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Ocorrência de tuberculose doença entre contatos de tuberculose sensível e multirresistente

Resumos

INTRODUÇÃO: Desde os primeiros anos da quimioterapia anti-tuberculose, existe polêmica a respeito da transmissibilidade, infectividade, virulência e patogenicidade de bacilos sensíveis e resistentes à quimioterapia. OBJETIVO: Determinar a ocorrência de casos de tuberculose doença entre contatos intra-domiciliares de tuberculose multirresistente e tuberculose sensível. MÉTODO: Foi realizado um estudo caso-controle, sendo considerado tuberculose multirresistente o caso de portador de bacilo resistente a pelo menos rifampicina e isoniazida, e tuberculose sensível o caso que tivesse feito o primeiro tratamento num período semelhante ao primeiro tratamento do caso de tuberculose multirresistente, estando o paciente curado no momento da entrevista. Contato foi definido como o residente no domicílio do caso índice. Os casos foram selecionados a partir dos resultados dos testes de sensibilidade obtidos pelo método das proporções no Laboratório Central do Estado do Ceará, e os controles constituídos por pacientes bacilíferos registrados no Programa de Controle da Tuberculose, entre 1.990 e 1.999. RESULTADOS: Foram avaliados 126 portadores de tuberculose multirresistente e 176 de tuberculose sensível. O número de contatos foi de 557 no grupo dos casos, 752 no grupo controle e a média de contatos por caso índice foi de 4,42 e 4,27 respectivamente. Entre os casos, 4,49% dos contatos (25/557) fizeram tratamento para tuberculose após os casos índices. Esse percentual foi de 5,45% (41/752) entre os controles (p = 0,4468). Ocorreu micro-epidemia de tuberculose multirresistente confirmada por teste de sensibilidade em oito famílias. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que a ocorrência de tratamentos de tuberculose gerados entre contatos intra-domiciliares de tuberculose sensível e tuberculose multirresistente é semelhante.

Tuberculose resistente a múltiplas drogas; Tuberculose


BACKGROUND: Since the first years of antituberculosis chemotherapy, there has been controversy regarding the transmissibility, infectiousness, virulence and pathogenicity of susceptible and drug-resistant strains of Mycobacterium tuberculosis. OBJECTIVE: To determine the incidence of active tuberculosis (TB) among individuals cohabiting with patients infected with susceptible and multidrug-resistant tuberculosis (MDR-TB). METHODS: A case-control study was conducted. Cases of MDR-TB were defined as those infected with M. tuberculosis strains resistant to at least rifampin and isoniazid. Susceptible TB cases (controls) were defined as those first treated at approximately the same time as the first treatment of the MDR-TB cases - and cured by the time of the interview. Study cases were selected on the basis of the results of susceptibility tests, using the proportion method, carried out at the Central Laboratory of Public Health of the State of Ceará. The control group consisted of patients enrolled in the Tuberculosis Control Program between 1990 and 1999. RESULTS: We evaluated 126 patients and 176 controls. The number of individuals sharing the household with patients was 557 in the MDR-TB group and 752 in the controls. The average number of exposed individuals per index case was 4.42 and 4.27 among patients and controls, respectively. Of the 557 MDR-TB-exposed individuals, 4.49% (25) received antituberculosis treatment after the respective index case had begun treatment, compared to 5.45% (41/752) among the controls (p = 0.4468). Microepidemics of MDR-TB were confirmed in eight families. CONCLUSION: Our results suggest that the incidence of active TB is comparable between households inhabited by MDR-TB patients and those inhabited by susceptible-TB patients.

Tuberculosis, multidrug-resistant; Tuberculosis


ARTIGO ORIGINAL

Ocorrência de tuberculose doença entre contatos de tuberculose sensível e multirresistente * * Trabalho realizado no Hospital de Maracanaú- Ministério da Saúde e Hospital de Messejana- Secretaria da Saúde do Estado do Ceará.

