Acessibilidade / Reportar erro

Concordância entre o aspirado traqueal e o lavado broncoalveolar no diagnóstico das pneumonias associadas à ventilação mecânica

Resumos

INTRODUÇÃO: Os exames de cultura e o exame bacterioscópico pelo método de coloração de Gram (GRAM) do aspirado traqueal ainda são objeto de controvérsias com relação ao diagnóstico etiológico na pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV). OBJETIVO: Avaliar a concordância entre os resultados do GRAM e da cultura quantitativa do aspirado traqueal e do lavado broncoalveolar nos pacientes com PAV. MÉTODO: Foram estudados de modo prospectivo os pacientes internados no período de outubro de 2001 a agosto de 2002, que estavam há mais de 48hs sob ventilação mecânica, e que apresentavam suspeita clínica de PAV. No momento da suspeita clínica foi realizado o aspirado traqueal seguido do lavado broncoalveolar. O diagnóstico de PAV foi confirmado com a suspeita clínica associada à cultura quantitativa do lavado broncoalveolar 10(4)ufc/ml. RESULTADOS: Dos 119 pacientes sob ventilação mecânica, 32 (26,8%) tiveram suspeita clínica de PAV, com confirmação diagnóstica em 25 (78%) deles. A comparação entre o GRAM do aspirado traqueal e a cultura do lavado broncoalveolar mostrou uma moderada concordância (coeficiente de Kappa de 0,56). Houve concordância entre a cultura quantitativa do aspirado traqueal e do lavado broncoalveolar em 22/25 (88%) e discordância em 3/25 (12%) casos (coeficiente de Kappa de 0,71). A sensibilidade e a especificidade do aspirado traqueal para o diagnóstico de PAV com o ponto de corte 10 6 ufc/ml foram de 71% e 72%, respectivamente. CONCLUSÃO: A combinação do GRAM com a cultura quantitativa do aspirado traqueal pode contribuir para a avaliação diagnóstica da PAV.

Líqüido de lavagem broncoalveolar; Pneumonia; Respiração artificial; Estudos prospectivos


BACKGROUND: The value of endotracheal aspirate cultures and of the GRAM stain test for the etiologic diagnosis of ventilator-associated pneumonia (VAP) still remains controversial. OBJECTIVES: To assess the consistency between the results of quantitative cultures and GRAM stain tests of the endotracheal aspirates and the bronchoalveolar lavage in patients with VAP. METHOD: Between October/2001 and August/2002, we prospectively studied all patients under mechanical ventilation for more than 48 hours with clinical suspicion of VAP. At the time of clinical suspicion, an endotrachealaspirate followed by a bronchoalveolar lavage was performed. Diagnosis of VAP was defined when clinical suspicion was confirmed by a positive quantitative culture (>104cfu/ml) in the bronchoalveolar lavage. RESULTS: Among 119 patients, 32 (26.8%) were suspected of having VAP, with confirmation in 25 (78%). Comparison between GRAM test of endotracheal aspirates and culture results of the bronchoalveolar lavage showed a moderate consistency (Kappa coefficient: 0.56). The was consistency between quantitative cultures of endotracheal aspirate and bronoalveolar lavage in 22 (88%) at the patients and no consistency in 3 (12%). (Kappa coefficient: 0.71). The sensitivity and specificity of the endotracheal aspirate culture with cut off of 106 cfu/m were 72% and 71%, respectively. CONCLUSION: The combination of GRAM stain test and quantitative cultures of the endotracheal aspirates may contribute to the diagnostic evaluation of VAP.

Bronchoalveolar lavage; Pneumonia; Respiration, Artificial; Prospectives studies


ARTIGO ORIGINAL

Concordância entre o aspirado traqueal e o lavado broncoalveolar no diagnóstico das pneumonias associadas à ventilação mecânica * * Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva Respiratória do Serviço de Pneumologia do Hospital de Messejana, Fortaleza, Ceará.

Maria Verônica Costa Freire de Carvalho; Geórgia Freire Paiva Winkeler; Fabrício André Martins Costa; Tereza de Jesus Gomes Bandeira; Eanes Delgado Barros Pereira; Marcelo Alcantara Holanda

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Verônica Costa Freire de Carvalho Rua Monsenhor Bruno, 780, Apto 401 Meireles. Fortaleza, Ceará, CEP: 60115-190 Tel (85) 461-1180 e-mail: mvcfc@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os exames de cultura e o exame bacterioscópico pelo método de coloração de Gram (GRAM) do aspirado traqueal ainda são objeto de controvérsias com relação ao diagnóstico etiológico na pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).

OBJETIVO: Avaliar a concordância entre os resultados do GRAM e da cultura quantitativa do aspirado traqueal e do lavado broncoalveolar nos pacientes com PAV.

MÉTODO: Foram estudados de modo prospectivo os pacientes internados no período de outubro de 2001 a agosto de 2002, que estavam há mais de 48hs sob ventilação mecânica, e que apresentavam suspeita clínica de PAV. No momento da suspeita clínica foi realizado o aspirado traqueal seguido do lavado broncoalveolar. O diagnóstico de PAV foi confirmado com a suspeita clínica associada à cultura quantitativa do lavado broncoalveolar 104ufc/ml.

RESULTADOS: Dos 119 pacientes sob ventilação mecânica, 32 (26,8%) tiveram suspeita clínica de PAV, com confirmação diagnóstica em 25 (78%) deles. A comparação entre o GRAM do aspirado traqueal e a cultura do lavado broncoalveolar mostrou uma moderada concordância (coeficiente de Kappa de 0,56). Houve concordância entre a cultura quantitativa do aspirado traqueal e do lavado broncoalveolar em 22/25 (88%) e discordância em 3/25 (12%) casos (coeficiente de Kappa de 0,71). A sensibilidade e a especificidade do aspirado traqueal para o diagnóstico de PAV com o ponto de corte 10 6 ufc/ml foram de 71% e 72%, respectivamente.

CONCLUSÃO: A combinação do GRAM com a cultura quantitativa do aspirado traqueal pode contribuir para a avaliação diagnóstica da PAV.

