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Tuberculose: Guia de Vigilância Epidemiológica

Tuberculose

Guia de Vigilância Epidemiológica

Apresentação

A tuberculose continua a merecer especial atenção dos profissionais de saúde e da sociedade como um todo. Apesar de já existirem recursos tecnológicos capazes de promover seu controle, ainda não há perspectiva de obter-se, em futuro próximo, sua erradicação, a não ser que novas vacinas ou tratamentos sejam descobertos. Além disso, a associação da tuberculose com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids) representa um novo desafio em escala mundial.

Esse Guia de Vigilância da Tuberculose, que agora publicamos, é uma contribuição para a melhoria das atividades de prevenção, diagnóstico e tratamento dos casos de tuberculose e para a organização dos serviços de saúde do SUS.

Os profissionais de saúde podem contar com as orientações aqui reunidas para as ações de vigilância epidemiológica, nos aspectos de coleta, processamento, análise e interpretação dos dados; na adoção de medidas de controle apropriadas; e na avaliação da eficácia e efetividade.

Desta forma, seu uso por médicos, enfermeiros, auxiliares, laboratoristas, sanitaristas e todos os profissionais envolvidos na rede de assistência e controle da tuberculose, nas três esferas de governo que gerenciam o Sistema Único de Saúde (SUS), contribuirá significativamente para implementar o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica com o objetivo de ampliar o controle da tuberculose do país, doença de grande magnitude, transcendência e vulnerabilidade, contribuindo com a melhoria da saúde de nossa população.

JARBAS BARBOSA DA SILVA JR.

Diretor do Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi)/FUNASA

I. Introdução

O Plano Nacional de Controle da Tuberculose, lançado pelo Ministro da Saúde, em 1999, define a tuberculose como prioridade entre as políticas governamentais de saúde, estabelece diretrizes para as ações e fixa metas para o alcance de seus objetivos.

Recentemente, em 2001, foram revistas as metas e lançado o "Plano de Mobilização para Controle da Tuberculose e eliminação da Hanseníase".

Este Plano dá continuidade à política de governo que, a partir dos anos trinta, confiou o combate à tuberculose a sucessivas entidades públicas: Serviço Nacional de Tuberculose, Divisão Nacional de Tuberculose, Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária, até a atual Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária.

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose, um conjunto de ações descentralizadas, está sob a responsabilidade de diferentes setores do Ministério da Saúde – Área Técnica de Pneumologia Sanitária, coordenações macrorregionais, Fundação Nacional de Saúde, Centro de Referência Prof. Hélio Fraga – e das secretarias estaduais e municipais de Saúde, com atribuições e funções definidas pelo Plano.

O problema da tuberculose no Brasil reflete o estágio de desenvolvimento social do país, onde os determinantes do estado de pobreza, as fraquezas de organização do sistema de saúde e as deficiências de gestão limitam a ação da tecnologia e, por conseqüência, inibem a queda sustentada das doenças marcadas pelo contexto social. No caso da tuberculose, duas novas causas concorrem para o agravamento do quadro – a epidemia de aids e a multirresistência às drogas.

Este cenário faz com que a expressão epidemiológica da tuberculose no Brasil, neste final de século – com estimativas de prevalência de 50 milhões de infectados e, anualmente, com o surgimento de 130.000 novos casos e com o registro de 6.000 óbitos – configure, em termos relativos, uma situação mais grave do que a apresentada por outros países latino-americanos como Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, Cuba e México. Apesar dos alcances do Programa – descoberta de 70% dos casos estimados e cura de 75% dos pacientes tratados – esta situação se manteve estável na década de 1990.

Esta edição do Guia de vigilância, do Ministério da Saúde, compreende duas seções principais: a primeira apresenta a descrição das técnicas e estratégias essenciais utilizadas no controle da tuberculose, apresentando, inclusive, um novo capítulo sobre Biossegurança; a segunda trata da estrutura e da operacionalização do Programa, uma visão inovadora, inserida nos diferentes níveis da rede de serviços do Sistema Único de Saúde.

Em seu trabalho, levou-se em conta não só o que estava expresso no 4º Manual de Normas para o controle OATB, como também importantes contribuições do I Consenso Brasileiro de Tuberculose, de 1997, uma ação da Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária, em parceria com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; do Seminário de Tuberculose do Ministério da Saúde, de 1998, e da Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids.

II. Normas Técnicas

1. PROCURA DE CASOS

Denomina-se "Caso de Tuberculose" todo indivíduo com diagnóstico confirmado por baciloscopia ou cultura e aquele em que o médico, com base nos dados clínico-epidemiológicos e no resultado de exames complementares, firma o diagnóstico de Tuberculose. "Caso Novo" é o doente com tuberculose que nunca usou ou usou por menos de um mês drogas antituberculosas.

A procura de casos é um conceito programático que compreende tanto os métodos de diagnóstico como as ações organizadas para operacionalizá-los, envolvendo os serviços e a comunidade. Estas ações estão voltadas para os grupos com maior probabilidade de apresentar tuberculose, quais sejam: sintomáticos respiratórios (pessoas com tosse e expectoração por três semanas ou mais); contatos de casos de tuberculose; suspeitos radiológicos; pessoas com doenças e/ou em condição social que predisponham à tuberculose. Os contatos, definidos como toda pessoa, parente ou não, que coabita com um doente de tuberculose, constituem um grupo para o qual se recomenda uma atitude de busca ativa.

Os locais ideais para se organizar a procura de casos são os serviços de saúde, públicos ou privados. Nestas instituições – postos, centros de saúde, ambulatórios e hospitais – realizar busca ativa de sintomáticos respiratórios deve ser uma atitude permanente e incorporada à rotina de atividades de todos os membros das equipes de saúde.

Nas áreas onde as ações já estão organizadas, a visita domiciliar periódica do agente de saúde deve incluir a detecção de casos entre sintomáticos respiratórios e contatos, principalmente de casos bacilíferos e crianças. Quando necessário, deve-se referenciá-los ao serviço de saúde.

Atenção especial deve ser dada a populações de maior risco de adoecimento, representadas sobretudo por residentes em comunidades fechadas, como presídios, manicômios, abrigos e asilos. Nessas comunidades, justifica-se a busca ativa periódica de casos. Indivíduos das categorias alcoólicos, usuários de drogas, mendigos, e trabalhadores de saúde e outros em situações especiais em que haja contato próximo com paciente portador de tuberculose pulmonar bacilífera, são também prioritários para essa ação. Também incluem-se nessa categoria os imunodeprimidos por uso de medicamentos ou por doenças imunossupressoras.

Em infectados pelo HIV, principalmente aqueles na fase avançada de imunodepressão (nível sérico de CD4 inferior a 200 cels/mm3 ou linfócitos inferior a 1.000 cels/mm3), deve-se suspeitar de tuberculose na presença de qualquer sintoma respiratório e quadros de febre de origem indeterminada. A justificativa para essa conduta deve-se à alta freqüência de manifestações atípicas de tuberculose e à ocorrência de outras doenças respiratórias causadas por agentes oportunistas.

2. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da tuberculose, além da avaliação clínica, deverá estar fundamentado nos métodos a seguir.

2.1. Bacteriológico

A pesquisa bacteriológica é método de importância fundamental, tanto para o diagnóstico como para o controle de tratamento, e será usado na ordem de prioridade abaixo detalhada:

Exame microscópico direto do escarro

A baciloscopia direta do escarro é método fundamental porque permite descobrir as fontes mais importantes de infecção: os casos bacilíferos. Por ser um método simples e seguro, deve ser realizado por todo laboratório público de saúde e pelos laboratórios privados tecnicamente habilitados.

Recomenda-se para o diagnóstico a coleta de duas amostras de escarro: uma, por ocasião da primeira consulta, e outra, independentemente do resultado da primeira, na manhã do dia seguinte, ao despertar. Se for necessária uma terceira amostra, aproveita-se para coletá-la no momento da entrega da segunda.

O exame baciloscópico deve ser solicitado, por ordem de prioridade, aos pacientes que:

• procurem o serviço de saúde por queixas respiratórias ou por qualquer outro motivo, mas que, espontaneamente ou em resposta ao profis sional de saúde, informem ter tosse e expectoração há três semanas ou mais;

• apresentem alterações radiológicas pulmonares.

Recomenda-se, ainda, o controle de qualidade das baciloscopias. Para este fim, os laboratórios de âmbito local deverão guardar todas as lâminas examinadas, positivas e negativas, para enviá-las, se solicitado, ao laboratório supervisor.

Cultura para micobactéria

A cultura é indicada para os suspeitos de tuberculose pulmonar persistentemente negativos ao exame direto e para o diagnóstico de formas extrapulmonares como meningoencefálica, renal, pleural, óssea ou ganglionar. A cultura também está indicada nos casos de suspeita de resistência bacteriana às drogas, seguida do teste de sensibilidade.

Nos casos de suspeita de infecção por micobactérias não tuberculosas, notadamente nos pacientes HIV positivos ou com aids, deverá ser realizada a tipificação do bacilo.

2.2. Radiológico

O exame radiológico é auxiliar no diagnóstico da tuberculose, justificando-se sua utilização nos casos suspeitos. Nesses pacientes, o exame radiológico permite a seleção de portadores de imagens sugestivas de tuberculose ou de outra patologia, sendo indispensável submetê-los a exame bacteriológico para se fazer um diagnóstico correto, já que não é aceitável, exceto em crianças, o diagnóstico de tuberculose pulmonar sem investigação do agente causal pela baciloscopia de escarro.

Em suspeitos radiológicos de tuberculose pulmonar com baciloscopia direta negativa, deve-se afastar a possibilidade de outras doenças, recomendando-se, ainda, a cultura para micobactéria.

O estudo radiológico tem, ainda, importante papel na diferenciação de formas de tuberculose de apresentação atípica e no diagnóstico de outras pneumopatias no paciente portador de HIV/aids ou de outras situações de imunossupressão.

No diagnóstico de probabilidade, deve-se levar em conta que o erro causa atraso na identificação da verdadeira doença, acarretando ao doente sofrimento físico, psicológico, econômico e social.

O exame radiológico, em pacientes com baciloscopia positiva, tem como função principal a exclusão de doença pulmonar associada, que necessite de tratamento concomitante, além de permitir avaliação da evolução radiológica dos pacientes, sobretudo naqueles que não responderem à quimioterapia.

