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Avaliação da função pulmonar na obesidade graus I e II

Resumos

INTRODUÇÃO: A obesidade pode afetar o tórax, diafragma e músculos abdominais, determinando alterações na função respiratória. OBJETIVO: Avaliar os efeitos da obesidade e correlacionar o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdominal com os valores espirométricos em individuos obesos. MÉTODO: Foram estudados 48 indivíduos não obesos e 48 indivíduos com obesidade graus I e II, não fumantes, ambos os sexos, idade variando entre 18 e 75 anos, IMC entre 30 e 40kg/m² e ausência de história progressa de morbidade. Foram realizadas espirometria e medidas da circunferência abdominal. RESULTADOS: Não houve diferenças significativas quando se comparou valores espirométricos de homens com obesidade graus I e II com de não obesos. Nas mulheres obesas, a capacidade vital forçada e o volume expirado forçado no primeiro segundo foram significativamente menores que nas não obesas. Homens e mulheres obesos apresentaram volumes de reserva expiratório significativamente menores que não obesos. Embora a capacidade inspiratória tenha sido maior em homens e mulheres obesos, esse aumento foi significativo apenas em homens. Em homens obesos houve correlação negativa e significativa entre o IMC e circunferência abdominal e o volume de reserva expiratório, e também correlação negativa e significativa entre a circunferência abdominal e o volume expirado forçado no primeiro segundo, o que não ocorreu entre as mulheres. CONCLUSÃO: Mulheres com obesidade graus I e II apresentaram alterações na função pulmonar. Esta não é influenciada pelo IMC em homens obesos. No entanto, observou-se que eles apresentaram correlação negativa e significativa entre o IMC e o volume de reserva expiratório. A função pulmonar é influenciada pelos valores da circunferência abdominal em homens com obesidade graus I e II.

Testes de função respiratória; Espirometria; Índice de massa corporal; Obesidade


BACKGROUND: Obesity can effect the thorax, diphragm and abdominal muscles, thereby resulting in altered respiratory function. OBJECTIVE: To evaluate the effects of obesity and to determine whether body mass index (BMI) and waist circumference correlate with spirometry values in obese individuals. METHOD: We studied 96 non-smokers of both sexes, 48 suffering from class I and class II obesity and ranging in age rom 18 to 75. All participants presented a BMI between 30 kg/m² and 40 kg/m² and none had a history of morbidity. Spirometry was performed, and waist circumferences were measured. RESULTS: No significant differences were found between the spirometric values of men with class I or II obesity and those of non-obese men. In obese women, forced vital capacity and forced expiratory volume in one second (FEV1) were significantly lower than in women who were not obese. Obese individuals of both sexes presented significantly lower expiratory reserve volume (ERV) than did non-obese individuals. Although inspiratory capacity was greater in obese men and women, the difference was significant only for the men. In obese men, there was a significant negative correlation, not seen in the women, between waist circumference and FEV1. CONCLUSION: Pulmonary function is altered in women suffering from class I and II obesity. In obese men, although pulmonary function is unaffected by BMI, we observed a significant negative correlation between BMI and ERV. We can conclude that pulmonary function is influenced by waist circumference in men suffering from class I and II obesity.

Respiratory function tests; Spirometry; Body mass index; Obesity


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da função pulmonar na obesidade graus I e II* * Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Zied Rasslan; Roberto Saad Junior(TE SBPT); Roberto Stirbulov(TE SBPT); Renato Moraes Alves Fabbri; Carlos Alberto da Conceição Lima

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Sílvia, 301 Apto. 22 Bela Vista São Paulo SP Tel: 55-11-289 4465 Fax: 55-11-3226 7300 E-mail: ziedrasslan@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A obesidade pode afetar o tórax, diafragma e músculos abdominais, determinando alterações na função respiratória.

OBJETIVO: Avaliar os efeitos da obesidade e correlacionar o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdominal com os valores espirométricos em individuos obesos.

MÉTODO: Foram estudados 48 indivíduos não obesos e 48 indivíduos com obesidade graus I e II, não fumantes, ambos os sexos, idade variando entre 18 e 75 anos, IMC entre 30 e 40kg/m2 e ausência de história progressa de morbidade. Foram realizadas espirometria e medidas da circunferência abdominal.

