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Achados clínicopatológicos na tromboembolia pulmonar: estudo de 24 anos de autópsias

Resumos

INTRODUÇÃO: Tromboembolia pulmonar (TEP) é ainda uma afecção enigmática em diversos aspectos clínicos e epidemiológicos e frequentemente erroneamente diagnosticada. OBJETIVO: Descrever a prevalência e os achados anatomopatológicos de TEP em uma série de 5261 autópsias realizadas em um hospital universitário de nível terciário, correlacionar estes achados com as doenças de base e verificar a freqüência de suspeita clínica antemortem de TEP. MÉTODO: Revisão dos registros das autópsias consecutivas realizadas de 1979 a 2002 para um estudo retrospectivo. Dos prontuários e dos relatórios de autópsias dos pacientes que tiveram TEP documentada, macro e/ou microscopicamente, foram extraídos dados demográficos, doenças de base, suspeita antemortem de TEP, localização dos trombos nos pulmões e provável local de origem da TEP. RESULTADOS: A freqüência de autópsias foi de 42,0% e TEP foi encontrada em 544 pacientes, sendo a principal causa da morte (TEP fatal) em 225 casos. Doenças infecciosas (p=0,0003) foram associadas com TEP não fatal e trauma (p=0,007) com TEP fatal. A taxa de não suspeita antemortem de TEP foi 84,6% e 40,0% destes pacientes apresentaram TEP fatal. Doenças do sistema circulatório (p=0,0001), infecções (p<0,0001), doenças do sistema digestivo (p=0,0001) neoplasias (p=0,024) e trauma (p=0,005), foram associadas com TEP não suspeitada clinicamente. A provável origem da TEP mais freqüente foram os membros inferiores (48,9%). CONCLUSÃO: A taxa de não suspeita clínica antemortem de TEP foi elevada. Atenção especial deve ser dada para a possibilidade de TEP em pacientes com doenças do sistema circulatório, infecções, doenças do sistema digestivo, neoplasias e trauma.

Autópsia; Epidemiologia; Tromboembolia pulmonar


BACKGROUND: Pulmonary thromboembolism (PTE) is still an enigmatic disorder in many epidemiological and clinical features, remaining one of the most commonly misdiagnosed disorders. OBJECTIVE: To describe the prevalence and pathological findings of PTE in a series of autopsies, to correlate these findings with underlying diseases, and to verify the frequency of PTE clinically suspected before death. METHOD: The reports on 5261 consecutive autopsies performed from 1979 to 2002 in a Brazilian tertiary referral medical school were reviewed for a retrospective study. From the medical records and autopsy reports of the patients found with macroscopically and/or microscopically documented PTE, were gathered data on demographics, underlying diseases, antemortem suspicion of PTE, and probable PTE site of origin. RESULTS: The autopsy rate was 42.0% and PTE was found in 544 patients. In 225 cases, PTE was the main cause of death (fatal PTE). Infections (p=0.0003) were associated with nonfatal PTE and trauma (p=0.007) with fatal PTE. The rate of antemortem unsuspected PTE was 84.6% and 40.0% of these patients presented fatal PTE. Diseases of the circulatory system (p=0.0001), infections (p<0.0001), diseases of the digestive system (p=0.0001), neoplasia (p=0.024) and trauma (p=0.005) were associated with unsuspected PTE. The most frequent PTE site of origin was the lower limbs (48.9%). Probable PTE sites of origin such as right-sided cardiac chambers (p=0.012) and pelvic veins (p=0.015) were associated with fatal PTE. CONCLUSION: A large number of cases do not have antemortem suspicion of PTE. Special attention should be paid to the possibility of PTE in patients with diseases of the circulatory system, infections, diseases of the digestive system, neoplasia, and trauma.