Os resultados dos exames radiológicos do tórax deverão obedecer à seguinte classificação:

• Normal – os que não apresentam imagens patológicas nos campos pulmonares.

• Seqüela – os que apresentam imagens sugestivas de lesões cicatriciais.

• Suspeito – os que apresentam imagens sugestivas de tuberculose.

• Outras doenças – os que apresentam imagens sugestivas de pneumopatia não tuberculosa.

2.3. Prova tuberculínica

Indicada como método auxiliar no diagnóstico da tuberculose, a prova tuberculínica positiva, isoladamente, indica apenas infecção e não é suficiente para o diagnóstico da tuberculose doença.

No Brasil, a tuberculina usada é o PPD RT23, aplicada por via intradérmica no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo, na dose de 0,1ml, equivalente a 2UT (unidades de tuberculina), cujo resultado guarda equivalência com 5UT de PPD-S, utilizada em alguns países. Deve ser conservada em temperatura entre 4ºC e 8ºC, não devendo ser congelada ou exposta à luz solar direta.

A técnica de aplicação e o material utilizado são padronizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e têm especificações semelhantes às usadas para a vacinação BCG.

A leitura da prova tuberculínica é realizada 72 a 96 horas após a aplicação, medindo-se, com régua milimetrada, o maior diâmetro transverso da área de endurecimento palpável. O resultado, registrado em milímetros, classifica-se como:

• 0mm a 4mm – não reator – indivíduo não infectado pelo M. tuberculosis ou com hipersensibilidade reduzida.

• 5mm a 9mm – reator fraco – indivíduo vacinado com BCG ou infectado pelo M. tuberculosis ou por outras micobactérias.

• 10mm ou mais – reator forte – indivíduo infectado pelo M. tuberculosis, que pode estar doente ou não, e indivíduos vacinados com BCG nos últimos dois anos.

Algumas circunstâncias podem interferir no resultado das provas tuberculínicas, como, por exemplo:

Portadores de doenças imunodepressoras:

Sarcoidose.

Aids.

Neoplasias de cabeça e pescoço.

Doenças linfoproliferativas.

Outras neoplasias.

Situações com imunodepressão transitória:

Vacinação com vírus vivos.

Gravidez.

Tratamentos com corticosteróides e drogas imunodepressoras.

Crianças com menos de dois meses de vida.

Idade acima de 65 anos.

Todos os indivíduos infectados pelo HIV devem ser submetidos à prova tuberculínica. Nesses casos, considera-se reator aquele que apresenta endurecimento de 5mm ou mais, e não reator aquele com endurecimento entre 0mm e 4mm. Pacientes portadores do HIV ou com aids, inicialmente não reatores, deverão ter sua prova tuberculínica repetida, após melhora clínica com o uso de anti-retrovirais.

Recomenda-se a prova tuberculínica, como parte do exame médico, a todos os profissionais dos serviços de saúde, por ocasião de sua admissão.

Nos indivíduos vacinados com BCG, sobretudo nos imunizados há até dois anos, a prova tuberculínica deve ser interpretada com cautela, pois, em geral, apresenta reações de tamanho médio, embora possa alcançar 10mm ou mais segundo a vacina utilizada.

2.4. Histopatológico

É um método empregado principalmente na investigação das formas extrapulmonares. A lesão apresenta-se como um granuloma, geralmente com necrose de caseificação e infiltrado histiocitário de células multinucleadas. Como esta apresentação ocorre em outras doenças, o achado de BAAR na lesão é fundamental para auxiliar o diagnóstico de tuberculose.

2.5. Outros métodos de diagnóstico

Além da bacteriologia, da radiologia, da prova tuberculínica e da histopatologia, existem, desenvolvidas ou em desenvolvimento, outras metodologias diagnósticas. Entretanto, pelo alto custo destes métodos, e pela ausência de provas consistentes quanto à sensibilidade, especificidade e valores preditivos, eles não devem ser usados indiscriminadamente. Esses fatos não permitem sua utilização em substituição aos métodos convencionais, devendo-se restringir seu uso, como auxílio diagnóstico para a tuberculose, aos serviços de referência, serviços especializados ou instituições de pesquisa.

• Hemocultura

Está indicada em pacientes portadores do HIV ou com aids e que haja suspeita de doença micobacteriana disseminada.

• Detecção da produção de CO2

Método radiométrico: utiliza a produção de gás carbônico pelo bacilo em crescimento, para a detecção de sua presença nos meios de cultura em que se inoculou o espécime clínico. Como no meio de cultura se adicionam nutrientes com carbono marcado isotopicamente, o CO2 produzido terá também o carbono radioativo, que poderá ser identificado por equipamento específico para esse fim. O método permite também a realização de teste de sensibilidade a drogas num tempo mais curto que o habitual, o que constitui sua grande vantagem sobre os métodos convencionais. Uma variação deste método detecta a produção do gás, por um sistema de sensores ópticos, e não por emissão de carbono marcado.

• Detecção de consumo de O2

Mycobacteria Growth Indicator Tube (MGIT)

Este método utiliza tubos de ensaio com meios líquidos de cultura, onde existe uma base de silicone impregnada com rutênio, metal que emite luminescências na ausência de O2. Se há crescimento bacteriano, há também consumo de O2 e o rutênio emitirá luminescências possíveis de serem detectadas com luz ultravioleta. O resultado é obtido num tempo mais curto que a cultura convencional e pode-se, também, realizar teste de sensibilidade.

• Sorológico

Consiste na detecção de anticorpos produzidos pelo organismo, contra componentes do M. tuberculosis. São utilizados antígenos purificados ou clonados, em metodologias que se baseiam em reações antígeno-anticorpo. São métodos muito rápidos, mas que têm o inconveniente de, em função da baixa especificidade dos antígenos disponíveis, revelar reações cruzadas com outros germes, além de outras circunstâncias que alteram os resultados. Além disso, ainda não é possível, com absoluta segurança, identificar os doentes dos apenas infectados ou vacinados.

• Marcadores biológicos

Há dois marcadores com importância clínica:

a) A adenosinadeaminase (ADA), uma enzima presente em várias células, particularmente no linfócito ativado, como observado na tuberculose. A determinação do aumento da atividade da ADA no líquido pleural, sobretudo se associado a alguns parâmetros como idade (< 45 anos), predomínio de linfócitos (acima de 80%) e proteína alta (exsudato), é indicadora de pleurite tuberculosa. É método colorimétrico, de fácil execução em qualquer laboratório que disponha de um espectrofotômetro, podendo, à luz dos conhecimentos disponíveis, autorizar o início do tratamento para suspeita de tuberculose pleural, onde não seja possível a biópsia. Ressalte-se que o método a ser utilizado deve ser o de Giusti, feito no laboratório, que é o mais utilizado no país.

b) Ácido tubérculo-esteárico, um metabólito de bacilo, cuja taxa aumentada, no líquor, indica a presença de meningoencefalite por tuberculose. Sua importância em outros fluidos ainda está sendo estudada. O inconveniente para sua utilização rotineira é o alto custo do equipamento necessário para sua determinação.

• Técnicas de biologia molecular

Partindo-se do pressuposto de que o genoma de qualquer organismo é o que de mais específico existe para sua identificação, as técnicas de biologia molecular passaram a ser utilizadas para o diagnóstico de diversas doenças, inclusive para tuberculose, com a vantagem de poderem oferecer o resultado num tempo muito curto (algumas horas). Desta forma, desenvolveram-se várias técnicas para esta finalidade. Os métodos mais conhecidos de diagnóstico baseados em amplificação do alvo são:

• Reação em cadeia da polimerase (PCR).

• Amplificação mediada por transcrição (TMA).

• Amplificação baseada na seqüência de ácidos nucléicos (NASBA).

• Amplificação por transferência de fita (SDA).

A reação em cadeia da polimerase, no momento o teste mais usado, permite a detecção de quantidades mínimas de material genético, sendo o precursor dos métodos baseados na biologia molecular.

O Food and Drug Administration (FDA) americano aprovou, recentemente, o uso de dois testes de detecção direta do M. tuberculosis em espécimes clínicos. Um deles, baseado na detecção do DNA do bacilo, usa a tecnologia da PCR ou outra como a reação isotérmica que detecta RNAr. Estes testes foram aprovados para uso em pacientes com baciloscopia positiva, sem tratamento nos últimos 12 meses, e apenas em espécimes respiratórios, circunstâncias em que mostraram melhor rendimento quanto à sua acurácia. Não se aplicam, portanto, à nossa rotina de diagnóstico, pois não substituem os métodos convencionais de detecção do bacilo.

Nenhum novo teste ou kil para diagnóstico da tuberculose pulmonar ou extrapulmonar deve ser usado na rotina, sem que ele esteja validado por instituição credenciada pelo Ministério da Saúde.

2.6. Classificação dos doentes de tuberculose

Tuberculose pulmonar positiva – quando apresentam:

• duas baciloscopias diretas positivas;

• uma baciloscopia direta positiva e cultura positiva;

• uma baciloscopia direta positiva e imagem radiológica sugestiva de tuberculose;

• duas ou mais baciloscopias diretas negativas e cultura positiva;

Em caso de uma baciloscopia positiva e outra negativa, encaminhar para outros exames; não havendo disponibilidade de meios, iniciar tratamento de prova.

Tuberculose pulmonar negativa – quando apresentam:

• duas baciloscopias negativas, com imagem radiológica sugestiva e achados clínicos ou outros exames complementares que permitam ao médico efetuar o diagnóstico de tuberculose.

Atenção: Antes de se optar por um diagnóstico de tuberculose pulmonar sem confirmação bacteriológica (tuberculose pulmonar de probabilidade), devem ser afastados os quadros agudos, especialmente os que apresentem febre. Nesses casos, o doente será reavaliado após 7 a 15 dias de tratamento sintomático ou com antibioticoterapia inespecífica. Quando a radiologia do tórax revela regressão da lesão, ele deve ser classificado como portador de infecção inespecífica; nos doentes adultos com sintomatologia crônica, deve-se afastar a possibilidade de doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, micoses pulmonares, outras pneumopatias crônicas e infecção pelo HIV ou aids.

Tuberculose extrapulmonar

A tuberculose pode ainda se expressar por formas disseminadas como a miliar ou extrapulmonares (classificadas segundo a localização: pleural, ganglionar periférica, osteoarticular, geniturinária, meningoencefálica e assim por diante), com base nos achados clínicos e em exames complementares que permitam ao médico diagnosticar tuberculose.

