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Avaliação objetiva do hipocratismo digital em imagens de sombra de dedo indicador: estudo em pacientes pneumopatas e em indivíduos normais

Resumos

INTRODUÇÃO: O diagnóstico do hipocratismo digital é clínico, mas pode tornar-se mais acurado pelo uso de critérios objetivos de determinação. OBJETIVO: Mostrar um método simples de obtenção de imagens de dedos para estudo do hipocratismo digital. MÉTODO: Em imagens de dedos indicadores em perfil, obtidas praticamente sem distorção em folha de papel comum, projetadas através de lâmina de vidro, determinaram-se os ângulos do perfil e hiponiquial, e a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangena. Estudaram-se 306 pneumopatas adultos, clinicamente com hipocratismo presente, ausente ou duvidoso, e 452 indivíduos adultos normais. Eram fumantes 71,0% dos pacientes e 33,4% dos controles. RESULTADOS: Os valores encontrados nos indivíduos normais e nos pacientes nos quais havia a presença clínica de hipocratismo foram, respectivamente, 172,8 ± 5,3º e 183,4 ± 5,0º para ângulo de perfil, 181,5 ± 4,8º e 201,4 ± 6,5º para ângulo hiponiquial, e 0,904 ± 0,029 e 1,014 ± 0,062 para a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangeana. As diferenças foram significativas. Os casos duvidosos também tiveram valores maiores que os verificados nos controles. No grupo controle, observou-se que os fumantes masculinos apresentaram os três valores significativamente superiores aos exibidos pelos não fumantes, enquanto que nas mulheres fumantes desse grupo apenas a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangeana se mostrou superior. CONCLUSÃO: Imagens nítidas de dedos indicadores foram facilmente obtidas pelo método empregado. O ângulo hiponiquial, determinado a partir das imagens, foi a medida que se mostrou com maior capacidade para discriminar casos com e sem hipocratismo (sensibilidade de 76,7%, especificidade de 83,2%, valores preditivos positivo de 95,8% e negativo de 96,9%).

Hipocratismo digital; baqueteamento; ângulo do perfil; ângulo hiponiquial; relação entre espessuras do dedo


BACKGROUND: Normal diagnosis of clubbing is clinical; however use of objective criteria may improve the accuracy of findings OBJECTIVE: To present a simple method of obtaining finger images for the purpose of studying clubbing. METHOD: Shadow images of the index fingers obtained by projection through a transparent glass plate virtually without distortion and displayed on a common sheet of paper yielded the profile (PA) and hyponychial (HA) angles; as well as the ratio between distal phalangean and interphalangean depths (DPD/IPD). Upon physical examination of 306 adult bearers of pulmonary disease, 116 disclosed presence of clubbing (YES); 126 absence (NO); and 64 were doubtful cases (DBT). Also studied were 452 normal adult individuals. Among these 71.0% of the bearers and 33.4% of the controls were smokers. RESULTS: Values found in normal individuals and in patients bearers of clubbing (YES) were, respectively, 172.8±5.9° vs. 183.4±5.9° for PA, 181.5±5.0° vs. 201.4±6.5° for HA, and 0.904±0.029 vs. 1.014±0.062 for DPD/IPD (significant differences, p<0.05). CONCLUSIONS: This is a simple method of obtaining clear index finger images. The hyponychial angle determined on the images was the most useful measurement to discriminate digits clinically with and without clubbing (sensitivity of 76.7%, specificity of 83.2%, predictive positive value of 95.5% and predictive negative value of 96.9%).

Clubbing; profile angle; hyponychial angle; relation DPD/IPD


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação objetiva do hipocratismo digital em imagens de sombra de dedo indicador; estudo em pacientes pneumopatas e em indivíduos normais* * Trabalho realizado no Pavilhão Pereira Filho (Serviço de Doenças Pulmonares da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre).

