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Diretrizes para Cessação do Tabagismo

Diretrizes para Cessação do Tabagismo

Autores e colaboradores

Coordenador

CARLOS ALBERTO DE ASSIS VIEGAS

Autores

1.ALBERTO JOSÉ DE ARAÚJO

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / Universidade Federal do Rio de Janeiro

2.ANA MARIA B. MENEZES

Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Pelotas

3.ANTÔNIO JOSÉ PESSOA SILVA DÓREA

Faculdade de Medicina / Universidade Federal da Bahia

4.BLANCARD SANTOS TORRES

Faculdade de Medicina / Universidade Federal de Pernambuco

5.CARLOS ALBERTO DE ASSIS VIEGAS

Faculdade de Medicina/Universidade de Brasília

6.CELSO ANTÔNIO RODRIGUES DA SILVA

Coordenador do Controle do Tabagismo/Secretaria de Estado de Saúde/DF

7.CIRO KIRCHENCHTEJN

Faculdade de Medicina / Universidade Federal de São Paulo

8.CLÁUDIA S ORFALIAIS

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / Universidade Federal do Rio de Janeiro

9.CLÉMAX COUTO SANT'ANNA

Faculdade de Medicina / Universidade Federal do Rio de Janeiro

10.CLÓVIS BOTELHO

Faculdade de Ciências Médicas / Universidade Federal do Mato Grosso

11.CRISTINA MARIA CANTARINO GONÇALVES

Instituto Nacional do Câncer / Ministério da Saúde

12.FÁBIO MARASCHIN HAGGSTRÄM

Hospital Universitário Faculdade de Medicina/PUC/RS

13.IRMA DE GODOY

Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP

14.JONATAS REICHERT

Pneumologista da Equipe Coordenadora do Programa Estadual de

Controle de Tabagismo – Secretaria de Estado de Saúde do Paraná

15.JOSÉ MIGUEL CHATKIN

Faculdade de Medicina/Universidade Católica do Rio Grande do Sul

16.LETÍCIA TEIXEIRA VITALE AYOUB

Faculdade de Odontologia/UNIVAG - MT

17.LUIZ FERNANDO FERREIRA PEREIRA

Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Minas Gerais

18.LUIS SUÁREZ HALTY

Faculdade de Medicina/Universidade Federal do Rio Grande/RS

19.MARIA DA PENHA UCHOA SALES

Coordenadora do Ambulatório de Apoio ao Tabagista, Hospital de Messejana/CE

20.MARIA VERA CRUZ DE OLIVEIRA

Pneumologista do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

21.PATRÍCIA LEÃO CASTILLO

Mestranda em Saúde Coletiva / UFMT

22.RICARDO HENRIQUE SAMPAIO MEIRELLES

Instituto Nacional do Câncer / Ministério da Saúde

CAPÍTULO 1

Epidemiologia do tabagismo

Ana M.B. Menezes

Panorama mundial

O tabagismo é um dos mais importantes problemas de saúde pública característico apenas da espécie humana. Apesar dos 40 anos passados desde o primeiro documento governamental (Surgeon General Report)(1) sobre os prejuízos do fumo à saúde, o mesmo persiste como uma das principais causas preveníveis de morte no mundo.

A Organização Mundial de Saúde afirma que o tabagismo deve ser considerado uma pandemia, já que, atualmente, morrem, no mundo, cinco milhões de pessoas, por ano, em conseqüência das doenças provocadas pelo tabaco, o que corresponde a aproximadamente seis mortes a cada segundo. Do total de mortes ocorridas, quatro milhões são no sexo masculino e um milhão no sexo feminino. No ano de 2025, ocorrerão 10 milhões de mortes decorrentes do uso do tabaco, se não houver mudança nas prevalências atuais de tabagismo.(2)

O cigarro mata mais que a soma de outras causas evitáveis de morte como a cocaína, heroína, álcool, incêndios, suicídios e AIDS, nos países desenvolvidos. Não se pode esquecer que 2/3 da população está em países pobres e, nesses, a fome e a desnutrição são a principal causa de morte também evitável.

Prevalência geral em adultos

O panorama mundial revela alta freqüência de dependência do tabagismo em ambos os sexos, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Atualmente, existem cerca de 1,3 bilhão de pessoas fumantes no mundo, sendo um bilhão aproximadamente do sexo masculino e o restante, em muito menor proporção, do sexo feminino. Dos homens fumantes, 35% estão em países desenvolvidos e 50% em países em desenvolvimento; em relação às mulheres fumantes, 22% estão em países desenvolvidos e 9% em países em desenvolvimento. Há previsão de que, nos próximos 20 anos, o maior percentual de fumantes esteja localizado nos países em desenvolvimento.(3) China e India serão alguns dos países responsáveis por essa mudança de perfil; somente na China, hoje, há 300 milhões de homens fumantes, o que equivale à população total dos EUA.

Quanto às tendências das prevalências mundiais de tabagismo, observa-se, nos homens, uma lenta redução da prevalência de tabagismo, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Tal redução tem sido maior nos homens de classes sociais mais favorecidas. A tendência da prevalência nas mulheres é diferente daquela observada no sexo masculino. Com exceção de alguns países desenvolvidos como Austrália, Canadá, EUA e Reino Unido, onde já se evidencia redução do tabagismo no sexo feminino, nos demais, encontra-se, na sua maioria, tendência de aumento do tabagismo entre as mulheres.(4)

Prevalência entre jovens

A Organização Mundial de Saúde em conjunto com o Centro de Controle de Doenças (CDC) tiveram a iniciativa de promover uma pesquisa mundial (Global Youth Tobacco Survey – GYTS),(5) tendo como objetivo acompanhar as prevalências de tabagismo entre os jovens e monitorizar as tendências do mesmo. Dados coletados de 1999 a 2002 em jovens escolares da faixa etária de 13-15 anos, de vários países, revelaram prevalências de fumo de 15% entre os jovens do sexo masculino e 6,6% entre os do sexo feminino. A definição de tabagismo utilizada nessa pesquisa foi "ter fumado durante um ou mais dias nos últimos 30 dias".

Outros achados importantes são os do projeto "European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs (ESPAD)",(6) que vem acompanhando a prevalência de "fumo na vida" em adolescentes de 15-16 anos. Os resultados desse projeto mostraram um aumento da prevalência de fumo nos jovens em 10 dos 23 países que participaram do projeto, do ano de 1995 a 1999.

As evidências apontam para um aumento da freqüência do fumo entre adolescentes em vários países.

Consumo global

O consumo anual de cigarros por adultos no mundo aumentou da década de 1970 para 1980, estabilizando na década de 90 (Figura 1). Os países desenvolvidos, depois de um aumento de consumo de 1970 para 1980, mostraram alguma redução na última década. Chama atenção que os países menos desenvolvidos são aqueles que vêm sofrendo o maior aumento da década de 70 até a atual (o consumo de 800 cigarros anuais por adulto passou para 1.450).(3)


Panorama nacional

No Brasil, um terço da população adulta fuma, sendo 16,7 milhões de homens e 11,2 milhões de mulheres. Segundo as estatísticas do INCA, estimam-se 200 mil óbitos anuais relacionados ao fumo no Brasil.(7)

Prevalência geral

As duas principais pesquisas realizadas no país apontam prevalências de fumo de 32% e 20%, em 1989(8) e 2001(9), respectivamente. A primeira dessas – a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) - estudou pessoas da faixa etária acima de 15 anos; já a segunda avaliou pessoas da faixa etária de 12 a 65 anos, distribuídas em 107 cidades escolhidas aleatoriamente, tendo como critério de inclusão um tamanho de população superior a 200 mil habitantes, totalizando uma amostra de 8.589 pessoas (CEBRID). Em estudo realizado recentemente na área metropolitana da Grande São Paulo, com amostra de base populacional probabilística, em pessoas de 40 anos ou mais, encontrou-se prevalência de fumantes de 24% (resultados ainda não publicados).

Apesar de a prevalência de fumo nos homens ainda ser maior do que a das mulheres, em todas as faixas etárias, o número de mulheres fumantes vem aumentando consideravelmente. Assim como nos países desenvolvidos, a tendência da prevalência de fumo entre os homens vem mostrando algum decréscimo, o que não está ocorrendo com as mulheres.(10)

Prevalência em jovens

A comparação entre os resultados da pesquisa PNSN (1989)(8) com estudo de base populacional realizado em uma cidade ao sul do Brasil (2000),(11) ambos em jovens de 10 a 19 anos, revelou prevalências de 8,9% e 12,1%, respectivamente. Nesse estudo de 2000, através da análise da curva de sobrevivência, foi demonstrado que um terço destes jovens estaria fumando aos 18 anos. Outros resultados desse estudo, de acordo com os achados da literatura, foram a idade precoce do início do tabagismo e a ausência de diferença nas prevalências de fumo quanto aos sexos (12,2% nos adolescentes masculinos e 12,1% nas meninas); 55% dos adolescentes começaram a fumar entre 13 e 15 anos e 2,5% desses iniciaram a fumar na faixa etária dos sete aos 12 anos. Dos adolescentes e jovens que se iniciam no tabagismo, 90% tornam-se nicotino-dependentes ao atingir os 19 anos. O estudo de Malcon(11) mostrou que os principais fatores de risco para tabagismo na adolescência, em uma análise multivariada, foram: maior idade (OR de 28,7; IC95% 11,5-71,4), presença de irmãos mais velhos fumantes (OR de 2,4; IC95% 1,5-3,8), maior número de amigos fumantes (OR de 17,5; IC95% 8,8-34,8) e baixa escolaridade (OR de 3,5; IC95% 1,5-8,0). O fato de o adolescente ter mãe fumante mostrou um risco no limiar da significância; alguns autores têm demonstrado que o fumo dos pais ou da mãe pode ser um fator de risco para tabagismo na adolescência, mas nem todos os estudos têm encontrado essa associação. Cabe ressaltar que não houve diferenças significativas quanto ao sexo, ou seja, adolescentes do sexo feminino estão fumando tanto quanto os do sexo masculino.

A prevalência e a tendência temporal do tabagismo também tem sido avaliada entre os estudantes de Medicina, já que esse grupo revela, de certa forma, conhecimentos, atitudes e comportamentos que serão repassados futuramente à população. Espera-se que, nesse grupo especial de estudantes, a prevalência de tabagismo seja inferior ao restante da população da mesma idade; um resultado não condizente com o esperado deverá nortear mudanças de ensino ou de currículo nas Faculdades de Medicina.

Um dos estudos, no Brasil, que tem monitorado a tendência temporal do tabagismo é aquele realizado na Universidade Federal de Pelotas(12). Conforme pode ser observado na Figura 2, houve redução significativa da prevalência de fumo encontrada em 1986 comparada com a de 2002 (21,6% contra 10,1%, respectivamente). Entretanto, os dados dos últimos acompanhamentos revelam uma tendência à estabilização dessa prevalência.


Inquérito sobre a prevalência de tabagismo na classe médica brasileira realizado em 1996(13) detectou 6,4% de fumantes regulares e 34,3% de ex-fumantes, sem diferenças entre os sexos. A amostra obtida foi de respostas espontâneas de 11.909 médicos (23,1% da população-alvo); portanto, é possível que a prevalência esteja subestimada. Talvez os médicos fumantes sejam aqueles que não tenham respondido ao questionário. Vale notar, entretanto, que as especialidades mais ligadas a programas de controle de tabagismo, como pneumologia e cancerologia, apresentaram prevalências de tabagismo menores do que as demais (2,2% e 3,7%, respectivamente).

Consumo nacional

Em 1989 foram consumidos 162,3 bilhões de cigarros, tendo havido uma redução para cerca de 100 bilhões, por ano, nos últimos anos, apesar do crescimento populacional. Esses são dados oficiais em que o consumo é calculado pela dedução da produção (se for considerado o quanto pode representar o contrabando de cigarros, é possível que esses números não correspondam à realidade). À semelhança de outros países, também no Brasil o índice de consumo de cigarros está inversamente associado ao preço real médio dos cigarros.(14)

Produção e exportação nacional

Dentre os países exportadores e produtores de tabaco, o Brasil destaca-se em primeiro e quarto lugar, respectivamente, sendo responsável por 16% da exportação global de fumo e 6% da produção global (Figura 3). O conhecimento do volume de contrabando é muito pobre e incontrolável; estima-se que esta fonte de cigarros possa chegar a 30% do total registrado.(15)


Comentários

O mais recente relatório sobre fumo e saúde – 28th Surgeon General Report – publicado em 27 de maio de 2004,(16) enfatiza não apenas os malefícios do fumo já conhecidos, como aponta os danos causados pelo fumo em, praticamente, cada órgão do corpo humano. Alguns dos novos achados desse relatório podem ser assim sumarizados:

- O fumo pode causar câncer em locais do organismo ainda não bem estabelecidos na literatura previamente existente, tais como: rim, cérvice uterino e medula óssea;

- O fumo interfere na saúde geral do indivíduo. Efeitos adversos do fumo iniciam antes do nascimento e continuam ao longo da vida. O fumo causa catarata e contribui para o desenvolvimento da osteoporose, aumentando assim o risco de fratura no idoso;

- No período de 1995-1999, o fumo causou 440.000 mortes prematuras nos EUA, anualmente, levando a 13,2 anos potenciais de vida perdidos nos homens fumantes e a 14,5 anos perdidos nas mulheres fumantes;

- Mudanças nos cigarros visando reduzir o conteúdo de nicotina não mostram benefícios aparentes para a saúde pública.

Referências bibliográficas

1. Disponível em: http://www.surgeongeneral.gov/library/reports.htm. 1964 Smoking and Health: Report of the Advisory Committee of the Surgeon General of the Public Health Service Source: Information Resources Press.

2. Disponível em: http://www.who.int/tobacco/en/tobacco free initiative.

3. The World Bank and World Health Organization. In Prabhat JHA, Chaloupka FJ: Tobacco Control in Developing Countries. Oxford: Oxford University Press, 2000.

4. Disponível em: http://www.who.int/tobacco/statistics/tobacco_atlas/en/.

5. Disponível em: http://www.cdc.gov/tobacco/global/GYTS.htm.

6. Swedish Council for Information on Alcohol and Other Drugs (2000). The 1999 ESPAD Report. Vol. 2003: The Swedish Council for Information on Alcohol and Other Drugs.

7. Disponível em: http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=dadosnum&link=Brasil.htm.

8. PNSN. Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), Ministério da Saúde, editors. PNSN: some statistics about smoking habit in Brazil. Brasília; 1989.

9. I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: Estudo Envolvendo as 107 Maiores Cidades do País, 2001. E.A. Carlini; José Carlos F.Galduróz; Ana Regina Noto; Solange A.Nappo. São Paulo: CEBRID, UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, 2002.

10. Costa e Silva VL da, Koifman S. Smoking in Latin América: a major public health problem. Cadernos de Saúde Pública 1998;14:99-108.

11. Malcon M, Menezes AMB, Chatkin M. Prevalência e fatores de risco para tabagismo em adolescentes. Rev Saúde Pública 2003;37:1-7.

12. Menezes AMG, Hallal PC, Silva F, Souza M, Paiva L, D'Ávila A, Weber B, Vaz Viviane, Marques F, Horta BL. Tabagismo em estudantes de Medicina: tendências temporais e fatores associados. Jornal Brasileiro de Pneumologia 2004; 30:223-8.

13. Mirra AP, Rosemberg J. Inquérito sobre prevalência do tabagismo na classe médica brasileira. Rev Assoc Med Bras 1997;43:209-16.

14. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). CONTAPP (Eds). Falando sobre o tabagismo. 3ª Ed. Rio de Janeiro: INCA, 1998.

15. Achutti A, Menezes AMB. Epidemiologia do Tabagismo. Guia Nacional de Prevenção e Tratamento do Tabagismo – Aloyzio Achutti – Vitrô Comunicação & Editora, 2001:9-24.

16. Disponível em: http://www.surgeongeneral.gov/library/smokingconsequences/

CAPÍTULO 2

Composição química da fumaça do cigarro

Celso Antônio Rodrigues da Silva

Introdução

O tabaco é uma erva que o ser humano tem utilizado por processo inalatório há mais de 300 anos. A planta ganhou o nome de Nicotiana após Jean Nicot, um embaixador francês em Portugal, que em 1560 exaltou em público a virtude do tabaco como agente curativo. A espécie Nicotiana tabacum é hoje a principal fonte do tabaco fumado e a única espécie cultivada no Estados Unidos.

Química do tabaco(1)

A folha do tabaco contém complexa mistura de componentes químicos: hidrocarbonetos, fenóis, ácidos graxos, isopropenos, ésteres e minerais inorgânicos.

A fumaça do cigarro é uma mistura heterogênea de gases, vapores e partículas líquidas. Quando inalada, a fumaça é um aerossol concentrado com milhões ou bilhões de partículas por centímetro cúbico. O tamanho médio das partículas é de aproximadamente 0,5 micron. Para fins de estudos da composição química e propriedades biológicas, a fumaça é separada em fase particulada e fase gasosa. A análise da composição química é realizada em máquinas de fumar, nas quais grande número de cigarros são aspirados simultaneamente de forma que simule hábitos de fumantes; um condensado marrom-amarelado conhecido como alcatrão do tabaco é coletado e resfriado à temperatura do gelo seco (70ºC) ou nitrogênio líquido (-196ºC). Nessa forma o alcatrão contém toda a fase particulada da fumaça, assim como os componentes condensáveis da fase gasosa. A quantidade de alcatrão da fumaça de um cigarro é de entre 3 e 40mg, variando essa quantidade de acordo com as condições de queima e de condensação, tamanho do cigarro, uso ou não de filtro, porosidade do papel, conteúdo do cigarro, peso e tipo do tabaco.

