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Efeito da implantação de um protocolo assistencial de asma aguda no serviço de emergência de um hospital universitário

Resumos

INTRODUÇÃO: Existe grande variabilidade de prática clínica no tratamento da asma aguda na sala de emergência, o que interfere na qualidade de atendimento. OBJETIVO: Avaliar o efeito da implantação de um protocolo assistencial de asma aguda no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. MÉTODO: Estudo transversal, antes e após a implantação do protocolo assistencial de asma aguda no setor de adultos (idade > 12 anos) do referido serviço, avaliando o efeito das recomendações sobre a avaliação objetiva da gravidade, solicitações de exames, uso de terapêutica recomendada, uso de terapêutica não-recomendada e desfechos da crise. RESULTADOS: Na fase pré-implantação, foram estudados 108 pacientes e, na fase pós-implantação, 96 pacientes. Houve aumento na utilização da oximetria de pulso (de 8% para 77%, p < 0,001) e do pico de fluxo expiratório (de 5% para 21%, p < 0,001). Ocorreu aumento na utilização de recursos radiológicos (de 33% para 66%, p < 0,001) e de hemograma (de 11% para 25%, p = 0,016). Houve aumento no número de pacientes que receberam as três nebulizações preconizadas para a primeira hora de tratamento (de 22% para 36%, p=0,04). Embora a utilização geral de corticóide não se tenha modificado, houve aumento no uso de corticóide oral (de 8,3% para 28%, p < 0,001). Não houve alteração significativa na utilização de medidas terapêuticas não-preconizadas, no tempo de permanência na sala de emergência, nem nas taxas de internações e de altas. CONCLUSÃO: A aplicação do protocolo assistencial de asma aguda na sala de emergência obteve efeito positivo, com maior utilização de medidas objetivas na avaliação da gravidade e de medidas terapêuticas recomendadas, porém não teve repercussão sobre tratamento e desfechos.

Protocolos clínicos; Asma; Medicina de emergência


BACKGROUND: There is a wide variability in clinical practice for treating acute asthma (AA) in the emergency room (ER) interfering in the quality of management. OBJECTIVE: To evaluate the impact of a clinical protocol for care of acute asthma in the ER of the Hospital de Clínicas de Porto Alegre. METHOD: In this hospital a cross-sectional study was conducted before and after implementation of the protocol, of consecutive patients presenting with acute asthma in the adult ER (age > 12 years). The intention was to measure the effect of recommendations on the objective assessment of severity, utilization of diagnostic tools, proposed therapy, not recommended therapy and on the outcomes. RESULTS: The pre-protocol group comprised 108 patients and the protocol group comprised 96 patients. There was a significant increase in the use of pulse oximetry (8% to 77%, p<0.001) and PEFR (5% to 21%, p<0.001). There was an increase in the utilization of radiology (33% to 66%, p<0.001) and in that of blood tests (11% to 25%, p=0.016). There was also an increase in the number of patients receiving the three recommended nebulizations in the first hour (22% to 36%, p=0.04). Although the overall use of corticosteroids did not change, there was a significant increase in the use of oral steroids (8% to 28%, p<0.001). There was no significant difference in the not recommended therapy, time of stay and outcomes. CONCLUSION: The acute asthma clinical protocol used in the ER was associated to a positive effect on the objective assessment of severity of asthma and on the use of the recommended therapy. No other significant influence on the treatment or on the outcome was perceived.

Clinical protocols; Asthma; Emergency medicine


ARTIGO ORIGINAL

Efeito da implantação de um protocolo assistencial de asma aguda no serviço de emergência de um hospital universitário* * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Pérsio Mariano da Rocha; Andréia Kist Fernandes; Fernando Nogueira; Deise Marcela Piovesan; Suzie Kang; Eduardo Franciscatto; Thaís Millan; Cristine Hoffmann; Carísi Anne Polanczyk; Sérgio Saldanha Menna Barreto(TE SBPT); Paulo de Tarso Roth Dalcin(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Paulo de Tarso Roth Dalcin Rua Honório Silveira Dias 1529/901, Bairro São João Porto Alegre, CEP 90.540-070, Tel: (51) 3330-0521 E-mail: pdalcin@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Existe grande variabilidade de prática clínica no tratamento da asma aguda na sala de emergência, o que interfere na qualidade de atendimento.