RESULTADOS: Não houve diferenças significativas quando se comparou valores espirométricos de homens com obesidade graus I e II com de não obesos. Nas mulheres obesas, a capacidade vital forçada e o volume expirado forçado no primeiro segundo foram significativamente menores que nas não obesas. Homens e mulheres obesos apresentaram volumes de reserva expiratório significativamente menores que não obesos. Embora a capacidade inspiratória tenha sido maior em homens e mulheres obesos, esse aumento foi significativo apenas em homens. Em homens obesos houve correlação negativa e significativa entre o IMC e circunferência abdominal e o volume de reserva expiratório, e também correlação negativa e significativa entre a circunferência abdominal e o volume expirado forçado no primeiro segundo, o que não ocorreu entre as mulheres.

CONCLUSÃO: Mulheres com obesidade graus I e II apresentaram alterações na função pulmonar. Esta não é influenciada pelo IMC em homens obesos. No entanto, observou-se que eles apresentaram correlação negativa e significativa entre o IMC e o volume de reserva expiratório. A função pulmonar é influenciada pelos valores da circunferência abdominal em homens com obesidade graus I e II.

Descritores: Testes de função respiratória. Espirometria. Índice de massa corporal. Obesidade.

INTRODUÇÃO

A obesidade pode afetar o tórax e o diafragma, determinando alterações na função respiratória mesmo quando os pulmões estão normais, devido ao aumento do esforço respiratório e comprometimento do sistema de transporte dos gases(1-6). A obesidade pode determinar também a hipertonia dos músculos do abdome e assim comprometer a função respiratória dependente da ação diafragmática(7). Estudos realizados em indivíduos obesos sem outras enfermidades sugeriram que a complacência pulmonar e da parede do tórax estavam diminuídas devido à deposição de tecido adiposo no tórax e abdome, o que determina conseqüente aumento da retração elástica e redução da distensibilidade das estruturas extra-pulmonares(1,8). A obesidade pode ser classificada utilizando-se o índice de massa corporal (IMC)(9), obtido pela equação peso/estatura2. Foram considerados os intervalos de 30 a 34,9, 35 a 39,9 e > 40kg/m2 como obesidade grau I, II e III, respectivamente.

Está bem estabelecido que a obesidade grau III pode alterar os valores espirométricos devido ao comprometimento da dinâmica diafragmática e também da musculatura da parede torácica. Entretanto, em indivíduos com obesidade graus I e II essas alterações são muito variáveis, e necessitam de avaliação específica(10). O objetivo deste trabalho foi o de determinar os efeitos da obesidade grau I e II na função pulmonar.

MÉTODO

Foram estudados 96 indivíduos adultos, de ambos os sexos, durante o período de 30 de janeiro a 30 de julho de 2001, divididos em quatro grupos: 24 homens com obesidade graus I e II; 24 homens não obesos; 24 mulheres com obesidade graus I e II; e 24 mulheres não obesas. A participação desses indivíduos ocorreu após a ciência dos mesmos quanto ao objetivo do estudo e com o consentimento prévio de todos os integrantes, de acordo com as normas éticas vigentes. Os protocolos foram aprovados pela Comissão de Ética em Pesquisa da Santa Casa de São Paulo. Os protocolos continham nome, idade, sexo, raça, estatura, peso, registro geral na Santa Casa, data, aferição do IMC e da circunferência abdominal, questionário sobre antecedentes mórbidos e os valores espirométricos.

Considerando os objetivos do estudo, foram adotados como critérios de inclusão: homens e mulheres com obesidade graus I e II, não fumantes, com idade entre 18 e 57 anos, com IMC 30 e 40 Kg/m2, sedentários, e sem antecedentes mórbidos conhecidos. Os critérios de exclusão adotados foram: história prévia de tabagismo, presença de diabete melito, sinusopatias, hipertensão arterial sistêmica, doenças pulmonares, cardíacas, psiquiátricas e hematológicas, uso prévio de medicamentos (broncodilatadores e broncoconstritores), cirurgias realizadas nos últimos seis meses, presença de outras doenças sistêmicas e internações recentes. Os grupos controles foram constituídos por homens e mulheres com idade entre 20 e 54 anos, não obesos, não fumantes, com IMC de 18,5 a 24,9 Kg/m2, sem antecedentes mórbidos conhecidos. A medida da circunferência abdominal foi feita no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca ântero-superior, utilizando-se uma fita métrica.