Um fator importante para determinar a composição da fumaça do cigarro é a temperatura na zona de queima. Quando o ar é sugado para dentro do cigarro a temperatura da zona de queima alcança aproximadamente 884ºC; quando não está sendo sugado, essa temperatura alcança 835ºC. A fumaça gerada durante a aspiração é chamada corrente principal de fumaça. Nas temperaturas citadas ocorrem reações pirolíticas extensivas. Alguns dos muitos componentes do tabaco são estáveis o suficiente para sofrer destilação e não se modificar, porém muitos outros sofrem várias reações envolvendo oxidação, desidrogenação, quebra, rearranjo e condensação. O grande número e variedade de componentes, na fumaça do alcatrão do cigarro, é oriundo da composição do alcatrão formado na carbonização da brasa, os quais, em alguns casos, podem acontecer em temperaturas menores que aquelas da queima do cigarro. Não é de surpreender que cerca de 5.000 componentes diferentes foram identificados tanto na fase particulada como na fase gasosa da fumaça.

Em estudo com cigarros regulares (70mm e 1g cada) sem filtro, produz-se de 17 a 40mg de alcatrão por cigarro. Em outra investigação com 174.000 cigarros regulares americanos, foram encontrados 4kg de alcatrão, em média 23mg por cigarro. Ainda em outro estudo, 34.000 cigarros regulares de 70mm foram fumados mecanicamente por um inalador de volume constante, de 35ml cada sopro com dois segundos de duração cada e com um minuto de intervalo para cada cigarro. Foi observado que oito tragadas foram necessárias para fumar cada cigarro, com sobra de 30mm. A fumaça foi condensada em uma série de três vidros refrigerados com ar líquido. O condensado foi lavado dos vidros com éter, água e hexano; foram encontrados 20,9mg de mercúrio por cigarro.

Salientamos que os procedimentos para separação bruta em frações básicas, ácidas, fenólicas e neutras e posterior processamento dessas frações variam de laboratório para laboratório, bem como os critérios para sua identificação.

Componentes inorgânicos(1)

É estimado que a corrente primária da fumaça de um cigarro contenha cerca de 150mg de constituintes metálicos, os quais são principalmente potássio (90%), sódio (5%) e traços de alumínio, arsênico, cálcio e cobre. Arsênico é relatado como estando presente em cerca de 0,3 a 1,4mg da fumaça do cigarro. Os componentes inorgânicos são na sua maioria cloretos, mas metais também podem estar presentes.

Aparentemente também existem traços de berílio, mas não é volatilizado no processo de fumar. Traços de níquel estão presentes e podem ocorrer na corrente primária de fumaça, em pequena extensão, provavelmente como os cloretos. A análise espectrográfica tem mostrado a presença de cromo na fumaça em nível menor que 0,06mg por cigarro. Esse nível parece ser baixo o suficiente para representar risco.

Hidrocarbonetos aromáticos não carcinogênicos(2)

Os hidrocarbonetos aromáticos presentes na fumaça do cigarro tem recebido grande atenção, visto que alguns deles são carcinogênicos. Os hidrocarbonetos não carcinogênicos da fumaça contêm de um a três anéis, incluindo benzenos, tolueno e outros alquilbenzenos, alcapentenos, alcanaftalenos, fluorano, antraceno e fenantreno. Os hidrocarbonetos com carcinogenicidade estabelecida em camundongo contêm todos de quatro a seis anéis condensados. No entanto, não menos que 27 hidrocarbonetos que contêm quatro ou mais anéis, os quais foram testados para carcinogenicidade com resultados negativos, foram isolados da fumaça do cigarro. Como os métodos de separação e identificação das substâncias estão sempre melhorando, é quase certo que hidrocarbonetos adicionais irão ser encontrados na fumaça, porque quase todo o sistema de anéis concebíveis tem sido demonstrado na fumaça.

Hidrocarbonetos carcinogênicos(3)

De 1925 a 1930 Kennaway et al., buscando identificar substâncias ativas nas frações de alto ponto de ebulição do alcatrão mineral destilado, para estabelecer a carcinogenicidade em camundongos, descobriram que dibenzenos antracenos sintéticos provocam câncer de pele quando aplicados na pele daqueles animais. O hidrocarboneto foi reconhecido como um carcinogênico diferente do alcatrão mineral, por seu espectro fluorescente diferente das características do espectro de três bandas do alcatrão. Em 1933 Cook et al. isolaram do alcatrão mineral o constituinte responsável pelas suas características fluorescentes e o identificaram como benzopireno. Hoje sabe-se que o benzopireno é um dos carcinogênicos mais potentes de todos os conhecidos.

Fase gasosa(4)

A fase gasosa representa cerca de 60% do total da fumaça do cigarro. Hobs et al. descobriram que 98,9% da fase gasosa são compostos das seguintes substâncias:

Aproximadamente 1% da fase gasosa não composta pelos sete principais constituintes contém numerosos compostos, não menos de 43, os quais têm sido identificados em traços.

Alcalóides, base nitrogenadas e heterocíclicas(1,5)

Piridina, nicotina, nornicotina e outras bases piridínicas constituem de 8 a 15% da fumaça produzida; nicotina e nornicotina constituem 7 a 8% desse total. Quinolina e três componentes policíclicos heterocíclicos têm também sido identificados na fumaça. Um pentacíclico (xanteno) também foi identificado.

A nicotina é um alcalóide de fórmula molecular C10H14N2, presente na folha do tabaco responsável pelo padrão de dependência causada por ela.

A seguir, em uma tabela, resume-se o total de substâncias encontradas em apenas 15 funções químicas presentes na fumaça do cigarro.

Referências bibliográficas

1. Batista SP. Inhalation studies of toxicity of tobacco smoke. In: Gori G.B., Bock, F.G. (editors). Banbury Report 3—A safe cigarette? Cold Spring Harbor, New York, Cold Spring Harbor Laboratory, 1980, pp. 51-62.

2. Bilimoria MH, Johnson J, Hogg JC, Witschi HP. Pulmonary aryl hydrocarbon hydroxylase: tobacco smoke-exposed guinea pigs. Toxicol Appl Pharmacol 1977;41:433,40.

3. Bock FG. Cocarcinogenic properties of nicotine. In: Gori GB, Bock FG. (Editors). Banbury Report 3—A safe cigarette? Cold Spring Harbor, New York, Cold Spring Harbor Laboratory 1980, pp.129-139.

4. Brunneman KD, Lee HC, Hoffman D. Chemical studies on tobacco smoke. XLVII. On the quantitative analysis of catechols and their reduction. Analytical Letters 1976;9: 939-55.

5. Hutton JJ, Hackney C. Metabolysm of cigarette smoke condensates by human and rat homogenates to form mutagens detectable by salmonella typhimurium TA 1538. Cancer Res 1975;35:2461-8.

CAPÍTULO 3

Dependência da nicotina

Ciro Kirchenchtejn; José Miguel Chatkin

Introdução

O tabagismo é um comportamento complexo que recebe influências de estímulos ambientais, hábitos pessoais, condicionamentos psicossociais e das ações biológicas da nicotina. Esses estímulos podem ser de vários tipos, como os provenientes da publicidade, da facilidade de aquisição da droga pelos baixos preços dos cigarros e aceitação social, exemplo dos pais e de líderes fumantes, tendência pessoal a outras adições, à depressão, além da hereditariedade. Esses fatores constituem o modelo que explica o comportamento aditivo.

Em 1988, o Ministério da Saúde americano declarou que o tabagismo constituia uma forma específica de dependência.(1) Portanto, há menos de 20 anos, a sociedade passou a receber informações oficiais sobre os malefícios do cigarro, que o ato de fumar é por si só uma doença e que leva à dependência. O uso de drogas, entre elas, o de tabaco, passou a ser considerado uma condição clínica prevenível e que a adição é uma situação potencialmente tratável.(2) O entendimento de que a adição por uma droga leva a doença cerebral permite que sejam formuladas estratégias específicas e potencialmente mais eficazes.

Porém, a adição é mais do que uma doença do sistema nervoso central, pois ocorre em função de um contexto ambiental, histórico e fisiológico, que terminam por afetar a interação droga-cerebro. Desse modo, assim como depressão não é somente tristeza ou melancolia, adição não é somente uso excessivo de determinada droga.(2)

Duas linhas de abordagem têm importância no entendimento da drogadição: a da psicologia e a neurobiológica.

O uso do fumo, tendo a nicotina como o principal componente psicoativo do tabaco, leva ao maior percentual de dependência de usuários dentre as drogas de adição, sejam lícitas ou ilícitas.

Estima-se que cerca de 75% dos adolescentes experimentam o tabagismo, mas em torno de 60% dos experimentadores evoluem para o uso diário e dos quais 20 a 30% tornam-se dependentes. Este último grupo de fumantes não consegue abandonar o fumo, ainda que o queiram. Entre eles, um número considerável de pessoas bem informadas, inclusive de profissionais ligados à área da saúde.(3-7)

História natural do tabagismo

Como todas as outras dependências químicas, a nicotina envolve indivíduos que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade: a iniciação é mais comum em divorciados, desempregados, viúvos, mas principalmente em adolescentes.

Os adolescentes e, entre eles, os com maiores dificuldades em ter autocontrole, estariam predispostos a utilizar a nicotina para modular suas emoções. Geralmente apresentam baixa auto-estima, maior impulsividade, dificuldade para se concentrar, maior agressividade ou docilidade excessiva.

O uso inicial irregular, só aos finais de semana, por exemplo, pode não induzir sintomas de abstinência nos dias em que não se consome. Mesmo que ocorram, não seriam tão intensos que modificassem o comportamento do indivíduo, exigindo seu consumo diário. É necessária, nesta fase inicial, uma certa insistência no consumo para que despertem sintomas desagradáveis na falta da nicotina.

Os primeiros cigarros geralmente são desagradáveis, provocando sensação de tontura, tremores, mal-estar e ânsia de vômitos. O indivíduo precisa insistir para criar tolerância sobre estes efeitos e passar a sentir somente os efeitos estimulantes e prazerosos que a nicotina produz no sistema mesolímbico.

Este período de transição, em que apesar de sintomas desagradáveis o iniciante continua a fumar, é crítico para o desenvolvimento da dependência e pode ter várias explicações, como a necessidade de reconhecimento sócio-cultural pelos pares, efeitos psicoativos positivos, intensificação do processo cognitivo, etc.(8)

Mecanismos de iniciação

Os modelos aplicados em outras formas de dependência podem ser extrapolados para explicar o processo que se dá com a nicotina.

1. Modelo do reforço negativo

O fumante aprende, após uso regular e contínuo do tabaco, a controlar a forma de escapar ou evitar sintomas de abstinência. Quanto mais fuma, mais freqüentes e intensas são as ocorrências desagradáveis, o que motivaria o fumante a fumar cada vez mais. Sugere que o stress, depressão e outros estados negativos seriam preexistentes e ocorreriam independentemente do consumo de tabaco, mas que a nicotina produziria um alívio desses sintomas.(8)

2. Modelo de reforço positivo

Este modelo foca nas mudanças funcionais no sistema nervoso central que ocorrem com o uso da droga, dando o substrato para os efeitos de reforço positivo da nicotina. Sabe-se que doses altas de nicotina produzem estímulos de recompensa maiores que doses baixas e que a chegada rápida ao cérebro recompensa mais que a lenta. É determinante para o estabelecimento da dependência o fato de o cigarro oferecer altas concentrações de nicotina rapidamente ao sistema nervoso central.(9)

3. Modelo de autocontrole

Caracteriza a dependência nicotínica como uma escolha do indivíduo pelo seu consumo, em detrimento de outras formas de recompensas. A dependência ocorre pela necessidade de utilizar doses cada vez mais freqüentes e intensas para se obter o efeito reforçador.(10)

4. Modelo de aprendizado social e cognitivo

O dependente passa a ter a crença e a expectativa de que o consumo da droga provocará determinados efeitos ou evitará outros, ainda que não sejam necessariamente reais. A crença de que o cigarro vai relaxar induz a fumar, independentemente do fato de que isso ocorre ou não.

O estabelecimento da dependência pela nicotina pode ser encarado como multifatorial. É dinâmico do ponto de vista temporal e interpessoal. Pode ser compreendido a partir desses modelos que, às vezes, fazem mais sentido em certos indivíduos que em outros. Podem também mudar em um mesmo indivíduo conforme o estágio de vida em que se encontra.(11)

Esses conceitos têm implicações na terapêutica, que também requer um processo de aprendizado longo até que o indivíduo mude os seus conceitos e idéias a respeito do tabaco e que saiba viver com equilíbrio, sem os sintomas de abstinência.

O adolescente, com sua personalidade em formação, tem a experimentação como parte do processo de autoconhecimento, muitas vezes tornando-se um rito de passagem, servindo como forma de desafio da autoridade e de busca de identificação com seus pares e ídolos.

Os fatores ambientais e individuais, como as experiências de vida de cada pessoa, pressão de colegas e exemplo de familiares e ídolos, características da personalidade de rebeldia e busca de desafios, tem papel importante na experimentação do tabagismo e possivelmente também, embora menos expressivo, na manutenção do uso.

De modo inconsciente e intuitivo, o indivíduo vai aprendendo a modular sua emoções com o efeito da nicotina, procurando fumar depois de determinados tipos de estímulos.

A nicotina induz rapidamente um processo de tolerância. Estudos indicam que bastam poucas semanas de uso contínuo para que sejam estabelecidos critérios de dependência.

A consolidação do número de cigarros que um indivíduo necessita por dia demora algum tempo em função de vários fatores, como custo, proibições do consumo em escolas e em casa, pelo desenvolvimento da tolerância e, possivelmente, pelas características individuais, isto é, o seu fenótipo em relação ao tabagismo.

Estágios de mudança

Prochaska e Di Clemente(12) descreveram cinco estágios de mudança comportamental até que um fumante consiga parar de fumar:

1. Fase pré-contemplativa

As pessoas nesta fase, ao serem questionadas, negam a intenção em parar de fumar nos próximos seis meses. Sabem dos malefícios do fumo, mas preservam sua liberdade e independência, não acham que apresentam risco elevado de adquirirem alguma doença, fumam porque querem, ou seja, não se vêem como dependentes, e acham que podem parar de fumar no momento que realmente decidirem.

2. Fase contemplativa

Os fumantes nesta fase, ao serem questionados, respondem que gostariam de estar sem fumar nos próximos seis meses. Contudo, têm enorme dificuldade em tomar alguma atitude nesse sentido. Sentem-se ambivalentes em relação ao cigarro, com sentimentos de perda intensa, medo dos sintomas de abstinência e do fracasso, freqüentemente referindo-se como sem força de vontade.

3. Preparação para a ação

O fumante passa a tomar atitudes para tentar parar de fumar. São indivíduos que já fizeram alguma tentativa em reduzir o número de cigarros, trocaram de marca para uma mais fraca, ficaram horas ou dias sem fumar, procuraram algum tipo de ajuda.

4. Ação

É a fase em que o fumante enfrenta a abstinência. Decide e pára totalmente com o consumo de cigarros. Sua duração costuma ser de duas a quatro semanas.

5. Manutenção

Passado o período de abstinência, ainda durante muito tempo há o risco de recaídas. O indivíduo ainda está em um processo de adaptação comportamental aprendendo a viver sem fumar.

Mesmo não tendo sido uma das fases originalmente descritas, por ser extremamente freqüente, a recaída pode ser considerada mais uma etapa no ciclo de cessação do tabagismo. Diferentemente de um lapso, quando o ex-fumante experimenta um cigarro e se dá conta do risco que correu, na recaída o indivíduo volta a uma fase anterior, que pode até ser a pré-contemplativa. Em geral, 85% voltam à fase contemplativa e somente após três ou quatro tentativas conseguem ficar totalmente abstêmios.

Atualmente, está sendo proposta uma última fase – finalização – quando o processo de mudanças comportamentais já se concretizou, com total desaparecimento do problema. O ex-fumante não tem mais qualquer desejo de fumar, sente-se totalmente confiante em não consumir mais tabaco, não importando qual estímulo ambiental o provoque.

Estas etapas do processo de cessação do tabagismo têm implicações terapêuticas claras.

Por exemplo, não há sentido no oferecimento de medicamentos para indivíduos em fase pré-contemplativa. Nesta fase, são mais importantes as ações educativas, informando sobre os riscos do tabagismo, dos benefícios da cessação e da possibilidade de sucesso sem sofrimento intenso.

Neurobiologia da drogadição tabágica

O cérebro dependente de nicotina tem sua neurobiologia modificada pelo uso contínuo da substância, funcionando de modo diferente de um cérebro não-dependente.