Descritores: Líqüido de lavagem broncoalveolar/métodos. Pneumonia/diagnóstico. Respiração artificial. Estudos prospectivos.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

At - Aspirado traqueal

ATS – American Thoracic Society

Ci - Células infectadas

Ebp - Escovado brônquico protegido

GRAM – Exame bacteriostático pelo método de coloração de Gram

LBA- Lavado Broncoalveolar

MSSA – Staphylococcus aureus meticilino sensível

NCCLS - National Committee of Clinical Laboratory Standard

PAV - Pneumonia associada à ventilação mecânica

PMN – Polimorfonucleares

RR – Risco relativo

SBPT – Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

SDRA – Síndrome do desconforto respiratório agudo

UFC – Unidades formadoras de colônias

UTI-r – Unidade de Terapia Intensiva Respiratória

VPN – Valor preditivo negativo

VPP – Valor preditivo positivo

Introdução

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é uma complicação grave e freqüente nos pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). É uma infecção prevalente, sendo o risco de aquisição três a dez vezes maior nos pacientes sob ventilação mecânica invasiva (1). A mortalidade atribuída à PAV varia entre 24% e 50%, e pode atingir 76% em alguns locais específicos, ou quando a infecção é causada por germes com alta infectividade (2). Os germes multirresistentes em potencial são os grandes responsáveis pela alta taxa de mortalidade. Trabalhos mostram que o tratamento antibiótico inapropriado é um fator independente para aumentar a taxa de mortalidade (3), uma vez que implica na falha do tratamento e possível desenvolvimento de germes multirresistentes. Portanto, a identificação rápida e precisa do agente etiológico, evitandose o uso empírico de antibióticos, pode interferir diretamente no prognóstico dos pacientes (4). Há controvérsias na literatura quanto ao real impacto que a identificação do agente etiológico teria em alguns subgrupos de pacientes (3,5-7). No subgrupo dos pacientes com PAVs causadas por germes considerados patógenos endógenos primários (Staphylococcus aureus meticilino sensível, Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae), há dúvidas se a PAV influenciaria a taxa de mortalidade (3). Por outro lado, quando os agentes etiológicos responsáveis são germes com alto poder de infectividade como Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus meticilino resistente (MRSA) ou Acinetobacter baumannii, há uma alta taxa de mortalidade, com risco relativo (RR) de 20,2. Possivelmente, nestes casos, os testes microbiológicos modificariam o prognóstico (5-7). É questionável também qual o real impacto na evolução dos pacientes quando se utiliza métodos invasivos ou não na identificação do agente etiológico. Estudos recentes não mostram diferenças na taxa de mortalidade e morbidade ao se utilizar métodos invasivos ou não (8-10). No entanto, um estudo multicêntrico (11) mostrou que as técnicas invasivas, incluindo o lavado broncoalveolar (LBA) e escovado brônquico protegido (EBP), implicam em menor taxa de mortalidade e morbidade e menos dias de uso de antibiótico, do que as técnicas não invasivas, como o aspirado traqueal (AT).

Recentes evidências sugerem que o impacto da investigação etiológica na evolução da PAV estaria relacionado ao tempo certo de identificação do microorganismo. Em pacientes com antibioticoterapia inadequada, o retardo na mudança do esquema terapêutico, pela espera do resultado microbiológico, interferiria no prognóstico desfavoravelmente (12). No entanto, se a mudança do antibiótico ocorresse baseada no diagnóstico etiológico precoce (dentro de 12hs da suspeita clínica), causaria provavelmente impacto positivo na evolução do paciente (13).

Apesar dos grandes avanços e estudos empenhados em definir o melhor método diagnóstico da PAV, ainda não temos o padrão ouro.

Vários estudos têm sugerido que a cultura quantitativa do AT pode ter igual valor diagnóstico, quando comparada com as técnicas invasivas, tais como o LBA e o EBP (14-20).

O objetivo principal deste estudo foi avaliar o grau de concordância dos resultados de culturas entre o AT e o LBA. Além disso, avaliamos o valor do exame direto das amostras pelo GRAM no diagnóstico de PAV.

Método

Foram estudados de modo prospectivo, aberto, não controlado, os pacientes internados na UTI-respiratória (UTI-r) entre outubro de 2001 e agosto de 2002 que estavam há mais de 48hs sob ventilação mecânica, com suspeita clínica de PAV, considerando-se a presença de radiografia de tórax com infiltrado pulmonar novo ou evolução de um existente, acompanhado de mais dois dos seguintes critérios: leucocitose (>12.000/mm3) ou leucopenia (< 4000/ mm3), febre (380C) ou hipotermia (350C), e secreção traqueal purulenta. No momento da suspeita clínica foi preenchida ficha protocolar e coletado pelo mesmo profissional o AT, seguido do LBA, com imediato processamento das amostras. Todas as análises citológicas e microbiológicas foram realizadas pelo mesmo microbiologista. Foram colhidas ao mesmo tempo duas amostras de hemocultura. O estudo excluiu os pacientes com SIDA, transplantados e que apresentassem contraindicações para realização da broncoscopia para fins diagnósticos de pneumonia, (24) como infarto agudo do miocárdio (IAM) <24hs, arritmias instáveis, pressão arterial média (PAM) <65 mmHg, plaquetas < 60.000/mm3, e ocorrência de bradicardia nas últimas 24hs.

A UTI-r consiste em unidade de seis leitos de um Hospital de nível terciário, de ensino, destinada ao manejo de pacientes em insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada, e ao tratamento das doenças cardiopulmonares, que em sua maioria necessitam de assistência ventilatória mecânica. Em geral, os pacientes admitidos são graves e comumente transferidos de outras UTIs.

Todos os pacientes com suspeita clínica de PAV foram acompanhados diariamente com o auxílio de uma ficha protocolar, na qual constava: identificação, idade, sexo, data da internação na UTI-r e inclusão no estudo, data da intubação, doença de base, co-morbidades, escore de APACHE II, causa da internação, anotação diária do número de leucócitos e de plaquetas, temperatura, aspecto da secreção traqueal, antibiótico antes e após a coleta do material, dias de uso de antibiótico, descrição sumária da evolução radiológica e aspecto macroscópico da broncoscopia. Os pacientes foram acompanhados do dia da inclusão no estudo até a melhora clínica, radiológica e laboratorial da pneumonia, ou óbito. Consideramos resolução da pneumonia a melhora clínica associada aos seguintes critérios: normalização da temperatura, diminuição do volume e clareamento da secreção traqueobrônquica, desaparecimento do infiltrado radiológico e normalização no número de leucócitos. O paciente que, após a resolução da pneumonia, apresentasse posteriormente novos critérios clínicos para PAV, poderia ser novamente incluído no estudo.

No momento da suspeita clínica, o esquema antibiótico era prescrito pelo médico assistente de acordo com o protocolo existente na UTI-r, que segue os consensos da American Thoracic Society (ATS) (22) e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) (23). As modificações antibióticas eram da responsabilidade do médico assistente, com base em critérios clínicos e no acesso posterior aos resultados das culturas do LBA.

