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Cisto broncogênico complicado por mediastinite e empiema contra-lateral

Resumos

O cisto broncogênico, apesar da aparência pouco ominosa como opacidade de contornos precisos no mediastino, tem potencial não desprezível para complicar. Relatamos um caso de complicação grave em um paciente de 28 anos com queixa de dor epigástrica irradiada para o dorso, e radiografia de tórax demonstrando massa bem delimitada no mediastino posterior e inferior à direita. Em cinco dias evoluiu para sepse decorrente de mediastinite e empiema pleural à esquerda. O paciente necessitou ser submetido a toracotomia esquerda para descorticação pulmonar precoce e desbridamento do mediastino e, num segundo tempo com intervalo de uma semana, a toracotomia direita para ressecção do cisto mediastinal infectado. Este caso enfatiza a indicação sensata de ressecção dos cistos mediastinais mesmo na apresentação assintomática, face ao risco inerente de complicações.

Cisto broncogênico; Mediastinite; Empiema pleural


Notwithstanding its hardly ominous appearance as a mediastinal opaque mass with precise contours, the bronchogenic cyst has a significant potential for complications. We report a case of severe complication in a 28-year-old male presenting with epigastric pain irradiating to the back and at chest X-ray disclosing a well delimited mass in the posterior-inferior right side of the mediastinum. On the fifth day after onset of the symptoms, the patient developed sepsis resulting from mediastinitis and left pleural empyema. The patient was submitted to a left thoracotomy for lung decortication and mediastinal drainage and, after one week interval at a second stage, to a right thoracotomy for resection of the infected mediastinal cyst. In view of the inherent risk of omplications, mediastinal cyst resection is strongly recommended, even in cases of asymptomatic presentation.

Bronchogenic cyst; Mediastinitis; Empyema pleural


RELATO DE CASO

Cisto broncogênico complicado por mediastinite e empiema contra-lateral * * Trabalho realizado no serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário de Brasília, Brasília - DF

Nuno Ferreira de Lima (TE SBCT)I; Gisele Moreira DiasII; André de Aquino Carvalho (TE SBCT)III

IDoutor em Medicina-Pneumologia; Diretor do serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário de Brasília

IIResidente do Departamento de Cirurgia

IIICirurgião torácico

Endereço para correspondência Endereço para correspondência SHIS QI 15 Conj.11 Cs13 CEP 71 635-310 Brasília-DF Tel.: 61-3641587 Fax: 61-3474940 e-mail: nunof_lima@yahoo.com.br

RESUMO

O cisto broncogênico, apesar da aparência pouco ominosa como opacidade de contornos precisos no mediastino, tem potencial não desprezível para complicar. Relatamos um caso de complicação grave em um paciente de 28 anos com queixa de dor epigástrica irradiada para o dorso, e radiografia de tórax demonstrando massa bem delimitada no mediastino posterior e inferior à direita. Em cinco dias evoluiu para sepse decorrente de mediastinite e empiema pleural à esquerda. O paciente necessitou ser submetido a toracotomia esquerda para descorticação pulmonar precoce e desbridamento do mediastino e, num segundo tempo com intervalo de uma semana, a toracotomia direita para ressecção do cisto mediastinal infectado. Este caso enfatiza a indicação sensata de ressecção dos cistos mediastinais mesmo na apresentação assintomática, face ao risco inerente de complicações.

Descritores: Cisto broncogênico. Mediastinite/ complicações. Empiema pleural/complicações.

Introdução

O cisto broncogênico é o mais freqüente dentre as lesões císticas congênitas do mediastino. O achado radiológico de cisto mediastinal, em virtude dos contornos bem delimitados e conteúdo líquido, quase sempre dá a impressão de que se está perante uma entidade clínica de comportamento benigno. No entanto, o cisto broncogênico tem considerável potencial para se tornar sintomático, determinar complicações e até se malignizar (1). Numa série de 86 pacientes operados por cisto broncogênico, 82% dos casos tinham sintomas específicos ou apresentavam complicações (2). Os sintomas e tipos de complicações dependem do sítio de origem e das estruturas com as quais o cisto se relaciona. Embora mais comum com transtornos respiratórios e esofágicos pela íntima relação com a árvore traqueo-brônquica e esôfago, o cisto broncogênico tem ainda a possibilidade de ser acompanhado por sintomas inusitados, quando presente em sítios tão raros como na forma intracardíaca (3) ou intradiafragmática (4). O caso que a seguir apresentamos, em função da gravidade das complicações que apresentou, é um alerta para o manejo do cisto mediastinal em geral.