O peso corporal foi obtido retirando-se roupas pesadas e calçados, e a estatura foi obtida utilizando-se um antropômetro acoplado à balança. O IMC foi obtido através da equação peso/estatura2.

As provas de função pulmonar foram realizadas no Laboratório de Provas de Função Pulmonar da Santa Casa de São Paulo, pela mesma equipe de assistentes. Utilizou-se um espirômetro Koko, dotado de pneumotacógrafo acoplado a um computador, fabricado em 1.998. Foram realizadas espirometrias no período matinal, com a determinação das curvas volume-tempo e fluxo-volume.

Os indivíduos eram orientados a repousar por cinco a dez minutos antes do teste. Os procedimentos a serem realizados eram descritos cuidadosamente, com ênfase na necessidade de evitar vazamentos em torno da peça bucal e de realizar uma inspiração máxima seguida de expiração máxima e sustentada, até que o observador ordenasse a interrupção (o técnico demonstrava o procedimento usando um tubete). O ambiente de realização dos exames era calmo e privado, sendo a temperatura e umidade constantes. Os testes foram realizados entre as 08:00 e 12:00 horas para evitar as influências circadianas. Os indivíduos eram orientados a permanecerem sentados durante a realização dos testes, e a utilizarem o clipe nasal. Não foram realizados testes de broncodilatação. A espirometria teve como objetivo a obtenção dos volumes e capacidades pulmonares, adotando-se como normais os valores preditos por Crapo et al., em 1982(10). A curva volume-tempo determinada pela espirometria foi realizada de acordo com os critérios preconizados pela American Thoracic Society (1987-1995)(11), sendo escolhida a melhor de três curvas aceitáveis. A partir desta curva foram computados os valores da capacidade vital forçada (CVF), volume expirado forçado no primeiro segundo (VEF1), e fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF25-75%), os quais foram analisados segundo os valores preditos por Knudson et al., em1983(12). Os resultados das provas de função pulmonar foram analisados pelo mesmo pneumologista. Os parâmetros espirométricos (absolutos e valores preditos) avaliados foram: CVF , VEF1, VEF1/CVF, FEF 25-75 %, volume de reserva expiratório (VRE), e capacidade inspiratória (CI).

Utilizou-se o pacote estatístico SPSS, na versão 10.0 para o Windows. Constatando-se a distribuição normal dos dados, os estudos estatísticos paramétricos aplicados foram a Análise de Correlação de Pearson e o Teste t de Student não pareado. As variáveis foram expressas como valores médios e respectivos desvios padrão, sendo considerado como significativo p menor que 5%.

RESULTADOS

As faixas etárias e estaturas dos indivíduos avaliados não apresentaram diferenças significativas nos diferentes grupos avaliados, o que caracteriza as amostras como homogêneas. Os pesos, IMC, e circunferências abdominais apresentaram diferenças significativas quando comparados os grupos de obesos e de não obesos (Tabelas 2 e 3).

Não houve diferenças significativas entre os grupos de homens normais e com obesidade graus I e II, quando foram comparados os valores espirométricos CVF, VEF1 e FEF25-75% (Tabela 2). Entretanto, o VRE foi significativamente menor nos homens e mulheres obesos, quando em comparação com os valores obtidos em homens e mulheres normais (Tabelas 2 e 3). A CI observada foi maior em homens e mulheres obesos, embora esse aumento tenha sido significativo apenas com relação aos homens (Tabelas 2 e 3).

Nas mulheres obesas, os valores da CVF e do VEF1 foram significativamente menores que nas não obesas (Tabela 3).

Em homens obesos, observou-se correlação negativa entre o IMC e o VRE e entre a circunferência abdominal e o VRE. Também houve correlação negativa entre a circunferência abdominal e o VEF1 (Tabela 4). Essas correlações não foram significativas nas mulheres obesas (Tabela 5).

A obesidade graus I e II, no sexo masculino, não determinou alterações significativas. No entanto, nas mulheres obesas foram observadas reduções significativas na CVF e no VEF1 (Tabelas 1 e 2). Nas mulheres, além da obesidade, ocorre menor compressão dinâmica como resultado da menor força muscular(12, 13). A hiperventilação fisiológica determinada pela ação da progesterona no centro respiratório bulbar, vias respiratórias e no diafragma, também pode explicar essas alterações (14).