Foi proposto, em 1987, que as drogas de dependência funcionariam aumentando a neurotransmissão nas sinapses dopaminérgicas no sistema mesolímbico, especialmente no nucleus accumbens.(13) Assim, a capacidade de determinar liberação de dopamina (DA) no nucleus accumbens conferiria às drogas de adição propriedades de recompensa, passo inicial do surgimento de adição. Inúmeros estudos mostraram posteriormente que a adição nicotínica enquadra-se bem neste modelo.(14) Mais recentemente, viu-se que os fenômenos envolvidos na adição são mais complexos e envolvem outros neurotransmissores.

A nicotina exerce seus efeitos no cérebro através de receptores colinérgicos (nAChR) amplamente distribuídos no sistema nervoso central, já que apresenta estrutura molecular semelhante à da acetilcolina.(14) A administração continuada de nicotina altera a estrutura do SNC, aumentando a densidade de receptores nicotínicos entre 100 e 300%, modificando a fisiologia do SNC. Isso pode ser comprovado pela detecção de alterações no EEG, no metabolismo cerebral, pela mensuração de diferentes níveis séricos de neurormônios. Esses efeitos, diferentes em fumantes e não fumantes, também são verificados em fumantes antes e após o ato de fumar.(14,15)

A área ventral tegumentar (AVT) tem sido relacionada aos efeitos de recompensa de várias drogas de adição, como cocaína, álcool, opiáceos e nicotina, servindo de centro integrador dos efeitos psicoativos dessas substâncias. Até recentemente, esse efeito da nicotina era até pouco somente ligado à liberação de DA, mas estudos publicados em 2003 mostram que essa resposta aguda pode ser DA-independente.(16)

Os neurônios dopaminérgicos (nDA) e suas conexões com nucleus accumbens e córtex pré-frontal formam a chamada rota dopaminérgica.(17) Um outro grupo de neurônios, gabaérgicos, provê efeito inibitório a essa rota.

Como a maioria das drogas de poder aditivo, a nicotina produz, de modo significativo, também sensações desagradáveis. Produz aversão, é um potente agente ansiogênico e ocasiona efeitos desagradáveis como náuseas, tosse e tontura quando em suas primeiras experiências.(18-20)

Estudos de microinfusão de nicotina no AVT mostraram que a resposta aversiva ocorre em doses baixas, iniciais e os efeitos compensatórios, de recompensa, já na fase de dependência, com doses altas. Assim, uma mesma região do cérebro pode originar respostas aversivas ou de recompensa em função da concentração de nicotina presente e do momento do ciclo de dependência do usuário.(16)

Os sintomas aversivos tendem a desaparecer com o uso continuado da droga. Os mecanismos neurobiológicos dessa tolerância ainda não estão bem esclarecidos. Seu entendimento poderá responder como a exposição à nicotina inicialmente estimula os mecanismos de aversão ou recompensa e como o uso continuado termina por levar à dependência.(18)

A nicotina leva à liberação de inúmeros mediadores, cada um com uma atividade cerebral específica. Entre eles, a dopamina, a serotonina, betaendorfinas, acetilcolina, noradrenalina, vasopressina, glutamato e GABA.

Embora os aspectos hereditários já tenham sido sugeridos há mais de 40 anos, só mais recentemente, com o avanço de técnicas de biologia molecular, é que muitos aspectos começaram a ser desvendados.

Os estudos em gêmeos mostram que existe comportamento concordante em relação ao tabagismo em percentual significativamente maior em monozigóticos do que em dizigóticos. Foi verificado também que filhos adotados apresentam similaridade de comportamento em relação ao fumo com seus pais biológicos. Alguns autores quantificaram essa concordância e compararam a influencia ambiental e individual, concluindo que o componente hereditário pode ser responsável por 60 a 70% da manifestação desse caráter.(21)

A partir da constatação de uma provável contribuição hereditária para adição tabágica, atualmente procuram-se os polimorfismos genéticos que possam ser responsáveis pelos diferentes fenótipos existentes em relação ao tabagismo.(22)

As principais linhas de investigação estão conectadas à produção, liberação ou ao transporte dos neuromediadores anteriormente mencionados. Assim, estão sendo estudados os genes receptores, transportadores e de metabolização da dopamina (sendo o DRD2 o polimorfismo mais promissor). Estes fumantes teriam um determinado grau intrínseco de depressão e precisariam de uma droga, como a nicotina, para poder manter seu equilíbrio emocional. Algo semelhante ocorreria com os polimorfismos genéticos ligados à serotonina. Os polimorfismos envolvidos no metabolismo da nicotina (CYP2A6)(23) determinariam o ritmo de cada fumante, isto é, as pessoas que metabolizam mais rapidamente a nicotina necessitam mais precocemente fumar outro cigarro.

Os estudos têm demonstrado consistentemente a influência genética no desenvolvimento da dependência nicotínica, embora o esclarecimento definitivo de quais polimorfismos estão primordialmente envolvidos ainda não esteja disponível.

A pesquisa da genética do tabagismo aumentou o entendimento da dependência nicotínica e é provável que esclareça os mecanismos dos principais malefícios à saúde dos fumantes. A recente descrição completa do genoma humano poderá ajudar a identificar marcadores genéticos que predigam o risco de uso de tabaco e do conseqüente desenvolvimento de dependência nicotínica e, talvez, do surgimento de doenças ligadas a esse uso.

Diagnóstico da dependência

O consumo de nicotina causa efeitos somáticos e psíquicos que podem ter caracterização como dependência através de questionários padronizados. Os mais utilizados são o da Associação Psiquiátrica Americana, através do seu Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM IV),(24) e o da Organização Mundial da Saúde (CID 10).(7)

Graduação da dependência

Considerando que o estado de dependência é dinâmico e que as pessoas não podem ser classificadas simplesmente em dependentes ou não-dependentes, pois é muito sutil a divisão entre uso abusivo de droga e o estado de dependência, é importante ter instrumentos para se mensurar a intensidade deste estado.

Tal graduação tem implicações clínicas diretas, pois o sucesso terapêutico depende da superação do desequilíbrio entre a motivação do fumante em cessar com o tabagismo e o grau de sua dependência. Assim, fumantes de consumo intenso apresentam menor motivação, pois têm menor confiança na sua habilidade em superar os sintomas de abstinência. Contudo, fumantes leves podem ter baixa motivação por acreditarem que poderão parar de fumar em qualquer momento no futuro.

A dependência tabágica pode ser graduada por vários métodos:(25)

1. Avaliação qualitativa

Tem-se uma idéia geral através de perguntas diretas ao indivíduo: se ele se vê como dependente, se reconhece os sintomas de dependência e sua intensidade.

2. Avaliação quantitativa

A medida quantitativa mais utilizada universalmente é o teste de Fagerstrom para dependência pela nicotina, que procura avaliar a magnitude do processo de tolerância-dependência estabelecida. Quanto maior o escore obtido, maior será o grau de dependência, sendo os fumantes com índice >7 os mais dependentes. Contudo, há limitações no método. Há uma grande valorização dos sintomas físicos, negligenciando os aspectos motivacionais. A linguagem, elaborada para uma população adulta, pode perder acuidade na avaliação de adolescentes, idosos, ou grupos populacionais específicos. Além disso, ainda não foi validado para a língua portuguesa.

Existe um grande empenho científico na elaboração de um instrumento de fácil aplicação, que transmita maiores informações, que indique a melhor forma de abordagem e que prediga com maior exatidão a chance de sucesso terapêutico.

3. Métodos biológicos

A grande vantagem dos métodos biológicos repousa na sua objetividade, pois têm excelente acuidade.(26)

A medida de cotinina plasmática, salivar ou urinária informa o grau de consumo, que por si só é um marcador de dependência. Há relação significativa entre o resultado do teste de Fagerstrom e os níveis de cotinina. Entretanto, é um método que exige equipamento sofisticado e caro, não disponível na maioria dos centros.(27)

O monoxímetro mede a concentração de monóxido de carbono no ar exalado, avaliando o grau de intoxicação nas últimas horas, sendo portanto mais elevado à noite do que pela manhã. Não oferece a acuidade da cotinina, que tem meia-vida mais prolongada.(28,29) Contudo é um método mais barato e possibilita oferecer um feed-back imediato para o indivíduo.(29)

Quaisquer destes métodos são importantes para a validação da informação prestada pelo fumante durante o tratamento de cessação do tabagismo.(30)

Conclusão

A nicotina é uma droga que apresenta alto poder de modificar a biologia e fisiologia do cérebro, sendo fortemente indutora de dependência. Fatores individuais, sociais e ambientais são importantes no desenvolvimento desta adição, que passa por aprendizado do uso da droga. Está relacionado ao controle intuitivo de emoções, passando por uma fase inicial de aversão. O papel da neurobiologia e da genética da adição tabágica só agora começa a ser desvendado.

Por esses fatores, o ex-fumante corre risco de recaída quando do consumo eventual (lapso) de tabaco.

Esses fundamentos psicológicos e neurobiológicos formam a base para a compreensão das intervenções farmacológicas e comportamentais.(31)

Referências bibliográgicas

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CAPÍTULO 4

Doenças tabaco-relacionadas

Blancard Santos Torres; Irma de Godoy

Mecanismos envolvidos no desenvolvimento de doença pulmonar induzida pela fumaça do cigarro

A fumaça do cigarro exerce vários efeitos no trato respiratório; os dois principais são a inflamação e os efeitos mutagênicos/carcinogênicos. Alguns componentes da fumaça são irritantes, outros exercem efeitos tóxicos na via aérea e, assim, podem causar lesão ou morte da célula e também inflamação local. Estas substâncias podem ainda causar diminuição na capacidade de limpeza das vias aéreas, devido aos efeitos tóxicos nos cílios, e hiperplasia das células mucosas, que resulta em aumento da produção de muco. Estas últimas alterações podem levar à retenção de muco, predispor à colonização e infecção das vias aéreas e resultar em exacerbações inflamatórias.(1)

A inflamação das vias aéreas é considerada o principal mecanismo envolvido na gênese da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O tabagismo induz alterações nas vias aéreas caracterizadas por aumento de neutrófilos, linfócitos CD8+, da concentração de IL-8 e diminuição da IL-10, sugerindo desequilíbrio entre as citocinas pró e antiinflamatórias.(2-7)

Além dos efeitos irritativos ou tóxicos causados pelos componentes da fumaça do cigarro, lesão específica ocorre devido à inalação de grande quantidade de radicais livres derivados do oxigênio, peroxidases e peroxinitritos, que estão presentes na fumaça ou são produzidos após a interação da fumaça com o líquido epitelial. A lesão oxidativa está associada com seqüestro de neutrófilos e monócitos nos pulmões, aumentando a produção de substâncias oxidantes. Estes podem causar lesão em vários substratos e resultar em alteração ou destruição de células e constituintes da matriz extracelular do pulmão.(1, 6-8)

Os oxidantes podem também interferir no equilíbrio protease/anteprotease dentro dos pulmões; inativação de antiproteases importantes, como a1-antitripsina, e ativação de proteases. Ocorre, assim, predomínio da atividade proteolítica induzindo à lesão tecidual e inflamação. Além disso, a lesão oxidativa induzida pela fumaça do cigarro pode reduzir a defesa antioxidante pulmonar, resultando em meio mais oxidativo. A fumaça do cigarro e os oxidantes iniciam ciclo vicioso que pode promover resposta inflamatória anormal. Oxidantes promovem inflamação por meio da ativação do fator nuclear-kB, o qual estimula a produção de multiplos genes inflamatórios.(1,7)

Alguns estudos sugerem que mulheres são mais suscetíveis aos efeitos do cigarro.(7,9) Estudo realizado na China revelou valores médios menores, da percentagem do previsto de parâmetros de função pulmonar, em mulheres tabagistas quando comparadas a homens tabagistas.(9) Seguimento de um a cinco anos mostrou que o declínio da função pulmonar foi maior em fumantes que naqueles que pararam de fumar e a queda foi extremamente pronunciada em mulheres,(10) dados confirmados por outro estudo.(11)

Doença pulmonar obstrutiva crônica

A DPOC é condição que se caracteriza por limitação ao fluxo aéreo, não totalmente reversível, usualmente progressiva e associada a resposta inflamatória do pulmão a partículas ou gases nocivos. Em 2000, a DPOC era a quarta causa mais comum de morte no mundo e há previsão de que será a terceira causa no ano 2020. Além disso, a DPOC foi reconhecida como a 12ª maior causa de morbidade crônica, no ano 1990. Há previsão de que a DPOC será a quarta causa mais importante de doença, que leva à incapacidade física, no ano 2020. A prevalência, morbidade e mortalidade da DPOC são variáveis em diferentes países; entretanto, geralmente estão associadas à prevalência do tabagismo e a doença resulta em sobrecarga econômica e social que está aumentando continuamente.(1,6,7)

Estudos realizados em outros países apresentam, com confirmação por espirometria, estimativa de prevalência na população acima de 40 anos de 12,7% (17,9% nos homens e 9,1% nas mulheres) e para tabagistas entre 14% (entre homens) e 9,1% (em mulheres). No Brasil, estima-se a existência de 6,1 a 7,4 milhões de pacientes com DPOC.(12-14)

O tabagismo é, de longe, o fator de risco mais importante para DPOC. Fumantes têm maior prevalência de sintomas respiratórios e a obstrução das vias aéreas é mais comum entre fumantes que em não fumantes. O declínio acentuado do volume expiratório forçado no primeiro segundo em fumantes pode ser diminuído de forma considerável pela cessação do tabagismo, mesmo quando DPOC leve/moderada está presente. A idade de início do tabagismo, o número de anos/maço e o estado em relação à dependência são preditores da mortalidade por DPOC. Em termos populacionais, a contribuição do tabagismo para o desenvolvimento da DPOC foi estimado em 70%-80% para homens e 70% para mulheres.(1,6,7,15) Além do tabagismo, outros fatores de risco menos importantes para o desenvolvimento de DPOC incluem poluição intradomiciliar e mulheres expostas à fumaça do fogão de lenha em cozinhas malventiladas.

A patogênese da DPOC, relacionada ao tabagismo, inclui as hipóteses da protease/antiprotease e oxidante/antioxidante e o processo anormal de regeneração descritas previamente. O mecanismo mais estudado de lesão tecidual na DPOC é o desequilíbrio protease/antiprotease (elastase/antielastase). Proteases são enzimas que degradam a matriz protéica do pulmão; a elastina é um alvo importante. Entretanto, colágeno, proteoglicanos, laminina e fibronectina são também degradados. As elastases mais potentes são as derivadas dos neutrófilos. A atividade elastolítica das proteinases é balanceada pelas antiproteinases como a alfa 1-antitripsina.

A lesão tecidual é seguida do processo de reparo tecidual e parenquimatoso. Tem sido mostrado que a fumaça prejudica os mecanismos de reparo tecidual e interrompe os processos que são capazes de restaurar a estrutura tecidual.

Nem todos os tabagistas desenvolvem DPOC, o que sugere que fatores genéticos podem modificar o risco individual. Assim, o fumante passivo pode desenvolver DPOC e o fumante pesado, não.(7,8)

Doenças intersticiais pulmonares

As doenças intersticiais pulmonares representam um grupo heterogêneo de doenças pulmonares caracterizadas por dispnéia, tosse seca, infiltrados intersticiais difusos, padrão restritivo na função pulmonar e alteração da troca gasosa. Algumas doenças são relacionadas ao tabagismo: fibrose pulmonar idiopática (FPI), pneumonia intersticial descamativa (DIP), bronquiolite respiratória associada a doenças intersticiais (RBILD), doenças intersticiais associadas a colagenoses, histiocitose x (doença das células Langerhans).(1)

O papel do tabagismo na patogênese da FPI não é conhecido e não há evidências de que ele cause a doença. O mesmo ocorre na DIP, embora a cessação do tabagismo seja recomendada. A RBILD ocorre em fumantes e ex-fumantes e é chamada de doença intersticial relacionada ao tabaco; apresenta bom prognóstico, especialmente, com a cessação do tabagismo.

As alterações inflamatórias das doenças pulmonares ocupacionais e ambientais especialmente devido à exposição a poeiras minerais tais como: asbestose, silicose, pneumoconioses por poeiras mistas, pneumoconiose dos mineradores de carvão, pneumoconiose por metal pesado, beriliose, siderose, fibrose, entre outras, são intensamente potencializadas pelo uso do fumo crônico.(16,17)

Papel do tabagismo na etiopatogenia do câncer

Desde 1900, há evidências de que o tabaco possui propriedades para causar o câncer; na época, o fumo e o suco do fumo foram utilizados por especialistas para induzir o aparecimento de câncer de pulmão em animais de laboratório. Os trabalhos de Doll & Hill e de Wynder & Graham, em 1950,(18,19) estabeleceram definitivamente a correlação entre tabagismo e câncer de pulmão. A partir dessa data, outros trabalhos verificaram a relaçäo entre o tabagismo e doenças como DPOC, câncer de esôfago, de laringe, entre outras enfermidades de grande letalidade. No entanto, apenas a partir de janeiro de 1993, a fumaça resultante da combustão do tabaco juntou-se ao asbesto, benzeno e compostos do cloreto de vinil como "grupo A" de carcinógenos, para os quais não foi estabelecido nível seguro de exposição. Somente nos últimos anos, o tema do controle e erradicação do tabaco deixou de ser tratado no restrito ambiente das academias e tomou foro de interesse geral.