2.7. Diagnóstico da tuberculose na criança e no adolescente

Pulmonar

O diagnóstico, na prática, segundo um sistema de contagem de pontos, está sumariado no quadro da pág. 14*, baseado em similares publicados na literatura nas últimas décadas.

As manifestações clínicas podem ser variadas. O dado que chama atenção na maioria dos casos é a febre, habitualmente moderada, persistente por mais de 15 dias e freqüentemente vespertina. São comuns irritabilidade, tosse, perda de peso, sudorese noturna, às vezes profusa; a hemoptise é rara. Muitas vezes, a suspeita de tuberculose é feita em casos de pneumonia que não vêm apresentando melhora com o uso de antimicrobianos para germes comuns. Há predomínio da localização pulmonar sobre as demais formas de tuberculose, isto é, as formas extrapulmonares.

Os achados radiográficos mais sugestivos da tuberculose são: adenomegalias hilares e/ou paratraqueais (gânglios mediastínicos aumentados de volume); pneumonias com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, às vezes associadas a adenomegalias mediastínicas, ou que cavitam durante a evolução; infiltrado nodular difuso (padrão miliar). Sempre deve ser feito o diagnóstico diferencial com tuberculose, em crianças com pneumonia de evolução lenta, isto é, quando o paciente vem sendo tratado com antibióticos para germes comuns sem apresentar melhora após duas semanas.

A história de contágio com adulto tuberculoso, bacilífero ou não, deve ser valorizada, principalmente nas crianças até a idade escolar.

O teste tuberculínico pode ser interpretado como sugestivo de infecção pelo M. tuberculosis quando superior a 10mm em crianças não vacinadas com BCG ou vacinadas há mais de dois anos; ou superior a 15mm em crianças vacinadas com BCG há menos de dois anos. No caso de crianças que receberam revacinação BCG, esta interpretação é indiscutível.

Em crianças até cinco anos que estejam internadas para investigação de tuberculose, pode ser tentada a realização de cultura para M. tuberculosis em espécime de lavado gástrico. Em serviços ambulatoriais, o lavado gástrico não é recomendado. O exame de escarro (baciloscopia e cultura), em geral, só é possível a partir dos cinco ou seis anos.

Dependendo do quadro clínico-radiológico apresentado pela criança, podem ser necessários outros métodos diagnósticos, tais como broncoscopia, punções e até mesmo biópsia pulmonar por toracotomia. Nestas condições, além de exame bacteriológico, pode-se proceder a exame cito ou histopatológico, para aumentar a chance de positividade.

Extrapulmonar

Algumas localizações extrapulmonares da tuberculose são mais freqüentes na infância, como gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges.

A tuberculose do aparelho digestivo (peritonite e intestinal), a pericardite, a geniturinária e a cutânea são mais raras.

A tuberculose ganglionar periférica acomete com freqüência as cadeias cervicais e é geralmente unilateral, com adenomegalias de evolução lenta, superior a três semanas. Os gânglios têm consistência endurecida e podem fistulizar (escrófula ou escrofuloderma). É comum a suspeita de tuberculose em casos de adenomegalia que não responderam ao uso de antibióticos.

A meningoencefalite tuberculosa costuma cursar com fase prodrômica de uma a oito semanas, quase sempre com febre, irritabilidade, paralisia de pares cranianos e pode evoluir com sinais clínicos de hipertensão intracraniana, como vômitos, letargia e rigidez de nuca. O líquor é claro, com glicose baixa e predomínio de mononucleares. O teste tuberculínico pode ser não reator, pois a forma é anérgica.

A forma osteoarticular mais encontrada situa-se na coluna vertebral, constituindo-se no Mal de Pott. Cursa com dor no segmento atingido e posição antálgica nas lesões cervicais e torácicas, paraplegias e gibosidade.

Tuberculose pulmonar + extrapulmonar

A tuberculose pode comprometer, ao mesmo tempo, mais de um órgão no sistema em um mesmo paciente.

3. TRATAMENTO

3.1. Princípios básicos

A tuberculose é uma doença grave, porém curável em praticamente 100% dos casos novos, desde que obedecidos os princípios da moderna quimioterapia.

A associação medicamentosa adequada, as doses corretas e o uso por tempo suficiente, com supervisão da tomada dos medicamentos, são os meios para evitar a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência às drogas, assegurando, assim, a cura do paciente.

O tratamento dos bacilíferos é a atividade prioritária de controle da tuberculose, uma vez que permite anular rapidamente as maiores fontes de infecção.

O tratamento para caso suspeito de tuberculose sem comprovação bacteriológica deve ser iniciado após tentativa de tratamento inespecífico, com antibiótico de largo espectro, sem melhora dos sintomas. Uma vez iniciado o tratamento, ele não deve ser interrompido, salvo após uma rigorosa revisão clínica e laboratorial que determine mudanças de diagnóstico.

Compete aos serviços de saúde prover os meios necessários para garantir que todo indivíduo com diagnóstico de tuberculose venha a ser, sem atraso, adequadamente tratado.

3.2. Regimes de tratamento

O tratamento será desenvolvido sob regime ambulatorial, supervisionado, com pelo menos três observações semanais da tomada dos medicamentos nos primeiros dois meses e uma observação por semana até o seu final.

A supervisão poderá ser realizada de forma direta na unidade, no local de trabalho e na residência do paciente por meio de visitador sanitário ou agente comunitário de saúde. A unidade de saúde pode identificar líderes comunitários ou responsáveis familiares que auxiliem na supervisão do tratamento.

Nas formas pulmonar negativa e extrapulmonar (exceto a meningoencefálica), o regime poderá ser ou não supervisionado. Neste caso, devem ser adotadas medidas estimuladoras da adesão dos pacientes ao tratamento e utilizados métodos de verificação do uso correto das drogas.

A hospitalização é admitida somente em casos especiais e de acordo com as seguintes prioridades:

• Meningoencefalite.

• Indicações cirúrgicas em decorrência da tuberculose.

• Complicações graves da tuberculose.

• Intolerância medicamentosa incontrolável em ambulatório.

• Intercorrências clínicas e/ou cirúrgicas graves.

• Estado geral que não permita tratamento em ambulatório.

• Em casos sociais, como ausência de residência fixa ou grupos com maior possibilidade de abandono, especialmente se for um caso de retratamento ou falência.

O período de internação deve ser reduzido o mínimo possível, devendo limitar-se ao tempo suficiente apenas para atender às razões que determinaram sua indicação, independentemente do resultado do exame bacteriológico, procurando-se não estendê-lo além da primeira fase do tratamento.

3.3. Esquemas de tratamento

Em todos os esquemas, a medicação é de uso diário e deverá ser administrada de preferência em uma única tomada.

Esquemas de tratamento intermitente, com doses adequadas a este tipo de regime, sempre supervisionados, poderão ser utilizados após a fase inicial diária, sob a responsabilidade das coordenações estaduais.

Atenção especial deve ser dada ao tratamento dos grupos considerados de alto risco de toxicidade, constituído por pessoas com mais de 60 anos, em mau estado geral, alcoolistas, infectadas pelo HIV, em uso concomitante de drogas anticonvulsivas e pessoas que manifestem alterações hepáticas. A rifampicina interfere na ação dos contraceptivos orais, devendo as mulheres em uso desse medicamento receber orientação para utilizar outros métodos anticoncepcionais.

Em crianças menores de cinco anos, que apresentem dificuldade para ingerir os comprimidos, recomenda-se o uso das drogas em forma de xarope ou suspensão.

Segundo a situação do caso, os esquemas a serem adotados são:

Para efeito de indicação de esquemas terapêuticos, consideram-se sem tratamento anterior ou virgem de tratamento (VT) os pacientes que nunca se submeteram à quimioterapia antituberculosa, ou a fizeram por apenas 30 dias.

Define-se como tratamento anterior (retratamento) a prescrição de um esquema de drogas para o doente já tratado por mais de 30 dias e a menos que cinco anos, que venha a necessitar de nova terapia por recidiva após cura (RC) ou retorno após abandono (RA).

Considera-se recidiva o doente de tuberculose que já se tratou anteriormente e recebeu alta por cura, desde que o intervalo entre a data da cura e a data do diagnóstico da recidiva não ultrapassem cinco anos. Se esse intervalo exceder cinco anos, o caso é considerado como caso novo e o tratamento preconizado é o Esquema I.

O paciente que retorna ao sistema após abandono deve ter a atividade de sua doença confirmada por nova investigação diagnóstica por baciloscopia e cultura, antes da reintrodução do retratamento.

Entende-se por falência a persistência da positividade do escarro ao final do tratamento. São também classificados como caso de falência os doentes que, no início do tratamento, são fortemente positivos (++ ou +++) e mantêm essa situação até o 4º mês, ou aqueles com positividade inicial seguida de negativação e nova positividade por dois meses consecutivos, a partir do 4º mês de tratamento. O aparecimento de poucos bacilos no exame direto do escarro, na altura do quinto ou sexto mês, isoladamente, não significa, necessariamente, falência do esquema, em especial se acompanhado de melhora clínico-radiológica. Neste caso, o paciente será seguido com exames bacteriológicos. O tratamento, se preciso, será prolongado por mais três meses, período em que o caso deve ser redefinido ou concluído. Em pacientes com escarro negativo e evolução clínico-radiológica insatisfatória, o prolongamento do tratamento por mais três meses pode ser uma opção para evitar mudanças precipitadas para esquemas mais prolongados e de menor eficácia. Sempre que possível, deve-se consultar uma unidade de referência antes de se decidir por este prolongamento.

Recomenda-se a realização de cultura e de teste de sensibilidade às drogas previamente ao início de quimioterapia nos casos com critérios de falência.

O Esquema III deve ser realizado preferencialmente em unidades mais complexas. Sempre que possível, deve-se realizar o teste de sensibilidade às drogas no início do tratamento para definir claramente a possibilidade de sucesso deste Esquema ou sua modificação.

Casos de falência do Esquema III devem ser considerados como portadores de tuberculose multirresistente (TBMR) e encaminhados para unidades de referência capacitadas para o acompanhamento deste tipo de pacientes. Nessas unidades, serão indicados regimes especiais, com esquemas mais adequados de drogas alternativas, segundo orientação dos peritos em quimioterapia da Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária e Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Para estes pacientes será obrigatório o teste de sensibilidade. Recomenda-se para os casos mais graves ou de difícil adesão a internação em hospitais ou enfermarias especialmente preparadas para esta situação. As drogas deverão ser fornecidas pelo Ministério da Saúde, sob estrita vigilância, de acordo com a demanda informada pelas Direções Estaduais do Programa, responsáveis pela organização de assistência aos portadores de TBMR.