Elizabeth Clara Barroso; Rosa Mª Salani Mota; Valéria Góes Ferreira Pinheiro; Creusa Lima Campelo; Jorge Luis Nobre Rodrigues

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Elizabeth Clara Barroso Rua Fonseca Lobo 50 apto 402, Aldeota CEP 60.175-020 Fortaleza, CE Tel: 55-85-267 1557 E-mail: vbarroso@fortalnet.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Desde os primeiros anos da quimioterapia anti-tuberculose, existe polêmica a respeito da transmissibilidade, infectividade, virulência e patogenicidade de bacilos sensíveis e resistentes à quimioterapia.

OBJETIVO: Determinar a ocorrência de casos de tuberculose doença entre contatos intra-domiciliares de tuberculose multirresistente e tuberculose sensível.

MÉTODO: Foi realizado um estudo caso-controle, sendo considerado tuberculose multirresistente o caso de portador de bacilo resistente a pelo menos rifampicina e isoniazida, e tuberculose sensível o caso que tivesse feito o primeiro tratamento num período semelhante ao primeiro tratamento do caso de tuberculose multirresistente, estando o paciente curado no momento da entrevista. Contato foi definido como o residente no domicílio do caso índice. Os casos foram selecionados a partir dos resultados dos testes de sensibilidade obtidos pelo método das proporções no Laboratório Central do Estado do Ceará, e os controles constituídos por pacientes bacilíferos registrados no Programa de Controle da Tuberculose, entre 1.990 e 1.999.

RESULTADOS: Foram avaliados 126 portadores de tuberculose multirresistente e 176 de tuberculose sensível. O número de contatos foi de 557 no grupo dos casos, 752 no grupo controle e a média de contatos por caso índice foi de 4,42 e 4,27 respectivamente. Entre os casos, 4,49% dos contatos (25/557) fizeram tratamento para tuberculose após os casos índices. Esse percentual foi de 5,45% (41/752) entre os controles (p = 0,4468). Ocorreu micro-epidemia de tuberculose multirresistente confirmada por teste de sensibilidade em oito famílias.

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que a ocorrência de tratamentos de tuberculose gerados entre contatos intra-domiciliares de tuberculose sensível e tuberculose multirresistente é semelhante.

Descritores: Tuberculose resistente a múltiplas drogas/epidemiologia. Tuberculose/transmissão.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

TB - Tuberculose

INH - Isoniazida

RFP - Rifampicina

SM - Estreptomicina

HIV - Vírus da imunodeficiência humana

TBMR - Tuberculose multirresistente

TBS - Tuberculose sensível

TS - Teste de sensibilidade

Introdução

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa crônica que vem afligindo a humanidade há cinco milênios. Seu agente etiológico, o Mycobacterium tuberculosis, ou bacilo de Koch, é o patógeno que mais mortes causou, entre as doenças infecciosas, até o momento, em adultos(1). A arma mais poderosa contra a TB é a quimioterapia, que é capaz de curar a quase totalidade dos casos, mas alguns fatores podem interferir negativamente nesse desfecho(2). Um fator considerado muito importante é o uso inadequado da medicação, durante o tratamento, o que possibilita a seleção de bacilos resistentes, ou seja, determina a "resistência adquirida". Quando um paciente adoece após ter se infectado com cepas resistentes a medicamentos que ele nunca tomou, ou tomou por menos de um mês, ocorre a denominada "resistência primária"(3). A definição internacional para tuberculose multirresistente (TBMR) é dada para o caso com bacilo resistente a pelo menos rifampicina (RFP) + isoniazida (INH)(3).

Muitos estudos nos EUA, nas décadas de 1.960 e 1.970, mostraram que, apesar do surgimento de cepas resistentes às drogas antituberculose, não havia um aumento, como seria esperado, na incidência da resistência primária, conseqüente à existência da resistência adquirida. Uma possível explicação para isso seria o fato de que o Mycobacterium tuberculosis resistente às drogas não seria tão facilmente transmitido ou, se transmitido, não causaria tão facilmente infecção ou doença quanto o bacilo sensível(4). Alguns pesquisadores demonstraram que o bacilo tuberculoso resistente à INH tinha atenuada patogenicidade para animais de laboratório, especialmente a cobaia, e foi postulado que esse tipo de bacilo poderia ser menos capaz de causar infecção ou doença nos seres humanos(5).