O papel da fumaça ambiental na etiopatogenia do câncer é complexo, mas existem evidências apontando para o seu efeito oncogênico potencial. Entre as mais de 4.720 substâncias componentes da fumaça do tabaco já foram identificados entre 60 a 80 substâncias cancerígenas.

Tipos de cânceres relacionados ao fumo

Estudos epidemiológicos têm encontrado forte associação entre a dependência tabágica e o desenvolvimento de câncer de vários sítios como: pulmão, cavidade oral, laringe, esôfago, bexiga, rins, pâncreas, estômago, mama, cólon-reto e colo de útero. A escolha da análise descritiva dos tipos de neoplasia maligna que serão abordados neste capítulo teve como base a preponderância do tabagismo como causa principal. Foram consideradas também a relevância epidemiológica, assim como a importância desses conhecimentos para as ações de prevenção primária (promoção da saúde) e secundárias (detecção precoce). Literatura complementar sobre esse vasto assunto pode ser encontrada em outras publicações.(20-22)

Câncer de pulmão

O cancêr de pulmão foi considerado a epidemia do século XX e continuará sendo neste novo século, caso medidas eficazes globais não forem tomadas, para barrar o avanço do tabagismo no sentido de mudar radicalmente este panorama no mundo contemporâneo. Quase todas as estatísticas mundiais vêm apontando nas últimas décadas aumento do carcinoma broncogênico em pelo menos 2% ao ano.(20,22-24)

O risco de morte por câncer de pulmão é cerca de 20 vezes maior entre fumantes que entre os não fumantes. Os outros fatores de risco para câncer de pulmão como: genética, radiação, exposição a algumas substâncias químicas, entre outros, têm importância secundária, já que o fumo é responsável por 90% a 95% dos casos.(25-27) Os levantamentos estatísticos americanos mostram que o câncer de pulmão é a segunda neoplasia mais freqüente, só ultrapassado pelo câncer de próstata no sexo masculino e pelo câncer de mama na mulher. Entretanto, com os avanços no diagnóstico precoce e tratamento, tanto do câncer de mama quanto de próstata, a mortalidade desses dois tipos de neoplasias vem caindo radicalmente. As chances de ter câncer de pulmão diminuem quando se pára de fumar e, após 15 anos a 20 anos de abstinência, voltam a ser semelhantes às dos que nunca fumaram.

Em 2003, de acordo com dados do Ministério da Saúde e Instituto Nacional de Combate ao Câncer (INCA), foram registrados 15.165 casos de câncer de traquéia, brônquios e pulmões, em homens, e 6.920 em mulheres, com 11.315 óbitos no sexo masculino e 4.915 no sexo feminino (www.inca.org.br). Foi o câncer que teve a maior taxa de mortalidade quando comparado com os outros tipos de câncer. De fato, o câncer de pulmão é o tumor maligno com maior taxa de óbitos não só no Brasil como em todo mundo. Casuísticas mundiais apontam o câncer de pulmão como a principal causa de morte por câncer entre os fumantes nos dois sexos, existindo intervalo de 25 a 30 anos entre começar a fumar e o diagnóstico da doença.(21,28,29)

O que dificulta o diagnóstico precoce do câncer de pulmão é o longo caminho percorrido pelo tumor sem levantar suspeita até que o primeiro sinal da doença apareça; neste momento, pelo menos ¾ da evolução natural já ocorreu, deixando pouca chance para a solução curativa do doente. Nesta fase são comuns disseminações locais extensas e metástases a distância. Em que pesem os avanços tecnológicos alcançados nas últimas décadas, sobretudo em relação aos meios de diagnóstico, a sobrevida geral dos pacientes com câncer de pulmão permanece muito baixa, em torno de 11 a 13% em cinco anos, muito semelhante com o que ocorria na década de 70, em que a taxa de sobrevivência em cinco anos era em torno de 9%.(22,30,31) É importante ressaltar que até o momento não existem dados suficientes que permitam preconizar rotineiramente qualquer forma de screening que resulte em redução da mortalidade por câncer de pulmão.

Câncer de esôfago

Metanálises comprovam que os consumos excessivos de álcool e fumo são os fatores mais importantes implicados na patogenia do câncer de esôfago.(32,33) Em 2003, segundo dados do Ministério da Saúde/INCA, foram notificados no Brasil, no sexo masculino, 6.775 casos de câncer de esôfago; nas mulheres, 2.120. O número de óbitos, nos dois sexos, nesse mesmo ano, foi de 6.440, correspondendo à taxa bruta de 6,63/100.000 mortes por câncer (www.inca.org.br).

Devido à sua agressividade, o carcinoma de esôfago é um tumor com alta mortalidade, além de ser bastante resistente a outras formas de tratamento que não seja a ressecção completa, como a quimioterapia e a radioterapia. Do ponto de vista anatomopatológico, mais de 90% de todos os tumores esofágicos consistem em carcinoma de células escamosas e 5 a 10%, em adenocarcinomas, ambos tipos histológicos relacionados com o ato de fumar.(32,34)

Câncer de cabeça e pescoço

O tabagismo, aliado ao alcoolismo, às carências nutricionais e à má higiene oral são os fatores de risco do câncer de cabeça e pescoço. A incidência de fumantes entre os portadores de câncer de cabeça e pescoço varia nas séries estudadas entre 85 a 95% dos casos.(35,36) Essas neoplasias malignas do trato aerodigestivo superior, muitas vezes denominadas de câncer de cabeça e pescoço, são diagnosticadas em aproximadamente 42.000 pacientes novos a cada ano nos Estados Unidos da América.(36,37) Em 2003, no Brasil, a incidência do câncer da cavidade oral foi de 7.750 casos, no sexo masculino, e 2.885, no feminino e o total de óbitos foi de 2.450 e 706, respectivamente (www.inca.org.br). Outro detalhe de grande importância é o risco aumentado de desenvolvimento de um segundo câncer. É importante frisar que esse segundo tumor primário é basicamente em virtude das exposições continuadas ao fumo e ao álcool.(38,39)

A forma de uso do fumo, através de cachimbos e charutos, resulta em maior contato com a mucosa da cavidade oral, o que aumenta o seu poder cancerígeno.(40-42)

Câncer de bexiga

O câncer de bexiga é a neoplasia maligna mais comum das vias urinárias. Nos Estados Unidos da América do Norte, 57.400 pessoas (42.200 homens e 15.200 mulheres) desenvolvem câncer de bexiga a cada ano e 12.500 (8.600 homens e 3.900 mulheres) morrem devido a esta doença.(23,43) A maioria dos pacientes diagnosticada com câncer de bexiga tem 60 anos ou mais e este é o segundo câncer mais prevalente em homens nesta faixa etária. A maior incidência no sexo masculino deve-se em grande parte à exposição aos fatores de risco, especialmente o fumo e outros carcinógenos ambientais. Diversos estudos mostram aumento em duas a três vezes das possibilidades de desenvolver câncer de bexiga em fumantes, quando comparados a não-fumantes, existindo correlação direta entre dose e resposta.(44) Entre três casos de câncer de bexiga, pelo menos um é atribuído ao tabagismo, fator importante devido à alta prevalência deste no mundo contemporâneo.(45,46)

Fisiopatologia do tabagismo nas doenças cardiovasculares

O fumo acelera o processo de envelhecimento dos vasos arteriais, determinando o aparecimento da aterosclerose precoce. A fumaça dos produtos do tabaco tem alto conteúdo de monóxido de carbono e este, ao chegar aos alvéolos, desloca a reação natural do oxigênio com a hemoglobina, saturando esse pigmento com esse gás venenoso, que tem 210 vezes mais afinidade de ligação com a hemoglobina que o oxigênio. Esta ligação resulta em prejuízo da hematose. O monóxido de carbono e sua ligação com a hemoglobina forma um composto altamente estável, a carboxiemoglobina, que pode ser medida no sangue de fumantes. Essa quantidade é dependente de quanto o indivíduo fuma. Fumantes de 15 cigarros por dia têm, em média, 9% da massa total da hemoglobina sob a forma de carboxiemoglobina, aumentando rapidamente para 20% caso o consumo seja de 25 cigarros ao dia, ou seja, o acréscimo é muito maior do que se esperaria numa relação diretamente proporcional. Os fumantes têm níveis de carboxiemoglobina duas a 15 vezes maiores que os não-fumantes, o que reduz a quantidade total de oxigênio que vai chegar à célula.(47,48) Assim, onde não existe oxigênio suficiente para suprir o metabolismo aeróbico ocorre o metabolismo anaeróbio, com produção excessiva de oxidantes. O maior metabolismo anaeróbio dos indivíduos tabagistas leva progressivamente a lesões difusas das paredes do vaso, tornando-as mais rígidas.

Além desse mecanismo de hipóxia tecidual que afeta todas as camadas dos vasos, a nicotina, potente vasoconstritor, age diminuindo ainda mais o aporte de oxigênio para a periferia. Os fumantes acumulam, também, radicais livres de oxigênio que são deletérios para as paredes dos vasos. As reações inflamatórias liberam uma série de mediadores que interagem entre si, perpetuando o mecanismo formador das lesões.(49-51) Nas diversas metanálises em que foram analisados os vários fatores de risco para a ocorrência de lesões vasculares, o tabagismo foi o mais importante.(52,53) Fumar pode aumentar agudamente a pressão arterial em aproximadamente 5 a 10mmHg acima do seu valor basal. A ação vasoconstritiva arteriolar da nicotina, quando absorvida em grandes quantidades, resulta em aumento da resistência vascular sistêmica e eleva a pressão arterial, podendo predispor a acidentes vasculares cerebrais agudos, angina do peito, infarto do miocárdio e morte súbita.(54,55)

Ações deletérias no sistema nervoso central

O acidente vascular cerebral (AVC) é a terceira maior causa de morte nos países desenvolvidos e em alguns países em desenvolvimento, além de ser uma das maiores causas de seqüelas permanentes. Em 1996, de acordo com dados do SUS, foram computados 81.056 óbitos devidos a essa enfermidade no Brasil, constituíndo-se na 3ª causa de mortalidade geral (Datasus,1996). Com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a freqüência do AVC tende a aumentar em ambos os sexos.

O AVC isquêmico representa a grande maioria dos acidentes vasculares cerebrais, aproximadamente 80% dos casos.(56) O mecanismo básico para a ocorrência desses acidentes é a arteriosclerose. Os acidentes vasculares cerebrais são três vezes mais comuns em fumantes, quando comparados com não fumantes.(25,57,58) O estudo de Doll et al.(59) com 40 anos de observação de médicos fumantes do sexo masculino demonstrou que as mortes por acidente vascular cerebral na faixa etária acima de 65 anos estava asssociada ao tabagismo, quando comparados com grupo controle. O fumo também é um fator de risco para ataque isquêmico transitório, muito freqüente na população de idosos fumantes. Dentro de cinco anos após interrupção do tabagismo o risco para o AVC fica similar ao das pessoas que nunca fumaram.

A insuficiência cerebrovascular crônica é fator contributivo adicional ao processo de envelhecimento e de maior suscetibilidade à ação tóxica dos componentes do tabaco, que são causas de múltiplos infartos e quadros de demência senis ou não, doença de Alzheimer, entre outras, com freqüentes perdas psíquicas cognitivas importantes.(60,61) Estudos constataram que o fumo está associado com duplicação do risco de demência e de doença de Alzheimer.(62)

Doenças cardíacas

As doenças cardíacas são as causas mais prevalentes de morte e incapacidade física em praticamente todas as regiões do mundo, com repercussões importantes nos custos da assistência médica. Atualmente em torno de 34% de todos os óbitos são devidos às DCV (doenças cardiovasculares), notadamente a cardiopatia isquêmica e os acidentes vasculares cerebrais. No mundo ocidental, 44% das mortes por infarto agudo do miocárdio (IAM) ocorrem em indivíduos com menos de 65 anos de idade e 38%, em pessoas com menos de 55 anos.(54,57,58) Dados do Ministério da Saúde(58) mostram que os brasileiros estão igualmente morrendo mais precocemente pelas DCV.

Em 1996,(63) morreram 157.248 pessoas devido às doenças cardíacas, que ocuparam o 1º lugar, seguidas por doenças neoplásicas e cerebrovasculares. Somente com medidas preventivas e adoção de mudanças de comportamento e estilo de vida será possível reverter esse quadro e contribuir para a redução da mortalidade e dos custos da saúde.

De acordo com ensaios clínicos randomizados, há três fatores de risco preveníveis para doença coronariana: tabagismo, hipertensão arterial e alteração do colesterol. Estudos clínicos de coorte, com grande número de participantes, mostraram que o tabagismo isolado dobra a possibilidade de doença cardíaca e, em associação com a alteração do colesterol ou à hipertensão arterial, multiplica esse risco por quatro. O risco torna-se oito vezes maior quando os três fatores estão juntos.(64) Ensaios clínicos com revisão sistemática concluíram que o tabagismo também se associa a diabetes melito, produzindo a aceleração da doença coronariana e suas conseqüências.(54,65) Uma vez vencida a dependência do fumo, o risco de doença cardíaca coronariana começa a decair. Após 10 anos, o risco em ex-fumantes, de um maço por dia, é o mesmo que o daqueles que nunca fumaram.

Morte súbita na população adulta, acima de 35 anos de idade, aparentemente saudável, tem como causa mais importante a doença cardíaca estrutural com parada cardíaca por fibrilação ventricular. Dados do Serviço de Epidemiologia e Saúde Pública dos EUA mostram que a taxa de óbitos devido à morte súbita cardíaca naquele país representa 15% da mortalidade geral, estimando que o mesmo fato deva ocorrer em outros países desenvolvidos.(66-68)

Os vários fatores de risco que estão implicados na morte súbita de origem cardíaca são basicamente os mesmos da doença coronariana, sempre consistente com a relação dose-resposta. Por meio de informações obtidas em vários estudos necroscópicos, com número expressivo de pessoas que faleceram subitamente, o tabagismo mostrou ter forte associação com o evento, sendo mais forte essa relação quanto mais precoce o início da carreira do fumante e a carga tabágica consumida.(52,69) Enquanto o custo final de uma vida salva com o tratamento do tabagismo fica em torno de 750 dólares, o tratamento da hipercolesterolemia, por exemplo, custa cerca de 60.000 dólares, além de que os resultados da cessação do tabagismo são imediatos e beneficiam 100% dos pacientes.

Doenças vasculares arteriais periféricas

A tromboangiíte obliterante ou doença de Buerger é enfermidade inflamatória que envolve principalmente as artérias de pequeno e médio calibre dos membros superiores e inferiores, sendo que o tabagismo é condição fundamental para o aparecimento desta enfermidade.(70,71) No Brasil, não existem dados sobre a prevalência e incidência dessa doença, que acomete homens com idade entre 40 e 50 anos; entretanto, devido ao crescimento do número de fumantes do sexo feminino, a tendência atual é de aumento progressivo do número de casos neste sexo. Esse fato pode ser comprovado em algumas estatísticas que apontam que em torno de 30% do total dos pacientes com tromboangiíte obliterante são mulheres.(72)

Fumar um ou dois cigarros ao dia ou mesmo se expor à fumaça ambiental dos produtos do tabaco é fator de reatividade da doença quando controlada. Aproximadamente 95% dos pacientes que param de fumar definitivamente evitam amputações, enquanto que somente 43% daqueles que continuam fumando conseguem escapar de tais mutilações, que representam enorme ônus para a previdência social.

A doença oclusiva aortoilíaca afeta aproximadamente 2 a 3% da população com mais de 50 anos de idade nos EUA.(73,74) Dez por cento dos pacientes com sinais e sintomas têm doença limitada à aorta e as artérias ilíacas, enquanto 90% têm doença mais difusa. Na doença difusa é comum a ocorrência simultânea de doença das artérias coronárias, cerebral e renal. Ensaios clínicos, randomizados mostraram que os pacientes com doença mais generalizada ou avançada têm maior freqüência de tabagismo, hipertensão arterial sistêmica e diabetes melito.(65) Cerca de 70 a 75% dos pacientes com estenose grave apresentam claudicação, mas o tratamento é conservador e consiste no afastamento dos fatores de risco, como o fumo, e na realização de exercícios físicos adequados.(75)

As doenças oclusivas das artérias carótidas extracranianas, mais comuns no sexo masculino, também estão relacionadas com os mesmos fatores de risco para doença arterial coronariana. A prevenção, situação ideal, ou controle dessas doenças tem que obrigatoriamente passar pelo afastamento imediato e tratamento dos fatores de risco, tais como: fumo, obesidade, diabetes melito, outras síndromes metabólicas, aumento do colesterol, diminuição dos triglicerídeos, controle da hipertensão arterial, entre outros.

A retina, através da lesão vascular arteriolar, com freqüência é atingida, podendo, em estágios avançados, trazer redução crescente e irreversível da capacidade visual.(42) A irritação dos olhos provocados pela fumaça é fato observado corriqueiramente quando o indivíduo é exposto à mesma.