OBJETIVO: Avaliar o efeito da implantação de um protocolo assistencial de asma aguda no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

MÉTODO: Estudo transversal, antes e após a implantação do protocolo assistencial de asma aguda no setor de adultos (idade > 12 anos) do referido serviço, avaliando o efeito das recomendações sobre a avaliação objetiva da gravidade, solicitações de exames, uso de terapêutica recomendada, uso de terapêutica não-recomendada e desfechos da crise.

RESULTADOS: Na fase pré-implantação, foram estudados 108 pacientes e, na fase pós-implantação, 96 pacientes. Houve aumento na utilização da oximetria de pulso (de 8% para 77%, p < 0,001) e do pico de fluxo expiratório (de 5% para 21%, p < 0,001). Ocorreu aumento na utilização de recursos radiológicos (de 33% para 66%, p < 0,001) e de hemograma (de 11% para 25%, p = 0,016). Houve aumento no número de pacientes que receberam as três nebulizações preconizadas para a primeira hora de tratamento (de 22% para 36%, p=0,04). Embora a utilização geral de corticóide não se tenha modificado, houve aumento no uso de corticóide oral (de 8,3% para 28%, p < 0,001). Não houve alteração significativa na utilização de medidas terapêuticas não-preconizadas, no tempo de permanência na sala de emergência, nem nas taxas de internações e de altas.

CONCLUSÃO: A aplicação do protocolo assistencial de asma aguda na sala de emergência obteve efeito positivo, com maior utilização de medidas objetivas na avaliação da gravidade e de medidas terapêuticas recomendadas, porém não teve repercussão sobre tratamento e desfechos.

Descritores: Protocolos clínicos. Asma. Medicina de emergência.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

HCPA = Hospital de Clínicas de Porto Alegre

PFE = pico de fluxo expiratório

O2 = oxigênio

VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo

UTI = unidade de tratamento intensivo

Introdução

A asma brônquica possui prevalência de 5% a 10% (1). As crises asmáticas constituem emergência médica muito comum (2). Segundo dados norte-americanos, pacientes asmáticos com broncoconstrição aguda contribuem com 1% a 5% dos atendimentos realizados nos setores de emergência médica (2;3). No Brasil, a asma aguda é responsável por aproximadamente 12% do atendimento em serviço de emergência em adultos e 16% em crianças (4).

Nos últimos anos, tem sido relatado aumento da morbidade e da mortalidade por asma, em contraposição ao crescente conhecimento da fisiopatologia e da terapêutica desta doença. Ainda que essa contradição não seja totalmente explicada, uma das razões apontadas para a piora das estatísticas em relação à asma é a inadequada divulgação dos avanços no seu conhecimento e de suas implicações (5).

Frente a estas dificuldades, foram desenvolvidas diretrizes baseadas em evidências para orientar o diagnóstico, a avaliação e o tratamento da asma brônquica(1;6-8). Ainda assim, diversos estudos têm mostrado uma grande variabilidade de padrão de prática clínica entre os médicos que tratam pacientes asmáticos, o que interfere na qualidade de atendimento (9-13). Isso tem motivado, em nível de cada instituição, o desenvolvimento de protocolos assistenciais com o objetivo de padronizar e sistematizar a conduta médica, tentando diminuir a indesejada variação da prática médica, melhorar o atendimento do paciente e diminuir a solicitação de exames e serviços desnecessários (14) .

Os serviços de emergência têm um papel central no tratamento da asma aguda grave. O manejo inicial na sala de emergência concentra etapas fundamentais que podem determinar o desfecho da situação clínica (15).

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da implantação de um protocolo assistencial de asma aguda no setor de adultos do Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

Método

O presente trabalho constitui-se em um estudo transversal, antes e depois da implantação do protocolo assistencial para manejo da asma aguda no setor de adultos do Serviço de Emergência do HCPA, com o objetivo de determinar o efeito das recomendações sobre a avaliação objetiva da gravidade, utilização de recursos diagnósticos, emprego de medidas terapêuticas preconizadas e não preconizadas de rotina, bem como sobre os principais desfechos da crise.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do HCPA. Os autores do trabalho assinaram termo de compromisso para utilização dos dados obtidos.

A pesquisa é constituída por duas amostras consecutivas de pacientes atendidos por asma aguda no setor de adultos (idade > 12 anos) do Serviço de Emergência do HCPA nos períodos de 01/01/2001 a 31/03/2001 e de 01/01/2002 a 31/03/2002, selecionados a partir dos critérios listados a seguir.