No entanto, desde as primeiras décadas da quimioterapia foram publicados estudos que comprovaram a transmissão e o desenvolvimento de doença secundária a bacilos resistentes à INH, estreptomicina (SM) e ácido para-amino-salicílico(4). Num estudo em cobaia não se pode demonstrar perda consistente de virulência em bacilos resistentes, mas sim uma ampla variação na virulência das cepas(6).

No Estado do Ceará a prevalência da TBMR combinada (primária + adquirida) aumentou de 0,82% em 1994 para 1,48% em 1999 (7). O percentual de TBMR primária nos anos de 1.995 e 1.996, foi 0,6%, contra 3,3% de TBMR adquirida(8).

Uma das mais eficazes armas no combate à TB é a quimioprofilaxia. Para contatos domiciliares de portadores de TB em geral, nos quais se indica a quimioprofilaxia como forma de prevenir o desenvolvimento de TB doença, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda o uso de isoniazida. Para comunicantes de casos índices diagnosticados como TBMR, não existe recomendação objetiva, já que não existe experiência universal consistente e conclusiva, nessa área, que possa dar sustentação a alguma recomendação(9).

Nas primeiras décadas de uso da quimioterapia anti-tuberculose, a teoria de que cepas resistentes eram menos patogênicas era bem aceita. Na década de 1.990 foram publicadas epidemias institucionais de TBMR em pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV)(3), levantando grandes dúvidas sobre essa teoria. Desde então, ela passou a ser objeto de grande apreensão entre profissionais da saúde, familiares de pacientes e na população em geral em relação à transmissão da TB, especialmente da TBMR.

O objetivo deste estudo foi determinar a ocorrência de casos de TB doença entre contatos intra-domiciliares de portadores de TBMR e TB sensível (TBS).

Método

O estudo foi conduzido no Estado do Ceará, onde houve um total de 41.073 casos de TB notificados, no período de 1.990 a 1.999(7). O estado abriga uma população de 6.809.290 habitantes(10), e sua capital, Fortaleza, tem uma população de 1.965.513 habitantes(10) e é responsável por 50% das notificações de TB do estado.

Foi feito um estudo caso-controle. Foram definidos como casos os pacientes com diagnóstico de TBMR, pela definição internacional citada anteriormente. Controles foram considerados os pacientes que tivessem feito o primeiro tratamento num período semelhante ao primeiro tratamento do caso com TBMR. O paciente deveria ter sido bacilífero no início do tratamento, ter se curado com o Esquema I (2RFP+INH+pirazinamida/4RFP+INH) e estar curado no momento da entrevista (TBS).

A seleção dos casos foi feita tomando-se como base os resultados dos testes de sensibilidade (TS) efetuados no Laboratório Central do Estado do Ceará, único laboratório a fazer TS no estado, e supervisionado pelo Centro de Referência Professor Hélio Fraga, referência nacional para realização de TS, no período de 1.990 a 1.999. Os serviços que contribuíram para a formação do grupo de casos foram: Hospital de Maracanaú, que é referência estadual para internações em TB e se situa em Maracanaú, cidade vizinha a Fortaleza; Hospital de Messejana, localizado em Fortaleza, referência hospitalar e ambulatorial, em TB, para o Estado do Ceará e estados vizinhos; e Unidade Sanitária Dona Libânia, referência para atendimento ambulatorial, também localizada em Fortaleza.