José da Silva Moreira; Nelson da Silva Porto; Ana Luiza Schneider Moreira

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José S. Moreira Rua Carlos Von Koseritz 1062 / 701 Bairro Higienópolis CEP: 90540-030 Porto Alegre (RS) Brasil Tel: (51)32282789 Email: moreirapneumo@bol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O diagnóstico do hipocratismo digital é clínico, mas pode tornar-se mais acurado pelo uso de critérios objetivos de determinação.

OBJETIVO: Mostrar um método simples de obtenção de imagens de dedos para estudo do hipocratismo digital.

MÉTODO: Em imagens de dedos indicadores em perfil, obtidas praticamente sem distorção em folha de papel comum, projetadas através de lâmina de vidro, determinaram-se os ângulos do perfil e hiponiquial, e a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangena. Estudaram-se 306 pneumopatas adultos, clinicamente com hipocratismo presente, ausente ou duvidoso, e 452 indivíduos adultos normais. Eram fumantes 71,0% dos pacientes e 33,4% dos controles.

RESULTADOS: Os valores encontrados nos indivíduos normais e nos pacientes nos quais havia a presença clínica de hipocratismo foram, respectivamente, 172,8 ± 5,3º e 183,4 ± 5,0º para ângulo de perfil, 181,5 ± 4,8º e 201,4 ± 6,5º para ângulo hiponiquial, e 0,904 ± 0,029 e 1,014 ± 0,062 para a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangeana. As diferenças foram significativas. Os casos duvidosos também tiveram valores maiores que os verificados nos controles. No grupo controle, observou-se que os fumantes masculinos apresentaram os três valores significativamente superiores aos exibidos pelos não fumantes, enquanto que nas mulheres fumantes desse grupo apenas a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangeana se mostrou superior.

CONCLUSÃO: Imagens nítidas de dedos indicadores foram facilmente obtidas pelo método empregado. O ângulo hiponiquial, determinado a partir das imagens, foi a medida que se mostrou com maior capacidade para discriminar casos com e sem hipocratismo (sensibilidade de 76,7%, especificidade de 83,2%, valores preditivos positivo de 95,8% e negativo de 96,9%).

Descritores: Hipocratismo digital, baqueteamento, ângulo do perfil, ângulo hiponiquial, relação entre espessuras do dedo.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

DP - Desvio-padrão

DUV - Dúvida quanto à presença clínica de hipocratismo digital

EFD - Espessura falangiana distal

EIF - Espessura interfalangiana

Hi - Ângulo hiponiquial do dedo indicador

NÃO -Ausência clínica de hipocratismo digital

Pi - Ângulo de perfil do dedo indicador

SIM - Presença clínica de hipocratismo digital.

Introdução

O hipocratismo digital é um valioso sinal clínico indicador de doença intratorácica pulmonar ou cardíaca(1,2), podendo algumas vezes, todavia, estar relacionado a hepatopatias crônicas(3), doenças do intestino(4), da tireóide(5) ou ainda ser hereditário(6). É reconhecido desde a época de Hipócrates(7), e por muito tempo considerou-se ser relacionado com a tuberculose, embora Pigeaux, em 1832, já tivesse atribuído seu aparecimento a uma gama de situações mais ampla, como um "vício na hematose"(8). Ele pode apresentar-se isolado ou encontrar-se incluído na síndrome de osteoartropatia hipertrófica. As naturezas tanto do hipocratismo como dessa síndrome, entretanto, ainda não estão esclarecidas. Apesar de terem sido formuladas algumas teorias para explicá-las(9,10), nenhuma delas logrou êxito até o momento. Estudos recentes admitem que citocinas, que atuam como fatores de crescimento, ligadas a megacariócitos ou não, podem se encontrar envolvidas na patogenia das anormalidades(11,12).