Relato do caso

Homem de 28 anos de idade, professor universitário, apresentou dor epigástrica irradiada para o dorso e de início súbito. O paciente caracterizou a dor como do tipo em aperto, e referiu associação com eructação. Negou ingestão alcoólica ou haver vomitado. Atendido na emergência do Hospital Universitário de Brasília no mesmo dia da instalação do quadro, apresentava bom estado geral e o exame físico não detectou anormalidades. Eletrocardiograma e exames laboratoriais foram normais. O radiografia do tórax (Figura 1) demonstrou opacidade paramediastinal e justadiafragmática à direita, de contornos bem definidos. O paciente foi medicado e liberado com prescrição de analgésico e bloqueador de bomba de prótons. Dois dias depois, sem obter melhora do quadro de dor, o paciente retornou à emergência do hospital, quando foi reavaliado e submetido a novos radiografias do tórax. Considerado clinicamente estável e sem aparentar alterações no radiografia, o paciente foi novamente liberado e orientado a procurar atendimento ambulatorial. No dia seguinte, com exacerbação da dor epigástrica e torácica posterior, o paciente retornou à emergência e, depois de submetido ao terceiro estudo radiológico do tórax, foi internado para investigação e tratamento.


Na noite do dia seguinte à internação, com esofagoscopia e tomografia computadorizada do tórax agendadas para o outro dia, o paciente apresentou um quadro de dor torácica intensa à esquerda, ventilatória dependente, e sudorese profusa. No dia seguinte, após a realização dos exames, a cirurgia torácica foi consultada a respeito do caso, a esta altura complicado com derrame pleural esquerdo. Na análise da seqüência dos radiografias do tórax realizados até então, pode-se observar aumento progressivo da lesão cística para-esofágica inferior e à direita. O radiografia em póstero-anterior do dia da internação demonstrou ainda aumento da densidade retro-cardíaca, com apagamento do contorno distal da aorta torácica e do contorno medial do diafragma esquerdo (Figura 2). O abaulamento para a esquerda do mediastino posterior e inferior determinou o aumento da densidade da maior parte do cisto por sobreposição de imagens, como mostrou o radiografia em perfil (Figura 3). A tomografia torácica demonstrou lesão cística de paredes espessadas e com nível líquido-líquido, alargamento do mediastino inferior e derrame pleural com loculações precoces. A esofagoscopia foi normal. A análise do líquido pleural apresentou 10.000 leucócitos/ml sendo 80% de polimorfonucleares, proteínas a 4,6g/dl, glicose a 25mg/dl e pH de 6,7. O leucograma sofreu uma elevação de 7.300 para 14.300 leucócitos/ml com 10% de bastonetes.



Nesse mesmo dia, com quadro de sepse instalado e tendo sido introduzidas clindamicina e ceftriaxona, o paciente foi submetido à exploração do hemitórax esquerdo por toracoscopia. Face à presença de grande quantidade de fibrina e confirmada a supuração mediastinal, o procedimento foi convertido para toracotomia lateral esquerda baixa com descorticação pulmonar precoce e desbridamento mediastinal. Foram deixados três drenos no espaço pleural: um lateral alto, outro para-mediastinal baixo e o terceiro colocado entre o esôfago e a aorta apontando para o cisto contra-lateral. As más condições clínicas do paciente, com instabilidade hemodinâmica peri-operatória, não apenas impuseram uma mudança na tática cirúrgica, como também levaram à postergação da resolução do cisto infectado para um segundo tempo anestésico. O paciente obteve rápida resolução clínica e laboratorial do quadro séptico, e no sétimo dia de pós-operatório retornou à mesa de cirurgia para a ressecção do cisto mediastinal, via toracotomia lateral direita baixa. O cisto estava intensamente inflamado e com aderências pleuro-pulmonares firmes. O conteúdo era purulento, e não foi demonstrado qualquer tipo de comunicação com o esôfago ou mediastino. O paciente obteve alta na semana seguinte em excelentes condições clínicas. O diagnóstico histopatológico foi de cisto broncogênico com extensas áreas ulceradas e infiltrado inflamatório. O diagnóstico final do caso foi de cisto broncogênico primariamente infectado, agravado por mediastinite e empiema contra-lateral.

Discussão

Cistos broncogênicos resultam do brotamento ventral anormal da árvore traqueobrônquica durante o desenvolvimento embrionário. Podem localizar-se em qualquer parte do mediastino, mas a maioria encontra-se próximo à carina traqueal, no mediastino médio ou posterior. No radiografia convencional, o cisto aparece como uma massa de contornos bem definidos e de opacidade homogênea, logo abaixo da carina e com melhor visibilidade junto ao hilo pulmonar direito. Na tomografia computadorizada o cisto é demonstrado como uma massa elíptica ou redonda, com parede imperceptível e coeficiente de atenuação radiológica uniforme. O valor de atenuação depende do conteúdo do cisto, e pode variar desde o valor de atenuação da água até o de partes moles (5). Usualmente o cisto broncogênico mantém-se assintomático, mas na criança são muito freqüentes os sintomas decorrentes da compressão de estruturas adjacentes. Nos pacientes adultos operados, a dor e a tosse são os sintomas predominantes relacionados ao cisto broncogênico, enquanto que queixas como dor e disfagia ocorrem mais com o cisto esofágico (6).