Para submetermos os pacientes ao AT e ao LBA utilizamos sedação com midazolam ou fentanil. Anestésico tópico não foi utilizado. Aumentamos a FIO2 para 100% e monitoramos pressão arterial, freqüência cardíaca e saturação de oxigênio à pulso-oximetria durante o procedimento. O aspirado traqueal foi realizado com sonda de aspiração traqueal (sonda nº 12, de PVC siliconizado; Embramed – São Paulo) passada através do tubo endotraqueal até aproximadamente 24cm e através da qual foi aspirada a secreção para um tubo coletor de polipropileno (Bronco coletor; Intermedical-Setmed tecnologia hospitalar – São Paulo). Caso não apresentasse secreção no momento da coleta, até 5ml de solução salina foi injetada e rapidamente aspirada. Esse procedimento foi realizado sem interrupção da ventilação mecânica, através de adaptador especial para o tubo traqueal ou traqueóstomo.

Após o AT, introduzimos o broncoscópio (BF30; Olympus®) para a realização do LBA. O aparelho foi introduzido sem aspiração através do tubo traqueal até o sítio sugerido pelas alterações no radiografia do tórax. O segmento comprometido foi selecionado e o broncoscópio foi impactado em seu óstio. Em seguida, cinco alíquotas de 20ml de soro fisiológico a 0,9% foram injetadas e aspiradas. A primeira alíquota foi desprezada. A média do fluido aspirado para ser processado foi de 45±10ml. As amostras coletadas foram imediatamente levadas para o laboratório, não sendo ultrapassado o tempo de 20 minutos entre a coleta e a chegada ao laboratório. Foram realizadas as análises citológica e GRAM, com os resultados liberados nas primeiras 24hs, e a cultura quantitativa nas 48hs a 72hs seguintes.

O diagnóstico da PAV foi confirmado através da presença de suspeita clínica associada à cultura quantitativa do LBA com ponto de corte de 104 ufc/ml e evolução radiológica. O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Messejana e seguiu a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

As análises citológica e bacterioscópica do AT e LBA foram processadas de acordo com as recomendações propostas por Baselski (24). Na avaliação da qualidade da amostra (se contaminada ou não) foram consideradas inadequadas, e portanto desprezadas, aquelas com percentual de células epiteliais >1% para o LBA e >10% para o AT(7). As amostras foram tratadas pelo GRAM, identificando-se polimorfonucleares (PMN), e número de bactérias e células infectadas. O GRAM foi classificado de acordo com a seguinte graduação em campo com aumento de 400 vezes: a) PMN > 25/campo; 10-25/campo; 1-10/campo; < 1/campo; b) bactérias com técnica de imersão >10/campo; 1-10/campo; < 1/campo; c) células infectadas >2%; <2% dos PMN.

As amostras recebidas foram centrifugadas a 3000rpm durante 15 minutos. A seguir o sobrenadante foi desprezado e o precipitado, novamente suspenso, foi diluído a uma concentração final de 1:10 de solução salina estéril, após ter sido fluidificada e agitada manualmente. Retirou-se uma amostra com alça calibrada de 0,01ml e semeou-se em três placas: de ágar-chocolate, ágar-sangue, e MacConkey e incubadas a 37oC por 24 horas. Para se atingir o ponto de corte padronizado de 104ufc/ml, era necessário que a quantidade da colônia avaliada fosse igual ou superior a 10 ufc na placa. Os resultados foram expressos em ufc/ml. Utilizamos para o AT o ponto de corte de 105 e para o LBA, o de 104ufc/ml. Todos os microorganismos isolados foram identificados e tiveram a sua sensibilidade determinada por métodos padronizados pelo NCCLS (National Committee of Clinical Laboratory Standard) (24).

Os radiografias do tórax na admissão, inclusão e resolução da PAV foram arquivados e avaliados posteriormente por dois pneumologistas sem conhecimento dos aspectos clínicos, embora de forma não independente. A avaliação radiológica foi feita somente nos pacientes com suspeita clínica de PAV. O objetivo único dessa avaliação foi o de se confirmar o diagnóstico de PAV, ao levar-se em conta a revisão dos radiografias de admissão na UTI, no momento da suspeita clínica e nos dias subseqüentes, para verificar a persistência ou não do infiltrado radiológico. A partir dessas avaliações é que definimos como infiltrado não compatível com PAV aqueles que desapareceram em menos de 24hs a 48hs.

Utilizamos o coeficiente de Cohen-Kappa para avaliarmos o grau de concordância entre o resultado do GRAM e a cultura quantitativa, do aspirado traqueal e do lavado broncoalveolar respectivamente. Foram considerados os seguintes valores: >0,81: muito boa concordância; 0,61 a 0,80: boa concordância; 0,41 a 0,60: moderada concordância; e <0,20: baixa concordância.

Utilizamos as fórmulas padrões para calcular a sensibilidade, especificidade, os valores preditivos positivos (VPP) e os valores preditivos negativos (VPN). Procuramos identificar diferenças entre os pacientes com PAV confirmada e aqueles em que ela não foi confirmada. Para tanto, utilizamos o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher para as variáveis categóricas, e o teste t de Student, ou teste de Mann-Whitney quando apropriado, para as variáveis contínuas. Para os valores estatisticamente significantes, consideramos o valor de p<0,05 para rejeição da hipótese de nulidade.

Resultados

Dos 119 pacientes sob ventilação mecânica no período de outubro de 2001 a agosto de 2002, 32 (26,8%) tiveram suspeita clínica de PAV com confirmação diagnóstica em 25 (78%) deles. Dos 7 pacientes não confirmados, 3 apresentaram infiltrado radiológico de evolução não compatível para o diagnóstico de PAV, e 4 tiveram cultura do LBA negativa. As características gerais dos pacientes dos grupos PAV e não PAV (N/PAV) estão mostradas na Tabela 1.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos em relação ao sexo, idade, leucócitos e co-morbidades. Todos do grupo N/PAV estavam em uso de antibióticos antes da inclusão no estudo. Do grupo PAV apenas um paciente estava há 24hs sem antibiótico. Houve mudança na antibioticoterapia em 72% dos pacientes do grupo PAV após avaliação clínica inicial e resultado das culturas. No grupo PAV a taxa de mortalidade foi de 48% (12/25) e dos 13 sobreviventes, 10 (78%) pacientes apresentavam germes sensíveis à terapêutica instituída e dos 12 não sobreviventes, 6 (50%) apresentavam germes com resistência total ou intermediária à terapêutica instituída inicialmente (p=0,21). No grupo PAV 20/25 (80%) estavam em uso de antibiótico há pelo menos uma semana. O grupo PAV tinha mais tempo de ventilação mecânica até a inclusão no estudo (15 dias) que o grupo N/PAV (7 dias) (p=0,005).