O hipocratismo não oferece dificuldades em seu diagnóstico naqueles casos cuja presença é clinicamente óbvia, com alterações grosseiras nas extremidades dos dedos, mesmo que se usem diferentes critérios clínicos para a sua detecção(13), e variada sinonímia para sua designação(14). Todavia, o diagnóstico pode não ser tão fácil quando as modificações são incipientes, pouco pronunciadas(15,16). Nestes casos, especialmente, critérios objetivos de determinação mostram-se vantajosos, auxiliam o juízo clínico, e ainda possibilitam que os dados fiquem registrados e armazenados para estudos posteriores.

Dentre os critérios de avaliação objetiva do hipocratismo digital, os que têm se mostrado mais fidedignos são as medidas do ângulo ou sinal do perfil verificado em dedos indicadores (Pi)(17) ou polegares(18), do ângulo hiponiquial em dedos indicadores (Hi)(19), e a relação entre as espessuras falangeana distal e interfalangeana de dedos indicadores (EFD/EIF)(20,21). Para que esses critérios possam ser aplicados, entretanto, faz-se necessário que se obtenham imagens em perfil dos dedos(22), ou moldes rígidos dos mesmos(23). Determinações do grau de curvatura da unha (24,25), estimativas de aumento do volume da extremidade do dedo(26), radiogramas(27) e terrmografias(28) têm sido também explorados na avaliação do hipocratismo e da osteoartropatia hipertrófica. Todos esses métodos procuram traduzir o aumento dos tecidos moles que ocorre nos locais envolvidos, especialmente nas regiões sub-ungueais das extremidades dos dedos (29-31) .

Alguns valores referidos na literatura, para os critérios utilizados neste estudo, em indivíduos normais, são: 168,3°± 3,6o(32) e 171,4°± 5,5° (33) para o Pi; 186,0°± 2,0° (19), 180,1°± 4,2° (32) e 180,7°± 5,2o(33) para o Hi; e 0,895 ± 0,041 em crianças (16), 0,889 ± 0,037 em adultos da raça negra e 0,911 ± 0,049 em caucasianos adultos, para a relação EFD/EIF (34). Em indivíduos clinicamente portadores de hipocratismo, todos esses valores apresentam-se significativamente maiores, mostrando-se bons discriminadores de dedos com e sem anormalidade.

O objetivo do presente trabalho é mostrar um modo simples e rápido de obtenção de imagens em perfil de dedos indicadores, sobre as quais se pode usar critérios objetivos, já conhecidos, de avaliação do hipocratismo digital.

Método

Para a obtenção das imagens, projetava-se a sombra do perfil do dedo indicador através de uma lâmina de vidro plano, e recolhia-se a imagem em uma folha de papel branco comum, colocada sobre o vidro. O dedo indicador a ser examinado, em perfil correto, ficava junto e por debaixo da lâmina de vidro, e a fonte luminosa verticalmente a cerca de 70 cm mais abaixo. A fonte pode ser uma lâmpada elétrica incandescente comum ou uma lanterna simples.

Na prática, a lâmina de vidro ficava sobre uma mesa e a lâmpada no chão. A Figura 1 ilustra a montagem do processo de obtenção da imagem. O dorso da mão deve encostar na mesa e o dedo polegar no vidro, a fim de prevenir deslocamentos.


Sobre a imagem obtida da sombra do dedo colocavam-se as demarcações para as determinações do Hi, do Pi e da relação EFD/EIF. Elas eram colocadas nos seguintes pontos: prega cutânea dorsal distal; epiníquio; ponto mais elevado da superfície dorsal da unha; hiponíquio; ponto ventral, diametralmente oposto ao epiníquio; e ponto ventral, diametralmente oposto àquele referente à prega cutânea interfalangeana dorsal distal (Figura 2). Na Figura 3 observam-se o aspecto definitivo do conjunto de pontos de demarcação sobre o papel, agora já sem a presença da sombra do dedo, e os ângulos e distâncias traçados pelos referidos pontos. Na quase totalidade das vezes escolheu-se o dedo indicador da mão direita, usando-se o indicador da mão esquerda somente em presença de lesão ou na falta do dedo direito (em geral por trauma). Para as demarcações utilizaram-se lápis de ponta afiada, régua com calibração de meio milímetro e transferidor de 360º com calibração de meio grau. Todas as leituras, tanto nos pacientes como nos indivíduos normais, foram efetuadas pelo mesmo pesquisador. A reprodutibilidade do método foi inicialmente testada repetindo-se por seis vezes as determinações de Pi, Hi e da relação EFD/EIF, no mesmo dedo indicador de doze indivíduos normais.