Autopsy; Epidemiology; Pulmonary Thromboembolism


ARTIGO ORIGINAL

Achados clínicopatológicos na tromboembolia pulmonar: estudo de 24 anos de autópsias* * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu e Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências de Botucatu,Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Botucatu, SP

Hugo Hyung Bok Yoo; Fabiana Guandalini Mendes; Christine Elisabete Rubio Alem; Alexandre Todorovic Fabro; José Eduardo Corrente; Thais Thomaz Queluz(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Hugo Hyung Bok Yoo Departamento de Clínica Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP CEP 18618-000 - Botucatu, SP E-mail: hugo@fmb.unesp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Tromboembolia pulmonar (TEP) é ainda uma afecção enigmática em diversos aspectos clínicos e epidemiológicos e frequentemente erroneamente diagnosticada.

OBJETIVO: Descrever a prevalência e os achados anatomopatológicos de TEP em uma série de 5261 autópsias realizadas em um hospital universitário de nível terciário, correlacionar estes achados com as doenças de base e verificar a freqüência de suspeita clínica antemortem de TEP.

MÉTODO: Revisão dos registros das autópsias consecutivas realizadas de 1979 a 2002 para um estudo retrospectivo. Dos prontuários e dos relatórios de autópsias dos pacientes que tiveram TEP documentada, macro e/ou microscopicamente, foram extraídos dados demográficos, doenças de base, suspeita antemortem de TEP, localização dos trombos nos pulmões e provável local de origem da TEP.

RESULTADOS: A freqüência de autópsias foi de 42,0% e TEP foi encontrada em 544 pacientes, sendo a principal causa da morte (TEP fatal) em 225 casos. Doenças infecciosas (p=0,0003) foram associadas com TEP não fatal e trauma (p=0,007) com TEP fatal. A taxa de não suspeita antemortem de TEP foi 84,6% e 40,0% destes pacientes apresentaram TEP fatal. Doenças do sistema circulatório (p=0,0001), infecções (p<0,0001), doenças do sistema digestivo (p=0,0001) neoplasias (p=0,024) e trauma (p=0,005), foram associadas com TEP não suspeitada clinicamente. A provável origem da TEP mais freqüente foram os membros inferiores (48,9%).

CONCLUSÃO: A taxa de não suspeita clínica antemortem de TEP foi elevada. Atenção especial deve ser dada para a possibilidade de TEP em pacientes com doenças do sistema circulatório, infecções, doenças do sistema digestivo, neoplasias e trauma.

Descritores: Autópsia. Epidemiologia. Tromboembolia pulmonar.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

TEP - tromboembolia pulmonar

INTRODUÇÃO

Estima-se que 10% dos casos de tromboembolia pulmonar (TEP) sintomática causam morte na primeira hora do início do quadro. Os pacientes que não morrem agudamente apresentam, em geral, sintomas inespecíficos e por esta razão o diagnóstico de TEP é com freqüência demorado ou completamente esquecido(1). Além disso, apesar da disponibilidade atual de técnicas laboratoriais sofisticadas, é difícil determinar-se quando a TEP é a principal causa da morte ou quando é somente uma causa contributiva, ou mesmo um achado incidental(1). Conseqüentemente, a TEP permanece até os dias atuais como uma das doenças mais comumente não diagnosticadas.

Também, uma vez que a maioria dos episódios fatais de TEP, seja em hospital seja na comunidade, não é identificada sem a realização de autópsia, é difícil obter-se dados pósmortem sobre a doença. Portanto, a TEP é ainda uma afecção enigmática em diversos aspectos clínicos e epidemiológicos (2,3)

Com o intuito de contribuir para a melhor compreensão da TEP, os objetivos deste estudo foram: descrever a prevalência e os achados anatomopatológicos de TEP em uma série de 5261 autópsias realizadas em um hospital universitário de nível terciário (Botucatu, SP), correlacionar estes achados com as doenças de base e verificar a freqüência de suspeita clínica de TEP antes do óbito.

MÉTODO

O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (HCFMB-UNESP) que é um hospital de referência de nível terciário localizado em Botucatu, na região centro-oeste do Estado de São Paulo, e que atende, principalmente, pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). É um hospital bem equipado e dispõe atualmente de 500 leitos. As autópsias são realizadas rotineiramente de acordo com requisição dos médicos e consentimento das famílias. As autópsias forenses são realizadas em outro setor.