Classificamos as pneumonias em precoce (as que ocorriam com menos de 5 dias de ventilação mecânica) e tardia (mais de 5 dias) (26) e identificamos seus respectivos agentes etiológicos. Dos 25 pacientes com PAV, 21 (84%) desenvolveram pneumonia tardia, tendo como agentes etiológicos: Pseudomonas aeruginosa (n=10), Acinetobacter baumanii (n=7), polimicrobiano (n=2), Klebsiella pneumoniae (n=1), Proteus sp (n=1). Apenas 4 pacientes desenvolveram pneumonia precoce, com os seguintes agentes etiológicos: Escherichia coli, Staphylococcus aureus meticilino sensível (MSSA), Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii.

Resultados do estudo do GRAM no AT e no LBA

Na análise de qualidade das amostras do estudo, nenhuma apresentou no AT e LBA número de células epiteliais maior que 10/campo e 1/campo respectivamente. A análise citológica dos espécimes mostrou os seguintes resultados: os pacientes com PAV apresentaram níveis mais elevados dos parâmetros sugestivos de infecção no GRAM. Dos 25 pacientes com PAV, 16% apresentaram células infectadas (CI), >2% no AT e 12% no LBA, enquanto que no grupo dos N-PAV elas não ocorreram; 56% apresentaram leucócitos em número maior que 25/campo no AT e 40% no LBA no grupo com PAV, contra 28% e 0% no N-PAV; e 64% do grupo PAV apresentaram bactérias >10/campo no AT e 52% LBA, enquanto que os números foram 14% e 14% no grupo N-PAV (Figura 1). Os resultados encontrados ao utilizarmos pelo menos dois desses parâmetros positivos para infecção estabelecidos por Salata et al. (27), encontramos no AT uma sensibilidade para o diagnóstico de PAV de 48% e especificidade de 85% com valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) de 92% e 31%, respectivamente. Quando consideramos os três parâmetros positivos a sensibilidade foi de 48%, e a especificidade de 100%, com VPP de 100% e VPN de 35% (Tabela 2).


Bacteriologia

Estabelecemos uma escala de concordância qualitativa entre o bacilo detectado pelo GRAM e o resultado da cultura quantitativa para o AT e o LBA. Definimos concordância total, parcial e sem concordância para os dois métodos. Concordância total foi definida quando o GRAM mostrava uma bactéria G - ou G+ e na cultura crescia um G - ou G+ respectivamente ou quando o GRAM não identificava bactéria e a cultura era negativa; concordância parcial foi considerada quando o GRAM mostrava bactéria G - e G + e a cultura identificava apenas um dos dois, ou G- ou G+; e sem concordância quando o GRAM mostrava G - ou G+ e cresciana cultura um G+ ou G-, respectivamente. No AT, a concordância foi total em 72%, parcial em 8% e não houve concordância em 20% dos casos. Houve, portanto moderada concordância entre o GRAM e o resultado da cultura quantitativa do AT coeficiente de Cohen-Kappa de 0,49). No LBA, dos pacientes com PAV (n=25) houve concordância total em 76%, parcial em 4% e sem concordância em 20% (coeficiente de Cohen-Kappa de 0,45), o que também foi considerado uma moderada concordância (Figura 2). Ao avaliarmos a sensibilidade e especificidade do GRAM (presença ou não de bactérias) no AT para o diagnóstico de PAV, encontramos valores de 71% e 28%, respectivamente. Para o GRAM do LBA, a sensibilidade e a especificidade foram de 80% e 28%, respectivamente. Ao compararmos finalmente o GRAM do AT com a cultura quantitativa do LBA, houve concordância total em 72%, parcial em 4%, e ausência de concordância em 24%, o que foi considerado uma moderada concordância (coeficiente de Cohen-Kappa de 0,56) (Figura 3). Ao avaliarmos a concordância entre os resultados das culturas do AT e do LBA quanto à identificação do agente etiológico, encontramos concordância em 22/25 pacientes (88%) e discordância em 3/25 (12%). A concordância observada foi satisfatória (78%), com coeficiente de Cohen-Kappa de 0,71 (boa correlação) (Figura 4). A sensibilidade da cultura qualitativa (presença ou não de bactéria) do AT foi de 83%, a especificidade de 41%, o valor preditivo positivo (VPP) de 84% e o valor preditivo negativo (VPN) de 50%.




A sensibilidade e a especificidade da cultura quantitativa do AT para o diagnóstico de PAV foram analisadas através dos pontos de corte: 105 ufc/ml e 104 ufc/ml. Utilizando o ponto de corte de 105 ufc/ml, a sensibilidade encontrada foi de 72% e a especificidade de 71%. A acurácia foi satisfatória (71%). Observamos que à medida que o ponto de corte aumentava, a sensibilidade reduzia-se e havia melhora da especificidade. Elevando-se o ponto de corte para 106 ufc/ml, não houve diferenças em relação ao ponto de corte de 105 ufc/ml.

Apenas um paciente apresentou hemocultura positiva para S. aureus meticilino-resistente, concordando com o agente etiológico da PAV.

Discussão

O grande desafio na abordagem dos pacientes com PAV é estabelecer o diagnóstico etiológico precoce e preciso, haja vista que o diagnóstico clínico, como mostra a literatura, apresenta uma importante limitação (28). Um estudo (29) com 147 pacientes em ventilação mecânica, utilizando a cultura da secreção das vias aéreas baixas para estabelecer o diagnóstico de PAV, mostrou que os critérios clínicos não devem ser usados para distinguir pacientes com e sem PAV. Entretanto, esse não é um conceito universal. Outro estudo (30) comparou o diagnóstico clínico com o resultado da cultura do parênquima, após o óbito e o exame histopatológico, mostrando uma sensibilidade de 69% e especificidade de 75%. Uma recente meta-análise (31) afirma que a seleção criteriosa dos pacientes baseada nos critérios clínicos, propostos em consenso, tem grande valor na performance dos testes diagnósticos. O aparecimento de um infiltrado radiológico, ou a mudança de um existente, tem sido proposto como um critério obrigatório para o diagnóstico de PAV. Entretanto, há causas alternativas, tais como atelectasia, edema, hemorragia, reação às drogas, síndrome do desconforto respiratório agudo, que podem mimetizar pneumonia (28). Associar o infiltrado radiológico a alterações do aspecto da secreção traqueal, e ao exame citológico de secreção traqueobrônquica com contagem diferencial das células marcadoras de infecção, também pode confundir o diagnóstico, como nos pacientes com DPOC que apresentam traqueobronquites e níveis elevados de polimorfonucleares na secreção traqueal, sem que necessariamente apresentem PAV (32).