Os quadros seguintes mostram os esquemas propostos com suas indicações gerais e específicas, dosagens e observações.


3.4. Tratamento da tuberculose multirresistente – TBMR

Os pacientes que não se curam após tratamento com os esquemas padronizados pelo MS, portadores, em geral, de bacilos resistentes a mais de duas drogas, incluindo R e H, constituem um grupo de doentes classificados no Consenso Brasileiro de Tuberculose, em 1997, como portadores de tuberculose multirresistente (TBMR). A este grupo são agregados os pacientes que apresentam resistência primária a R, H e a outras drogas utilizadas, geralmente a S e/ou E.

Estes pacientes e seus familiares serão atendidos por equipe multiprofissional especializada, em Centros de Referência que cumpram as normas de biossegurança e sejam credenciados, para este fim, pelas coordenadorias municipais e estaduais de tuberculose. Lá receberão, gratuitamente, o esquema medicamentoso alternativo disponibilizado pelo Ministério da Saúde, composto por uma combinação das seguintes drogas, de acordo com o resultado do teste de sensibilidade: amicacina, ofloxacina, terizidona, etambutol e clofazimina.

Um esquema alternativo, com regime de cinco drogas e 18 meses de duração, é objeto de uma experiência multicêntrica que se desenvolve, há quatro anos, sob a coordenação do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, visando a estabelecer experiência brasileira neste campo, que possa subsidiar a eventual adoção de um esquema para TBMR. Até aqui, foram tratados cerca de 350 pacientes, com uma taxa média de 60% de resultados favoráveis.

O tratamento da TBMR será supervisionado, preferencialmente, com o paciente hospitalizado na fase inicial, e iniciado após resultado do teste de sensibilidade, devendo-se estimular intervenções como visita domiciliar e oferecer incentivos para o fornecimento de cesta básica e transporte urbano.

Como critério de alta se exige que, após duas culturas negativas sucessivas para micobactérias, o paciente permaneça fazendo uso diário das drogas pelo menos por 12 meses, cumprindo um tempo total de tratamento igual ou superior a 18 meses.

Para acompanhar a tendência e controlar o problema da TBMR, estabeleceu-se um sistema de vigilância epidemiológica, controlado pelo Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. O controle implica armazenamento dos medicamentos em uso e sua liberação contra o recebimento da Ficha Individual de Notificação de Caso de TBMR, oriunda das secretarias estaduais de saúde, e a confirmação dos dados pelo critério de "Caso de TBMR" pelo teste de sensibilidade. (Ver Fluxograma abaixo).

3.5. Tratamento da tuberculose associada ao HIV

A conduta dos casos de tuberculose associada com infecção pelo HIV, em indivíduos adultos e adolescentes, vem sendo estabelecida pela Área Técnica de Pneumologia Sanitária e Coordenação Nacional de DST e Aids. A seguir reproduz-se a última atualização das recomendações elaboradas com a participação do Comitê Assessor para Co-Infecção HIV-Tuberculose.

Com o uso disseminado da terapia anti-retroviral combinada potente, após o advento dos Inibidores da Protease (IP) e Inibidores da Transcriptase Reversa Não-Nucleosídeos (ITRNN), a morbimortalidade relacionada ao HIV sofreu profundas transformações, com mudança radical na ocorrência e no prognóstico das complicações oportunistas mais comuns. Estudos recentes mostram que o risco de adoecimento por tuberculose em indivíduos HIV+ reduziu-se em aproximadamente 10 vezes; e que a taxa de ocorrência de casos de tuberculose em pacientes atendidos pelos serviços especializados em DST/aids no Brasil apresentou uma redução de até 75%, quando comparada aos índices encontrados antes do advento da terapia anti-retroviral combinada.

A rifampicina (RMP) é considerada uma das principais drogas no tratamento da tuberculose. Esquemas que incluem a sua utilização apresentam taxa de sucesso terapêutico da ordem de 95%, quando adequadamente utilizados. Contudo, a utilização concomitante da RMP com a maioria dos IP e/ou ITRNN promove importante interação farmacológica no sistema microssomal hepático e da parede intestinal, podendo provocar redução significativa dos níveis séricos desses anti-retrovirais e, conseqüentemente, aumentar o risco de desenvolvimento de resistência do HIV ao esquema anti-retroviral em uso. A utilização de esquemas alternativos para o tratamento da tuberculose sem RMP, apesar de eficaz do ponto de vista bacteriológico, tem-se mostrado com efetividade terapêutica global reduzida pela maior complexidade do esquema, maior dificuldade de adesão ao uso de medicação injetável (estreptomicina) e tempo mais prolongado de tratamento. Nessas situações, pode haver prejuízo para o paciente co-infectado, tanto pela não utilização de IP e/ou ITRNN no esquema anti-retroviral, como pela não inclusão da RMP no esquema antituberculose.

Entretanto, estudos farmacocinéticos sugerem que a RMP pode ser utilizada concomitantemente com alguns anti-retrovirais em pacientes HIV+ com tuberculose, desde que estes pacientes sejam tratados com esquemas que contenham efavirenz (EFZ) ou a associação saquinavir + ritonavir (SQV/RTV), sem necessidade de ajuste nas dosagens habituais. Até o presente momento, embora alguns estudos de menor porte recomendem aumento da dose de EFZ para 800mg/dia, a literatura carece de análises que avaliem a toxicidade ou a eficácia clínica do EFZ nesta dosagem, em associação com outras drogas anti-retrovirais. Portanto, não está autorizado o seu uso de rotina nessa posologia. Alguns estudos recentes sugerem, em algumas situações, que o uso do ritonavir em sua posologia convencional (1.200mg/dia) e como único IP do esquema anti-retroviral pode ser considerado como opção de utilização concomitante com a RMP, embora investigações farmacocinéticas conclusivas e avaliação do risco de hepatotoxicidade com essa associação ainda não estejam disponíveis. Ademais, recomenda-se que o uso dessas associações em pacientes portadores da co-infecção HIV/tuberculose seja feito de forma criteriosa, com a orientação e/ou supervisão de profissional médico com experiência no tratamento de ambas as doenças e com cuidadoso acompanhamento clínico-laboratorial. Deve-se ter especial atenção para a possibilidade de falha no tratamento da tuberculose, falha no tratamento anti-retroviral, reações paradoxais da tuberculose e efeitos colaterais e/ou tóxicos, específicos ou sinérgicos, causados pela associação das drogas anti-retrovirais e antituberculose utilizadas nessa situação.

Apesar de ser considerada uma doença oportunista, a tuberculose de ocorrência típica, com padrão clínico-radiológico de acometimento apical, não caracteriza necessariamente comprometimento significativo da imunidade ou falha da terapia anti-retroviral porventura instituída. O adoecimento por tuberculose, freqüentemente, promove o fenômeno de transativação heteróloga do HIV, com elevação da carga viral em pacientes HIV+ e diminuição da contagem de células T-CD4+, ambas transitórias e dependentes da atividade da doença. Isso dificulta a interpretação desses parâmetros para início e/ou seleção de esquema anti-retroviral, na vigência de tuberculose ativa sem tratamento específico. Estudos recentes sugerem, ainda, que o tratamento isolado da tuberculose em pacientes co-infectados pelo HIV e que não estão em uso de ARV reduz, por si só, a carga viral plasmática. Assim, considerando-se que a terapia anti-retroviral não é uma emergência médica, sugere-se aguardar a estabilização do quadro clínico. Idealmente, procede-se a uma avaliação da contagem das células T-CD4+ e quantificação da carga viral após 30 e 60 dias do início da terapia antituberculosa, utilizando-se tais parâmetros para indicar a terapia anti-retroviral.

Para a escolha do esquema anti-retroviral, deve-se também avaliar o risco de intolerância, toxicidade e capacidade de adesão do paciente ao tratamento, considerando a possibilidade de utilização de esquemas menos complexos; ou mesmo a postergação do seu início, naqueles pacientes com quadro de imunodeficiência menos grave. Entretanto, em pacientes com sinais (principalmente clínicos) de imunodeficiência mais grave, deve-se considerar o uso mais precoce da terapia anti-retroviral, devido ao risco elevado de morte. Pacientes com contagem de células T-CD4+ > 350/mm3 não devem iniciar terapia anti-retroviral na vigência de doença tuberculosa. Entretanto, sugere-se, para melhor definição da conduta, uma reavaliação clínico-imunológica após 30-60 dias do início do tratamento da tuberculose.

Pacientes em uso de esquema anti-retroviral incompatível com RMP poderão ter esse esquema modificado para possibilitar o tratamento da tuberculose e da infecção pelo HIV com esquemas antituberculose e anti-retroviral potentes, não caracterizando esta mudança uma falha terapêutica ao esquema ARV anteriormente em uso, e sim uma adequação deste último tratamento antituberculoso. Essa substituição do esquema, após o término do tratamento para tuberculose, não invalida a reintrodução ou uso futuro do esquema anti-retroviral previamente utilizado. Pacientes portadores de tuberculose com indicação de uso do esquema I (R+H+Z por seis meses), mas que não possam utilizar algum dos esquemas anti-retrovirais compatíveis com RMP, deverão ser tratados para tuberculose durante 12 meses com esquema alternativo de tratamento da tuberculose para pacientes com intolerância ou contra-indicação para uso da RMP, recomendado pela Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária/Ministério da Saúde, e iniciar ou substituir o tratamento anti-retroviral pelo esquema considerado mais adequado do ponto de vista imunológico e virológico.

O uso concomitante de abacavir (ABC) e outros Inibidores da Transcriptase Reversa de Nucleosídeos (ITRN) com RMP não está contra-indicado do ponto de vista farmacológico, pois não existe nenhuma interação entre as drogas desse grupo farmacológico com a RMP, não necessitando, portanto, de nenhum ajuste posológico.