Delineamento: Foram revistos todos os registros das autópsias consecutivas realizadas no hospital de 1979 a 2002, compreendendo um período de 24 anos. Dos prontuários e dos relatórios de autópsias dos pacientes que tiveram TEP documentada macro e/ou microscopicamente foram extraídos os seguintes dados:

Demográficos: sexo, idade e cor.

Clínicos: doenças de base e suspeita clínica antemortem de TEP. Foram consideradas como doenças de bases aquelas com comprovação clínica e laboratorial documentadas nos prontuários e as registradas nos relatórios das autópsias. Foi considerada como suspeita clínica de TEP o registro desta hipótese diagnóstica nos prontuários médicos.

Localização dos trombos (trombo nos pulmões e provável local de origem da TEP). Foram excluídos da casuística os casos de trombos de líquido aminiótico, sépticos e gordurosos.

A TEP foi denominada fatal quando foi a causa principal do óbito, isto é, nenhuma outra causa de óbito foi encontrada, e quando havia obstrução de pelo menos duas artérias lobares ou de várias artérias de pequeno calibre, causando obstrução correspondente em extensão à obstrução de duas artérias lobares. A TEP foi denominada não fatal quando a causa imediata do óbito foi devida à outra doença, e a obstrução trombótica tinha extensão menor do que a obstrução de duas artérias lobares(2,3). Os dados de prontuário e de laudos de autópsias foram coletados por alunos de graduação, sob supervisão de dois pneumologistas experientes.

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Rotina das autópsias: As autópsias foram realizadas conjuntamente por docentes e médicos residentes do Departamento de Patologia, seguindo uma rotina bem estabelecida em procedimento seqüencial e sistemático no qual, inicialmente, são analisadas as topografias e alterações in loco dos órgãos e, posteriormente, feita a dissecção e análise dos mesmos conforme descrição detalhada apresentada em estudo prévio(4).

Análise estatística: Os dados relacionados às idades foram calculados utilizando-se teste-t de Student e apresentados como média ± desvio padrão (DP) e variação. O teste de Qui-quadrado foi aplicado para comparar as proporções de TEP fatal e não fatal com diferentes variáveis (doenças de base, diagnóstico clínico pré-morte e sítios de origem do trombo). Para as análises foi utilizado o pacote comercial estatístico SAS v.8.0 (licenciado para UNESP) e foram consideradas significativas quando p<0,05(5).

RESULTADOS

Prevalência e dados demográficos: No período do estudo (1979-2002) morreram no HCFMB-UNESP 12.523 pacientes, dos quais 5261 (42,0%) foram autopsiados. Nestes, foram confirmados 544 casos de TEP (10,3%), sendo que, em 225 (41,4%) a TEP foi fatal e, em 319 (58,6%) não fatal. No total das autópsias realizadas houve 4,3% de TEP fatal e 6,1% de TEP não fatal.

Os pacientes, 323 (59,0%) homens e 221 (41,0%) mulheres, tinham idade média de 54,7 ± 18,9 anos (variação, 1-102); 445 (81,8%) eram brancos, 95 (17,5%) negros e 4 (0,7%) asiáticos.

A idade média dos homens foi 55,1 ± 18,4 anos (variação, 1-99) e a das mulheres 54,1 ± 19,5 anos (variação, 1-102) (p=NS). Os pacientes com TEP fatal tinham idade média de 57,3 ± 17,7 anos (variação, 1-102) e os com TEP não fatal de 52,8 ± 19,4 anos (variação, 1-87) (p=0,005).