No presente trabalho, tivemos três pacientes com suspeita clínica de PAV que apresentaram cultura com ponto de corte para PAV, mas cujo infiltrado radiológico desapareceu em 24hs, sem mudança na conduta instituída. Nestes casos, o diagnóstico não foi confirmado, o que mostra a importância de se associar os critérios microbiológicos à evolução radiológica para a confirmação de PAV. Em virtude dessa realidade, em nosso estudo acompanhamos os radiografias de tórax desde a admissão na UTI-r, assim como no momento da suspeita de PAV, até a resolução clínica, radiológica e laboratorial da pneumonia ou óbito.

A população estudada neste trabalho foi representada por pacientes transferidos de outras UTIs, com escore APACHE II elevado (27,7±7,9), tempo de ventilação mecânica em torno de 15 dias até a inclusão no protocolo, e em uso de antibiótico por pelo menos uma semana. O uso do antibiótico prévio à pesquisa do agente etiológico nos pacientes com suspeita clínica é freqüentemente citado como uma das maiores limitações na acurácia dos métodos diagnósticos para PAV, uma vez que pode elevar o número de falsos negativos. Por outro lado, nos pacientes em uso por vários dias de antibiótico, a acurácia da cultura em identificar o agente etiológico normalmente não diminui, haja vista que outros germes podem ser responsáveis pelo aparecimento do novo infiltrado radiológico (33-36). Os pacientes do presente estudo estavam em uso de antibiótico, como citado anteriormente há pelo menos uma semana na UTI–r. Uma recente meta-análise (31) mostrou que o uso prévio recente de antibiótico interfere na acurácia dos métodos diagnósticos, porém não nos pacientes em uso por outras causas no momento da suspeita clínica. Outro estudo, realizado no Hospital das Clínicas da FMUSP (37), sugere que o uso de antibiótico prévio em pacientes com suspeita clínica de pneumonia não interfere na sensibilidade do LBA, podendo este ser utilizado para modificar a terapêutica antibiótica. Outra meta-análise (38), comparando o valor do diagnóstico do EBP, LBA e pesquisa de células infectadas nos pacientes com suspeita cínica de PAV em uso de antibiótico prévio, evidenciou uma marcante diminuição da acurácia do EBP, mas não houve mudança na acurácia do LBA (esses autores indicam o uso do LBA nos casos em que haja uso prévio de antibiótico). A grande dificuldade na interpretação desses achados é a falta de padronização ou definição do que seja o uso do antibiótico recente ou prolongado na maioria dos estudos avaliados (31), e portanto essas considerações devem ser feitas com reservas. Assim sendo, fica difícil precisarmos o quanto o uso do antibiótico prévio e por tempo prolongado interferiu na análise dos nossos resultados. O EBP é realmente um método mais confiável e apresenta maior especificidade que o LBA, porém os custos operacionais estão além da nossa realidade. Muitos investigadores preferem o LBA ao EBP devido a alguns fatores: apresenta maior sensibilidade; permite selecionar melhor o tratamento empírico antes do resultado da cultura; apresenta menor risco aos pacientes graves; tem custo financeiro menor; e possibilita mais facilmente o diagnóstico de outros tipos de infecção (39).

Quanto à técnica do LBA, utilizamos uma alíquota de 100ml de soro fisiológico a 0,9%, apesar de o recomendado mais freqüentemente ser uma alíquota de 120ml a 140ml. Até recentemente, se questionava se valores inferiores a 140ml teriam influência no resultado das culturas (40). Em recente metaanálise (31), no final de 2002, portanto ao final da coleta dos nossos dados, foi demonstrado que os estudos que usaram alíquotas inferiores a 140 ml apresentaram menor acurácia diagnóstica. Contudo, dos 26 trabalhos selecionados nessa meta-análise, 7 não faziam referência ao volume utilizado e apenas 6 (26%) utilizaram alíquotas maiores que 140ml, o que pode ter causado viés na análise dos dados. Além disso, há seis trabalhos que usaram alíquotas de 100ml à semelhança do nosso estudo. Na literatura, não encontramos registros de estudos desenhados para avaliar essa questão, que ao nosso ver permanece aberta e deve ser objeto de futuros estudos.

Provavelmente, as características dos pacientes do estudo justificam a incidência de PAV por germes resistentes e de alta infectividade, representados pela Pseudomonas aeruginosa e pelo Acinetobacter baumannii, com conseqüente taxa de mortalidade elevada. Comparando os pacientes com PAV e sem PAV observamos que os primeiros estavam submetidos a um maior tempo de ventilação mecânica (p=0,005), o que está de acordo com a literatura, que mostra um risco acumulativo para desenvolver pneumonia de 1% ao dia nos pacientes sob ventilação mecânica. (39) Foi relevante observar que os pacientes com PAV tardia realmente apresentavam como agentes etiológicos os germes de alta infectividade como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae e MRSA, também de acordo com a literatura (8). É possível que pelo tamanho reduzido da amostra não tenhamos podido identificar diferenças estatisticamente significantes quanto à associação entre certas doenças de base, como DPOC, cardiopatia e a PAV.

A hemocultura e a cultura do líquido pleural podem confirmar o diagnóstico de PAV, determinando a etiologia quando positivas. Entretanto, se negativas, não o excluem (41). A positividade ocorre em torno de 20% das vezes. Neste estudo obtivemos apenas um paciente com hemocultura positiva, provavelmente devido ao uso prévio de antibióticos por pelo menos uma semana em mais de 64% dos pacientes com PAV.

O paciente criticamente doente sob ventilação mecânica apresenta, em poucas horas após a intubação, alta percentagem de germes colonizantes na árvore traqueobrônquica(42). Portanto, o maior desafio no diagnóstico etiológico é separar colonização de infecção. A técnica de coleta do material necessita ultrapassar as vias aéreas altas sem sofrer contaminação. Protelar o uso de antibioticoterapia empírica enquanto se programa a coleta de secreção respiratória pelo LBA pode implicar em pior prognóstico para esses pacientes (12). No entanto, o uso do antibiótico empírico e inadequado aumenta a morbidade e a mortalidade (15). Necessitamos, para abordar essas questões, estabelecer uma estratégia diagnóstica através de métodos exeqüíveis, de custo efetivo e de maior rapidez. O AT atende a essas expectativas e é a realidade das UTIs na maior parte dos hospitais do nosso estado, não obstante suas limitações diagnósticas .