Foram incluídos no estudo: pacientes com diagnóstico prévio de asma, conforme definido no III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma (2); pacientes atendidos por sintomas de agudização da doença, isto é, dispnéia e/ou sibilância e/ou tosse; pacientes com idade maior ou igual a doze anos. Foram excluídos do estudo: pacientes com pneumopatias crônicas; pacientes com insuficiência cardíaca; pacientes cujos registros foram considerados incompletos para os propósitos do estudo.

O protocolo assistencial para asma aguda no adulto foi um instrumento desenvolvido por uma equipe multidisciplinar do HCPA durante o ano de 2000 e 2001, de acordo com a política institucional de protocolos assistenciais para as situações clínicas mais prevalentes. O protocolo foi elaborado a partir de recomendações baseadas em evidências para asma aguda, em pacientes com idade igual ou maior a doze anos, no que se refere a diagnóstico, avaliação de gravidade, tratamento, rastreamento de complicações, cuidados de enfermagem, critérios de alta e de internação hospitalar. Ele teve o objetivo de melhorar a qualidade do atendimento do paciente com asma aguda e racionalizar os recursos de saúde empregados nesta situação clínica.

A avaliação pré-implantação do protocolo assistencial foi realizada de forma seqüencial no primeiro período. A avaliação pós-implantação do protocolo assistencial foi realizada no segundo período, após a implantação plena do protocolo assistencial no serviço de emergência. Foram coletadas as informações presentes no boletim de atendimento, utilizando-se questionário específico para a extração de informações. Foram coletados dados relativos à identificação de cada paciente, à assistência prestada ao paciente durante o atendimento no setor (inclusive em relação à utilização de recursos diagnósticos e medidas terapêuticas prescritas), ao tempo de permanência e ao desfecho da crise.

A implantação do protocolo ocorreu no período de outubro a dezembro de 2001. Foram realizadas reuniões informativas com a equipe médica e de enfermagem do serviço de emergência. A equipe administrativa foi envolvida com o objetivo de disponibilizar a aparelhagem para a medida do pico de fluxo expiratório (PFE) e os bocais descartáveis. Encartes do referido protocolo assistencial foram amplamente divulgados no setor, sugerindo-se que os mesmos fossem utilizados para orientar o atendimento da asma aguda. Foram organizadas reuniões de treinamento com a equipe de auxiliares e técnicos de enfermagem para orientá-los quanto à prática de realização da medida do PFE e medida da saturação de oxigênio pela oximetria de pulso digital (SpO2). Foi enviada correspondência solicitando atenção à implantação do referido protocolo a todos os profissionais médicos e enfermeiros envolvidos no atendimento. Foram afixados cartazes de atenção na área de prescrição do serviço de emergência.

Os dados foram digitados em um banco de dados do programa Microsoft Excel®, versão 2000, sendo processados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 10.0.

Foi realizada uma análise comparativa entre as fases do estudo. Na análise das variáveis contínuas de distribuição normal foi empregado o teste t de Student para amostras independentes. Na análise das variáveis contínuas sem distribuição normal, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney. Na análise das variáveis categóricas, foi empregado o teste do qui-quadrado, utilizando, se necessário, correção de Yates ou teste exato de Fisher. Para efeitos de significância estatística foram definidos intervalo de confiança de 95% e p<0,05.

Resultados

Durante a fase pré-implantação do protocolo, foram atendidos, no setor de adultos, 141 pacientes com diagnóstico de asma aguda. Destes, 26 foram excluídos por apresentarem pneumopatia crônica associada, 3 por insuficiência cardíaca congestiva e 4 por falta de informações nos documentos analisados. Desta forma, foram incluídos 108 pacientes nesta fase do estudo, sendo que 88 (81,5%) eram do sexo feminino e 20 (18,5%) do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi de 42,0 ± 19,1 anos.

Durante a fase pós-implantação do protocolo, foram atendidos 132 pacientes com diagnóstico de asma aguda. Destes, 24 foram excluídos por apresentarem pneumopatia crônica associada, 1 por insuficiência cardíaca congestiva e 11 por falta de informações nos documentos analisados. Assim, foram incluídos nesta fase do estudo 96 pacientes, sendo que 61 (63,5%) eram do sexo feminino e 35 (36,5%) do sexo masculino. A média de idade foi de 45,5 ± 18,3 anos.