A obesidade e a gravidez são causas comuns de CVF reduzida, porque podem interferir na movimentação do diafragma e na excursão da parede torácica(15). Sahebjami(16), em 1998, realizou estudo da função pulmonar em oito homens obesos saudáveis e, embora neste grupo a faixa etária tenha sido maior e o IMC discretamente menor, os valores espirométricos encontrados foram semelhantes aos do presente estudo.

Embora as anormalidades na função pulmonar, associadas à obesidade, tenham sido descritas há mais de 40 anos, a magnitude dessas alterações apresenta grande variação e pode não haver necessariamente associação com o peso corpóreo e o índice de massa corporal(17).

As alterações na função respiratória mais freqüentemente encontradas na obesidade são de dois tipos: alterações proporcionais à obesidade (redução do VRE e aumento da capacidade de difusão) e alterações exclusivas da obesidade grau III (redução da capacidade vital e da capacidade pulmonar total). A redução do VRE e da capacidade residual funcional na obesidade são devidas a alterações na mecânica da parede do tórax, diminuição da complacência respiratória total, diminuição da freqüência de fluxo e do volume pulmonar, e redução do volume residual e de sua relação com a capacidade pulmonar total. No entanto, essa redução não é uniforme entre indivíduos com IMC semelhantes(17-23).

Outros autores, em 1993, também observaram que a redução do VRE era a alteração mais sensível nos testes de função pulmonar na obesidade e que esta redução era mais intensa com o aumento da obesidade (graus I, II e III)(24). Em nossa casuística também observamos redução significativa do VRE em ambos sexos, com dados compatíveis com os da literatura.

Embora a restrição de volume seja moderada na obesidade, a capacidade vital é inversamente proporcional ao IMC(25, 26). No presente trabalho, os homens obesos também apresentaram correlação inversa entre a CVF e o IMC, porém sem significância estatística. Nas mulheres obesas a correlação entre o IMC e a CVF foi positiva e também não significativa (Tabelas 3 e 4). No entanto, em indivíduos não obesos, a capacidade vital é diretamente proporcional ao IMC. Conseqüentemente, em grandes populações a relação entre a capacidade vital e o IMC (ou peso corporal) demonstra aumento inicial e subseqüente queda devido ao fato de o IMC não considerar a distribuição de gordura no organismo(27). Em nossa casuística foi detectada relação diretamente proporcional entre a CVF e o IMC em indivíduos não obesos (grupo controle), de ambos os sexos, o que vem ao encontro dos dados obtidos por Lazarus et al.(27).

Sahebjami(22), em 1998, observou porcentagem dos valores preditos de VRE maior e porcentagem dos valores preditos de CI menor do que os achados em nosso trabalho. No trabalho de Sahebjami os pacientes apresentavam maior faixa etária e IMC menor, o que pode justificar os valores distintos. Estes dados vêm ao encontro dos dados apresentados na literatura, ou seja, embora a obesidade graus I e II possa alterar os valores espirométricos, somente a obesidade grau III determina importante comprometimento na função pulmonar.

Em nosso trabalho, observamos que os valores da CI foram significativamente maiores em homens e mulheres com obesidade graus I e II quando comparados aos não obesos. Esses resultados também foram observados por Rayet al.(19), em 1983. Estes autores observaram que na obesidade graus I e II, a capacidade vital e a capacidade pulmonar total estavam preservadas devido ao aumento compensatório na CI. O aumento da CI demonstra complacência pulmonar normal e habilidade da musculatura inspiratória em compensar, pelo menos transitoriamente, a deposição adiposa na parede torácica e abdominal (Tabelas 2 e 3).

Neste estudo, não observamos correlação significativa entre o IMC e os valores espirométricos CVF, VEF1, VEF1/ CVF, e FEF25-75%, em ambos sexos. A correlação entre o IMC e o VRE, assim como a porcentagem dos valores preditos do VRE, foi negativa e significativa somente no sexo masculino, devido à maior deposição adiposa abdominal (Tabela 3).