Recentes investigações têm demonstrado que métodos não invasivos como o aspirado traqueal, através da cultura quantitativa, têm se mostrado razoáveis e com boa acurácia diagnóstica (14-20).

A avaliação citológica com a contagem diferencial de células e a cultura qualitativa do AT são consideradas falhas devido à contaminação das vias aéreas superiores, o que dificulta, portanto, a diferenciação entre colonização e infecção (27). O exame microscópico do AT através do GRAM ou coloração do Giemsa bem realizados permitem avaliar três parâmetros pré-determinados para infecção: pesquisa de PMN, percentual de células infectadas e o número de bactérias por campo (27). O GRAM é evidentemente o procedimento mais freqüentemente utilizado para informar quanto à morfologia da bactéria e pode ser usado para orientar a terapêutica empírica inicial. A coloração pelo método Giemsa é também recomendada por ter algumas vantagens sobre o GRAM, como melhor visualização da morfologia da bactéria e, particularmente na detecção de bactérias intra-celulares, além de permitir possível visualização de alguns protozoários e fungos (24).

A contagem dos neutrófilos e o percentual de células infectadas (bactérias intracelulares) são mais elevados nos pacientes com pneumonia do que nos sem pneumonia(24). Vários estudos têm avaliado o valor do GRAM no LBA. Solé-Violan et al. (43) mostraram uma boa correlação entre o GRAM do LBA e EBP com suas respectivas culturas. Aubas et al. (44) estudando a presença de células infectadas nos PMN para o diagnóstico de PAV, mostraram que a sua presença no LBA foi significativamente superior nos pacientes com PAV, com sensibilidade de 67% e especificidade de 82,7%. Corroborando esses dados da literatura, em nosso estudo observamos que os pacientes com PAV apresentaram o número de PMN, de células infectadas e de bactérias por campo mais elevados no AT e LBA do que o grupo não PAV. Ao analisarmos pelo menos dois desses parâmetros pré-determinados para infecção no AT, encontramos uma sensibilidade baixa (48%) com especificidade de 85%, VPN de 31% e VPP de 92%. Ao analisarmos três desses parâmetros, a sensibilidade diminuiu, e houve aumento da especificidade para 100%. Os autores, em geral, recomendam pontos de corte para o percentual de células infectadas que varia de 2% a 7%. Chastre et al. (45) mostraram que a pesquisa de microorganismos intracelulares com ponto de corte de 7% é um bom preditor de infecção (sensibilidade de 86% e especificidade de 96%). Solé-Violan et al. (43), com ponto de corte de 4%, encontraram sensibilidade de 62,5% e especificidade de 100%. Allaouchiche et al. (46), com um ponto de corte de 2%, mostraram sensibilidade de 86,3% e especificidade de 78,9%. Pugin et al. (47) detectaram microorganismos intracelulares nos PMN em 11 de 15 pacientes com pneumonia (73%) e nenhum em 25 pacientes sem pneumonia. No nosso estudo, utilizando um ponto de corte de 2%, essa detecção deu-se em 5 dos 25 pacientes com PAV e em nenhum do grupo não PAV, o que denotou uma baixa sensibilidade (20%), provavelmente devido ao uso da antibioticoterapia prévia à inclusão no estudo (48). Ainda assim, este exame apresentou excelente especificidade para o diagnóstico de PAV: 100%.

Assim como no estudo apresentado por Solé-Violan et al., observamos uma moderada correlação entre o agente detectado pelo GRAM e o germe da cultura tanto no AT como no LBA (coeficiente de Kappa – 0,49 e 0,45, respectivamente). Ao compararmos o GRAM do AT com o resultado final da cultura do LBA, observamos uma moderada correlação (kappa - 0,56). A sensibilidade e a especificidade do GRAM no AT e LBA para o diagnóstico definitivo de PAV foi de 72% e de 80% respectivamente, com especificidade de 28% para ambos. Portanto, dada a moderada correlação entre o GRAM do AT com a cultura do LBA concluímos que o GRAM, sendo executado com todos os cuidados necessários na avaliação da qualidade da amostra, pode auxiliar na escolha da terapêutica antibiótica empírica inicial até que se disponha do resultado das culturas quantitativas (39).

A cultura qualitativa do AT é uma técnica com alto percentual de falso positivo devido à colonização das vias aéreas, enquanto que a cultura quantitativa, utilizando-se um ponto de corte de 105ufc/ml, eleva a acurácia diagnóstica consideravelmente. Jourdain et al. (19) estudaram 57 episódios de suspeita de infecção pulmonar em 39 pacientes sob ventilação mecânica. Utilizaram o EBP e o LBA comparando seus resultados com a cultura quantitativa do AT em diferentes pontos de corte: de 103 a 107 ufc/ml. O ponto de corte de 106 ufc/ml pareceu ser o de melhor acurácia, com sensibilidade de 68% e especificidade de 84%. Entretanto, quando esse ponto de corte foi aplicado à população do estudo, aproximadamente 1/3 dos pacientes com pneumonia não foram identificados. Os pontos de corte de 105 ufc/ml para o AT e de 104 ufc/ml para o LBA apresentam uma boa especificidade sem comprometer a sensibilidade (49,50). Deborah Cook et al. (20), através de uma revisão dos principais estudos que avaliaram o AT para o diagnóstico de PAV, concluíram que as diferenças das populações estudadas e da metodologia utilizada, mesmo seguindo-se um rigor técnico, explicaram a larga variação da acurácia do AT nos resultados obtidos. Por exemplo, a sensibilidade do AT variou entre 38% e 100% e a especificidade variou entre 14% e 100%, em quatro trabalhos analisados (12,16,18,19). El-Ebiary et al. (15), em um estudo prospectivo utilizando um ponto de corte de 105 ufc/ml para o AT, encontraram sensibilidade de 70% e especificidade de 72%. Sauaia et al. (17) mostraram sensibilidade de 38% e especifidade de 100% utilizando um ponto de corte de 105 ufc/ml. Marquette et al. (16), utilizando esse mesmo ponto de corte, mostraram uma sensibilidade de 55% e especificidade de 85%.

No nosso estudo utilizamos a priori o ponto de corte de 105 ufc/ml para o AT e de 104 ufc/ml para o BA. Com o ponto de corte de 105 ufc/ml para o AT, a sensibilidade encontrada foi de 72% e a especificidade de 71%. A acurácia foi satisfatória: 72%. Verificamos ainda que a utilização de um ponto de corte de 106 ufc/ml não modificou a acurácia da cultura quantitativa do AT. Quando variamos o ponto de corte para 104 ufc/ml a sensibilidade melhorou, porém houve redução na especificidade. Quando avaliamos a concordância do agente detectado pela cultura do AT com o agente detectado pelo LBA encontramos uma boa concordância (Kappa-0,71).

