamento em um PI com 15° de inclinação. A linha contínua indica o comportamento gráfico esperado pela Equação (6).

A descida de T40 e T68 pode pregar uma peça na intuição de quem desconhece os conceitos envolvidos no experimento. Uma sugestão de experimento qualitativo de comprovar o comportamento supracitado é soltar os tubos, ao mesmo tempo, a partir do repouso e observar a “corrida” entre eles. Se bem executado, o experimento pode ser utilizado para se obter, visualmente e com uma certa ludicidade, a comprovação do comportamento obtido na Figura 8 e esperado pela Equação (6).

A Figura 9 apresenta duas fotografias em dois instantes diferentes, após soltar os tubos T40 e T68, simultaneamente, da parte superior do PI. A Figura 9(a) apresenta um instante inicial, t1, na parte superior do PI, e um instante posterior, t2, na Figura 9(b). É esperado que, independentemente da configuração da posição dos tubos, T40 e T68, obtenha-se o mesmo resultado, ou seja, os tubos levam o mesmo tempo para percorrer o PI sem se distanciar ou se aproximar, comprovando que ambos apresentam a mesma aceleração. Essas figuras também podem ser obtidas, e melhor analisadas, por meio de uma filmagem do rolamento para os T40 e os T68, soltos cuidadosamente no mesmo instante, a partir do repouso. Para uma análise ainda melhor do movimento ao longo da descida, pode-se utilizar a função câmera lenta, presente cada vez mais nas câmeras e aparelhos celulares modernos.

Figura 9:
Fotografia em dois instantes de tempo para os T40 e T68. Propositalmente não é identificado os tubos pois independentemente da posição a configuração se repete para t2t1, sendo os mesmos visualmente iguais.

4.3. Rolamento da Esfera (E)

Nesse caso, o sensor HC-SR04 não consegue identificar a posição da esfera ao longo de todo o PI, uma vez que, o mesmo se baseia na reflexão da onda ultrassônica e o formato da esfera não favorece esse tipo de medida. Nossas tentativas com esferas menores que 5,0 cm não foram satisfatórias e até mesmo as medidas realizadas apresentam uma evidente perda no número de pontos capturados quando comparado com o rolamento dos objetos anteriores.

As posições em função do tempo para a esfera (E) descendo o PI para inclinações de ângulos 10° e 30° são apresentadas na Figura 10. Mesmo que somente para alguns centímetros, verificamos uma boa correlação entre os valores medidos e o comportamento esperado da Equação (6) quando consideramos o fator de correção do momento angular para os dois ângulos escolhidos.

Figura 10:
Evolução da posição em função do tempo para uma esfera num PI de 10°, bolinhas azuis, e 30° bolinhas vermelhas. As linhas contínuas representam a curva esperada usando a Equação (6).

A Figura 11 mostra a linearização, x = γt2, dos resultados obtidos experimentalmente para o rolamento de E para ângulos de inclinação 10° e 30°. A linha contínua apresenta o comportamento esperado pela Equação (6) e a linha pontilhada a reta construída com o coeficiente angulares encontrados usando a Equação (7). Considerando duas casas decimais, tivemos uma diferença de 6% para a descida de E com inclinação de 10° e 3% para a inclinação de 30°, comparando o termo multiplicativo de t2 na Equação (6) e o coeficiente angular na Equação (7).

Figura 11:
Construção gráfica x(t2) para o rolamento de E em um PI de 10° e 30°. Os pontos representam os resultados experimentais e as linhas sólidas o resultado esperado pela Equação (6). As linhas pontilhas mostra a linearização com o γ obtido pela regressão linear na Equação (7).

Portanto, mesmo o sensor HC-SR04 não conseguindo identificar todas as posições da esfera no PI para os dois ângulos de inclinação, houve uma ótima correlação entre os valores medidos e o esperado pela Equação (6). Desse modo, mesmo com problemas de identificação da esfera, para os primeiros centímetros de rolamento, o aparato se mostrou eficiente.

5. Considerações Finais

A construção e utilização do aparato experimental sugerido utilizando o sensor ultrassônico HC-SR04 acoplado à placa controladora Arduino possibilitou a obtenção da posição de descida para os objetos utilizados em função do tempo, desde que as dimensões dos objetos em rolamento possibilitem a reflexão da onda ultrassônica. Em todas as medidas, houve uma excelente correlação entre os valores obtidos e os valores esperados, mesmo para as esferas, porém, por um intervalo de distância menor.