O tabagismo é fator de risco importante para o tromboembolismo venoso, doença que engloba a trombose venosa profunda e a tromboembolia pulmonar. Anualmente, nos EUA, ocorrem pelo menos 500 mil acidentes tromboembólicos com 200 mil mortes devidas a essa doença. A ação danosa dos produtos da fumaça do cigarro atua na tríade de Virchow, culminado em trombose venosa profunda.(76,77) O uso continuado dos produtos do tabaco, além de causar danos à circulação arterial, também lesa a camada interna dos vasos venosos, levando à diminuição da luz e lentificação do fluxo sanguíneo, fatores patogênicos importantes na formação da trombose venosa profunda e embolia pulmonar.(76) A nicotina, o monóxido de carbono e os radicais oxidantes, componentes do fumo, produzem adicionalmente hipóxia tecidual, ativação plaquetária, com conseqüente estado de hipercoagulabilidade sanguínea.(49,73)

Doenças crônicas cardíacas e pulmonares, condições em que o tabagismo é o fator de risco comum, nas fases avançadas, afetam as atividades diárias, fazendo com que os pacientes fiquem restritos ao leito ou com mobilidade menor, favorecendo os mecanismos para a formação da trombose venosa profunda. DPOC, câncer de pulmão e fibrose pulmonar são exemplos destas doenças crônicas, que levam freqüentemente o paciente a estado pró-trombótico por diversos mecanismos que incluem a imobilização.(73) Na mulher a associação do fumo com contraceptivos orais ou reposição hormonal aumenta consideravelmente os riscos para a ocorrência de TVP (trombose venosa profunda) e embolia pulmonar. O estado de gravidez e puerpério são fatores de risco importante para a trombogênese, que se torna muito maior quando a mulher continua fumando na gestação e após o delivramento.(42,78)

Impotência sexual masculina e distúrbios da reprodução humana

A impotência sexual masculina pode ocorrer por diminuição da irrigação sanguínea, motivada pelos mesmos mecanismos vasculares operantes no tabagismo. Estudo da Associação Médica Britânica, em 2003, estimou que 120 mil homens fumantes entre 30 e 50 anos de idade tornaram-se impotentes (apud www.inca.org.br). Na mulher fumante o índice de fertilidade é significantemente inferior ao da que não fuma.(79-81) Existem evidências de que a mulher fumante chega à menopausa alguns anos antes que as não-fumantes, provavelmente, devido aos efeitos na desregulação hormonal provocada pelos produtos do tabaco.(79, 82,83)

O tabagismo influencia negativamente na saúde sexual e reprodutiva dos adultos nos seus vários aspectos, desde a impotência masculina, diminuição da fecundidade da mulher, maior morbimortalidade da gestante e feto, assim como maior taxa de mortalidade perinatal.(83) O cigarro reduz em cerca de 40% as chances de a mulher engravidar.(79,84)

Outras doenças associadas ao tabagismo

Osteoporose

O tabagismo é fator de risco para o desenvolvimento da osteoporose e deve ser evitado na profilaxia dessa doença.(85,86) O efeito antiestrogênico da nicotina concorre para explicar a relação da incidência de osteoporose com tabagismo.(87) Outro mecanismo descrito na literatura é o de que os produtos nocivos do fumo são fatores preditivos para deficiência de vitamina D, por meio do decréscimo do ácido fólico das hemácias, que contribui para a queda da 25 hidroxivitamina D3. Esta última está associada à alteração da densidade mineral dos ossos; este fenômeno é visto com mais intensidade na presença de co-morbidades que diminuem a absorção intestinal desta vitamina.(88,89)

A incidência de fraturas pós-menopausa cresce nas mulheres fumantes e somente a abstinência total do fumo tem o poder de reduzir esse risco. Verifica-se nas mulheres tabagistas aumento do metabolismo de estrógenos no fígado, com conseqüente redução da concentração sanguínea.(27)

Doenças do sistema gastrintestinal

No trato digestivo, a nicotina estimula os gânglios parassimpáticos do sistema nervoso autônomo e a liberação de acetilcolina do plexo mioentérico e das terminações nervosas. Essas alterações aumentam o tônus e a atividade motora dos intestinos e, ocasionalmente, produzem diarréia. Também podem ocorrer náuseas e vômitos devido à ação da nicotina na medula espinhal.(33,90,91)

Os principais fatores na patogenia das úlceras, além dos fatores genéticos, da infecção crônica por H. pylori, uso de antiinflamatórios não esteróides, estresse, têm no tabagismo papel central, não só na formação das lesões ulcerosas como também na dificuldade de cicatrização e reincidências, muito mais freqüentes naqueles que não abandonam o tabagismo.(92,93) Portanto, a associação entre o tabagismo e úlceras pépticas já foi comprovada em vários estudos com nível de evidência A, especialmente quando relacionada com as úlceras da porção duodenal.(94-96)

Pacientes com úlcera gástrica ou duodenal freqüentemente apresentam gastrite, o que faz pensar que os mesmos agentes causadores da úlcera também possam causar estas lesões específicas do estômago. Estes agentes incluem o fator tabágico como partícipe importante dessas alterações inflamatórias.

Doenças tabaco-relacionadas em crianças e adolescentes fumantes

Ensaios clínicos americanos demonstraram que alunos do ensino médio que fumam têm 2,4 vezes mais chances de ter problemas de saúde; risco 2,4 a 2,7 vezes maior de apresentar tosse freqüente, e três vezes mais chances de passar por consulta médica devido a problemas emocionais ou psicológicos.(97,98) Os problemas de saúde dos jovens fumantes são vários: quadros de infecções respiratórias de repetição incluindo, amidalites, otites, resfriado comum, gripes, bronquite e pneumonias; tuberculose, tosse crônica; crises graves e freqüentes de alergias respiratórias como rinites, rinossinusites e asma; roncos e apnéia do sono.(83,99,100)

Quanto mais precoce o tabagismo, maior o comprometimento da função pulmonar, em comparação com crianças e adolescentes não fumantes.(101-103) Outros aspectos negativos relacionados com a dependência do fumo muito valorizados pelos jovens são: pele enrugada e atrofiada denotando envelhecimento precoce, dentes amarelados, cáries freqüentes, doenças periodontais, mau hálito, odinofagia recidivante, fraco desempenho esportivo e escolar, falta de disposição geral e depressão. Estudo mostra que os jovens fumantes têm três vezes mais chances de beber álcool e oito vezes mais chances de usar maconha, existindo adicionalmente associação entre o uso de cigarros e outros comportamentos de risco, como brigas e sexo sem proteção.(104)

Inquérito epidemiológico realizado pela Universidade Federal de Pernambuco, publicado em 1996, analisou 1.160 crianças de vários educandários públicos da região metropolitana do Grande Recife. Constatou-se que em torno de 90% dessas crianças e adolescentes, fumantes por mais de um ano, tinham algum sintoma clínico relacionado com o uso do fumo, que incluiam obstrução nasal, pigarro constante, odinofagia, tosse persistente, crises de alergia, falta de ar aos grandes esforços, irritação freqüente dos olhos, perda do olfato e paladar, mau hálito, perda da capacidade de competitividade esportiva, tristeza, insônia e maior labilidade emotiva, entre outros. Todos os achados, estatisticamente mais elevados quando comparados com o mesmo número de crianças e adolescentes não fumantes dos dois sexos e mesma faixa etária. Um fato interessante é que a grande maioria dessa população sintomática não fazia relação desses sintomas com o fato de serem fumantes.(105)

Fumo e envelhecimento da pele

A beleza e a jovialidade são drasticamente atingidas pelos efeitos da fumaça do tabaco, envelhecendo e desfigurando a pele, enrijecendo e provocando rugas em toda a epiderme e derma, principalmente no sexo feminino.(106,107) O fumo também está relacionado com dermatite atópica e psoríase. De acordo com pesquisas desenvolvidas pelas dermatologistas Elizabeth Shewert e Suzan Hess, ficou comprovado que os fumantes aparentam ser cinco anos mais velhos que sua idade real.

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CAPÍTULO 5

Abordagem cognitivo-comportamental do fumante

Ricardo Henrique Sampaio Meirelles; Cristina Maria Cantarino Gonçalves

Introdução

De um comportamento social aceitável e difundido por todo o mundo, o tabagismo passou a ser reconhecido como uma doença a partir do final do século passado. Em 1986 surgiu, nos Estados Unidos, o primeiro relatório citando a nicotina como uma droga psicoativa(1) e, em 1997, a Organização Mundial de Saúde a classificou no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas, na Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).(2) A dependência à nicotina obriga os fumantes a se exporem a inúmeras substâncias tóxicas, responsáveis por cerca de 50 doenças no homem, sendo, portanto imprescindível que todos os fumantes sejam aconselhados a parar de fumar.

Cerca de 80% dos fumantes desejam parar de fumar, porém apenas 3% o conseguem sem ajuda. O restante necessita de apoio formal para obter êxito, evidenciando a importância da abordagem rotineira do fumante pelos profissionais de saúde.(3)

O que é preciso saber para tratar o fumante

Dependência da nicotina

É considerado fumante o indivíduo que fumou mais de 100 cigarros, ou cinco maços de cigarros, em toda a sua vida e fuma atualmente.(4)

Para que se obtenha sucesso na abordagem do fumante é necessário que se entenda que deixar de fumar é um processo que leva tempo, por envolver mudança de comportamento, e que a média de tentativas é de mais de três vezes antes de parar definitivamente.(5)

Existem três aspectos da dependência à nicotina que devem ser considerados ao se atender um fumante: a dependência física, a dependência psicológica e os condicionamentos ao fumar.(6)

O fumante é considerado dependente de nicotina, quando apresenta três ou mais dos seguintes sintomas nos últimos 12 meses:(7)

a) forte desejo ("fissura") ou compulsão para consumir a substância;

b) dificuldade de controlar o uso da substância em termos de início, término ou nível de consumo;

c) surgimento de síndrome de abstinência quando o uso da substância cessou ou foi reduzido;

d) necessidade de doses crescentes da substância, evidenciando tolerância;

e) abandono progressivo de outros prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância e aumento da quantidade de tempo necessário para seu uso e/ou recuperação dos seus efeitos;

f) persistência no uso da substância apesar da evidência clara de conseqüências nocivas à saúde.

É importante que se saiba que a intensidade da dependência física varia em cada indivíduo; alguns pacientes apresentam maior grau de dependência física que outros.(8)

A dependência psicológica é a necessidade de utilizar uma droga (no caso, a nicotina) para ter a sensação plena de funcionamento do seu organismo, ou seja, o indivíduo busca no cigarro o alívio de tensões internas, tais como angústia, sensação de vazio, depressão, ansiedade, medo, estresse, além de imaginá-lo como um companheiro, em momentos de solidão. Nestes momentos, não existe necessidade física de nicotina, porém o fumante utiliza o cigarro, inconscientemente, para obter sensação de prazer e bem-estar.(9,10)

Os condicionamentos ao fumar se caracterizam pelas associações que o fumante faz com situações corriqueiras. Por estar presente em sua rotina diária, muitas vezes, durante vários anos, o fumante passa a incorporar o cigarro a essas situações.(11)

Para que se obtenha êxito no tratamento do fumante, é fundamental que se dê igual atenção aos três aspectos da dependência à nicotina.

Estágios de mudança do comportamento do fumante(9,12)

Porque mudança de comportamento é um processo bastante complexo, Prochaska e DiClemente desenvolveram um modelo transteórico de mudança de comportamento, baseado nos aspectos cognitivo e motivacional do fumante. Este modelo foi sendo adaptado com o passar do tempo, sendo importante para que o médico possa reconhecer o grau de motivação que o paciente apresenta no momento da consulta. Os estágios de mudança de comportamento são os seguintes:

• Pré-contemplação: o fumante não pensa em parar de fumar;

• Contemplação: o fumante reconhece que precisa parar de fumar;

• Pronto para ação: o fumante considera seriamente que precisa parar de fumar;

• Ação: o fumante pára de fumar;

• Manutenção: o fumante parou de fumar, mas deve ficar atento para não voltar;

• Recaída: o fumante voltou a fumar.

Síndrome de abstinência(13)

Muitas vezes, quando o fumante deixa de fumar, podem surgir sintomas desagradáveis, tais como irritabilidade, inquietação, ansiedade, insônia, agressividade, cefaléia, tonteira, dificuldade em se concentrar, impaciência, sudorese fria e desejo intenso por cigarros, a chamada "fissura". Estes sintomas caracterizam a "síndrome de abstinência" e se iniciam algumas horas após parar de fumar, tendo sua intensidade aumentada nos quatro primeiros dias, e desaparecem em torno de uma a duas semanas. A "fissura" em geral não dura mais que cinco minutos e tende a permanecer por mais tempo que os demais sintomas. Porém, ela vai reduzindo gradativamente a sua intensidade e aumentando o espaço entre um episódio e o outro.

A síndrome de abstinência torna-se uma grande barreira para que o fumante consiga alcançar seu objetivo de parar de fumar e permanecer abstêmio. Dessa forma, o médico deve ter conhecimento de seus sintomas para poder apóia-lo durante esse processo.

Diferenciar lapso de recaída

Lapso é um episódio isolado de consumo de cigarros, quando um ex-fumante fuma um ou alguns poucos cigarros, sem voltar a fumar regularmente.

Já a recaída é definida como a retomada do consumo regular de cigarros mesmo em quantidades menores.

Tratamento da dependência à nicotina(14,15)

O tratamento da dependência à nicotina tem como eixo central a abordagem cognitivo-comportamental, que combina intervenções cognitivas e treinamento de habilidades comportamentais, visando a cessação e a prevenção de recaídas, podendo acrescentar a utilização de apoio medicamentoso.

A abordagem cognitivo-comportamental tem como objetivo a detecção de situações de risco que levam o indivíduo a fumar, desenvolvendo estratégias de enfrentamento dessas situações. O fumante vive situações rotineiras sem buscar o cigarro, aprendendo a resistir à vontade de fumar. Ele é estimulado a tornar-se um agente de mudança de seu próprio comportamento.

Os medicamentos devem ser utilizados com a finalidade de reduzir os sintomas da síndrome de abstinência, facilitando a abordagem cognitivo-comportamental.

Segundo Consenso Nacional sobre Abordagem e Tratamento do Fumante, a abordagem cognitivo-comportamental é classificada em:

• Abordagem breve/mínima

• Abordagem básica

• Abordagem específica/intensiva

• Abordagem dos fumantes que tiveram lapso ou recaída

• Abordagem do fumante que não deseja parar de fumar

• Abordagem do não fumante

Qualquer que seja a duração da abordagem cognitivo-comportamental, há um aumento na taxa de abstinência, porém, a partir de um tempo total de abordagem de 90 minutos, não ocorre aumento adicional dessa taxa (Fiore, 2000; Ministério da Saúde, 2001).(6,9)

Abordagem breve/mínima

A abordagem breve/mínima pode ser realizada pelo médico durante sua consulta de rotina, com duração de três a cinco minutos a cada contato. Consiste em perguntar a todo paciente se é fumante, avaliar o grau de dependência física e de motivação, aconselhar e preparar para deixar de fumar. Nessa abordagem o médico deve ter consciência de que muitas vezes apenas motivar o fumante a pensar em parar de fumar já é uma grande conquista.

Abordagem básica

Consiste na abordagem breve/mínima, seguida de acompanhamento do paciente em consultas subseqüentes, para prevenção de recaídas.

Abordagem intensiva/específica

A abordagem intensiva/específica consiste na estruturação de um ambulatório específico para o atendimento de fumantes. Pode ser feita individualmente ou em grupo de apoio. O Consenso Nacional sobre Abordagem e Tratamento do Fumante recomenda que essa abordagem seja realizada em quatro sessões semanais estruturadas de 90 minutos, seguidas de duas sessões quinzenais de 60 minutos e uma sessão mensal de acompanhamento até completar um ano, com o objetivo de prevenir recaídas.(6)

Caso o tratamento seja realizado em grupo, até as duas sessões quinzenais, o grupo deve conter entre 10 a 15 participantes e ser fechado. As sessões mensais de acompanhamento devem ser em grupo aberto, reunindo participantes de todos os grupos anteriores.

Abordagem dos fumantes que sofreram lapso ou recaída

Esses pacientes devem ser esclarecidos das circunstâncias que levaram à recaída, sem criticá-los, e estimulados a tentar mais uma vez. Transformar o "fracasso" em aprendizado para não cair nas mesmas armadilhas na próxima tentativa.

Abordagem do fumante que não deseja parar de fumar

Alguns pacientes não desejam parar de fumar por várias razões. Pode ser por desconhecimento dos malefícios do tabagismo, crenças e receios quanto ao processo de cessação, insegurança, medo de não conseguir, ou simplesmente porque realmente não tem interesse.

Nesse caso, é importante que o médico estimule o paciente a pensar em parar de fumar durante suas consultas de rotina.

Abordagem do não fumante

Na abordagem do paciente não fumante é imprescindível avaliar se ele convive com fumantes, principalmente no domicílio ou trabalho.

Abordagem cognitivo-comportamental do fumante

Todo médico deve realizar uma abordagem básica em todos os seus pacientes e estimular nos fumantes a mudança de comportamento. Essa abordagem consiste em cinco procedimentos, a saber:

• Perguntar

• Avaliar

• Aconselhar

• Preparar

• Acompanhar

Perguntar

Todo paciente que for atendido pelo médico em sua rotina de atendimento, deve ter sua história tabágica investigada através de algumas perguntas.

As perguntas são as seguintes:

1) Você fuma?

2) Há quanto tempo você fuma?

3) Quantos cigarros fuma por dia?