Os controles foram selecionados de modo que houvesse um pareamento por sexo, idade e ano do primeiro tratamento. Foi calculado o período entre o primeiro tratamento e o diagnóstico de TBMR dos casos. Encontrou-se uma média de 6,5 ± 3 (anos ± desvio padrão). A pesquisa foi feita no ano 2.000. Recuou-se a média mais um ano e começou-se a selecionar todos os bacilíferos, a partir de 1.993, do livro de registro de tratamento da TB (Hospitais de Maracanaú e de Messejana). Foi enviada correspondência que já tornava os pacientes cientes do estudo. Ao comparecerem ao serviço de tisiologia, eles assinaram o termo de consentimento, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, submeteram-se ao radiograma simples de tórax, a exames rotineiros de sangue, incluindo a pesquisa de anticorpos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), quando concordaram, e à pesquisa de BAAR no escarro, quando indicado. Se o paciente estava curado, preenchia-se o questionário que alimentaria o banco de dados dos controles.

Foi utilizado questionário com as seguintes definições: TB curada, abandono de tratamento e contato foram definidos de acordo com o I Consenso Brasileiro de Tuberculose(9); micro-epidemia de TBMR foi considerada pelos autores como a ocorrência de dois ou mais casos de TBMR no domicílio, confirmados por TS; número de tratamentos anteriores foi considerado o número de tratamentos efetivados até o diagnóstico de TBMR para os casos e o número de tratamentos realizados até a entrevista para os controles.

Foi usado o meio de cultura de Löwenstein Jensen. Para o TS utilizou-se o método das proporções de Canetti et al. (11) com meio sólido. Resistência foi definida como crescimento de pelo menos 1% de colônias sob concentrações críticas das seguintes drogas: 0,2 mg/mL para isoniazida, 2 mg/mL para etambutol e 40 mg/mL para rifampicina; e crescimento de pelo menos 10% de colônias sob concentrações críticas das drogas: 20 mg/mL para etionamida, 100 mg/mL para pirazinamida e 4 mg/mL para estreptomicina.

Na análise estatística foi utilizado o teste do qui-quadrado e considerado como significativo um valor de p < 0,05. As análises foram realizadas com auxílio dos programas Excel for Windows e Word for Windows.

Resultados

Dos 1.500 TS realizados no Laboratório Central do Estado do Ceará, na década de 1.990, 266 cepas eram resistentes a pelo menos RMP+INH. Foram identificados 153 desses pacientes, para os quais foi preenchido o questionário padrão. Destes, 27 foram excluídos: 5 por apresentarem micobactérias atípicas, 2 por não estarem de acordo com a definição de TBMR adotada, 6 por não terem contatos, 4 por serem de família já cadastrada (permanecendo apenas o caso índice) e 10 por não oferecerem informações seguras sobre os contatos tratados. O grupo dos casos ficou composto por 126 pacientes.

Na seleção dos controles, foram analisados 615 prontuários e enviadas 504 correspondências (111 foram excluídos por se tratarem de óbitos e transferências). Das 504 cartas enviadas, o correio devolveu 114, e apenas 188 pacientes compareceram. Destes, 12 foram excluídos: 1 por se tratar de TBMR, 2 por estarem sintomáticos, 4 por serem de família já cadastrada (permanecendo o caso índice) e 5 por falta de informações seguras sobre os contatos tratados. O grupo controle ficou constituído por 176 pacientes.

O período médio entre o primeiro tratamento para TB e o diagnóstico de TBMR no grupo dos casos foi de 6,5 ± 3 (anos ± desvio padrão) e o período entre o primeiro tratamento e a data da entrevista foi de 6,4 ± 5 (anos ± desvio padrão) no grupo dos controles. O período entre o diagnóstico de TBMR e a pesquisa foi em média de 4,1 anos.

Entre os casos, 79 (62,7%) pacientes eram do gênero masculino e entre os controles, 110 (62,5%). A média de idade foi de 39 ± 25 anos e 41 ± 14 anos nos grupos dos casos e controles, respectivamente. No grupo dos casos, 78 dos 126 pacientes (62%) foram testados para o anti-HIV, todos com resultado negativo. O mesmo ocorreu com os 97 dos 176 pacientes (55%) testados do grupo controle.

O total de casos índices foi de 302 e de contatos 1.309, distribuídos segundo a Tabela 1. A distribuição das famílias em relação ao número de contatos tratados está na Tabela 2.