A análise estatística das características gerais (sexo, cor e idade), da avaliação objetiva da gravidade e dos recursos diagnósticos é mostrada na Tabela 1.

Observa-se que ocorreu diferença estatisticamente significante para o sexo entre as duas fases do estudo (p = 0,006), havendo mais indivíduos do sexo masculino na fase pós que na fase pré-implantação do protocolo assistencial. Também ocorreu diferença estatisticamente significante para raça (p < 0,001) com maior número de indivíduos de cor negra na fase pós-implantação.

No que se refere aos resultados da avaliação objetiva da gravidade da crise, foi observado um aumento estatisticamente significante na utilização, tanto da medida do PFE (p < 0,001), quanto da oximetria de pulso (p < 0,001) da fase pré para a fase pós-implantação.

Quanto à utilização de recursos diagnósticos, foi observado um aumento estatisticamente significante na utilização de exames radiológicos (p < 0,001) e de exames de hematologia (p = 0,016) da fase pré para a fase pós-implantação do estudo. Não foram evidenciadas diferenças significativas na utilização dos demais recursos diagnósticos.

A Tabela 2 mostra a análise estatística comparando as duas fases do estudo quanto à utilização dos recursos terapêuticos. Não houve diferença estatisticamente significativa na utilização da oxigenoterapia, do b2-agonista de curta duração, do brometo de ipratrópio e da corticoterapia sistêmica.

No que se refere à utilização do broncodilatador b2-agonista de curta duração, por nebulização durante a primeira hora do tratamento na sala de emergência, houve um discreto aumento no número de nebulizações utilizadas após a implantação do protocolo sem, no entanto, atingir significância estatística (p = 0,053). Na fase pré-implantação, a freqüência de nebulizações na primeira hora foi de 1,51 ± 0,84 e, na fase pós, de 1,76 ± 0,96. Em relação ao número de pacientes que realizaram as três nebulizações preconizadas para a primeira hora, houve um aumento significante de 22,2% na fase pré, para 36,5% na fase pós-implantação (p = 0,04).

Quanto às vias de administração da corticoterapia sistêmica, observa-se que, da fase pré para a fase pós-implantação, houve um aumento significante na utilização da corticoterapia sistêmica pela via oral em detrimento da via intravenosa (p < 0,001).

Em relação à utilização dos recursos terapêuticos não-recomendados de rotina, não ocorreu diferença significante entre as duas fases.

O tempo de permanência na sala de emergência na fase pré-implantação foi de 12,4 ± 17 horas, enquanto que na fase pós-implantação foi de 13,5 ± 13,1 horas (p = 0,876).

Não ocorreu diferença estatística (p = 0,436) entre as fases pré e pós-implantação do protocolo para os desfechos estudados: alta da emergência (93,5% na fase pré e 95,8% na fase pós), internação em enfermaria (3,7% na fase pré e 4,2% na fase pós), internação em UTI (0,9% na fase pré e 0% na fase pós) e óbito (1,9% na fase pré e 0% na fase pós).

Discussão

O presente estudo avaliou o efeito da implantação do protocolo assistencial de asma aguda no setor de adultos do serviço de emergência de um hospital universitário. A fim de identificar os efeitos das recomendações no manejo clínico desta situação clínica, as variáveis analisadas foram classificadas de acordo com o preconizado pelo III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma (2).

Foi observada diferença estatisticamente significante entre as duas fases do trabalho para as variáveis sexo (p=0,006) e cor (p<0,001). Essa diferença pode ter ocorrido de forma aleatória, já que os períodos do estudo foram pré-determinados e todos os pacientes foram incluídos de forma seqüencial. Essa diferença não deve ter interferido nos resultados da avaliação do protocolo assistencial.

Em nosso estudo, foi observado um aumento significativo na utilização de medidas objetivas para avaliar a gravidade da crise asmática da fase pré para a fase pós-implantação do protocolo. A medida do PFE foi utilizada em 4,6% dos pacientes antes da implantação do protocolo assistencial e em 20,8% após. A medida da saturação de O2 foi realizada em 8,3% dos casos na fase pré e em 77,1% na fase pós-implantação. Assim, mesmo após a implantação do protocolo assistencial, a utilização da medida da saturação de O2 e do PFE ainda ficou muito aquém do que é preconizado pelos consensos (1;2;7;8). A falta de conhecimento por parte da equipe de saúde sobre a importância desta avaliação, associada à grande demanda de trabalho, poderia ser o motivo da sub-utilização desses parâmetros na avaliação da gravidade da crise. Portanto, para que uma adequada avaliação objetiva da gravidade da crise asmática seja executada, tanto na triagem inicial quanto na evolução, não basta só garantir condições materiais (aparelhos de PFE e oxímetros de pulso). É preciso principalmente o treinamento e educação continuada de toda equipe médica e de enfermagem do setor de emergência.