4) Quanto tempo, após acordar, você fuma o primeiro cigarro?

5) Você está interessado em parar de fumar?

6) Você já tentou parar de fumar antes? Em caso afirmativo: o que aconteceu?

Avaliar

Após realizar as perguntas, o médico deve avaliá-las com o objetivo de identificar os fumantes, conhecer seu grau de dependência à nicotina e de motivação no momento da consulta.

Todo médico deve perguntar a seus pacientes se fumam, mostrando interesse nessa questão. Em caso afirmativo, os dados sobre o tabagismo devem ser valorizados como se fossem um sinal vital e registrados com destaque no prontuário.

Saber quantos cigarros se fuma por dia, juntamente com o tempo em que se acende o primeiro cigarro pela manhã, é uma forma prática e rápida de se conhecer o grau de dependência à nicotina do fumante. Objetivamente, se o paciente fuma 20 ou mais cigarros por dia e acende o seu primeiro cigarro até 30 minutos após acordar, ele possui dependência elevada da nicotina.

O fumante que mostre interesse em parar de fumar é mais receptivo à abordagem e ao apoio oferecido pelo profissional de saúde. É importante conhecer as tentativas anteriores que o fumante teve para deixar de fumar e as causas dos insucessos anteriores, para que desta vez ele possa transformá-los em sucessos.

Aconselhar

Todos os pacientes devem ser aconselhados a deixar de fumar, alertando-os, enfaticamente, porém sem agressividade, para a importância de cessar o tabagismo o mais rápido possível.

Outro ponto importante, e fundamental, é alertar o fumante para a provável síndrome de abstinência e fissura que ele pode apresentar ao parar de fumar. Esta síndrome é importante barreira para que o fumante se mantenha abstêmio. Nesses momentos, o fumante deve estar instrumentalizado com orientações para resistir ao desejo de fumar. O médico deve se certificar de que o fumante se encontra bem esclarecido sobre a duração e a intensidade dos sintomas, em especial da "fissura".

O aconselhamento deve ser personalizado e adaptado à fase em que o fumante se encontra no momento da consulta. Em qualquer fase, é importante que ele analise e entenda os motivos que o levam a fumar, para que se possa traçar um plano de ação no qual o fumante vai aprender a substituir ou lidar com esses momentos sem fumar.

Se o paciente estiver em pré-contemplação ou contemplação, deve ser sempre estimulado a pensar sobre o assunto tabagismo, sem censura, criando uma atmosfera de respeito e confiança, para que o fumante sinta que o profissional de saúde está realmente interessado em apoiá-lo e acompanhá-lo no processo de cessação de fumar. O médico deve estar ciente de que fazer com que o fumante mude sua fase de comportamento é, sem dúvida, uma vitória. Assim, conseguir com que o paciente comece a pensar seriamente em parar de fumar pode ser considerado como um grande passo para que ele efetivamente deixe de fumar em um futuro próximo.

Preparar

Os pacientes fumantes que estiverem prontos para ação, ou seja, prontos para deixar de fumar, devem ser estimulados para que marquem uma data de parada do fumo aproveitando este momento. Deve-se realizar um plano de ação, avaliando os motivos que o levam a fumar e, a partir daí, traçar estratégias para que o fumante possa resistir à vontade de fumar. Por exemplo, se o fumante apresenta o condicionamento de fumar após o café, orientá-lo a evitar substituindo-o por sucos e, principalmente, bastante água gelada. Deve-se estimular o fumante a ter sempre algo à mão, para substituir o gestual do cigarro, e resistir à fissura procurando ver associações positivas com o ato de não fumar. Além disso, deve-se adotar hábitos saudáveis, tais como atividades físicas e alimentação equilibrada. Outro aspecto importante é orientar o fumante no estresse, ansiedade e tensão, em que ele costuma buscar o cigarro como alívio. Nestes casos, o fumante deve entender que o problema gerador do estresse seguirá seu curso, independentemente do uso do cigarro, que servirá tão somente como um agravante, pois representa mais um problema em sua vida, através da dependência causada por ele e futuras doenças tabaco-relacionadas.

Para que o processo de cessação do tabagismo seja consolidado, o médico deve trabalhar o ambiente social do fumante, de forma que familiares, amigos e colegas de trabalho possam ajudá-lo.

Após todas as informações, o fumante deverá conhecer os métodos de cessação do tabagismo: parada abrupta e parada gradual.

A parada abrupta significa que o fumante deve cessar totalmente o consumo de cigarros de forma súbita, não importando o número de cigarros fumados diariamente. Seu grande obstáculo é a síndrome de abstinência, porém, com uma boa orientação ao fumante sobre seus sintomas e duração, assim como a possibilidade de utilização de apoio medicamentoso, que facilita o êxito da abordagem. É o método que alcança melhor resultado.

A parada gradual pode ser dividida em duas, que são:

• Parada gradual por redução: o fumante reduz o número de cigarros que fuma diariamente, passando a fumar um número menor a cada dia, até o dia em que não fumará mais;

• Parada gradual por adiamento: o fumante adia a hora em que começa a fumar o primeiro cigarro do dia, por número de horas pré-determinado a cada dia, até o dia em que não fumará mais.

O grande obstáculo dessa forma é que o tabagista pode ficar fumando uma pequena quantidade de cigarros indefinidamente e retornar ao padrão anterior subitamente. Portanto, ele deve ser alertado para que não permaneça mais do que duas semanas na utilização da parada gradual.

A escolha do método de parada será do paciente e cabe ao clínico apoiá-lo nesta escolha.

Acompanhar

Todos os pacientes que parem de fumar devem ser acompanhados, a partir da data do abandono. Nestas consultas, serão discutidos os progressos e as dificuldades vivenciadas pelo fumante. O acompanhamento é fundamental para que se obtenha sucesso com a abordagem, pois é durante estas consultas que se fará um trabalho para que se previna a recaída.

O retorno deve ser marcado na primeira, segunda e quarta semanas após a data de parada, pois, nesta fase, os sintomas da síndrome de abstinência são mais intensos e ocorre a maior taxa de insucesso. O paciente deve ser estimulado a retornar às consultas mensais, até completar três meses sem fumar; será incentivado a falar sobre os benefícios alcançados e a superar possíveis adversidades encontradas durante o processo. Em todas as visitas que o paciente estiver sem fumar, ele deve sempre ser parabenizado pelo profissional, mostrando interesse em sua conquista e mantendo-o motivado. Os próximos retornos deverão ser agendados quando o paciente completar seis meses e um ano sem fumar, sempre com o objetivo de ressaltar os benefícios e discutir as dificuldades apresentadas.

O ex-fumante deve sempre ficar atento a situações que podem fazer com que ele volte a fumar. Principalmente, deve ser orientado no sentido de que não pode, em hipótese alguma, acender um cigarro ou dar uma tragada, pois poderá voltar a fumar, até em quantidade superior à que fumava antes.

Recaída

Em caso de recaída, esta deverá ser aceita sem crítica por parte do profissional de saúde, mantendo a atmosfera de confiança e apoio já demonstrada anteriormente. O paciente deverá ser estimulado a tentar de novo, avaliando as causas e circunstâncias do insucesso. Novo plano de ação deve ser discutido, incluindo as maneiras de lidar com as situações que o fizeram recair, e estimulá-lo a vencê-las.

Para se ter noção do que ocorreu no momento da recaída e ter argumentos convincentes para ajudar o paciente a começar de novo, o profissional de saúde pode fazer as seguintes perguntas:(5,10)

1) O que aconteceu?

2) O que estava fazendo nessa hora?

3) Come se sentiu ao fumar seu primeiro cigarro?

4) Você já pensou em nova data para parar de fumar?

Comumente, alguns fatores estão ligados à vontade de fumar, tais como após as refeições, café, bebidas alcóolicas, convívio com fumantes, tédio, estados emocionais negativos e/ou positivos, etc. Após identificar as suas situações de risco, cabe aos dois, profissional de saúde e paciente, determinar a forma mais adequada de enfrentá-las.

O ideal seria evitar as situações de risco, mas nem sempre isso é possível. Nas primeiras semanas, deve-se evitar beber café, substituindo-o por suco, água; da mesma forma, deve-se evitar conviver com fumantes.

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CAPÍTULO 6

Tratamento medicamentoso

Carlos Alberto de Assis Viegas; Jonatas Reichert

Introdução

A prevalência de tabagismo no planeta, de caráter epidêmico, justifica medidas enérgicas preventivas, desde a infância. O grande contingente diariamente exposto e dependente da nicotina necessita de tratamento especializado; na maioria dos casos, são necessárias mais de três tentativas para cessação definitiva. O método proposto por Prochaska e DiClemente,(1,2) baseado em aspectos cognitivo e comportamental, está indicado em todos os casos de tentativa de cessação do tabagismo.

Quando essa abordagem é insuficiente e principalmente nos casos de elevado grau de dependência, podemos associar medicamentos comprovadamente eficazes. Estes são classificados em dois grupos gerais, conforme o mecanismo de ação e a eficácia. Destacam-se os NICOTÍNICOS (terapia de reposição nicotínica-TRN) – e os NÃO NICOTÍNICOS (antidepressivos). São fármacos considerados de primeira linha a bupropiona e TRN e, de segunda linha, nortriptilina e clonidina. Drogas de primeira linha são seguras e eficazes para o tratamento da dependência da nicotina, exceto nos casos em que haja contra-indicação. As drogas de segunda linha têm papel limitado, pela menor eficácia e por efeitos colaterais potenciais. Estas devem ser consideradas nos casos em que as medicações de primeira linha não puderem ser utilizadas ou não foram eficazes.

O uso de medicamentos está indicado para facilitar a abordagem cognitivo-comportamental, sempre com avaliação clínica rigorosa, segundo um dos seguintes critérios:

1. Fumantes de 10 ou mais cigarros por dia.

2. Consumo menor, porém com sintomas da abstinência expressivos.

3. Fumar o primeiro cigarro antes de 30 minutos ao acordar.

4. Fumantes com escore no teste de Fagerström a partir de 5.

5. Insucesso com metodologia comportamental.

6. Desde que não haja contra-indicação clínica na escolha do medicamento, deve-se levar em conta o desejo do paciente em usá-lo, o que poderá aumentar a adesão ao tratamento.

Fármacos nicotínicos

A TRN ajuda a reduzir a fissura por cigarros, bem como a minimizar e lidar com os sintomas da abstinência, de modo que o fumante possa tolerar melhor o abandono do hábito de fumar. Pesquisas mostram que fumantes que utilizam alguma forma de reposição de nicotina, juntamente com terapia comportamental, dobram a chance de abandonar o tabaco. É recomendável que os fumantes parem completamente de fumar antes de começar a usar os produtos de reposição de nicotina, uma vez que não se deve fumar quando estiverem fazendo a reposição.

A reposição de nicotina pode ser feita utilizando adesivo, goma de mascar, spray nasal, inalação e pastilhas.

No Brasil, dispomos apenas do adesivo e da goma de mascar. A goma de mascar contém 2mg de nicotina, que é liberada enquanto mascada, o que deve ser feito de forma descontínua, ficando a goma mais tempo parada entre a gengiva e mucosa da bochecha, sendo ativa por período de 30-45 minutos. Esta dose é suficiente para aliviar os sintomas da abstinência e facilitar o abandono da adição. Habitualmente inicia-se a reposição utilizando cerca de 10 a 15 unidades por dia, evitando ingerir qualquer alimento até 15 minutos após seu uso. Não há necessidade de prescrição médica para comprá-la e seu uso é recomendado por período de até 12 semanas. As gomas são de fácil manejo, permitindo uso flexível e liberam nicotina rapidamente. Existe grande número de trabalhos disponíveis que constatam resultados favoráveis dessa forma terapêutica, considerando períodos diversos variando de seis a 18 meses. As taxas de sucesso variaram amplamente de 9 a 50%, com média de 30%.(3,4,5)

As gomas podem ser inadequadas para pessoas com problemas ou prótese dentais ou na articulação temporomandibular, salientando que não se deve comer ou beber enquanto estiver mascando. De forma geral o abandono da goma de mascar é feito pelo próprio paciente, sem a necessidade explicita de desmame.

Outra forma de TRN disponível são os adesivos de nicotina, que também ajudam a minimizar os sintomas da abstinência pela liberação de pequena dose constante durante seu uso, mantendo nível relativamente estável. O adesivo deve ser colocado pela manhã, na parte superior do tórax, onde não tenha pêlos e fique livre da luz solar. Também podem ser comprados sem prescrição médica, tendo em sua apresentação 7, 14 e 21mg de nicotina. Embora não exista posologia exata, recomenda-se que grandes dependentes iniciem o uso de adesivos com 21mg, podendo reduzir a dose semanalmente. Os adesivos são fáceis de usar e apresentam poucos efeitos adversos, que na maioria das vezes são reações locais. Várias metanálises mostram índices de cessação tabágica variando de 13 a 90% ao final de um ano de acompanhamento.(6,7,8,9,10,11)

Os principais efeitos adversos desta modalidade terapêutica são hipersalivação, náuseas, vômitos e diarréia. Qualquer que seja a forma de reposição de nicotina, deve-se ter cuidado quando o paciente é portador de angina pectoris, arritmias cardíacas graves, úlcera péptica, acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio recente. Embora não se caracterize como contra-indicação, o uso de nicotínicos por gestantes e nutrizes pode ser feito avaliando sempre os riscos potenciais.

Fármacos não nicotínicos

Bupropiona

Bupropiona de liberação lenta é o primeiro agente sem nicotina indicado como adjuvante no tratamento farmacológico da dependência da mesma. Seu mecanismo de ação supõe-se ser mediado pela capacidade de bloquear a recaptação neural da dopamina, norepinefrina e em menor intensidade da serotonina. Salientamos que sua ação exata no auxílio da cessação do tabagismo é desconhecida. A droga é absorvida rapidamente pelo trato gastrintestinal, atingindo pico plasmático em três horas e meia-vida de 21 horas, liga-se às proteínas plasmáticas com eliminação principalmente por via renal. A meia-vida pode estar aumentada na insuficiência hepática e os níveis plasmáticos aumentados na insuficiência renal.

Segurança e tolerabilidade – A bupropiona tem baixo potencial para ser utilizada de forma abusiva e com baixo potencial de interação com as drogas que afetam o citocromo P450. Estas drogas podem incluir antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, betabloqueadores, alguns agentes antiarrítmicos e certas medicações antipsicóticas. Em geral a bupropiona é bem tolerada e seus efeitos colaterais mais comuns são insônia, cefaléia e boca seca, embora possa apresentar diminuição dos reflexos, tontura, agitação e ansiedade. O risco de convulsão, nas doses empregadas, está estimado em 1:1.000 pacientes, estando a droga contra-indicada em pessoas com história pregressa, presença ou risco de convulsão. Outros efeitos adversos, menos freqüentes, têm sido relatados em diferentes sistemas como hematológico, cardiovascular, sistema nervoso central, endócrino/metabólico, gastrintestinal, geniturinário, órgãos de sentido e outros.

De forma semelhante está contra-indicada na anorexia nervosa e bulimia, uso de inibidores da monoamino-oxidase nos últimos 14 dias, pacientes grávidas ou em amamentação. São contra-indicações relativas o uso concomitante de carbamazaepina, barbitúricos, fenitoína, antipsicóticos, antidepressivos, teofilina, corticosteróides sistêmicos, hipoglicemiante oral ou insulina.

• Em pacientes com problemas cardiovasculares a droga geralmente é bem tolerada, sendo infreqüente o relato de hipertensão arterial.

Eficácia – Em revisão recente da Cochrane, avaliando 18 estudos, conclui-se que a chance de interrupção do tabagismo tem odds ratio de 1,97. Dois importantes ensaios clínicos duplo cego placebo-controlados estudaram grupos recebendo 300mg de bupropiona diário por nove e seis semanas, obtendo índice de abstinência de 60% versus 34% do placebo, após nove semanas de tratamento; de 44% versus 19% do placebo, após seis semanas. O índice de abstinência contínua após um ano foi de 24% versus 18%, após nove e seis semanas de tratamento, respectivamente. Outro estudo randomizado e controlado por placebo comparou doses de 100, 150 e 300mg de bupropiona ao dia, durante sete semanas de tratamento, incluindo sempre aconselhamento médico. Ao final do tratamento, os índices de abstinência foram de 29%, 38%, 44% e 18% (placebo), respectivamente. Assim, a dose recomendada para fumantes adultos é de 150mg/dia durante três dias, seguida de duas tomadas diárias de 150mg, com intervalo mínimo de oito horas, durante sete a 12 semanas, podendo ser estendido até seis meses, se necessário. O dia da cessação (dia D) deve ser marcado no máximo dentro de 14 dias após inicio do uso de bupropiona, lembrando sempre que, assim como a terapia de reposição de nicotina, a bupropiona deve ser recomendada como adjuvante da terapia cognitivo-comportamental.

Nortriptilina(12,13) e clonidina(14-17) são medicamentos não nicotínicos de eficácia intermediária e por isso considerados de segunda linha.