Os resultados obtidos pelo aparato podem ser enviados a um programa de planilha possibilitando a análise gráfica da descida, identificando assim a qualidade dos dados e sua proximidade com os resultados esperados.

O rolamento pode ser analisado com aparatos gráficos, objetos de massas diferentes, e até mesmo com geometrias idênticas, e construídos com impressoras 3Ds. Observamos, ainda, que, para uma mesma inclinação, suas massas não influenciam na aceleração do rolamento. Nesse caso, pode-se filmar o experimento e visualizar o comportamento teórico e contra intuitivo de que o objeto de menor e o de maior massa se comporta do mesmo modo. Destacamos, ainda, a possibilidade do uso de softwares de análise física de vídeos como o Tracker [17[17] TRACKER, Video analysis and modeling tool, disponível em: http://physlets.org/tracker/, acessado em: 30/06/2023.
http://physlets.org/tracker/...
], por exemplo, para o estudo gráfico desse tipo de experimento.

Portanto, o aparato apresentado se mostra como um experimento simples que permite a aquisição de dados para o estudo do momento de inércia em um plano inclinado assistida por uma plataforma de fácil uso, o Arduino. A partir disso, podemos levar para sala de aula uma ferramenta de aquisição de dados precisa e que não conta com sensores fixos ao longo da rampa, mas que pode capturar um número de medidas que seria impossível com sensores típicos colocados no percurso do plano inclinado.

Desse modo, em todos os casos, comprovamos a necessidade de se considerar o momento de inércia do objeto em rolamento, deixando claro que a cinemática sem o rolamento não é suficiente para descrever o experimento, evidenciando, desse modo, o momento de inércia como a resistência à alteração do movimento de rotação.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- Graduação – PROPPG – UFERSA pelo auxílio financeiro Edital PROPPG 12/2020 – Apoio a Grupos de Pesquisas e ao CNPQ.

Referências

  • [1]
    H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica (Edgar Blucher, São Paulo, 2002), 4a ed.
  • [2]
    R.P. Crease, Os 10 mais Belos Experimentos Científicos (Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006), 1a ed.
  • [3]
    R.R. Soares e P.F. Borges, Revista Brasileira de Ensino de Física 32, 2501 (2010).
  • [4]
    L.G.R. Genovese e J.A.R. Cunha, Física na Escola 14, 48 (2016).
  • [5]
    V.A. Silva e F.A.O. Cruz, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 37, 944 (2020).
  • [6]
    A.T.B. Celeste e M.L. Neto, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 693 (2011).
  • [7]
    A.V. Andrade-Neto, J.A. Cruz, M.S.R. Miltão e E.S. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 3704 (2013).
  • [8]
    A. Goya, C.E. Laburú e P.S. Camargo Filho, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 2502 (2014).
  • [9]
    A.A. Moya, Physics Education 53, 055020 (2018).
  • [10]
    P.D.M. Pereira e M.S. Souza, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210186 (2021).
  • [11]
    A.L. Coutinho-Júnior, J.A. Monteiro, D.F. Costa e G.L. Sales, Revista Educere Et Educare 16, 175 (2021).
  • [12]
    A.R. Souza, A.C. Paixão, D. Uzêda, M.A. Dias, S. Duarte e H.S.A. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 1702 (2011).
  • [13]
    ARDUINO, Ranging Module HC-SR04 (2016), Purlance Industry Co, disponível em: https://www.arduino.cc/.
    » https://www.arduino.cc/.
  • [14]
    FRITZING, Fachhochschule Potsdam, disponível em: https://fritzing.org/.
    » https://fritzing.org/.
  • [15]
    R.A. Serway e J.W. Jewett Jr., Princípios de Física – Mecânica Clássica (Thomson, São Paulo, 2003), v. 1.
  • [16]
    R. Larson e B. Farber, Estatística Aplicada (Pearson, São Paulo, 2015) 6a ed.
  • [17]
    TRACKER, Video analysis and modeling tool, disponível em: http://physlets.org/tracker/, acessado em: 30/06/2023.
    » http://physlets.org/tracker/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2023
  • Revisado
    28 Ago 2023
  • Aceito
    08 Set 2023
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br