É importante considerar que a adesão adequada a ambos os esquemas, antituberculose e anti-retroviral, tomados de forma concomitante, é um grande desafio para o paciente, devido à elevada quantidade de comprimidos/cápsulas a serem ingeridas ao dia e à ocorrência de efeitos colaterais, particularmente nas primeiras semanas de tratamento. Portanto, deve-se considerar, sempre que possível, o adiamento do início do tratamento anti-retroviral em pacientes com co-infecção HIV/tuberculose, particularmente naqueles que apresentam quadros de imunodeficiência menos graves do ponto de vista clínico-laboratorial. A indicação de início de terapia anti-retroviral em pacientes com co-infecção HIV/tuberculose deve seguir os mesmos parâmetros clínicos e imunovirológicos estabelecidos para pacientes HIV+ sem tuberculose em atividade, recentemente atualizados no documento "Recomendações para Terapia Anti-retroviral em Adultos e Adolescentes – 2001", do Ministério da Saúde (ver quadro I).


1. Dois meses iniciais com R+H+Z, seguidos de quatro meses com R+H (2RHZ/4RH).

2. O adoecimento por tuberculose, freqüentemente, promove a elevação da carga viral e a diminuição da contagem de células T-CD4+ em pacientes HIV+. Sugere-se iniciar a terapia antituberculose, aguardar a estabilização clínica do quadro e depois utilizar esses exames na avaliação da indicação de terapia anti-retroviral. Para a escolha da opção de tratamento deve-se também avaliar o risco de toxicidade e a capacidade de adesão do paciente para ambos os tratamentos, considerando a possibilidade de utilizar esquemas anti-retrovirais menos complexos ou mesmo a postergação do início do tratamento anti-retroviral naqueles pacientes com quadros de imunodeficiência menos graves.

3. Nessa situação, alguns autores consideram a possibilidade de se iniciar tratamento anti-retroviral, pois há risco de progressão mais rápida da imunodeficiência causada pelo HIV, devendo ser avaliados os parâmetros clínicos e laboratoriais específicos (contagem de células T-CD4+ e carga viral) com maior freqüência. Quanto mais próxima de 200 células/mm3 for a contagem de células T-CD4+ e/ou maior a carga viral (particularmente se > 100.000 cópias/ml), mais forte será a indicação para início da terapia anti-retroviral. É importante considerar a motivação do paciente e a probabilidade de adesão, antes de se iniciar o tratamento.

4. Pacientes com tuberculose e indicação de uso do esquema I (E-1), mas que não possam utilizar algum dos esquemas anti-retrovirais compatíveis com rifampicina, deverão ser tratados para tuberculose durante 12 meses com esquema para pacientes com intolerância ou contra-indicação para uso de rifampicina recomendado pelo Ministério da Saúde (dois meses iniciais com H+Z+S+E, seguidos de 10 meses com H+E [2HEZS/10HE]).

5. A experiência clínica com o uso do abacavir em indivíduos HIV+ com tuberculose é limitada. Para pacientes sintomáticos ou assintomáticos com imunodeficiência mais grave (contagem de células T-CD4+ < 200 células/mm3) e/ou carga viral elevada (> 100.000 cópias/ml), alguns especialistas recomendam utilizar preferencialmente esquemas anti-retrovirais mais potentes, contendo ITRNN ou IP. O uso concomitante de abacavir e outros Inibidores da Transcriptase Reversa de Nucleosídeos (ITRN) com RMP não estão contra-indicados, pois não existe nenhuma interação farmacológica com os medicamentos antituberculose descritos até o momento.

6. Nessas situações, não há dados que permitam escolher entre esquemas com ITRNN ou IP. Entretanto, o uso de ritonavir associado a drogas antituberculose utilizadas no esquema I (E-1) apresenta risco aumentado de hepatotoxicidade. Sugere-se monitorar cuidadosamente as transaminases e outras provas de função hepática do paciente durante o tratamento; e não iniciar o uso de esquema com esse anti-retroviral associado ao esquema I (E-1), caso os níveis basais dessas enzimas hepáticas estejam três vezes acima dos valores de referência.

7. Dois meses iniciais com R+H+Z, seguidos de sete meses com R+H (2RHZ/7RH). Observar que doses mais elevadas de rifampicina e isoniazida são recomendadas nessa situação.

8. O efavirenz é contra-indicado durante a gestação. Não há dados conclusivos sobre a segurança do abacavir na gravidez.

9. Dois meses iniciais com R+H+Z+E, seguidos de quatro meses com R+H+E (2RHZE/4RHE).

10. Recomenda-se monitorar rigorosamente a adesão (tratamento supervisionado) e coletar material para teste de sensibilidade aos medicamentos antituberculose.

11. Três meses iniciais com S+Et+E+Z, seguidos de nove meses com Et+E (3SEtEZ/9EtE).

3.6. Controle do tratamento

O controle do tratamento consiste na aplicação de meios que permitam o acompanhamento da evolução da doença e utilização correta dos medicamentos.

Condições básicas para o êxito do tratamento

a) Adesão do paciente, principalmente por seu conhecimento sobre

• A doença.

• A duração do tratamento prescrito.

• A importância da regularidade no uso das drogas.

• As graves conseqüências advindas da interrupção ou do abandono do tratamento.

Essa é uma atividade de educação para o tratamento que deve ser desenvolvida durante as consultas e entrevistas, tanto iniciais como subseqüentes. Na oportunidade, a equipe de saúde, além de conscientizar o paciente da importância de sua colaboração no tratamento, estabelece com ele uma relação de cooperação mútua.

b) Realização mensal da baciloscopia de controle, sendo indispensáveis as dos 2º, 4º e 6º meses, nos Esquemas I e Esquema I R e nos 3º, 6º, 9º e 12º meses, no caso dos Esquemas III e especiais.

Quando o paciente referir que não tem expectoração, o auxiliar deve orientá-lo sobre como obter a amostra de escarro e fazer com que ele tente, repetidamente, em sua presença, fornecer material para exame. Nessa situação, o escarro pode ser induzido pela inalação de solução salina a 9% por 15 minutos, seguido por tapotagem.

c) Acompanhamento clínico visando à identificação de queixas e de sintomas que possam avaliar a evolução da doença com a introdução dos medicamentos e a detecção de manifestações adversas com seu uso.

Nas unidades com recursos de exame radiológico, este pode ser utilizado periodicamente para acompanhar a regressão ou o agravamento das lesões na forma pulmonar da doença, em especial na ausência de expectoração.

3.7. Reações adversas ao uso de drogas antituberculose

A maioria dos pacientes submetidos ao tratamento de tuberculose consegue completar o tempo recomendado sem sentir qualquer efeito colateral relevante. Os fatores relacionados às reações são multifatoriais; todavia, os maiores determinantes destas reações se referem à dose, aos horários de administração da medicação, à idade, ao estado nutricional, ao alcoolismo, às condições da função hepática e renal e à co-infecção pelo HIV.

Intolerância gástrica, manifestações cutâneas variadas, icterícia e dores articulares são os efeitos mais descritos durante o tratamento com o Esquema I. Os pacientes devem ser advertidos sobre estas possibilidades e, caso se manifestem, orientados a procurar imediatamente o médico. O paciente que apresente algum destes para-efeitos deve ter consulta de controle aprazada para, no máximo, duas semanas e a conduta está sumariada no quadro a seguir, conforme a classificação: efeitos menores e efeitos maiores. Os efeitos menores ocorrem entre 5% e 20% dos casos e são assim classificados os que não implicam modificação imediata do esquema padronizado; os efeitos maiores que implicam interrupção ou alteração do tratamento e são menos freqüentes em torno de 2%, podendo chegar a 8% em serviços especializados.


Irritação gástrica

Todas as drogas usadas no tratamento de tuberculose podem causar irritação gástrica. A isoniazida combinada com a rifampicina e com a pirazinamida são as drogas mais freqüentemente implicadas com irritação gástrica. São referidas náuseas, pirose, epigastralgia que, na maioria das vezes, ocorrem na primeira fase do tratamento.

Conduta

a) Suspender as drogas por 48 a 72 horas, recomendando o uso de sintomáticos. Controlados os sintomas, reiniciar o tratamento, indicando a administração da pirazinamida após o almoço e da rifampicina combinada com a isoniazida após o desjejum.

b) Havendo novas queixas, suspender todas as drogas por mais 24 horas e reiniciar o tratamento: uma droga a cada 48 horas, na seguinte ordem: pirazinamida, isoniazida e finalmente rifampicina.

c) Quando não houver resolução das queixas e nesta fase já tiver sido identificada a droga responsável pelos sintomas, proceder à modificação do esquema, conforme o quadro seguinte.

3.8. Substituição de drogas diante de efeitos adversos

Substituição da pirazinamida – 2 RHE/4 RH

Substituição da isoniazida – 2RESZ/4 RE

Substituição da rifampicina – 2 SEHZ/10 HE

Atenção: ao estimar o tempo total de tratamento antituberculose, considerar todo o tempo de tratamento, inclusive aquele que antecedeu às queixas de intolerância.

Hepatotoxicidade

As drogas usadas nos esquemas de tratamento da tuberculose apresentam interações entre si e com outras drogas que aumentam o risco de hepatotoxicidade. Em pequeno percentual dos pacientes, observa-se, nos dois primeiros meses de tratamento, elevação assintomática dos níveis séricos das enzimas hepáticas, seguida de normalização espontânea, sem qualquer manifestação clínica e sem necessidade de interrupção ou alteração do esquema terapêutico. É importante considerar o peso do paciente quando se indicar a dose do medicamento.

O tratamento só deverá ser interrompido quando os valores das enzimas atingirem três vezes o seu valor normal, com início de sintomas ou logo que a icterícia se manifeste, encaminhando o doente a um serviço de maior poder resolutivo para acompanhamento clínico e laboratorial, além da adequação do tratamento, caso seja necessário. Se, após a interrupção do tratamento, houver redução dos níveis séricos das enzimas hepáticas e resolução dos sintomas, indica-se a reintrodução do Esquema I, da seguinte maneira:

• Icterícia sem aumento sérico das enzimas hepáticas – iniciar o tratamento com rifampicina, acrescentar isoniazida e, por último, pirazinamida, com intervalo de três dias entre elas.

• Icterícia com aumento sérico das enzimas hepáticas – iniciar o tratamento com isoniazida, acrescentar rifampicina e, por último, pirazinamida, com intervalo de três dias entre elas, ou substituir o Esquema I por um esquema alternativo: estreptomicina/etambutol/isoniazida (SEH) ou estreptomicina/etambutol/ofloxacina (SEO), ambos por um período mínimo de 12 meses de tratamento.

Hiperuricemia e artralgia

A hiperuricemia é causa de graves problemas renais: nefrolitíase, nefropatia por uratos ou por ácido úrico que podem evoluir com insuficiência renal.