Nortriptilina: medicamento tricíclico antidepressivo, empregado como droga de reserva, no impedimento da TRN e bupropiona. Iniciar entre duas a quatro semanas antes da suspensão do tabaco, com doses progressivas, de 25mg por dia até 75mg, com tempo de uso variável. Nos oito primeiros dias de tratamento, os sintomas de abstinência tabágica podem estar diminuídos. Principais efeitos adversos são: anticolinérgico, sedação, boca seca (74%), tonturas (49%), tremores nas mãos (23%), diminuição da visão (16%).

Clonidina: considerada droga de reserva, de ação agonista alfadrenérgica, redutora da atividade do sistema nervoso simpático e conhecida como anti-hipertensiva. Indicada para atenuar os sintomas da abstinência no tratamento da supressão de narcóticos e álcool. Sua administração deve iniciar-se alguns dias antes da tentativa de cessação tabágica, na forma oral ou transdérmica. Principais efeitos colaterais são: boca seca, tonturas e fadiga, irritação cutânea.

- Via oral: dose inicial diária de 0,05mg, depois ajustada até 0,15mg

- Transdérmica (adesivos): 0,1mg e 0,2mg diário

Intervenções farmacológicas combinadas

A eficácia, segurança e tolerabilidade das terapias combinadas não estão exatamente bem documentadas. Em estudo comparando a bupropiona, adesivo de nicotina e bupropiona combinada com adesivo, encontrou índice geral de abandono do tratamento de 34,8%, comparado com grupo placebo, que teve índice de descontinuidade de 48,8%. Apenas 8,8% abandonaram o tratamento devido a efeitos adversos e nenhum efeito colateral sério foi atribuído ao uso das drogas em estudo. Também não foi observada diferença no ganho de peso, após sete semanas do tratamento, entre os grupos. Quanto à eficácia, foram observados os seguintes índices de abstinência do tabagismo, 12 meses após tratamento: 15,6% para o grupo placebo e 16,4%, 30,3% e 35,5% para os grupos usando adesivo de nicotina, bupropiona apenas e bupropiona associada a adesivo de nicotina, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois últimos grupos mencionados. Recomendamos o uso da terapia combinada, quando não houver contra-indicações e especialmente naqueles pacientes que não conseguiram êxito com monoterapia.

Medicamentos em estudos

Methoxsalen (Nicogen)(18,19) – Diminui o metabolismo da nicotina, permanecendo elevada no sangue, com isso reduzindo a compulsão de fumar. Esta droga inibe a enzima que codifica o gene CYP2A6, cujos portadores apresentam metabolismo rápido (60 a 80%) da nicotina inalada. Observou-se diminuição do consumo e do monóxido de carbono no ar expirado.

Vacina antitabaco (Nic-Vax)(20) – Pesquisas em ratos pelo FDA e Faculdade de Medicina da Universidade de Houston revelaram menor concentração de nicotina no cérebro destes animais, que não apresentam sinais de dependência quando esta é suspensa. O mecanismo de ação baseia-se no fato de que essa vacina estimula a produção de anticorpos que impedem a nicotina de chegar ao cérebro. Assim não há liberação de dopamina e outras substâncias psicoativas, não proporcionando prazer em fumar. Estudos iniciais em humanos não mostram ainda conclusões válidas.

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20. Fatton A. Nic Vax. Pharmacology. Biochemestry Behavior. 1999;65:191.

CAPÍTULO 7

Fatores dificultadores da cessação do tabagismo

Antonio José Pessoa Dórea; Clovis Botelho

Introdução

As intervenções para interromper o uso do tabaco ainda não estão integradas às rotinas de saúde no mundo. A falta de estratégias de integração, de tempo disponível para acoplar ações assistenciais mais específicas e mesmo a percepção dos profissionais de saúde de que os tratamentos para a dependência da nicotina são pouco efetivos constituem algumas das barreiras.

Cerca de 70% dos fumantes querem parar de fumar, mas poucos conseguem ter sucesso, sem o apoio dos serviços de saúde. Aproximadamente um terço deles tentam; porém, mais de 90% destas tentativas são realizadas sem tratamento formal (aqueles indivíduos que param de fumar por si próprios). Ao pararem de fumar, um terço dos fumantes ficam em abstinência por dois dias, enquanto 3 a 5% permanecem sem fumar por um ano e podem ser considerados bem sucedidos. Muito embora quase 50% de todos os adultos que já fumaram conseguiram parar com sucesso, a maior parte dos fumantes precisa de cinco a sete tentativas antes que pare de fumar definitivamente.(1,2) Estes dados mostram claramente que a dependência à nicotina é uma desordem complexa e difícil de ser ultrapassada. Independentemente dos métodos utilizados para parar de fumar, o sucesso destes dependerá da identificação dos fatores dificultadores envolvidos. Portanto, torna-se importante identificar grupos de indivíduos com alguns desses fatores dificultadores, que estão associados com as recaídas dos fumantes que tentam deixar o vício e com a manutenção da dependência nicotínica.

A motivação individual para deixar o vício é um dos fatores mais importantes na cessação do tabagismo e está inter-relacionada com uma gama de variáveis hereditárias, psicológicas, fisiológicas e ambientais. Assim, é imprescindível reforçar a motivação dos fumantes e para isso devemos orientar os familiares, amigos e colegas de trabalho para o encorajamento do indivíduo dependente. Sabe-se que fumantes que vivem em ambientes com outros fumantes têm atitudes que reforçam positivamente a continuidade do vício, causando pouca ou nenhuma motivação para a cessação. O planejamento das ações deverá ser organizado a tal ponto que o indivíduo fumante sinta-se motivado a todo instante e que ele perceba que as pessoas da sua convivência desejam o seu sucesso. Em caso de recaídas, as pessoas próximas devem estar cientes dessa possibilidade, o fumante deverá ser motivado a tentar novamente a manter-se sem o tabaco e a procurar recursos terapêuticos adequados.

Neste capítulo, dentre os diversos fatores dificultadores da cessação, destacam-se aqueles ligados às características próprias do indivíduo, tais como: gravidade da síndrome de abstinência, grau de dependência nicotínica, personalidade e as doenças psiquiátricas e o ganho de peso.

Gravidade da síndrome de abstinência

Dentre as dificuldades para a cessação do tabagismo não resta a menor dúvida de que a síndrome de abstinência é uma das principais causas que contribui para a sua manutenção. Normalmente ela é desencadeada pela interrupção do ato de fumar; a intensidade dos sintomas varia entre as pessoas e já foi levantada a hipótese de que a maioria dos fumantes pesados continua a usar a nicotina mais para evitar os sintomas da abstinência.(2) Estes tendem a iniciar-se dentro de algumas horas após a interrupção (cerca de oito horas), aumentando nas primeiras 12 horas e atingindo, em geral, o auge no terceiro dia. O desconforto piora ao anoitecer e as maiores queixas referem-se à compulsão aumentada, irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração e agitação. Dificuldades adicionais também foram descritas, como lentificação no EEG com um padrão de vigília diminuído, sensação de sonolência ou embotamento, bem como reações de hostilidade, cefaléia, distúrbios do sono acompanhados de um aumento na latência e no tempo total do sono REM(3,4) (Quadro 1).


Em alguns indivíduos tais alterações podem ser observadas por 30 dias ou mais, mas os sintomas de compulsão pelo fumo podem durar por muitos meses ou anos. É interessante notar que a abstinência lenta pode resultar em sintomas de compulsão mais intensos que a interrupção brusca, fenômeno que não é observado com a maioria das outras drogas. Reduzindo a dose ao invés de uma interrupção brusca, os sintomas persistem por mais tempo e este fato pode estar associado a nível maior de recidiva. Isto talvez explique porque a maioria dos usuários que tem sucesso ao parar de fumar o faz de maneira brusca.(3)

Sendo a síndrome de abstinência uma das principais causas da recidiva, é fundamental que na abordagem dos programas de cessação do tabagismo o seu tratamento seja considerado como fundamental para o alcance do objetivo. O tratamento dos fumantes envolve a combinação de muitos métodos, objeto de outro capítulo, mas indiscutivelmente torna-se imprescindível aliviar os sintomas da abstinência. Recursos como mudança para outras formas de tabaco como charuto, cachimbo, cigarros menores ou de baixo teor, filtros de diluição, não deram bons resultados, porque a tendência do fumante é continuar a tragar, aumentar o número de tragadas, inalar mais profundamente ou utilizar uma quantidade maior de cigarros de baixo teor. Assim, o tratamento da síndrome de abstinência deve ser realizado abordando os diversos fatores que a causam, desde a abordagem comportamental, passando pela reposição da nicotina, antidepressivos, até o uso de outros medicamentos, quando necessários.(5-8)

Grau de dependência nicotínica

O grau de dependência nicotínica irá influenciar na maior ou menor facilidade do indivíduo abandonar o vício. Quando o fumante atinge 6 ou mais pontos no Teste de Fagerström(9) (grau de dependência elevado ou muito elevado) ele é considerado como fumante pesado. Apesar de que cerca de 70% de todos os fumantes terão sintomas da síndrome de abstinência,(10) o grupo de fumantes pesados torna-se importante devido às grandes dificuldades encontradas na cessação do tabagismo. A grande maioria dos recursos terapêuticos conhecidos e aqueles que estão sendo pesquisados são dirigidos para esses indivíduos.

Os fumantes pesados geralmente são do sexo masculino, maiores de 30 anos de idade, fumam o primeiro cigarro antes dos 30 minutos ao acordar, têm a percepção de dificuldade de abandonar o vício e pouca autoconfiança.(11) Dentre as diversas formas de abordagens para esses pacientes, destaca-se a necessidade do reforço especial na motivação, sem a qual esses pacientes não conseguirão deixar de fumar. Sabe-se que esses fumantes se acham incapazes de deixar o fumo, sem confiança na sua capacidade de abandonar a dependência. Muitos deles falam que estão querendo parar de fumar, porém na verdade esse desejo expresso verbalmente não traduz com fidelidade os seus verdadeiros sentimentos em relação ao tabagismo, pois não estão devidamente motivados para tal ato.(12)

Deve-se estar atento para um tipo especial de fumante pesado, que poderia dificultar ainda mais a cessação: idoso do sexo masculino, com baixa escolaridade e que mora sozinho.(13) Apesar da falsa impressão de que seria mais fácil motivar o idoso do sexo masculino a parar de fumar devido às co-morbidades que já apresenta, este tipo de fumante é muito resistente aos argumentos de abandonar a dependência. Na baixa qualidade de vida que leva, ele vê o cigarro como um bom companheiro para a sua solidão, fazendo reforço positivo com as qualidades benéficas da nicotina: prazer, diminuição da depressão e/ou da ansiedade.(14)

Personalidade e doenças psiquiátricas

Fumantes tendem a ser mais extrovertidos, ansiosos, tensos, impulsivos e com mais traços de neuroticismo, psicoticismo e histórico de distúrbios depressivos e traços de ansiedade, em relação aos ex-fumantes e não-fumantes.(15,16) A prevalência do tabagismo é maior entre pacientes psiquiátricos, em relação à população em geral e os fumantes apresentam proporcionalmente histórico de vida marcado por abuso e dependência de álcool e drogas, agorafobia, entre outras desordens psiquiátricas diversas, em relação aos não-fumantes.(17,18) A maioria dos estudos sobre personalidade e consumo de tabaco vem sendo efetuada tendo como quadro de referência o modelo proposto por Eysenck, em 1967.(19) Segundo esse enfoque, que incorpora contribuições da psicologia de Pavlov a Young, há três dimensões predominantes de temperamento ou personalidade: Extroversão (E), Neuroticismo (N) e Psicoticismo (P), supostamente associadas ao tabagismo.

Cada uma dessas dimensões é constituída por um conjunto de características de personalidade. A dimensão Extroversão (E) é composta por fatores que incluem sociabilidade, assertividade, emoções positivas, vivacidade e nível de atividade. Os indivíduos considerados extrovertidos tenderão a sentir maior necessidade do uso de estimulantes externos para manter a sua homeostase interna, como o uso das drogas (álcool, tabagismo, ou cocaína) ou de esportes radicais, como exemplos. A dimensão Neuroticismo (N) é composta por um conjunto de subdimensões de personalidade, englobando: ansiedade, depressão, vulnerabilidade psicológica, hostilidade e "ira". Nessa linha, o "neurótico" apresenta ineficiente mecanismo auto-regulador para afetos e para modulação da excitação e, portanto, utiliza o cigarro para facilitar a homeostase interna. Em suma, a hipótese é a de que o tabagismo possibilita a redução dos afetos negativos. O fator Psicopatia (P) engloba fatores de temperamento como impulsividade, cinismo, frieza, atitudes anti-sociais, reduzida conformidade, reduzido autocontrole e "busca de sensações estimulantes ou excitantes". Uma das explicações para a correlação entre P e tabagismo seria a seguinte: indivíduos com altos escores em P fumam, em parte, para elevar momentaneamente a atividade funcional do sistema serotonérgico e, portanto, controlar sua impulsividade.(20-22)

A associação entre tabagismo e depressão é explicada através de diferentes ângulos de interpretação. Estudiosos sugerem que a diminuição de afetos ou sentimentos negativos é um processo reforçador e que, portanto, as reduções nos afetos depressivos associados ao uso de tabaco seriam reforçadores para o indivíduo. Partindo do pressuposto de que afetos negativos ocorrem mais freqüentemente e intensamente em indivíduos com depressão, tais indivíduos aprenderiam rapidamente que fumar alivia os sintomas. Além disso, os sintomas depressivos podem disparar o desejo de fumar, porque esses indivíduos teriam sido anteriormente aliviados pela nicotina.(20,23,24)

Com relação às desordens da ansiedade, parte-se do pressuposto de que, se o indivíduo fuma com o objetivo de controlar a ansiedade, por ocasião do abandono do cigarro, o uso de ansiolíticos facilitaria o abandono do tabagismo e atenuaria os sintomas de ansiedade no período subseqüente à cessação.(23,25,26) No entanto, as evidências de associação entre ansiedade e tabagismo ainda são bem menos consistentes, em contraste com a relação tabagismo/depressão.(26) Pesquisas mostram que características de ansiedade ocorrem mais freqüentemente em fumantes, em relação aos não-fumantes.(25,27) Contudo, os resultados denotam controvérsia, pois são vários os estudos em que não foi encontrada essa associação.(28-30)

Outras doenças psiquiátricas também estão associadas ao tabagismo, como a esquizofrenia. Pesquisas mostram que a prevalência de tabagismo é mais acentuada em portadores desse transtorno, chegando a ser cerca de três vezes maior em relação à população em geral.(20,31) Além disso, alguns estudos revelaram também que pacientes esquizofrênicos fumam mais, em comparação com outros pacientes psiquiátricos.(31,32) Nos últimos anos, também a correlação entre consumo de tabaco e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) vêm despertando a atenção de alguns estudiosos. Resultados de estudos sugerem uma associação inversamente proporcional entre tabagismo e a presença de TOC. Pesquisas revelam que a prevalência de tabagismo é menor em pacientes portadores desse transtorno.(18,33)

Alterações do peso corporal

Os estudos clínicos e epidemiológicos relatam que fumantes pesam menos que não fumantes e que ganham peso quando param de fumar.(34,35) A maioria dos estudos mostra que o uso da nicotina produz período de perda de peso (ou redução do ganho de peso), assim como a cessação do uso da droga leva a um período agudo de ganho de peso, seguido pelo retorno a níveis semelhantes aos observados nos controles.(35,36) Este ganho de peso que os pacientes exibem, quando param de fumar, ainda não está totalmente elucidado.

Além disso, ganhar peso em excesso acompanha-se, geralmente, de alterações dos padrões de comportamento e personalidade, freqüentemente manifestados sob a forma de depressão, abstenção, autopunição, irritabilidade e agressão. O ganho de peso ao aumentar o estresse intensifica o impulso de ingerir alimento. No momento são três teorias explicativas mais aceitas para a relação tabagismo e peso corporal: a) aumento da taxa metabólica, com maior gasto de energia pelos fumantes; b) diferenças na qualidade e quantidade dos alimentos ingeridos pelos fumantes; c) ação anorética da nicotina; elas serão detalhadas a seguir.

Aumento da taxa metabólica

Estudos experimentais mostram que animais submetidos ao tratamento com nicotina ou inalando passivamente a fumaça de cigarros não têm o mesmo desempenho quanto ao ganho de peso corporal que os controles. Uma das teorias para tentar explicar o fenômeno encontrado é a de que a nicotina age no balanço energético, pois ratos fumantes, mesmo com consumo alimentar igual ou superior, ganham menos peso corporal que os controles.(37-40) Estudos sobre os efeitos da suspensão do fumo na taxa metabólica encontraram um decréscimo variando de 10% a 16% no consumo de oxigênio entre fumantes que deixaram de fumar. Uma das explicações para que isto ocorra seria que a nicotina ativa os centros hipotalâmicos e acelera a atividade simpática, o que aumenta o gasto energético, reduzindo o peso corporal.(41,42)

Mudanças na ingestão energética

Com relação à ingestão energética, as alterações que o tabagismo pode provocar têm sido objeto de muita polêmica. Em animais de laboratório tem sido mostrado que a nicotina e a exposição à fumaça do cigarro levam a perda de peso com diminuição, manutenção ou aumento do consumo alimentar dos mesmos.(39,43) Geralmente ocorre aumento da ingestão com a parada de fumar, principalmente de alimentos doces, atribuído às modificações nos níveis de substâncias reguladoras que afetam o consumo alimentar e à compensação de uma necessidade psicológica daqueles que deixam de fumar.(34)

O trabalho de Lemos-Santos et al.(44) destaca, além das diferenças quantitativas no padrão dietético de fumantes e não fumantes, a variação no consumo de determinados grupos de alimentos, quando se considera o tabagismo dos indivíduos. Com relação à ingestão energética, nota-se tendência a maior consumo calórico entre fumantes do sexo feminino, ao passo que para o sexo masculino o mesmo não ocorre. Não foi observada esta tendência para os ex-fumantes.