O método foi aplicado em 306 pacientes (241 homens e 65 mulheres), com idades entre 15 e 88 anos (média de 51,3 anos), portadores de doenças pulmonares diversas e em 452 indivíduos adultos normais e sadios (233 homens e 219 mulheres), com idades entre 15 e 80 anos (média de 40,2 anos). Os pacientes foram todos selecionados em um hospital universitário, especializado em doenças pulmonares.

Entre os 306 pacientes, internados e investigados, as doenças mais freqüentemente diagnosticadas foram carcinoma brônquico, doença pulmonar obstrutiva crônica, bronquiectasias e fibrose pulmonar. Eram fumantes 217 (71%) deles. Em 116 pacientes o exame clínico concluiu pela presença (SIM) de hipocratismo, em 126 por sua ausência (NÃO), e em 64 havia dúvida (DUV) quanto à presença do sinal.

Os indivíduos componentes do grupo controle eram inteiramente assintomáticos, nenhum deles apresentava clinicamente hipocratismo digital, e 301 (66,6%) deles nunca haviam fumado, o que constituiu diferença significativa (p < 0.001) com relação ao grupo de estudo (pacientes). Havia 151 fumantes (por mais de cinco anos) nesse grupo, dos quais 82 eram homens e 69 mulheres. Os homens fumavam 15,7 ± 7,2 cigarros ao dia e a mulheres 13,0 ± 7,2, uma diferença significativa (p < 0,05). Pertenciam à raça branca 354 (78,3%), e à raça negra 98 (21,7%) deles. A atividade manual, em especial das extremidades dos dedos, foi considerada leve em 164 (36,3%) desses indivíduos, moderada em 220 (48,7%) e pesada em 68 (15,0%), grupo este formado por cirurgiões, pianistas, organistas, datilógrafos e digitadores. A atividade manual foi considerada leve em médicos não cirurgiões, estudantes e enfermeiros, e moderada em trabalhadores em geral, sem uso específico das extremidades dos dedos. A maioria dos controles, 385 (85,2%), referiu ter um radiograma convencional de tórax normal, e 341 destes, efetuado o radiograma dentro dos últimos cinco anos.

O exame dos dedos dos pacientes e dos controles foi efetuado por médicos experientes, treinados em doenças pulmonares, os quais forneceram sua impressão clínica quanto à presença do hipocratismo. Nos casos duvidosos, o clínico deveria optar pela maior tendência, positiva ou negativa. Os dados objetivos das mensurações foram contrapostos à impressão subjetiva quanto à presença do sinal clínico, de modo semelhante ao que foi feito por Regan et al. (19).

O consentimento informado foi obtido de todos os pacientes e indivíduos do grupo controle que participaram do estudo.

Testes de média foram empregados (testes t) para a comparação dos valores numéricos encontrados, e testes do Qui-quadrado para dados que envolveram valores proporcionais. Adotou-se o nível de significância de 5%. Sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo foram determinados para os ângulos e relação entre espessuras, tendo-se a impressão clínica como padrão para comparação. Para isto, os 64 casos considerados clinicamente como duvidosos foram distribuídos entre NÃO (33 casos) e SIM (31 casos), de acordo com a direção da tendência seguida pela conclusão clínica.