É necessário que se considere alguns pontos importantes na investigação do agente etiológico nas PAV: interpretar os resultados em conjunto com os dados clínicos e radiológicos, considerar somente amostras de secreções respiratórias de boa qualidade, e processar e executar as etapas das culturas com rigoroso controle de qualidade. O rigor técnico em todas as etapas do processamento do material é fundamental para que o resultado final seja confiável e aplicável ao tratamento do paciente.

O AT pode auxiliar na escolha da terapêutica antibiótica empírica inicial de duas maneiras: no dia da suspeita clínica de PAV pelo exame direto da amostra, e posteriormente, com o resultado da cultura quantitativa com ponto de corte pelo menos superior a 105ufc/ml, para modificação da antibioticoterapia se necessário for. Acreditamos que para a avaliação diagnóstica das PAV, devem ser analisados em conjunto os critérios clínicos e a evolução do infiltrado radiológico, associados a uma boa análise do exame direto da amostra de secreção do trato respiratório inferior, e a culturas quantitativas do AT e/ou LBA, o que permite uma abordagem diagnóstica mais racional.

Recebido para publicação, em 19/5/03.

Aprovado após correção, em 16/10/03.

  • 1. Chastre J, Fagon JY. Ventilator-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:867-903.
  • 2. Fagon JY, Chastre J, Domart Y, Trouillet JL, Pierre J, Darne C, et al Nosocomial pneumonia in patients receiving continuous mechanical ventilation. Prospective analysis of 52 episodes with use of a protected specimen brush and quantitative culture techniques. Am Rev Respir Dis 1989;139:877-84.
  • 3. Rello J , Ausina V, Ricart M, Castella J, Prats G. Impact of previous antimicrobial therapy on the etiology and outcome of ventilator-associated pneumonia. Chest 1993;104:1230-5.
  • 4. Torres A, Aznar R, Gatell JM, Jimenez P, Gonzalez J, Ferrer A, et al Incidence, risk and prognosis factors of nosocomial pneumonia in mechanically ventilated patients. Am Rev Respir Dis 1990;142:523-8.
  • 5. Rello J, Jubert P, Vallés J. Evaluation of outcome for intubated patients with pneumonia due to Pseudomonas aeruginosa Clin Infect Dis 1996;23:973-8.
  • 6. Rello J, Rué M, Jubert P. Survival in patients with nosocomial pneumonia: Impact of the severity of illness and the etiologic agent. Crit Care Med 1997;25:1862-7.
  • 7. Rello J, Torres A, Ricart M, Valles J, Gonzalez J, Artigas A, et al Ventilador-associated pneumonia by Staphylococcus aureus: Comparison of methicilin-resistant and methicilin-sensitive episodes. Am J Respir Crit Care Med 1994;150:1545-9.
  • 8. Sanchez-Nieto JM, Torres A, Garcia-Cordoba F, El- Ebiary M, Carrillo A, Ruiz J, et al Impact of invasive and noninvasive quantitative culture sampling on outcome of ventilatorassociated pneumonia: a pilot study. Am J Respir Crit Care Med 1998;157:371-6.
  • 9. Ruiz M, Torres A, Ewig S, Marcos MA, Alcon A, Lledo R, et al Noninvasive versus invasive microbial investigation in ventilatorassociated pneumonia: evaluation of outcome. Am J Respir Crit Care Med 2000;162:119-25.
  • 10. Solé-Violan J, Fernandez JA, Benitez AB, Cardenosa Cendrero JA, Rodriguez de Castro F. Impact of quantitative invasive diagnostic techniques in the management and outcome of mechanically ventilated patients with suspected pneumonia. Crit Care Med 2000;28:2737-41.
  • 11. Fagon JY, Chastre J, Woff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stephan F, et al Invasive and noninvasive strategies for management of suspected ventilator associated pneumonia: a randomized trial. Ann Intern Med 2000;132:621-30.
  • 12. Luna CM, Vujacich P, Niederman M. Impact of BAL data on the therapy and outcome of ventilator-associated pneumonia. Chest 1997;111:676-85.
  • 13. Rello J, Gallego M, Mariscal D, Sonora R, Valles J. The value of routine microbial investigation in ventilator-associated pneumonia. Am J Respir Crit Med 1997;156;196-200.
  • 14. Marquette CH, Copin MC, Wallet F, Neviere R, Saulnier F, Mathieu D, et al Diagnostic tests for pneumonia in ventilated patients: prospective evaluation of diagnostic accuracy using histology as a diagnostic gold standard. Am J Respir Crit Care Med 1995;151:1878-88.
  • 15. El-Ebiary M, Torres A, Gonzalez J, de la Bellacasa JP, Garcia C, Jimenez de Anta MT et al Quantitative cultures of endotracheal aspirates for the diagnosis of ventilador-associated pneumonia. Am Rev Respir Dis 1993; 148: 1552-7.
  • 16. Marquette CH, Georges H, Wallet F, Ramon P, Saulnier F, Neviere R, et al Diagnostic efficiency of endotraqueal aspirates with quantitative bacterial cultures in intubated patients with suspected pneumonia. Comparison with the protected specimen brush. Am Rev Respir Dis 1993;148:138-44.
  • 17. Sauaia A, Moore FA, Moore EE, Haenel JB, Kaneer L, Read RA. Diagnosing pneumonia in mechanically ventilated trauma patients: endotraqueal aspirate versus bronchoalveolar lavage. J Trauma 1993;35:512-7.
  • 18. Torres A, Martos A, Puig de la Bellacasa J, Ferrer M, el-Ebiary M, Gonzalez J, et al Specificity of endotracheal aspiration, protected specimen brush and brochoalveolar lavage in mechanically ventilated patients. Am Rev Respir Dis 1993;147:952-7.
  • 19. Jourdain B, Novara A, Joly-Guilon ML, Dombret MC, Calvat S, Trouillet JL, et al Role of quantitative cultures of endotracheal aspirates in the diagnosis of nosocomial pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 1995;152:241-6.
  • 20. Cook D, Mandell L. Endotracheal aspiration in the diagnosis of ventilator-associated pneumonia. Chest 2000;117:1958-78.
  • 21. Cid M, Maristela M, Arthur V, Jamocyr M. Complicaçőes da ventilaçăo mecânica. J Pneumol 2000;26;45-54.