Nem sempre os contatos domiciliares haviam sido tratados após o caso índice, isto é, nem sempre o caso em estudo era um verdadeiro caso índice. Isso ocorreu tanto no grupo dos casos como no dos controles. A ocorrência de contatos tratados em qualquer época, isto é, antes e/ou após os casos índices no grupo dos casos ou grupo controle está na Tabela 3. Houve diferença estatisticamente significante entre os percentuais de familiares tratados antes dos casos índices, com predomínio entre os contatos de casos índices com TBMR. Quanto aos tratados após os casos índices essa diferença não foi encontrada.

Entre os portadores de TBMR detectamos 8 micro-epidemias familiares de TBMR, confirmadas por TS, totalizando 20 pacientes (Tabela 4). Os 8 casos índices geraram 12 novos casos de TBMR. Em 4 destes (33%) o padrão de resistência das cepas envolvidas diferia dos respectivos casos índices, embora fossem também multirresistentes.

Dos 126 isolados multirresistentes, 114 haviam desenvolvido multirresistência adquirida e 12 tratavam-se de multirresistência primária. Entre estes, de um caso não se obteve informação sobre os contatos e 11 provavelmente não originaram novos casos de TB.

Discussão

No Estado do Ceará, a notificação dos casos de TB diminuiu de 43.508 na década de 1.980 para 41.073 na década de 1.990, e mostrou tendência decrescente no decorrer desta década. (8). Isso pode refletir uma falha na notificação dos casos já que o número de diagnósticos de TBMR mostrou tendência crescente na década de 1.990 (7).

Antes de se comentar os resultados faz-se necessário citar várias limitações do estudo. A primeira deve-se ao fato de o estudo ter sido retrospectivo. Do grupo de casos, 25% tiveram seus dados colhidos por observações de prontuário, sem a presença do paciente. Contudo, como se tratavam de casos crônicos com numerosas internações, os prontuários continham muitas informações. Para evitar viés por falta de dados ou falta de credibilidade, recorreu-se ainda às profissionais de enfermagem e do serviço social, as quais, além de terem sido responsáveis por boa parte das informações de prontuário, assim como o autor da pesquisa, conheciam os pacientes muito bem devido às numerosas consultas e internações. Os outros 75% vinham sendo acompanhados pelo autor do estudo na última década e presenciaram o preenchimento do questionário. Quanto ao grupo dos controles, os dados foram colhidos pelo mesmo profissional na presença do paciente e com a utilização concomitante do prontuário, podendo assim confrontar os dados. Outra limitação por se tratar de estudo retrospectivo é o fato de não se ter estudado o período de transmissão da TBS nem da TBMR.

Deve-se atentar também para as limitações próprias dos estudos com voluntários, onde as pessoas que atendem aos chamados são, supostamente, mais responsáveis e conseqüentemente fazem os tratamentos mais corretamente e podem ter melhores condições de saúde.

O fato de o TS para drogas anti-tuberculose não ser feito de rotina no primeiro diagnóstico de TB, nos nossos serviços, pode ter contribuído para se ter diagnosticado apenas 12 casos de TBMR primária contra 114 de TBMR adquirida.

Finalmente, deve ser lembrado ainda que no grupo de casos, em 38% deles não foi testado o HIV por não fazer parte da rotina, principalmente para pacientes ambulatoriais. A maioria dos internados foi testada. O exame dos controles foi todo feito ambulatorialmente, e o teste anti-HIV foi oferecido a todos, porém 45% deles recusaram. Pode ter-se perdido algum caso de HIV positivo nos grupos. Dentre os que recusaram, não se encontrou indícios de que pertencessem a grupos de risco para o HIV.

Fez-se pareamento por gênero e faixa etária uma vez que estas variáveis poderiam funcionar como fatores confundidores, já que na literatura científica encontram-se resultados bastante discrepantes em relação a essas duas características(12,13).