Dados Clínicos: Em geral, os pacientes tinham mais de uma doença de base, apresentando, em média, três doenças básicas (variação, 1-7). As freqüências dos grupos das principais doenças de base associadas à TEP e a freqüência de TEP fatal e não fatal estão mostradas na tabela 1. Somente dois grupos de doenças de base correlacionaram-se com as variáveis dependentes: doenças infecciosas (p=0,0003) foram associadas à TEP não fatal e trauma (p=0,007) à TEP fatal. As doenças infecciosas mais comuns foram pneumonia (44,1%) e sepse (17,8%), seguidas por outras doenças com menor freqüência, como doença de Chagas (8,5%), infecção do trato urinário (8,3%), tuberculose (7,2%), meningite (4,4%), paracoccidiodomicose (2,8%), tétano (1,3%), esquistossomose (0,8%), etc.

Houve suspeita clínica de TEP antes do óbito em 84 pacientes (15,4%), porém sem correlação com as variáveis dependentes. Entre os 460 pacientes sem suspeita clínica pré-morte de TEP, 184 (40,0%) tiveram TEP fatal, mas não houve correlação entre suspeita clínica e TEP fatal ou não fatal (tabela 2). As freqüências de TEP com suspeita clínica e sem suspeita antes do óbito, nos diversos grupos de doenças de base, estão mostradas na tabela 3. Doenças do sistema circulatório, doenças infecciosas, do sistema digestivo, neoplasia e trauma foram associadas à TEP sem suspeita clínica pré-morte.

Local de trombos: A tabela 4 mostra a localização anatômica dos trombos pulmonares. As artérias pulmonares segmentares e/ou subsegmentares foram afetadas na maioria dos casos (72,4%) e foram mais prevalentes na TEP não fatal. Em contrapartida, os trombos nas artérias principais, no tronco e "a cavaleiro" foram mais prevalentes na TEP fatal. Infarto pulmonar isolado, ou seja, sem a presença de trombo macroscópico nos vasos correspondentes, foi encontrado em 56 casos (10,3%).

Os prováveis sítios de origem do trombo foram determinados em 66,7% dos casos (tabela 5). Nenhuma correlação significativa foi observada entre a freqüência relativa das doenças de base e o provável sítio de origem da TEP. Por outro lado, foi observada correlação entre o provável sítio de origem da TEP e o tipo de TEP: trombos nas câmaras cardíacas direitas (p=0,012) e nas veias pélvicas (p=0,015) foram associados à TEP fatal, enquanto que os de membros inferiores (p=0,024) e os de origem indeterminada (p<0,0001) foram associados à TEP não fatal.

DISCUSSÃO

As informações mais precisas sobre prevalência, sítio origem do trombo, principais causas de trombose e repercussões clínicas da TEP são oriundas de estudos de autópsias não selecionadas realizadas em hospitais gerais utilizando-se técnicas rígidas e sistemáticas(1-3,6). Portanto, consideramos que os dados deste trabalho são adequados visto que são provenientes de uma relevante série de autópsias não selecionadas, realizadas em um hospital universitário de grande porte que mantém tradicionalmente a rotina e a técnica de procura de trombos nas autópsias realizadas. Além disso, como o estudo foi realizado em um hospital de ensino os prontuários contêm dados confiáveis, pois são coletados por alunos de graduação e por médicos residentes sob a supervisão de professores mais experientes. Deste modo, em nossa série, foi possível determinar-se co-morbidades, classificar TEP como fatal ou não fatal de acordo com os critérios pré-estabelecidos e, em 66,7% dos casos, determinar o provável sítio de origem da TEP.

A taxa de autópsia do estudo foi de 42,0% e a prevalência de TEP de 10,3%. Na literatura, a prevalência de TEP em autópsias é variável, porque os resultados dos estudos dependem de diversos fatores, tais como taxa de autópsias, número de casos, tipo de hospital, atenção e paciência por parte dos patologistas para a procura de trombos, preparação do material a ser analisado(2,6). Embora haja esta variação, a prevalência de TEP nos estudos de autópsias parece estar diminuindo ao longo dos anos(4,7-9). Este fenômeno deve estar relacionado muito mais com a melhora na prevenção, com o desenvolvimento de recursos diagnósticos e com os avanços terapêuticos do que com diminuição das taxas de autópsias, que vem se tornando um fenômeno mundial(4,7-10). Por outro lado, é possível também que, enquanto a taxa de TEP em pacientes autopsiados esteja decaindo, ela pode estar aumentando na população de pacientes não autopsiados em decorrência da prevenção e da terapia adequadas. Conseqüentemente, o prognóstico de TEP, a longo prazo, pode ser limitado somente pelas doenças de base(11).