No Brasil, os valores espirométricos derivados para adultos não se relacionaram com o peso(13). Em crianças, embora a contribuição tenha sido pequena, houve influência significativa(28). O peso, provavelmente por refletir o aumento da massa muscular, tem considerável influência nos valores funcionais da adolescência(28). Schoenberg et al., em 1978, Dontas et al., em 1984, e Chen et al., em 1993, demonstraram que as elevações do IMC podem determinar redução na função pulmonar(29-31).

Nas mulheres a deposição de gordura é predominantemente ginecóide (quadris e coxas) enquanto que nos homens ela se dá predominantemente no abdome. Este predomínio de deposição gordurosa pode justificar a correlação negativa e significativa entre o IMC e o VRE nos homens com obesidade graus I e II.

Como conseqüência da obesidade, principalmente nos casos de deposição adiposa abdominal, a ventilação da base dos pulmões é reduzida, especialmente nos que apresentam menores valores de VRE(32).

Vários estudos evidenciaram alterações na função pulmonar de indivíduos com obesidade grau III, porém, poucos foram realizados em obesos com menor IMC(29,31,33).

Schoenberg et al. (29), em 1978, observaram que, inicialmente, ocorria aumento na função pulmonar com o ganho de peso, devido ao aumento na força muscular, porém, secundariamente, ocorria redução na função pulmonar devida ao comprometimento da mobilidade da caixa torácica. Embora vários estudos tenham demonstrado que o peso corporal pode afetar a função pulmonar, ainda questionam-se esses dados(29,31,34). Em indivíduos jovens, o aumento do IMC pode estar associado a aumento na função pulmonar, devido ao efeito muscular, porém, nos idosos, o aumento do IMC está associado à diminuição na função pulmonar devido à adiposidade. Conseqüentemente, o impacto total do IMC na função pulmonar em estudos populacionais pode estar reduzido(34). A maioria dos autores concorda que o peso não contribui para explicar as variáveis espirométricas ou só o faz em casos de obesidade acentuada, mas a inclusão ou não do peso pode depender das características de cada população específica(29). Em nosso estudo observamos que o aumento do IMC não determinou comprometimento da função pulmonar em homens e mulheres com obesidade graus I e II.

O aumento da circunferência abdominal foi acompanhado de redução significativa nos valores do VEF1 e VRE em homens obesos, o que pode ser explicado pela maior média da circunferência abdominal nos homens obesos (em média 10 cm maior do que nas mulheres obesas). A correlação entre a circunferência abdominal e as outras variáveis espirométricas não demonstrou significância estatística em homens e mulheres com obesidade graus I e II. Lean et al., em 1998, observaram que na obesidade ocorria associação negativa entre a circunferência abdominal e a relação VEF1/CVF(15). Em nosso trabalho também observamos correlação negativa, porém não significativa em homens obesos. Nas mulheres com obesidade graus I e II foi observada correlação positiva e não significativa. A explicação para essa associação negativa não está totalmente estabelecida, porém suspeita-se que o aumento da circunferência abdominal determine efeitos mecânicos na função pulmonar, parcialmente explicados pelo comprometimento do movimento do diafragma e da parede do tórax.

Em estudo realizado para avaliar os efeitos da composição corpórea e distribuição de gordura na função ventilatória, Lazarus et al.(27) , em 1998, observaram que a CVF estava associada com a circunferência abdominal de forma negativa em homens, e de forma positiva em mulheres. Em nosso estudo também observamos estes achados, porém os resultados não foram estatisticamente significativos.

Os efeitos isolados da obesidade não associada a outras doenças devem ser conhecidos e estratificados para a avaliação detalhada das complicações da obesidade na disfunção respiratória. Este aspecto é de suma importância devido ao aumento das prevalências da obesidade e doenças respiratórias na sociedade atual. Embora não conclusivos, os achados deste trabalho sugerem que indivíduos com obesidade graus I e II podem apresentar maior susceptibilidade para alterações funcionais respiratórias em situações de maior morbidade, devido à menor reserva expiratória. As anormalidades na espirometria observada em indivíduos com obesidade graus I e II devem ser atribuídas à presença de doença respiratória associada à obesidade.

Recebido para publicação, em 8/10/03.

Aprovado, após revisão em 12/5/04.

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    Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2003
    • Aceito
      12 Maio 2004
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