Em 1.979, Siminel et al. publicaram estudo que incluiu 3.189 crianças contatos de 931 casos de TB, onde 676 eram sensíveis e 255 eram resistentes à INH. Para evitar possível viés o autor fez análises quanto à idade dos contatos, duração da exposição e gravidade dos casos índices. A análise estatística confirmou a hipótese de que fontes de Mycobacterium tuberculosis resistentes à INH apresentavam menor patogenicidade, não somente para animais de laboratório mas também para contatos humanos(14). Esse estudo em crianças teve particular importância, especialmente porque adultos, em países de alta prevalência como o Brasil, têm maior probabilidade de se infectarem fora do domicílio. Na presente pesquisa, observa-se que os percentuais de contatos tratados após os casos índices de TBS e TBMR (Tabela 3 ) são semelhantes estatisticamente. Caso se tivesse feito uma estratificação quanto ao tempo de exposição, talvez os autores tivessem encontrado resultados semelhantes, isto é, menor percentual de contatos tratados entre os portadores de TBMR.

Snider et al. publicaram em 1.985 trabalho que envolveu 1.352 contatos, no qual 398 pacientes portadores de bacilo tuberculoso resistente à INH e/ou SM foram pareados para idade, raça, sexo e área geográfica a um número igual de portadores de bacilos sensíveis a nove drogas. Não foi encontrada nenhuma evidência de menor risco de infecção entre contatos expostos a portadores de bacilos resistentes à INH nem à INH+SM(4). Snider et al. (4) encontraram ainda, com a utilização de análise de regressão logística, um risco de infecção, entre contatos de pacientes portadores de bacilos resistentes, significantemente maior, quando esses pacientes tinham história de um ou mais tratamentos anteriores. A explicação para isso é o maior período de exposição que esses familiares sofreram.

Em pesquisa nacional, Teixeira et al. realizaram estudo caso-controle em Vitória (ES), no período de 1.994 a 1.998, sobre a prevalência de infecção e doença ativa entre contatos domiciliares de TB sensível e TBMR. Esse estudo envolveu 408 contatos de 78 portadores de TB, sendo 26 portadores de bacilos resistentes e 52 de bacilos sensíveis. Os autores concluíram que a prevalência de infecção e progressão para doença ativa entre familiares expostos à TBS e TBMR era comparável, apesar do maior tempo de exposição desses familiares com o caso índice de TBMR(15). Os autores incluíram o tempo de exposição na análise e observaram que o maior tempo de exposição se sobrepõe a uma, possível, menor patogenicidade dos bacilos resistentes, chegando a se igualar o percentual de novos casos de TB gerados entre contatos de TBS e TBMR.

Os três estudos foram tipo caso-controle, abordaram a prevalência de infecção e doença entre contatos de portadores de TBS e TBMR, mas foram realizados em períodos distintos, em uma das três últimas décadas, e os quimioterápicos em questão não foram os mesmos. Mesmo assim, eles podem ser comparáveis. Uma dificuldade comum encontrada pelos autores foi a determinação do período de exposição.

A presente pesquisa reforçou os achados dos dois últimos estudos citados. Não se fez estudo do período de exposição, mas encontramos uma média do número de tratamentos anteriores entre os casos de 2,8 (até o diagnóstico de TBMR) e entre os controles de 1,3 (até a data da entrevista). O período entre o diagnóstico de TBMR e a pesquisa foi em média de 4,1 anos. Isto mostra que o período de exposição foi bem superior, lembrando ainda que para cada tratamento de TBS, o período de infectividade corresponde ao tempo de duração dos sintomas somado a quinze dias(16), após iniciada a terapêutica adequada, enquanto que, para os casos de TBMR, não existe terapêutica de alta eficácia, havendo conversão da baciloscopia e cultura do escarro apenas em torno de 65% dos casos bem tratados, com alto índice de recaídas(17), o que propicia seguidas oportunidades de contágio.

Em estudo de sobrevivência realizado no Estado do Ceará, a sobrevida dos pacientes que tiveram falência ao tratamento adequado para TBMR foi de 73% por cinco anos, e dos que não tiveram oportunidade para esse tratamento foi de 32% por cinco anos(8). Isto dá uma idéia do extenso período a que familiares de portadores de TBMR ficam expostos. Mesmo assim, a ocorrência de TB doença gerada após casos de TBMR é semelhante à gerada entre contatos de TBS. Isto sugere que a patogenicidade de cepas multirresistentes seja realmente menor, o que não diminui a preocupação em relação a essa exposição, já que, com o tempo, a proporção de TB doença se iguala entre os grupos, havendo risco cumulativo de desenvolvimento de TBMR primária.