A importância do presente caso não é tanto pela ausência de semelhante relato na literatura, mas antes pelo alerta em relação à gravidade das complicações que o cisto determinou. Embora a dor que o paciente manifestou fosse uma forma usual de apresentação dos casos sintomáticos, a internação para investigação deu-se mais por insistência do paciente com queixa de dor irredutível do que por suspeita de que havia uma complicação em evolução. No dia dainternação, o grande aumento do volume do cisto e o alargamento do mediastino inferior e posterior eram a expressão radiológica da infecção do cisto e da mediastinite em curso. No entanto, o paciente só foi realizar a tomografia de tórax 36 horas depois. Antes deste exame, entretanto, o quadro continuou evoluindo com inundação da cavidade pleural esquerda pelo processo infeccioso. A instalação do quadro séptico grave e o pH de 6,7 num empiema com menos de 12 horas são provas da carga bacteriana infectante, oriunda do cisto do mediastino, que afinal não se pode desprezar. Por ocasião da cirurgia de ressecção do cisto à direita, o achado de aderências firmes da lesão às estruturas vizinhas foi sugestivo de que se tratava de infecção recorrente do cisto, com subseqüente contaminação do mediastino e cavidade pleural esquerda.

Quanto à origem embriológica do cisto, face à localização baixa no mediastino posterior e sua íntima relação com o esôfago, seria de se esperar tratar-se de um cisto esofágico, com a sua camada dupla de músculo liso, e eventual comunicação com o esôfago. No entanto, o estudo anatomopatológico do cisto demonstrou ser ele revestido por epitélio pseudoestratificado ciliado, com extensas áreas ulceradas, tendo na sua parede fibras musculares lisas e focos de cartilagem, o que permitiu classificá-lo como cisto broncogênico. Uma comunicação com o esôfago, que facilitaria a explicação de infecção recorrente, não foi encontrada durante a dissecção cirúrgica. Tal achado seria raro, embora não impossível, neste tipo de cisto (7). O caso apresentado é emblemático por se somar à demonstração de que o cisto broncogênico pode ser inusitado no sítio e na forma de apresentação, e corrobora a necessidade de indicar-se o tratamento cirúrgico, em casos semelhantes, mesmo quando se apresenta sem sintomas.

NOTA: “Dor epigástrica e opacidade mediastinal neste caso foi amplamente discutido e apresenta imagens adicionais na seção Fórum do site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (www.sbct.org.br/forum/arquivo.php

Recebido para publicação, em 20/8/03.

Aprovado, em 5/10/03.

  • 1. Suen HC, Mathisen DJ, Grillo HC, LeBlanc J, McLoud TC, Moncure AC, et al Surgical management and radiological characteristics of bronchogenic cysts. Ann Thorac Surg 1993;55:476-81.
  • 2. St-Georges R, Deslauriers J, Duranceau A, Vaillancourt R, Deschamps C, Beauchamp G, et al Clinical spectrum of bronchogenic cysts of the mediastinum and lung in the adult. Ann Thorac Surg 1991;52:6-13.
  • 3. Prates PR, Lovato L, Homsi-Neto A, Barra M, SantAnna JR, Kalil R, et al Right ventricular bronchogenic cyst. Tex Heart Inst J 2003;30:71-3.
  • 4. Westphal FL, Menezes AQ, Guimarăes RAG. Cisto broncogęnico intradiafragmático. J Pneumol 2003;29:148-50.
  • 5. Jeung MY, Gasser B, Gangi A, Bogorin A, Charneau D, Wihlm JM et al Imaging of cystic masses of the mediastinum. Radiographics 2002;22:S79-S93.
  • 6. Cioffi U, Bonavina L, Simone M, Santambrogio L, Pavoni G, Testori A, et al Presentation and surgical management of bronchogenic and esophageal duplication cysts in adults. Chest 1998;113:1492-96.
  • 7. Knezevic J, Radovanovic N, Simic A, Micev M, Radojkovic S. A paraesophageal bronchogenic cyst with esophageal communication. Dis Esophagus 1999;12:321-3.
  • Endereço para correspondência
    SHIS QI 15 Conj.11 Cs13
    CEP 71 635-310 Brasília-DF
    Tel.: 61-3641587 Fax: 61-3474940
    e-mail:
  • *
    Trabalho realizado no serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário de Brasília, Brasília - DF
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Recebido
      20 Ago 2003
    • Aceito
      05 Out 2003
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