Resultados

Na avaliação da reprodutibilidade do método, através do coeficiente de variação, verificou-se variabilidade inferior a 2,5% nas repetidas determinações efetuadas de Pi, Hi e relação EFD/EIF em um mesmo dedo, e observou-se a menor delas na relação EFD/EIF (Tabela 1).

As análises dos valores de Pi, Hi e da relação EFD/EIF, verificados nos dedos indicadores dos 452 indivíduos do grupo controle, são mostradas na Tabela 2. Esses valores, verificados nos dedos dos indivíduos do grupo controle, mostraram-se independentes em relação ao sexo, idade, raça e atividade manual efetuada pelos componentes desse grupo. Entretanto, os valores de Pi e Hi e da relação entre EFD/EIF em 82 homens fumantes do mesmo grupo foram significativamente maiores (p < 0,005) que os encontrados nos não fumantes (Tabela 3). Nas 69 mulheres fumantes somente o valor da relação EFD/EIF mostrou-se levemente superior (0,911 ± 0,029) ao verificado nas 150 não fumantes (0.902 ± 0,030) de modo significativo (p = 0,037).

Na Tabela 4 são reunidos os valores encontrados para Pi, Hi e para a relação EFD/EIF nos 306 pacientes pneumopatas estudados, clinicamente considerados não portadores de hipocratismo digital, com a presença do sinal duvidosa e com hipocratismo, e nos 452 indivíduos do grupo controle. Os pacientes com hipocratismo e aqueles em que a presença do sinal foi duvidosa tiveram os três valores significativamente diferentes dos verificados nos pacientes sem hipocratismo (p < 0,001). Os pacientes pneumopatas, considerados clinicamente sem hipocratismo, tiveram os valores do Hi e da relação EFD/EIF também maiores que nos indivíduos do grupo controle (p < 0.05).

Considerando-se como pontos de corte os valores médios encontrados para os ângulos e para a relação entre espessuras nos casos clinicamente duvidosos (DUV), e colocando-se os casos duvidosos cuja tendência era para a presença clínica do hipocratismo em "SIM" (31 casos), e aqueles com tendência para a ausência em "NÃO" (33 casos), determinaram-se sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo de Pi, Hi e da relação EFD/EIF dos 306 pacientes (Tabela 5)

O critério objetivo que melhor discriminou dedos com e sem hipocratismo foi o Hi, com ponto de corte em 191,5º (Figura 4).


Discussão

A imagem da sombra do dedo no estudo do hipocratismo já havia sido explorada por Bentley e Cline em 1970 (22) e por Bentley et al. em 1976 (32), os quais usaram um dispositivo que projetava em um anteparo a sombra ampliada, construindo o desenho da sombra pelo traçado do perfil da extremidade do dedo. Siniah e Omar, em 1979, utilizaram sombras de dedos em perfil, obtidas através de retroprojetor, também recolhidas em anteparo (33), com o que conseguiram boas imagens para análise do hipocratismo. O método aqui apresentado, entretanto, obtém as imagens da sombra dos dedos, e em especial as recolhe, de maneira diferente daquelas propostas nos trabalhos desses autores.

O método descrito no presente trabalho é simples, não requer nenhum dispositivo especial, e pode ser rapidamente aplicável a um grande número de indivíduos, mesmo em seus próprios locais de trabalho ou residência. As imagens das sombras são nítidas, praticamente não sofrendo distorções projetivas, uma vez que o dedo fica junto à imagem formada e distante do foco luminoso. Os pontos de referência para o cálculo dos ângulos e espessuras são facilmente colocados sobre as imagens obtidas, e os valores mostram-se reprodutíveis. Os registros colhidos em folhas de papel podem ser armazenados, com os dados objetivos mensurados, com mínima ocupação de espaço, permanecendo especialmente úteis para estudos comparativos referentes à evolução do sinal clínico, particularmente na documentação da regressão da alteração após o tratamento da doença básica.