A hiperuricemia assintomática é um efeito adverso, freqüente durante o uso da pirazinamida e em menor freqüência com o uso do etambutol, sendo, nestes casos, a gota uma manifestação rara.

As artralgias, quando não relacionadas à hiperuricemia, são freqüentemente associadas ao uso da pirazinamida.

A artrite é descrita com uso de isoniazida; no entanto, não se caracteriza como efeito adverso comum.

Conduta

Na presença de hiperuricemia, deve-se fazer orientação dietética (dieta hipopurínica).

A artralgia e a artrite costumam responder ao uso de antiinflamatórios não hormonais.

Manifestações neurológicas e psiquiátricas

A neuropatia periférica é associada ao uso da isoniazida em cerca de 17% dos pacientes que utilizam doses maiores de 300mg/dia e em menor freqüência ao uso do etambutol.

A neurite ótica se manifesta com redução do campo visual ou redução da acuidade ou da visão de cores; é incomum durante o uso da isoniazida e está relacionada ao etambutol, em geral em doses altas ou por uso prolongado.

Os distúrbios do comportamento, as alterações do ritmo do sono, a redução da memória e as psicoses já foram descritas durante o uso da isoniazida. A crise convulsiva e o coma são descritos pela ingestão excessiva da isoniazida.

A toxicidade acústica (ou vestibular) é complicação relacionada ao uso da estreptomicina.

O alcoolismo, a diabetes mellitus, a desnutrição e a uremia são fatores predisponentes para todas as manifestações neurológicas e psiquiátricas aqui relacionadas.

Conduta

A suplementação de piridoxina pode amenizar os sintomas de neuropatia periférica sem interferir no efeito antibacteriano. Nos casos de efeitos mais graves como, por exemplo, crise convulsiva, o paciente deve ter a medicação imediatamente interrompida e ser encaminhado à unidade de maior resolução.

Paciente em uso de etambutol deve ser orientado a procurar a unidade de saúde, caso perceba qualquer alteração na acuidade visual; e aquele paciente em uso de estreptomicina deverá informar sobre perda de equilíbrio, zumbidos ou redução da acuidade auditiva.

Nefrotoxicidade

A nefrite intersticial descrita durante o uso da rifampicina ou da pirazinamida (por depósitos de cristais de uratos) e a rabdomiólise com conseqüente mioglobinúria observada como complicação ao uso da pirazinamida são causas de insuficiência renal aguda, identificada por oligúria e algumas vezes exantema e febre. Exame do sedimento urinário, bioquímica sérica e hemograma realizados regularmente podem auxiliar na identificação precoce do problema.

A nefrotoxicidade devida ao uso de estreptomicina é menos freqüente do que com outros aminoglicosídeos.

Alterações hematológicas

A trombocitopenia, a leucopenia, a eosinofilia, a agranulocitose, a anemia, a vasculite com formação de anticorpos antinucleares são alterações relacionadas à hipersensibilidade ao uso da isoniazida ou a altas doses ou ao esquema intermitente com rifampicina.

Outras reações

Febre, adenomegalia, exantema, acne, síndrome semelhante à do lúpus eritematoso sistêmico são descritas durante o uso da isoniazida.

Pacientes que usam rifampicina irregularmente podem queixar-se de falta de ar ou de uma síndrome semelhante à gripe caracterizada por cefaléia, mialgia, tonteira, febre com calafrios e dor nos ossos ou choque.

Conduta

Nos casos de falta de ar ou choque, a rifampicina deve ser imediatamente interrompida. Em geral, a síndrome gripal regride com a regularização das doses; em casos graves recomenda-se a sua interrupção.

3.9. Situações especiais

Hepatopatas

A rifampicina é uma droga metabolizada no fígado e excretada principalmente pela via biliar. Admite-se que dois terços da dose sejam eliminados pela bile. O restante da dose não metabolizada é reabsorvido no intestino, aumentando progressivamente o nível sérico até que, ao fim de aproximadamente 14 dias, ocorre produção de enzimas que estimulam o metabolismo da própria rifampicina.

Nos hepatopatas moderados e graves, há redução da metabolização da rifampicina, aumentando a quantidade do antibiótico livre que segue para o intestino para ser reabsorvido, aumentando assim o seu nível sérico. Portanto, nos alcoólatras, cirróticos, nos pacientes com hepatite aguda ou crônica, o uso da rifampicina deverá ser evitado; nos casos em que seu uso é indispensável, a dose deverá ser reduzida em 30% a 40%.

A isoniazida é também metabolizada (acetilada) no fígado e eliminada na sua maior parte pela urina. A capacidade de acetilar a isoniazida com maior ou menor rapidez é determinada geneticamente. É uma droga hepatotóxica, cujo efeito fica mais evidente em pacientes com mais de 50 anos ou nos hepatopatas que terão meia-vida de isoniazida mais longa e níveis séricos mais altos. Nos casos de insuficiência hepática grave, mais seguro será reduzir a dose à metade.

A pirazinamida é hidrolisada no fígado e subseqüentemente excretada por infiltração glomerular renal. Paciente com conhecida doença hepática prévia deverá ser submetido a freqüentes testes da função hepática, além de acompanhamento clínico rigoroso e, algumas vezes, de redução da dose para 25mg/kg (dose máxima de 2g).

Em caso de hepatite crônica ativa, cirrose hepática ou insuficiência hepática grave é aconselhável evitar o uso da pirazinamida associada com a rifampicina. Nestes casos, deve-se iniciar o tratamento com a associação estreptomicina/etambutol/isoniazida.

Nefropatas

Nos pacientes nefropatas, é necessário conhecer o clearance da creatinina antes de iniciar o esquema terapêutico, para que seja realizado o ajuste das doses.

Observações:

a) Os efeitos adversos menores requerem, quase sempre, condutas compatíveis com as Unidades de Saúde dos tipos 1 e 2; os casos de efeitos adversos maiores demandam atendimento especializado e devem ser enviados para as Unidades de Referência de Tipo 3.

b) As interações das principais drogas antituberculose com outras drogas estão listadas no Anexo 7.

3.10. Critérios para encerramento do tratamento de casos na unidade de saúde

Alta por cura

Pulmonares inicialmente positivos. A alta por cura será dada quando, ao completar o tratamento, o paciente:

a) apresentar duas baciloscopias negativas (cura bacteriológica comprovada);

b) não tiver realizado o exame de escarro por ausência de expectoração e tiver alta com base em dados clínicos e exames complementares (cura clínica não comprovada bacteriologicamente).

Pulmonares inicialmente negativos ou extrapulmonares. A alta por cura será dada quando for completado o tratamento e com base em critérios clínicos, radiológicos e outros exames complementares.

Alta por abandono de tratamento

Será dada ao doente que deixou de comparecer à Unidade por mais de 30 dias consecutivos, após a data prevista para seu retorno; nos casos de tratamento supervisionado, o prazo de 30 dias conta a partir da última tomada da droga.

Alta por mudança de diagnóstico

Será dada quando for constatado erro no diagnóstico.

Alta por óbito

Será dada por ocasião do conhecimento da morte do paciente, durante o tratamento e independentemente da causa.

Alta por falência

Será dada quando houver persistência da positividade do escarro ao final do tratamento. Os doentes que no início do tratamento são fortemente positivos (++ ou +++) e mantêm essa situação até o quarto mês, ou com positividade inicial seguida de negativação e nova positividade por dois meses consecutivos, a partir do quarto mês de tratamento, são também classificados como caso de falência. O aparecimento de poucos bacilos (+) no exame direto do escarro, na altura do quinto ou sexto mês isoladamente, não significa, necessariamente, falência de esquema. O paciente deverá ser acompanhado com exames bacteriológicos para melhor definição.

Observação: Quando o caso for encerrado por falência e o paciente iniciar novo tratamento, deverá ser registrado como caso de retratamento no livro de Registro e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose. Entretanto, este caso não deverá ser notificado novamente.

Alta por transferência

Será dada quando o doente for transferido para outro serviço de saúde. A transferência deve ser processada pelo documento que informará sobre o diagnóstico e o tratamento realizado até aquele momento. Deve-se buscar a confirmação de que o paciente compareceu à unidade para a qual foi transferido e o resultado do tratamento, no momento da avaliação da coorte. Só serão considerados transferidos aqueles pacientes cujo resultado do tratamento é desconhecido.

Controle pós-cura

A maioria dos casos curados não necessita de controle pós-tratamento, devendo-se orientar o paciente a retornar à Unidade apenas se surgirem sintomas semelhantes aos do início da doença.

Alguns casos especiais justificam um ou mais controles após o final do tratamento. São eles: pacientes portadores do HIV-aids e outras condições de imunodeficiências; os que permaneceram com graves seqüelas anatômicas ou funcionais; os que tiveram graves efeitos adversos durante toda a evolução da terapia, sem comprovação bacteriológica da cura.

4. PREVENÇÃO

4.1. Controle dos contatos

Todos os contatos dos doentes de tuberculose, prioritariamente dos pacientes pulmonares positivos, devem comparecer à unidade de saúde para exame. No quadro a seguir, apresenta-se a conduta para exame dos contatos. Quando diagnosticada a tuberculose em crianças, a equipe de sáude deverá examinar os contatos adultos para busca do possível caso fonte. Após serem examinados e não sendo constatada tuberculose-doença, deve-se orientá-los a procurarem a unidade de saúde, em caso de aparecimento de sintomatologia respiratória.


4.2. Vacinação BCG

O BCG exerce notável poder protetor contra as manifestações graves da primo-infecção, como as disseminações hematogênicas e a meningoencefalite, mas não evita a infecção tuberculosa. A proteção se mantém por 10 a 15 anos. A vacina BCG não protege os indivíduos já infectados pelo M. tuberculosis. Por isso, nos países com elevada prevalência de infecção tuberculosa, como o nosso, as crianças devem ser vacinadas o quanto antes possível, após o nascimento. Nas áreas geográficas com alta prevalência de infecção por micobactérias não-tuberculosas, a margem de proteção do BCG contra a tuberculose é reduzida, razão por que nessas regiões o seu rendimento é baixo em termos de saúde pública.

Dose e administração da vacina

No Brasil, a vacina BCG é prioritariamente indicada para as crianças de zero a quatro anos de idade, sendo obrigatória para menores de um ano, como dispõe a Portaria nº 452, de 6/12/1976, do Ministério da Saúde.