A literatura cita que a medida da limitação do fluxo aéreo através da determinação do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) pela espirometria ou do PFE pelo aparelho de PFE, somada à medida da SpO2, fornece dados objetivos para avaliar a gravidade inicial da crise, quantificar a resposta ao tratamento e decidir sobre a internação hospitalar (16-18). A medida objetiva de gravidade se faz necessária porque os sintomas e sinais que expressam gravidade na asma aguda desaparecem, com o tratamento, após pequenos aumentos no VEF1 e os pacientes podem ser julgados clinicamente bem, ainda na vigência de importante limitação do fluxo aéreo (16;18).

Em nosso estudo, foi observado um aumento na utilização de exames radiológicos e na solicitação de hemogramas, indicando que, neste aspecto, as recomendações preconizadas pelo protocolo não foram seguidas. Na busca das razões deste efeito, é preciso observar que, em nosso hospital, a sistemática de realização de protocolos assistenciais utiliza como regra o símbolo para apontar a conduta como obrigatória e o símbolo para designar uma conduta como opcional. Os dados da história e exame clínico apareciam como obrigatórios, enquanto o radiograma de tórax, o radiograma de seios da face, o hemograma, os exames de bioquímica e a gasometria arterial apareciam como opcionais. Não havia menção escrita de que os exames citados só deveriam ser solicitados em caso de suspeita clínica de complicação, embora esta informação tenha sido fornecida aos participantes de seminários, reuniões de treinamento e discussões clínicas. É possível que esta formatação do protocolo tenha induzido erroneamente os médicos do setor de emergência a solicitar um maior número de exames radiológicos e hematológicos. Este ponto deverá ser modificado em versão futura do protocolo.

Os recursos terapêuticos recomendados para o manejo da asma aguda na sala de emergência incluem a oxigenoterapia, o uso de broncodilatadores b2-adrenérgicos de curta duração e de brometo de ipratrópio pela via inalatória, e os corticosteróides sistêmicos. Essas são as medidas terapêuticas baseadas em evidências e preconizadas nos consensos (1;2;7;8). Em geral, a sua adequada utilização constitui padrão de qualidade quando se avalia a conduta em uma instituição específica (1). Em nosso estudo, não houve diferença significativa na utilização geral da oxigenoterapia, do b2-agonista de curta duração, do brometo de ipratrópio e da corticoterapia sistêmica antes e após a implantação do protocolo. De modo geral, a prescrição destes recursos ocorreu de acordo com o preconizado para a situação clínica (1;2;8). Na análise mais detalhada, observa-se que houve um discreto aumento na freqüência de nebulizações sem, no entanto, atingir significância estatística (p = 0,053). Também foi observado aumento no número de pacientes que receberam as três nebulizações preconizadas para a primeira hora de tratamento (p = 0,04). Entretanto, podemos verificar que a freqüência de nebulizações, na primeira hora, ainda esteve aquém do preconizado pelas recomendações de consenso, mesmo após a implantação do protocolo. Deve-se salientar que na Emergência do HCPA só era disponível, por ocasião deste estudo, o sistema de nebulização a fluxo contínuo para a administração de broncodilatadores pela via inalatória. No que se refere à via de utilização dos corticosteróides, foi observado um aumento significativo na utilização da via oral, em detrimento da via intravenosa, após a implantação do protocolo (p < 0,001).

Foram considerados como "recursos terapêuticos não-recomendados de rotina" as opções de tratamento baseadas em evidências insuficientes ou contraditórias. Embora não indicadas na conduta de rotina, estas medidas constituem opção para o manejo dos casos de asma refratária, que não responde ou se deteriora com o tratamento preconizado. Ainda que não sejam contra-indicadas em sentido estrito, a sua utilização excessiva constitui parâmetro de pouca qualidade no manejo da asma aguda. A utilização de tais recursos já era baixa na fase pré-implantação e não se evidenciou modificação significante com a implantação do protocolo assistencial.