Ao se observar a proporção de tratamentos entre contatos antes do caso índice (Tabela 3 ), constatou-se um predomínio significativo no grupo dos casos, o que leva a imaginar que os portadores de TBMR, na verdade, são grandes vítimas e que eles transmitem menos. Esse pensamento é reforçado pela constatação feita de que 11 dos 12 portadores de TBMR primária provavelmente não originaram novos casos quaisquer de TB.

Melo et al. publicaram, recentemente, estudo de coorte, de 1.995 a 1.998, em serviço de referência na cidade de São Paulo (SP), no qual descrevem quatro surtos familiares de TBMR (três ou mais indivíduos) (18). Vidal conduziu estudo prospectivo em hospital geral de Barcelona, Espanha, de 1.989 a 1.994, para verificar o risco aumentado de transmissão de TB em famílias com micro-epidemias. Foi considerado micro-epidemia três indivíduos com TB numa residência, com base no fato de que dois ou mais novos casos de TB na família é um número maior do que o esperado(19). Levando-se em conta que a proporção da TBMR em relação à TB em geral foi de 1,48%, em 1.999, no Estado do Ceará(7), considerou-se, para o presente estudo, que dois casos de TBMR numa família já seria mais do que o esperado. Essa definição possibilita que se chame mais atenção para a TBMR, que é uma entidade de gravidade indiscutível.

A discordância de 33% entre os perfis de sensibilidade das cepas de M. tuberculosis de novos casos familiares de TBMR, quando comparados aos casos índices, encontrada neste estudo, também tem sido relatada em estudos nacionais e internacionais.

Kritski et al. encontraram que 54% dos 13 isolados clínicos de contatos de 12 índices tinham padrão de resistência distinto, e inclusive, que três (23%) eram sensíveis a todas as drogas(20). A média de idade nesse grupo foi de 35,6 anos.

Teixeira et al. encontraram apenas 17% de discordância no perfil de sensibilidade de seis cepas de familiares de seis portadores de TBMR, em grupo com média de idade de 39,5 anos. A cepa era sensível às drogas testadas, mas, o fingerprint do DNA era idêntico ao do isolado do respectivo índice(15).

Em estudo prospectivo, de 1.994 a 2.000, Schaaf et al. realizaram avaliação de crianças menores de cinco anos em contato com adultos portadores de TBMR pulmonar com um período de observação de 30 meses. Eles constataram que 25% dos isolados clínicos tinha padrão de resistência diferente, embora multirresistente. O fingerprint do DNA confirmou tratar-se de cepa distinta do índice. Não se conhecia outra fonte de contágio, mas a cepa multirresistente isolada era prevalente na comunidade na qual a criança residia(21,22).

Pelo que foi apresentado, conclui-se que a ocorrência de tratamentos de TB gerados entre contatos de TBS e TBMR é semelhante, o que é bastante grave e requer que medidas de proteção e quimioprofilaxia adequada (quando indicada) para os familiares de portadores de TBMR sejam adotadas o mais rápido possível.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. Dr. José Rosemberg, pela orientação no projeto de pesquisa assim como noutras fases do estudo. Agradecem ainda às bibliotecárias Leonilha Mª Brasileiro Lessa e Norma de Carvalho Linhares pelo auxílio com as referências bibliográficas.

Recebido para publicação, em 20/5/03.

Aprovado, após revisão, em 7/6/04.

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  • Endereço para correspondência
    Elizabeth Clara Barroso
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    Trabalho realizado no Hospital de Maracanaú- Ministério da Saúde e Hospital de Messejana- Secretaria da Saúde do Estado do Ceará.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      07 Jun 2004
    • Recebido
      20 Maio 2003
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