Os valores encontrados para Pi, Hi e para a relação EFD/EIF nos indivíduos normais (controles) concordam com o que tem sido registrado na literatura com o emprego de outros métodos(16,21,33,34). O número de indivíduos sadios estudados, cuidadosamente selecionados, a maioria deles não fumantes, e com um radiograma de tórax referido como normal, asseguram consistência aos valores, os quais foram significativamente menores que os verificados no grupo dos pacientes, especialmente naqueles com hipocratismo digital clinicamente presente ou duvidoso.

O fato de o Hi mostrar-se com os valores mais elevados de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo, na discriminação de pacientes com e sem hipocratismo digital deve-se, provavelmente, à capacidade que esta medida tem de considerar ao mesmo tempo o aumento da espessura dos tecidos moles sub-ungueais e o grau de curvatura da unha (19). A faixa da dúvida clínica quanto à presença de hipocratismo, no grupo dos doentes situou-se entre os valores 189,0º e 195,0º. Entretanto, é bem provável que a maioria dos casos com valores do Hi superiores a 191,5º (ponto de corte) tenham clinicamente hipocratismo digital, especialmente se forem considerados os resultados encontrados nos controles, nos quais os valores foram significativamente mais baixos. A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos encontrados com a metodologia empregada permitem sugerir que o Hi, especialmente, até o momento, seja o mais apropriado critério objetivo para conferir o diagnóstico clínico do hipocratismo digital.

Foi visto, também, que nos indivíduos do grupo controle fumantes do sexo masculino, os três valores analisados, e nas mulheres a relação entre as espessuras, mostraram-se maiores que os encontrados nos não fumantes, sugerindo que as alterações pulmonares determinadas pelo hábito tabágico, que foi mais intenso nos homens, podem modificar as extremidades dos dedos, ainda que em nível sub-clínico. É possível que alterações nas pequenas vias aéreas descritas em indivíduos fumantes (35) possam ter algum papel em relação a esse achado. Mais recentemente foram descritos, em material de biópsia pulmonar, casos de indivíduos adultos do sexo masculino com doença intersticial pulmonar associada à bronquiolite (RBLID- "respiratory bronchiolitis-associated instertitial lung disease"), em que havia severa dispnéia, hipoxemia ao exercício e hipocratismo digital, e cujos sinais, sintomas e provas funcionais respiratórias melhoraram significativamente poucos meses após a interrupção do uso do fumo (36). No presente trabalho, a detecção dessas pequenas diferenças de valores das mensurações observadas entre indivíduos normais fumantes e não fumantes pode ter sido possibilitada pelo número elevado de indivíduos estudados.

No presente estudo, também se verificou que os valores do ângulo hiponiquial e da relação entre as espessuras do dedo, verificados nos pacientes considerados clinicamente não portadores de hipocratismo, se mostraram significativamente maiores que nos indivíduos do grupo controle. Eles, todavia, eram todos portadores de alguma doença pulmonar, além de serem também fumantes em sua maioria. Em 1972, Sly et al. (16) já haviam referido que a relação EFD/EIF, determinada objetivamente em moldes rígidos de dedos indicadores, se mostrara maior em crianças asmáticas que em sadias, o que eles designaram mínimo hipocratismo. Goyal et al. (15) referiram que o hipocratismo poderia ser precocemente detectado por determinações objetivas, como pela análise morfométrica das unhas.

Recebido para publicação, em 11/6/3.

Aprovado, após revisão, em 19/12/3.

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  • Endereço para correspondência
    José S. Moreira
    Rua Carlos Von Koseritz 1062 / 701 Bairro Higienópolis
    CEP: 90540-030 Porto Alegre (RS) Brasil
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    Trabalho realizado no Pavilhão Pereira Filho (Serviço de Doenças Pulmonares da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      19 Dez 2003
    • Recebido
      11 Jun 2003
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