Embora a coleta de dados em nosso estudo tenha se realizado nos meses de verão, isto não deve ter interferido nos resultados, pois a composição do pessoal médico se mantém ao longo do ano, estando dividida em dois grupos: pessoal permanente (médicos contratados) com atuação fixa no serviço de emergência e pessoal transitório (médicos residentes e estagiários) em esquema de rodízio mensal. A cobertura de férias do pessoal permanente é feita pelos próprios médicos contratados do serviço.

Deve ser ressaltado que o serviço de emergência em nossa instituição está dividido operacionalmente em setor pediátrico e setor de adultos, sendo que o ponto de corte para o atendimento nos dois setores é a idade de doze anos e que o presente estudo envolveu o setor de adultos.

Com a crescente utilização de diretrizes e protocolos assistenciais na prática clínica, surge uma questão a ser analisada: o hiato entre a conduta preconizada por determinada diretriz ou protocolo e o seu efetivo cumprimento. O fato é que inúmeros estudos se concentram na análise que envolve a efetiva aceitação ou aderência aos protocolos assistenciais por parte do quadro médico das instituições de saúde (9;10;12;13;19-21). A dificuldade de aderência a determinada diretriz pelos médicos depende de algumas variáveis, destacando-se, dentre as mais freqüentes, a falta de familiaridade ou conhecimento detalhado sobre o protocolo, a discordância com os conceitos preconizados pelo documento e o simples desconhecimento da existência do mesmo (19;22). Pode-se listar também outros fatores que dificultam a adoção do uso destes protocolos: falta de motivação pessoal, falta de tempo ou recursos para a aplicação do protocolo e, por vezes, até mesmo a resistência dos pacientes em se submeterem a determinadas ações, tanto diagnósticas quanto terapêuticas, previstas em determinado protocolo (19). É fundamental que, antes da implantação de qualquer protocolo assistencial, haja uma ampla divulgação e treinamento com o objetivo de instruir, familiarizar e motivar a equipe com relação à nova rotina (22).

Em serviços de atendimento de emergência, principalmente em hospitais universitários com programa de residência médica, onde há rodízio mensal de médicos prestando atendimento externo, aumenta a probabilidade de haver descontinuidade no cumprimento de rotinas ou protocolos já incorporados pelos demais integrantes da equipe (23). No ambiente acadêmico, a introdução de noções relativas a protocolos assistenciais, além de servir como instrumento de educação, também serve para familiarizar os estudantes em treinamento para atendimento mais qualificado e padronizado (24).

Face ao já reconhecido hiato entre a conduta preconizada e a conduta efetivamente seguida na prática clínica, torna-se importante aferir a real vantagem da implantação de um protocolo assistencial na sala de emergência. Até que ponto o conhecimento e o seguimento das recomendações previstas nas diretrizes ou protocolos adotados têm modificado o padrão de atuação dos profissionais de saúde e que tipo de desfecho tem se observado como resultado da aplicação de tais protocolos (25). Nesse contexto, faz-se necessária, portanto, a realização de estudos específicos que avaliem o efeito da implantação de protocolos assistenciais sobre o atendimento de pacientes em serviços de emergência.

Em conclusão, a implantação do protocolo assistencial de asma aguda no setor de adultos do Serviço de Emergência do HCPA obteve um efeito positivo sobre o atendimento de pacientes com crise asmática, levando à maior utilização do PFE e da oximetria de pulso, maior número de prescrições das três nebulizações com medicação broncodilatadora preconizadas para a primeira hora de atendimento e maior utilização de corticosteróide pela via oral. Além disso, foi constatada maior utilização de recursos diagnósticos (radiologia e hematologia). Não se observou, entretanto, efeito sobre o tempo de permanência, taxas de internações e altas da emergência.

Agradecimentos

Agradecemos a Vânia Naomi Hirakata e ao Prof. Mário Bernardes Wagner pela análise estatística, à Profa. Laura Maria Brenner Ceia Ramos Mariano da Rocha pela revisão do manuscrito, e ao pessoal médico, administrativo e de enfermagem do Serviço de Emergência do HCPA pela colaboração no estudo.

Recebido para publicação, em 8/10/3.

Aprovado após revisão, em 20/11/3.

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  • Endereço para correspondência
    Paulo de Tarso Roth Dalcin
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    Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2003
    • Aceito
      20 Nov 2003
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