A aplicação da vacina é rigorosamente intradérmica, no braço direito, na altura da inserção inferior do músculo deltóide, em caso de primo-vacinação, e 1cm a 2cm acima, na revacinação. Essa localização permite a fácil verificação da existência de cicatriz para efeito de avaliação do programa e limita as reações ganglionares à região axilar. A vacina BCG pode ser simultaneamente aplicada com outras vacinas, mesmo com as de vírus vivos.

Outros aspectos relacionados com a aplicação da vacina BCG, como conservação, material utili zado, técnicas e procedimentos, constam do Manual do Programa Nacional de Imunizações.

Recomenda-se vacinar

• Os recém-nascidos, sempre que possível na maternidade, desde que tenham peso igual ou superior a 2kg e sem interferências clínicas.

Observação: Os recém-nascidos contatos de tuberculosos bacilíferos farão previamente a quimioprofilaxia, conforme exposto no item que trata desse procedimento preventivo.

• Os recém-nascidos, filhos de mães com aids.

• Crianças soropositivas para HIV ou filhos de mães com aids, desde que sejam tuberculino-negativas e que não apresentem os sintomas dessa síndrome. Os vacinados nessas condições deverão ser acompanhados pela vigilância epidemiológica, nas unidades de referência para aids.

• Contatos de doentes com hanseníase. Nesses casos, deve-se seguir as normas estabelecidas pelo Programa de Controle de Hanseníase.

A aplicação de duas doses da vacina BCG a todos os contatos intradomiciliares dos casos de hanseníase independentemente da forma clínica; o intervalo recomendado para a 2ª dose da vacina BCG é a partir de seis meses da 1ª dose (considerada a cicatriz por BCG prévia como 1ª dose, independentemente do tempo de aplicação). Na dúvida, aplicar as duas doses recomendadas; a aplicação da 1ª dose da vacina está condicionada à realização do exame dermatoneurológico; na ocasião do exame dermatoneurológico o contato deve ser bem orientado quanto ao período de incubação, transmissão, sinais e sintomas da hanseníase e retorno ao serviço, se necessário; todo contato deve também receber orientação no sentido de que não se trata de vacina específica para a hanseníase e que prioritariamente está destinada ao grupo de risco, contatos intradomiciliares. Em alguns casos o aparecimento de sinais clínicos de hanseníase, logo após a vacinação, pode estar relacionado com o aumento da resposta imunológica em indivíduo anteriormente infectado.

• Profissionais de Serviços de Saúde e novos profissionais admitidos nesses serviços serão vacinados desde que sejam negativos à tuberculina. Para os profissionais lotados nos serviços de saúde de hansenianos, o procedimento da vacinação obedecerá às normas mencionadas no item anterior.

Observação: Sempre que houver indicação de vacinação BCG em adultos, recomenda-se o aconselhamento para a realização do teste de detecção do HIV.

4.3. Revacinação BCG

Pesquisas diversas sobre a revacinação apuraram resultados controversos. Na maioria desses estudos, não se tem avaliado devidamente o fato de não ter sido feita a prova tuberculínica, o que levou a incluir entre os revacinados contingentes variáveis de indivíduos infectados com o M. tuberculosis ou com micobactérias não-tuberculosas.

Os resultados favoráveis de outros estudos indicam que a não adoção da revacinação excluiria do benefício dessa profilaxia os adolescentes e jovens adultos, mais suscetíveis de desenvolver tuberculose ativa.

A recomendação da revacinação BCG tem como base os resultados favoráveis já disponíveis na literatura, reforçados por argumentos como:

• A epidemia da tuberculose agravou-se, aumentando a força da doença.

• Considerando que a proteção do BCG se esvai num prazo médio de dez anos, impõe-se reativar o sistema imunológico da população exposta, a exemplo do que ocorre nos modelos experimentais da tuberculose.

• Criar nova oportunidade de imunização para aqueles que, por problemas técnicos da aplicação da vacina em recém-nascidos, ou por falhas de conservação, receberam número insuficiente de unidades bacilares viáveis.

• Assegurar a persistência do BCG nos vacinados, condição indispensável para manter a proteção por maior prazo.

• Oferecer maior proteção às crianças com mais de cinco anos de idade, em que as formas primárias da tuberculose, com destaque para a meningoencefalite, incidem significativamente; 50% dos casos de meningoencefalite ocorrem acima dos cinco anos. Abaixo dessa idade, houve redução significativa da incidência, como resultado do programa de vacinação de recém-nascidos.

• A epidemia do HIV é outro fator agravante da epidemia tuberculosa.

• A revacinação assegura a proteção da população até a entrada na idade adulta, por ser a mais atingida, em face das realidades da epidemiologia da tuberculose em nosso país.

4.4. Recomenda-se revacinar

A idade mais adequada para a revacinação BCG é variável, devido à inexistência de teste de imunidade aplicável na rotina dos serviços de saúde. Entretanto, a seleção da faixa etária deve considerar o prolongamento da imunidade pelo menos até o início da puberdade. Recomenda-se revacinar entre 6 e 14 anos de idade, atendendo às condições epidemiológicas e às possibilidades operacionais de cada região.

• Revacinar na idade escolar (6 a 14 anos), preferencialmente aos dez anos de idade. Por razões operacionais pode ser aplicado por volta dos seis anos de idade na admissão escolar.

• Revacinar independentemente de haver ou não cicatriz vacinal.

Nota: o PNI não recomenda a revacinação na população indígena.

4.5. Contra-indicações da vacinação BCG

Relativas

• Recém-nascidos com peso inferior a dois quilos.

• Afecções dermatológicas no local da vacinação ou generalizada.

• Uso de imunodepressores.

Observação: Nesses casos, a vacinação será adiada até a resolução das situações apontadas.

Absolutas

• HIV positivos adultos (independentemente dos sintomas) e crianças sintomáticas.

• Imunodeficiência congênita.

4.6. Evolução da lesão vacinal, eventos adversos e conduta

A vacina BCG não provoca reações gerais, tais como febre ou mal-estar. Normalmente, nos menores de um ano, grupo prioritário, a reação local da vacina é de evolução lenta e benigna, variando de indivíduo para indivíduo. Desde que a injeção intradérmica seja corretamente aplicada, a lesão vacinal evolui da seguinte forma:

• em torno da segunda semana, palpa-se uma zona endurecida cujas dimensões variam de 3mm a 9mm;

• da quinta à sexta semana, o centro dessa lesão amolece, formando uma crosta;

• quando essa crosta cai, deixa em seu local uma úlcera de cerca de 2mm a 6mm de diâmetro, que desaparece lentamente, entre a oitava e a décima-terceira semanas, deixando como resultado uma cicatriz plana, com diâmetro de 3mm a 7mm. Em alguns casos, essa cicatrização é mais demorada, podendo prolongar-se até o quarto mês e, raramente, além do sexto mês.

Não se deve, no entanto, colocar qualquer medicamento nem cobrir a úlcera resultante da lesão de evolução normal; apenas mantê-la limpa, usando água e sabão.

O enfartamento ganglionar axilar, não supurado, pode ocorrer durante a evolução normal da lesão vacinal, desaparecendo espontaneamente, sem necessidade de tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico (drenagem).

As complicações da vacina BCG, aplicada por via intradérmica, são pouco freqüentes. A maior parte resulta de técnica imperfeita, como aplicação profunda (subcutânea), inoculação de dose excessiva ou contaminação. As complicações mais comuns são abscessos no local da aplicação, úlcera de tamanho exagerado e gânglios flutuantes e fistulados. Em caso de eventos adversos para notificação, devem-se observar as orientações contidas nos quadros 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4 do manual de Vigilância Epidemiológica dos Eventos Adversos Pós-vacinação, das páginas 13 a 16.

O tratamento dessas complicações é feito com a administração de isoniazida, na dosagem de 10mg/kg de peso (até, no máximo, 300mg), diariamente, até a regressão da lesão, o que ocorre, em geral, em torno de 45 dias. Os abscessos frios e os gânglios enfartados podem ser puncionados quando flutuantes, mas não devem ser incisados. Na prática de Saúde Pública, têm sido raras as complicações decorrentes da aplicação de BCG. Quando se notar, na rotina dos serviços de saúde, um aumento considerável do número de casos, convém rever o treinamento dos vacinadores.

A cicatriz quelóide pode ocorrer em indivíduos com propensão genética, independentemente da técnica de aplicação. Seu aparecimento é mais freqüente em pessoas já infectadas ou naquelas revacinadas.

Outras complicações, como lupus vulgaris e osteomielite são raras, não havendo registro de ocorrência no Brasil. Lesões generalizadas são ainda mais raras e, em geral, associadas à deficiência imunológica.

4.7. Quimioprofilaxia da tuberculose

Está universalmente comprovado o efeito protetor da quimioprofilaxia com isoniazida contra a tuberculose-ativa, por reduzir entre 40% a 80% o risco de os indivíduos infectados com o M. tuberculosis e tuberculino-positivos desenvolverem tuberculose-doença. Com essa finalidade, a isoniazida não oferece perigo de desencadear resistência do M. tuberculosis, porque o número deste nas lesões residuais é pequeno, havendo pouquíssima chance de selecionar germes mutantes naturalmente resistentes a essa droga.

A isoniazida é a droga de eleição para a quimioprofilaxia porque, após três horas de sua administração, a concentração inibitória mínima no sangue, para os bacilos tuberculosos, é de 50 a 90 vezes maior que a necessária para matá-los. Além disso, ela tem forte poder bactericida associado à ação esterilizante. É a droga com menos efeitos colaterais indesejáveis e a de menor custo. Entretanto, sua aplicação em massa é inexeqüível e insuficiente em termos de saúde pública, graças ao elevado número de infectados pelo M. tuberculosis, que atinge mais de um terço da população mundial, sendo, no Brasil, em torno de 57 milhões. Outro motivo alegado para a não universalização da quimioprofilaxia é a hepatotoxicidade da isoniazida, que aumenta com a idade.

Na atualidade, há consenso de que a quimioprofilaxia deve ser dirigida aos grupos de alto risco de tuberculose, entre estes, especialmente, os co-infectados pelo HIV e pelo M. tuberculosis.

A quimioprofilaxia com outras drogas como a rifampicina, inclusive associada a outros quimioterápicos, não se revela superior à isoniazida em termos de eficácia. O uso da rifampicina não apresenta vantagem comprovada para a adesão ao tratamento.

A quimioprofilaxia deve ser aplicada em pessoas infectadas pelo M. tuberculosis, com a administração da isoniazida na dosagem de 10mg/kg de peso, com total máximo de 300mg diariamente, durante seis meses.