A morbidade e a mortalidade da TEP aumentam exponencialmente com a idade, provavelmente devido ao aumento concomitante do número de fatores de risco(12). Em nosso estudo, a idade média dos pacientes com TEP fatal foi significativamente maior do que a dos pacientes com TEP não fatal (p=0,005). Em relação ao gênero e raça nenhuma diferença foi observada. É importante notar que a proporção de pacientes brancos, negros e asiáticos reflete a população demográfica da região servida pelo hospital.

Os principais grupos de doenças de base encontrados nos pacientes foram aqueles já bem conhecidos na literatura como fatores de risco para TEP. Além disso, foi possível detectar-se correlação significante entre doenças infecciosas e TEP não fatal (p=0,0003) e entre trauma e TEP fatal (p=0,007).

Pneumonia e sepse foram as doenças infecciosas mais comuns. O diagnóstico diferencial entre TEP e pneumonia, com base somente em exame clínico e radiografia de tórax, nem sempre é fácil, uma vez que muitos pacientes com pneumonia freqüentemente apresentam sinais e sintomas inespecíficos e infiltrado radiológico que pode mimetizar, ou até mesmo mascarar, a existência de TEP (13). De fato, nossos resultados reforçam esta idéia porque a maior parte dos pacientes com doença infecciosa (64,0%) não tinha suspeita clínica de TEP antes do óbito. Embora a relação exata entre infecção e TEP não esteja bem elucidada, tromboembolia venosa é uma complicação freqüente de septicemia, e, TEP tem sido observada em pacientes com sepse que foram submetidos a cateterização venosa central e/ou cirurgias abdominal ou pélvica(9,14,15).

A TEP em pacientes traumatizados é difícil de ser identificada, pois os pacientes estão freqüentemente intubados e/ou comatosos e impossibilitados de relatar seus sintomas. Além disso, há poucos testes de rastreamento para TEP que podem realmente confirmar ou descartar o diagnóstico. Na literatura, a prevalência de TEP no trauma varia de 0,3 a 2,3% e está, em geral, relacionada aos eventos fatais como observado em nosso estudo (trauma e TEP fatal, p=0,007). Observamos, também, correlação significativa entre trauma e pacientes sem suspeita clínica de TEP (p=0,005). A relação PaO2/FiO2 de pacientes com trauma parece ser um importante preditor de mortalidade quando a TEP é diagnosticada (16). Portanto, TEP deve ser considerada sempre como um possível diagnóstico em pacientes com trauma que apresentem sinais de desconforto pulmonar.

Em nossa série, a taxa de TEP sem suspeita clínica antes do óbito foi de 84,6%, que, embora alta, está dentro da faixa mostrada pela literatura cujos resultados variam de 67,0% a 91,0%(2,17-20). Portanto, há uma dificuldade mundial para o diagnóstico de TEP apesar do repertório de exames que estão disponíveis atualmente. Esta taxa elevada de subdiagnóstico provavelmente é um marcante reflexo da alta mortalidade de TEP quando seu diagnóstico é esquecido. No presente estudo, dos 460 pacientes sem suspeita clínica antemortem de TEP 40,0% apresentaram TEP fatal. Apesar de não haver correlação significativa entre hipótese diagnóstica prévia de TEP e sua natureza, fatal ou não, podemos assumir que um número expressivo de nossos pacientes morreu sem nenhum tipo de tratamento para TEP. Notadamente, em nossa série, a não suspeita de TEP foi associada a várias doenças que podem dificultar o diagnóstico de TEP, tais como doenças do sistema circulatório, infecções, neoplasias e trauma.