  • 22. American Thoracic Society. Hospital-acquired pneumonia in adults: diagnosis, assessment of severity, initial antimicrobial therapy, and preventive strategies. Am J Respir Crit Care Med 1995;157:1711-25.
  • 23. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Consenso Brasileiro de Pneumonias em Indivíduos Adultos Imunocompetentes. J Pneumol 2001;27:22-38.
  • 24. Baselski V. Microbiologic diagnosis of ventilator-associated pneumonia. Infect Dis Clin North Am 1993;7:331-57.
  • 25
    National Committee for Clinical Laboratory StandardizationNCCLS. MIC testing supplemental tables M100-S10 (M7) 2002. Weyne, PA; 2002.
  • 26. Langer M, Cigada M, Mandelli M, Mosconi P,Tognoni G. Early onset pneumonia: a multicenter study in intensive care units. Intensive Care Med 1987;13:342-6.
  • 27. Salata AR, Lederman MN, Shlaes MD, Jacobs MR, Eckstein E, Tweardy D, et al Diagnosis of nosocomial pneumonia in intubated, intensive care unit patients. Am Rev Respir Dis 1987;135:426-32.
  • 28. Meduri GU, Mauldin GL, Wunderink RG, Leeper KV Jr, Jones CB, Tolley E, et al Causes of fever and pulmonary densities in patients with clinical manifestations of ventilator-associated pneumonia.Chest 1994;106:221-35.
  • 29. Fagon JY, Chastre J, Hance AJ, Guiguet M, Trouillet JL, Domart Y, et al Detection of nosocomial lung infection in ventilated patients: Use of a protected specimen brush and quantitative culture techiniques in 147 patients. Am Rev Respir Dis 1988;138:110-6.
  • 30. Fabregas N, Ewing S, Torres A, et al Clinical diagnosis of ventilator associated pneumonia revisited: Comparative validation using immediate post-mortem lung biopsies. Thorax 1999;54:867-73.
  • 31. Michaud S, Suzuki S, Herbarth S. Effect of design-related bias in studies of diagnostic tests for ventilator-associated pneumonia. Am J Resp Crit Care Med 2002;166:1320-5.
  • 32. Monso E, Ruiz A, Rosell J, Manterola J, Fiz J, Morera J, et al Bacterial infection in chronic obstructive pulmonary disease: a study of stable and exacerbated outpatients using the protected specimen brush. Am J Respir Crit Care Med 1995;152:1316-20.
  • 33. Montravers P, Fagon JY, Chastre J, Lecso M, Dombret MC, et al Follow-up protected specimen brushes to assess treatment in nosocomial pneumonia. Am Rev Respir Dis 1993;147:38-44.
  • 34. Johanson WG Jr, Seidenfeld JJ, Gomez P, de los Santos R, Coalson JJ. Bacteriologic diagnosis of nosocomial pneumonia following prolong mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis 1988;264:137-259.
  • 35. Chastre J, Fagon JY, Bornet-Lecso M, Calvat S, Dombret MC, al Khani R, et al Evaluation of bronchoscopic techniques for the diagnosis of nosoconial pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 1995;152:231-40.
  • 36. Corley DE, Kirtland SH, Winterbauer RH, et al Reproducibility of the histologic diagnosis of pneumonia among a panel of four pathologists. Chest 1997;112:458-70.
  • 37. Gomes JCP, Pedreira WL, Araújo EAMP, Soriano FG, Negri EM, Antonângelo L, et al Impact of BAL in the management of pneumonia with treatment failure. Chest 2000;118:1739-46.
  • 38. de Jaeger A, Litalien C, Lacroix J, Guertin MC, Infante-Rivard C. Protected specimen brush or bronchoalveolar lavage to diagnose bacterial nosocomial pneumonia in ventilated adults: a meta-analysis. Crit Care Med 1999;27:2548-60.
  • 39. Chastre J and Fagon JY. Ventilator-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:867-903.
  • 40. Gallego M, Rello J. Diagnostic testing for ventilator-associated pneumoniae Clin Chest Med 1999;20:671-9.
  • 41. Rello J, Mirelis B, Alonso C, Prats G. Lack of usefulness of blood cultures to diagnose ventilator-associated pneumonia. Eur Respir J 1991;4:1020.
  • 42. Correa H, Marini F, Franca G. Infección pulmonar em el paciente com asistencia respiratória. Arch Med Int 1982;4:191-205.
  • 43. Solé-Violán J, Decastro FR, Rey A, Martingonzalez JC, Cabreranavarro P. Usefulness of examination of intracellular organisms in lavage fluid in ventilator-associated pneumonia. Chest 1994;106:889-94.
  • 44. Aubas S, Capdevila X, Darbas H, Roustan JP, Du Cailar J. Bronchoalveolar lavage for diagnosis bacterial pneumonia in mechanically ventilated patients. Am J Respir Crit Care Med 1994;149:860-6.
  • 45. Chastre J, Fagon JY, Soler P, et al Quantification of BAL cells containing intracellular bacteria rapidly identifies ventilated patients with nosocomial pneumonia. Chest 1989;95:190-2.
  • 46. Allaouchiche B, Jaumain H, Chassard D, Boulétreau P. Gram stain of bronchoalveolar fluid in the early diagnosis of ventilator-associated pneumonia. Br J Anaesth 1999;83:845-9.
  • 47. Pugin J, Auckenthaler R, Mili N, Janssens JP, Lew PD, Suter PM. Diagnosis of ventilator-associated pneumonia by bacteriologic analysis of bronchoalveolar lavage fluid. Am Rev Respir Dis 1991;143:1121-9.
  • 48. Vallés J, Rello J, Fernández R, et al: Role of bronchoalveolar lavage in mechanically ventilated patients with suspected pneumonia. Eur J Clin Microbiol Infect Dis 1994;13:549-58.
  • 49. Guerra LF, Baughman RP. Use of bronchoalveolar lavage to diagnose bacterial pneumonia in mechanically ventilated patients. Crit Care Med 1990;18:169-73.
  • 50. Meduri GU, Beals DH, Maijub AG. Protected bronchoalveolar lavage: a new bronchoscopic technique to retrieve uncontaminated distal airway secretions. Am Rev Respir Dis 1991;143:855.
  • Endereço para correspondência
    Maria Verônica Costa Freire de Carvalho
    Rua Monsenhor Bruno, 780, Apto 401
    Meireles. Fortaleza, Ceará, CEP: 60115-190
    Tel (85) 461-1180
    e-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva Respiratória do Serviço de Pneumologia do Hospital de Messejana, Fortaleza, Ceará.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2003
    • Aceito
      16 Out 2003
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jbp@sbpt.org.br