Indicações da quimioprofilaxia

a) Recém-nascidos coabitantes de foco tuberculoso ativo. A isoniazida é administrada por três meses e, após esse período, faz-se a prova tuberculínica. Se a criança for reatora, a quimioprofilaxia deve ser mantida por mais três meses; senão, interrompe-se o uso da isoniazida e vacina-se com BCG.

b) Crianças menores de 15 anos, sem sinais compatíveis com tuberculose ativa, contato de tuberculosos bacilíferos, não vacinadas com BCG e reatores à tuberculina de 10 e mais mm; crianças vacinadas com BCG, mas com resposta à tuberculina igual ou superior a 15mm.

Observação: Na eventualidade de contágio recente, a sensibilidade à tuberculina pode não estar exteriorizada, sendo negativa a resposta à tuberculina. Deve-se, portanto, nesse caso, repetir a prova tuberculínica entre 40 e 60 dias. Se a resposta for positiva, indica-se a quimioprofilaxia; se negativa, vacina-se com BCG.

c) Indivíduos com viragem tuberculínica recente (até 12 meses), isto é, que tiveram um aumento na resposta tuberculínica de, no mínimo, 10mm.

d) População indígena. Neste grupo, a quimioprofilaxia está indicada em todo o contato de tuberculoso bacilífero, reator forte ao PPD, independentemente da idade e do estado vacinal, após avaliação clínica e afastada a possibilidade de tuberculose-doença, por baciloscopia e pelo exame radiológico.

e) Imunodeprimidos por uso de drogas ou por doenças imunodepressoras e contatos intradomiciliares de tuberculosos, sob criteriosa decisão médica.

f) Reatores fortes à tuberculina, sem sinais de tuberculose ativa, mas com condições clínicas associadas a alto risco de desenvolvê-la, como:

• Alcoolismo.

• Diabetes mellitus insulinodependente.

• Silicose.

• Nefropatias graves.

• Sarcoidose.

• Linfomas.

• Pacientes com uso prolongado de corticosteróides em dose de imunodepressão.

• Pacientes submetidos à quimioterapia antineoplásica.

• Pacientes submetidos a tratamento com imunodepressores.

• Portadores de imagens radiográficas compatíveis com tuberculose inativa sem história de quimioterapia prévia.

g) Co-infectados HIV e M. tuberculosis. Este grupo deve ser submetido à prova tuberculínica, sendo de 5mm em vez de 10mm o limite da reação ao PPD para considerar-se uma pessoa infectada pelo M. tuberculosis.

A quimioprofilaxia será aplicada segundo as indicações do quadro a seguir:


(1) O teste tuberculínico (PPD) deve ser sempre realizado na avaliação inicial do paciente HIV+, independentemente do seu estado clínico ou laboratorial (contagem de células CD4+ e carga viral), devendo ser repetido anualmente nos indivíduos não reatores. Nos pacientes não reatores e em uso de terapia anti-retroviral, recomenda-se fazer o teste a cada seis meses no primeiro ano de tratamento, devido à possibilidade de restauração da resposta tuberculínica.

(2) A quimioprofilaxia com isoniazida (INH) reduz o risco de adoecimento a partir da reativação endógena do bacilo, mas não protege contra exposição exógena após a sua suspensão. Portanto, em situações de possível re-exposição ao bacilo da tuberculose, o paciente deverá ser reavaliado quanto à necessidade de prolongamento da quimioprofilaxia (caso esteja em uso de INH) ou de instauração de nova quimioprofilaxia (caso esta já tenha sido suspensa).

(3) Em pacientes com imunodeficiência moderada/grave e reação ao PPD > 10mm, sugere-se investigar cuidadosamente a tuberculose ativa (pulmonar ou extrapulmonar) antes de se iniciar a quimioprofilaxia.

(4) Indivíduos HIV+ contatos de pacientes bacilíferos com tuberculose INH-resistente documentada e que não estão em uso de IP ou ITTRN incompatíveis com uso de RMP, poderão fazer uso de quimioprofilaxia com esquema alternativo de rifampicina (600mg/dia) + pirazinamida (2g/dia) por dois meses, preferencialmente sob a supervisão de um especialista.

Observações: a) Não se recomenda a utilização da quimioprofilaxia nos HIV positivos e negativos à tuberculina, com ou sem evidências de imunodeficiência avançada. Deve-se repetir a prova tuberculínica entre 40 e 60 dias; mantendo-se negativa, repetir a cada seis meses.

b) Em pacientes com RX normal, devem-se investigar outras patologias ligadas à infecção pelo HIV, antes de se iniciar a quimioprofilaxia, devido à concomitância de agentes oportunistas/manifestações atípicas de tuberculose mais freqüentes nessas coortes.

c) Nos indivíduos HIV positivos e tuberculino-positivos com RX normal, sem sinais e sem sintomas de tuberculose, devem-se destacar os contatos institucionais (casas de apoio, presídios, abrigos, asilos, etc.).

d) Recomenda-se suspender imediatamente a quimioprofilaxia, no surgimento de qualquer sinal de tuberculose ativa, monitorá-la nos casos de hepatotoxicidade e administrá-la com cautela nos alcoólicos.

5. BIOSSEGURANÇA

5.1. Medidas de controle ocupacional e controle respiratório

Atualmente, a OMS propõe que, mesmo em países em desenvolvimento, medidas de controle da transmissão da tuberculose sejam adotadas em unidades de saúde, cujo ambiente proporcione elevado risco de infecção pelo bacilo da tuberculose de paciente para paciente ou de paciente para profissionais de saúde.

Inicialmente, torna-se prioritário criar, em esfera estadual e/ou municipal, uma comissão de controle da infecção tuberculosa, a fim de auxiliar na implantação das medidas de biossegurança na dependência do grau de complexidade da unidade de saúde. Esta comissão deve ser constituída por dois ou mais profissionais de saúde, preferencialmente enfermeiro e médico (pneumologista ou infectologista), com experiência em tuberculose, na área de saúde pública e saúde do coletivo restrito, e em medidas de engenharia.

Medidas de controle

Quaisquer medidas que visem ao combate da transmissão da tuberculose devem levar em conta toda a unidade de saúde. As medidas de controle de transmissão dividem-se em três grupos:

a) Administrativas.

b) Ambientais (ou de engenharia).

c) De proteção respiratória.

Unidades de saúde do tipo 1 e tipo 2 (baixo e médio grau de complexidade)

Inicialmente, com auxílio da Comissão Estadual/Municipal de Controle da Infecção da Tuberculose, deve ser elaborado um plano com a definição de metas a serem atingidas na referida unidade num prazo de 12 meses. Este plano consiste em:

a) Treinar os profissionais de saúde.

b) Proceder à identificação precoce do sintomático respiratório na triagem.

c) Agilizar o diagnóstico bacteriológico.

d) Educar o paciente e seus familiares, se possível quanto à necessidade de aderir ao tratamento medicamentoso.

e) Identificar local específico, arejado e com luz solar para os pacientes coletarem o escarro (de preferência fora da unidade de saúde) e, quando disponível, identificar ambiente apropriado para a realização de escarro induzido (na unidade de saúde tipo 2 e 3).

Para o atendimento ambulatorial de pacientes com TB pulmonar, confirmada ou sob suspeita, sugere-se que:

• Os profissionais de saúde orientem os sintomáticos respiratórios sobre a necessidade do uso de máscaras cirúrgicas (máscaras comuns) ao entrarem na unidade de saúde e durante o tempo em que nela permanecerem.

• Os profissionais de saúde que estejam na mesma sala de tais pacientes devem usar máscaras especiais (respiradores N95), desde que não haja ventilação adequada no local.

• Na medida do possível, seja evitado o acúmulo de pacientes nas salas de espera. Isto pode ser obtido pelo escalonamento das consultas ao longo do turno, ou mesmo pela consulta com hora marcada. Deve-se evitar a marcação de atendimento em salas contíguas de pacientes sob suspeita de tuberculose com outros pacientes portadores de imunossupressão ou mesmo crianças com menos de cinco anos de idade. Caso esta conduta seja impossível, deve-se propor ao paciente imunodeprimido o uso de máscara especial enquanto estiver no recinto.

Unidades de saúde do tipo 3 (elevado grau de complexidade)

Nestas Unidades, com atendimento anual elevado de pacientes com tuberculose pulmonar, devem-se adotar, se possível, todas as medidas de controle de infecção pelo M. tuberculosis delineadas anteriormente. A unidade de saúde deve constituir uma comissão para coordenar as atividades multiprofissionais de controle da TB, seja na área assistencial, ou na de biossegurança.

Além das atividades citadas para as unidades tipo 1 e 2, outras medidas devem ser implantadas quando o paciente é atendido num hospital-dia ou é admitido nas enfermarias ou quartos.

• No setor de atividades de hospital-dia, os pacientes com tosse há mais de quatro semanas devem permanecer no local usando máscara comum o tempo todo; quando as medidas de engenharia não estiverem funcionando no recinto em que o paciente se encontra, este deve ser orientado a usar máscara especial (N95).

• Devem ser definidas regras de isolamento para pacientes com TB internados, como tempo mínimo de permanência e condições de alta do isolamento.

• Os locais de isolamento devem ser implementados no intuito de se obter pressão negativa no ambiente, em número suficiente para atender à demanda da unidade e deve ser evitada a internação conjunta.

5.2. Recomendações para a manipulação de secreção respiratória (escarro espontâneo ou não) no laboratório de microbiologia ou em outro setor

1. Nas unidades tipo 1, será realizada apenas a baciloscopia do escarro. Portanto, seguindo a recomendação da OMS e da UICTER, não é necessária a manipulação dos materiais clínicos em cabines (fluxos laminares), pois o risco de transmissão do M. tuberculosis é baixo.

2. Nas unidades tipo 2, onde serão realizadas a baciloscopia e a cultura para micobactéria, o escarro e os demais materiais biológicos devem ser manipulados em cabines de segurança biológica, de padrão mínimo Classe II.

3. Os profissionais do laboratório ou aqueles que, em ambientes fechados, realizam procedimentos que promovam a formação de partículas infectantes (escarro induzido, nebulização em pentamidina) devem usar máscaras especiais (respiradores N95) por ocasião da manipulação dos materiais e/ou realização de exames.

O acesso ao laboratório e aos locais onde se realizam tais procedimentos deve ser restrito aos funcionários responsáveis.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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