As prevalências de TEP fatal e não fatal no presente estudo foram, respectivamente, 4,3% e 6,1%. Na literatura há grande divergência sobre as freqüências de TEP fatal e não fatal e esta discrepância se deve principalmente aos diferentes conceitos de TEP fatal e não fatal adotados em cada estudo(21-24). Entretanto, um viés de nosso trabalho e de outros similares é a possibilidade da ocorrência de embolismos pequenos, porém fatais, em pacientes com função cardiopulmonar previamente deteriorada(24).

Não observamos correlação significativa entre as freqüências dos grupos de doenças de base e a provável origem do trombo. No entanto, nossos dados sugerem que o tamanho e a localização do trombo, mais do que a presença das doenças de base, são características cruciais na determinação da natureza fatal da TEP. Os trombos nas artérias segmentares e/ou subsegmentares foram mais prevalentes na TEP não fatal, enquanto que os trombos nas artérias pulmonares principais, no tronco e "a cavaleiro"foram mais prevalentes na TEP fatal, demonstrando assim a habitual natureza fatal dos trombos maiores. O achado de infartos pulmonares hemorrágicos isolados sem trombo macroscópico, foi interpretado como evidência de TEP que sofrera lise endógena e/ou decorrente da terapia trombolítica(25) e não foi observada correlação entre infartos isolados e a natureza da TEP. Similarmente, os 33,3% de casos nos quais a origem da TEP não pode ser determinada, poderiam, ao menos parcialmente, serem resultados do desprendimento total do trombo do seu sítio de origem, da sua desintegração fisiológica ou uma conseqüência da terapia trombolítica ou lise pósmortem(25). Esta hipótese é corroborada pela freqüência significantemente maior destes casos na TEP não fatal (p<0,0001).

Entre os prováveis sítios de origem dos trombos, as câmaras cardíacas direitas (p=0,012) e veias pélvicas (p=0,015) foram associadas à TEP fatal. Trombos cardíacos estão relacionados com eventos fatais porque eles são geralmente grandes e móveis e, habitualmente, ocorrem em pacientes com anormalidades atriais e/ou ventriculares direitas ou podem ser originários de veias periféricas podendo aderir, transitória ou permanentemente, às paredes cardíacas. Sabe-se que em 42,0% dos pacientes com evidências de somente trombose mural cardíaca esquerda é possível demonstrar-se a presença de TEP. Isto pode significar que o achado, de qualquer trombo mural cardíaco, seja indicativo de doença cardíaca grave na qual as acentuadas alterações hemodinâmicas predispõem à maior formação de trombos nos membros inferiores e, subseqüente TEP originária deste local(10,26-28). Trombos livres em câmaras cardíacas direitas são fenômenos raros, geralmente diagnosticados quando é realizada ecocardiografia em pacientes com suspeita ou com TEP comprovada, e podem identificar pacientes com risco de morte por tromboembolia venosa recorrente(28,29).

Como discutido acima, trombos nas veias pélvicas são uma das principais fontes de TEP fatal, devido ao seu grande tamanho. Além de trauma e cirurgias pélvicas, estes trombos podem ser originários do prolongamento de trombose venosa profunda distal não tratada(30-32).

Em resumo, idade avançada, trauma, trombo originário tanto das câmaras cardíacas direitas como das veias pélvicas foram associados com TEP fatal. A doença continua a desafiar os médicos, pois um grande número de casos ainda não tem suspeita clínica antemortem de TEP. Atenção especial deve ser dada para a possibilidade de TEP em pacientes com doenças do sistema circulatório, infecções, doenças do sistema digestivo, neoplasias e trauma.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem os professores e os médicos residentes do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, que realizaram as autópsias durante o período do estudo.

Recebido para publicação, em 4/12/03. Aprovado, após revisão em, 13/4/04

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  • Endereço para correspondência
    Hugo Hyung Bok Yoo
    Departamento de Clínica Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP
    CEP 18618-000 - Botucatu, SP
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu e Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências de Botucatu,Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Botucatu, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      13 Abr 2004
    • Recebido
      12 Abr 2003
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