Ação anorética

Alguns trabalhos citam a ação anorética como um dos mecanismos da nicotina interferir na relação tabagismo e controle do peso corporal. Mostraram que com a administração da nicotina houve redução significativa do consumo alimentar, com conseqüente diminuição do ganho de peso. A seguir, com a interrupção da nicotina aumenta a ingestão energética, ficando evidente a preferência por alimentos e soluções doces de alta caloria. Apesar dos resultados conflitantes não se pode, até o presente momento, afastar a ação anorética da nicotina como partícipe na dinâmica do controle do peso corporal dos indivíduos fumantes.(45,46)

Conclusões

Em nível individual, o sucesso da cessação do tabagismo está relacionado com o balanço entre a motivação, grau de dependência nicotínica, perfil de personalidade e a gravidade da síndrome de abstinência, tendo como base a sua carga genética. No coletivo, dentro dos programas de cessação, encontra-se em destaque: pessoal técnico bem preparado para identificar as características determinantes dos diversos grupos de fumantes; infra-estrutura de apoio, segurança da continuidade do programa e a oferta gratuita de medicamentos.

Devemos lembrar que os indivíduos considerados como fumantes leves ou moderados têm pouca motivação para abandonar o tabaco, pois acham que podem parar quando bem o quiserem. Enquanto isso, os fumantes pesados apresentam-se, também, com pouca motivação devido à falta de confiança em conseguir o intento, acham-se incapazes e têm medo do sofrimento que a síndrome de abstinência produz, pois já tentaram e fracassaram outras vezes. Reforçar a motivação desses fumantes é imprescindível; para isso devemos trabalhar em conjunto com os familiares e amigos, no sentido de encorajá-los. A falta de motivação é uma das razões por que muitos fumantes tentam parar de fumar e somente pequeno percentual consegue.

É possível afirmar que o conhecimento sobre os fatores psicológicos e/ou psiquiátricos associados ao tabagismo são importantes para fins práticos, podendo ser incorporado ao tratamento do indivíduo dependente da nicotina. Sugerimos que passem a valorizar mais as características da personalidade individual como um dos fatores determinantes da iniciação e da manutenção da dependência, adequando as condutas terapêuticas específicas para cada indivíduo. Assim, todos os pacientes devem ser avaliados quanto ao perfil de personalidade e a presença ou não de algum distúrbio psiquiátrico associado, antes de iniciar o processo de abandono, pois a falta da nicotina poderá exacerbar os sintomas da síndrome de abstinência e até mesmo favorecer o aparecimento e/ou agravamento das doenças psiquiátricas. Aqueles pacientes com perfil psicológico depressivo ou com alguns sintomas mais graves, denotando doença psiquiátrica, devem ser encaminhados para tratamento especializado antes mesmo de tentar deixar o tabaco.

Como na síndrome de abstinência da nicotina, a fome excessiva destaca-se como causa do elevado índice de recaídas na cessação do tabagismo, é importante o controle do peso corporal no planejamento das ações a serem efetivadas. Neste sentido, já que o ganho de peso que o indivíduo possa ter é determinante para o abandono da dependência, é preciso que nos programas e nas ações de abandono do tabagismo este fato deva ser lembrado. Assim, sugere-se a inclusão de controle dietético rigoroso, combinado com aumento da atividade física, iniciando antes da total parada de fumar, como forma de diminuir os altos índices de recaídas existentes por este motivo.

A maioria dos fumantes que experimentou reduzir o uso do tabaco descreve vários sintomas de abstinência, que se instala se o consumo for reduzido em apenas 50%. Quanto mais elevado o consumo maior a gravidade da síndrome, podendo os sintomas persistir por meses. Muitos pacientes referem grande sofrimento individual e familiar e pouca tolerância à síndrome de abstinência, devido à gravidade dos sintomas apresentados, o que dificulta sobremaneira manter-se sem o tabaco.

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CAPÍTULO 8.1

Abordagem de grupos especiais: crianças e adolescentes

Clemax Couto Sant'Anna; Alberto José de Araújo; Claudia S. Orfaliais

Introdução

As crianças começam a fumar em resposta a influências sociais de amigos, pais e familiares fumantes e pela repetida exposição a mensagens para fumar na mídia. Pais fumantes não só geram modelo de comportamento, mas com freqüência deixam o cigarro disponível no lar. A publicidade do tabaco na mídia inclui gastos, nos EUA, de 10 bilhões de dólares por ano, porém ainda chega a ser mais importante o modelo de comportamento induzido por ídolos no cinema e na televisão. Uma vez que as crianças comecem a fumar, a maioria perde rapidamente a autonomia sobre o comportamento. Os jovens podem ser fisgados pelo tabaco após fumar apenas alguns cigarros. Mais de 80% dos fumantes, na maioria dos países, iniciaram-se antes dos 18 anos.(1) O número de jovens que se iniciam no hábito de fumar vem aumentando desde a última década, a despeito das restrições impostas à publicidade do tabaco. Estudos de prevalência têm revelado um início cada vez mais precoce de jovens fumantes. Na Grã-Bretanha, em 1988, a proporção de fumantes entre 11-15 anos era de 8% e, em 1996, este percentual aumentou para 13%.(2) Pode-se esperar que, em países em desenvolvimento, este percentual seja ainda maior. Nessas áreas as populações carentes vivem sob diferentes pressões, como baixa escolaridade, desemprego, pouca oportunidade de inserção social, violência, desnutrição, além de outros fatores. Esse regime de estresse, comum às comunidades de baixa renda, é um estímulo ao tabagismo, seja como fuga ou como estratégia de enfrentamento. Entre os moradores de rua, o tabagismo pode alcançar percentuais de 90% dos indivíduos.(2)

No Brasil, pesquisa do CEBRID, em 2001, revelou que o uso de tabaco na vida, foi de 41,1%. Para os adolescentes (12-17 anos) a taxa foi de 15,7%, o significou uma queda em relação às pesquisas anteriores, podendo estar relacionado ao impacto das campanhas contra o tabaco realizadas nos últimos anos. O desejo de parar de fumar foi de 5,3% na faixa de 12-17 anos e chegou a 20,8% naqueles com idade acima de 35 anos. Esse aspecto pode estar refletindo o aumento dos prejuízos que o uso de cigarros provoca ao longo do tempo e que são percebidos pelos entrevistados tardiamente.(3)

A prevalência do tabagismo em uma amostra de adolescentes escolares em Salvador - BA, foi de 9,6%, sendo maior entre os rapazes. A experimentação e a influência dos pais estiveram associadas ao tabagismo nesses adolescentes.(4) Um grupo de adolescentes é duplamente afetado pelo tabagismo. Trata-se da adolescente grávida, situação cada vez mais comum nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil. O tabagismo nesse grupo de jovens assume características peculiares, pois além dos danos a saúde para a própria gestante, somam-se os efeitos deletérios para o feto, já bem conhecidos.

Um dos aspectos do tabagismo entre adolescentes é que seus hábitos são irregulares, diferentemente do que ocorre com os adultos. Esse aspecto pode ser um dado favorável para iniciativas e estratégias de prevenção; por outro lado, muitos jovens também se deixam viciar pelo álcool e outras drogas. Entre os jovens as campanhas contra o tabaco que se ocupam apenas de informação, surtem pouco resultado. Porém, campanhas educacionais que orientem os adolescentes a resistir às pressões sociais que os levam a fumar são mais efetivas.(2)

Existe pouca informação na literatura sobre intervenções para deixar de fumar nos adolescentes. Não existem estudos clínicos controlados nesse tema e, além disso, a bupropiona não é liberada para menores de 16 anos. Não se pode considerar que a adaptação de programas de cessação de fumo dirigidos a adultos tenham bom resultado com jovens. Por isso, nos países desenvolvidos, os programas antitabagismo desenvolvidos em escolas, que enfocam aspectos sociais, têm mostrado resultados mais convincentes.(2)

Os conselhos breves e reiterados aos jovens fumantes, durante as consultas nos serviços de saúde, podem exercer impacto na cessação do tabagismo, principalmente quando as consultas dirigem-se a jovens com doenças relacionadas ao tabaco.(5) Do mesmo modo, programas educativos antifumo nas escolas oferecem benefícios discretos na diminuição do consumo do tabaco a curto prazo, isto é, entre seis meses a dois anos, porém tal impacto perde-se com o tempo e avaliações após quatro anos não constatam benefícios com essa estratégia.(5,6)

Sowden e Arblaster, através de revisão Cochrane, referem que há alguma evidência de que as campanhas antitabaco pela mídia poderiam ter algum efeito positivo em jovens com menos de 25 anos; entretanto, esta evidência não é forte e se baseia em pequeno número de estudos.(7)

Efeitos do uso de tabaco na saúde de pessoas jovens

O tabagismo ativo e passivo se associa a significativos problemas de saúde durante a infância e a adolescência e como fator aumentado de riscos para problemas de saúde na vida adulta. Os fumantes adolescentes têm maior probabilidade de falta de ar, acessos de tosse, produção de muco, respiração ofegante e a terem redução global da saúde física, com diminuição da resistência orgânica a infecções. Portanto, fumar cigarros durante a infância e a adolescência representa um risco para sintomas respiratórios já nesta fase da vida; estes problemas são fatores de risco para o desenvolvimento de outras condições crônicas na vida adulta, incluindo a doença pulmonar obstrutiva crônica.

O uso de tabaco é associado com uma ampla variedade de problemas comportamentais durante a adolescência. O tabaco geralmente representa a primeira droga usada por pessoas jovens em uma sucessão que pode incluir, além do tabaco, o álcool, a maconha, e outras drogas pesadas. Este padrão não implica que o uso de tabaco tenha relação de causa e efeito com o uso de outra droga, mas é fato bastante conhecido que o uso de outra droga raramente acontece antes do uso de tabaco.

Existem, ainda, vários mecanismos biológicos, comportamentais e sociais pelos quais o uso de uma droga pode facilitar o uso de outras drogas. Os adolescentes fumantes têm maior probabilidade de uso do álcool e drogas ilegais do que os não fumantes. Eles também são mais prováveis de se envolverem em brigas, portarem armas, tentarem suicídio e de terem comportamentos sexuais de alto risco. Estes distúrbios comportamentais podem ser considerados uma síndrome, desde que o envolvimento em um comportamento aumenta o risco para o envolvimento em outros.

Epidemiologia do tabagismo entre pessoas jovens

A prevalência historicamente mais alta de tabagismo entre meninos foi gradativamente caindo a partir dos anos 70 e coincidiu com um esforço da indústria do tabaco para comercializar cigarros para as mulheres e meninas.(8) A partir dos anos 90, houve um recrudescimento da incidência de fumantes entre jovens, sendo atribuído a uma maciça campanha promocional durante dez anos, com a exploração da imagem simpática do camelo em brindes e personagens na mídia que conquistaram as crianças. Johnston et al. mostraram que a prevalência de adolescentes fumantes nos últimos 30 dias, entre alunos da escola secundária, em 2000, nos EUA, era de 37,9% entre brancos, 27,7% entre hispânicos e somente 14,3% entre negros.(9)

Fatores sociodemográficos, ambientais, comportamentais e pessoais podem encorajar o começo do uso de tabaco entre adolescentes. Jovens de famílias com baixo nível socioeconômico e aqueles que moram com pais separados têm elevado risco de se tornarem fumantes. Entre os fatores ambientais, a influência do grupo é particularmente forte nos estágios iniciais de uso do tabaco; as primeiras tentativas de experimentar cigarros ocorrem freqüentemente com os colegas e o grupo de amigos pode prover expectativas, reforço e sugestões subseqüentes para experimentação e continuação do hábito.

O uso de tabaco pelos pais não parece ter o mesmo peso como fator de risco como o uso de tabaco no grupo; por outro lado, os pais podem exercer uma influência positiva pela reprovação do tabaco, participando de atividades com as crianças, discutindo assuntos de saúde com elas, e encorajando as suas realizações e o envolvimento delas na escola. Ao apresentar imagens atraentes de fumantes, os anúncios estimulam alguns adolescentes que têm relativamente baixa auto-estima a adotar o tabaco como um meio para melhorar a própria imagem do ego.

Apesar de restrições impostas à publicidade e à venda para menores, a exposição ao tabaco continua através de inúmeros pontos de venda, inclusive próximos a escolas, e do contrabando que disponibiliza o produto no mercado informal.

A promoção do tabaco ainda permanece no acesso a programas da televisão paga, no acesso irrestrito a sites na internet, no circo da Fórmula 1 e na poderosa indústria cinematográfica americana, a qual tem uma estreita aliança com a indústria do tabaco, garantindo dessa forma a invasão dos lares, à revelia de toda a legislação restritiva existente.

Fatores sociais no tabagismo na infância e adolescência

A influência do grupo – Os jovens voluntariamente transformam o tabaco em um esforço para ajustar-se e ganhar aceitação dentro de um grupo de amigos.(10) Os amigos que fumam juntos desenvolvem uma cultura social ao redor do tabaco. Uma grande parte desta cultura envolve compartilhar cigarros entre si e, desse modo, amigos que fumam juntos ajudam a perpetuar o comportamento.(11)

A influência dos pais – O hábito de fumar em famílias pode estar relacionado a fatores genéticos, influências sociais, ou acesso fácil ao tabaco.(12,13) O efeito do tabagismo familiar é mais forte durante os anos de escola primária. Este efeito reduz-se em adolescentes mais velhos e não é um forte preditor de que eles venham a se tornar fumantes entre os que se iniciam no tabaco na escola.(11,14) As crianças cujos pais mantêm um ambiente em casa livre do tabaco são menos prováveis de se tornarem fumantes, independentemente de o pai ser fumante.(15)

A atitude dos pais, diante do tabaco, parece ser mais importante que o comportamento dos pais fumantes.(14,16,17) Os pais podem "ser ensinados a conscientizar as crianças para não fumar?" A partir da perspectiva do pai, o processo de conscientização contra o fumo envolve:(18)

1. Perceber que há algo que você pode fazer para afetar a chance de sua criança fumar;

2. Discutir sua própria história de tabagismo e explicar o hábito;

3. Falar sobre as conseqüências negativas que ocorrerão se a criança se torna fumante;

4. Dar reforço positivo quanto à importância do ambiente livre de tabaco;

5. Ensinar a criança sobre como resistir aos apelos da mídia;

6. Preparar a criança para responder a seus pares;

7. Monitorar se a sua criança está começando a fumar.

Prevenção do tabagismo na infância e adolescência

Muitos fatores de risco para o tabagismo têm sido identificados. As crianças, ao nascer, não sabem como fumar; ao contrário, fumar é um comportamento social adquirido e estilizado. A "teoria da aprendizagem social" diz que as crianças adotam comportamentos em parte pela observação.(19) As influências sociais no mundo contemporâneo se referem aos fatores ambientais que oferecem às crianças, de forma repetitiva, um quadro de como fumar e o que elas poderiam ganhar ao fumar.

As crianças imitam o comportamento dos seus pais, amigos e de seus ídolos, especialmente aqueles com os quais se identificam ou admiram, que se tornam "modelos" a serem seguidos.

Alguns fatores exercem sua influência de forma precoce na vida das crianças. Por exemplo, crianças em escola elementar, que iniciaram o tabagismo, respondem principalmente à influência da família: os pais, a imitação de modelos comportamentais e a disponibilidade de cigarros na casa.

Após os 12 anos, os amigos fumantes se tornam a influência social dominante. Também a mídia tem sido identificada como um fator de aprendizagem social importante que influencia o comportamento.(20,21)

Além de fatores de aprendizagem sociais, algumas crianças nascem com características de personalidade que as colocam em um risco mais alto para fumar. Pessimismo, dificuldades na solução de tarefas, desafeto, pobre desempenho escolar, são todas associadas com o aumento do risco para o uso de tabaco. Muitos desses fatores de risco acontecem em grupos. Os jovens com amigos que também fumam assistem mais a filmes que retratam o fumo e têm uma performance escolar mais pobre do que os jovens cujos amigos não fumam.

Conhecer os fatores de risco pode ajudar os médicos a identificar adolescentes que estão em alto risco para fumar, conforme o Quadro 1.


Programas baseados na escola

A escola é um espaço privilegiado para a discussão de práticas voltadas para uma vida saudável e para a construção da personalidade do indivíduo, de sua consciência crítica e da busca de seu lugar no mundo. Por essa razão, programas de prevenção do tabaco baseados na escola vêm sendo objeto de trabalho em vários países; inclusive o Brasil, através da Coordenação Nacional de Prevenção do Tabagismo – CONPREV/INCA, elaborou material específico para o treinamento de professores na difusão de informações relacionadas ao tabagismo.

Os programas mais recentes focalizam sua ação nos fatores sociais que influenciam o tabagismo e utilizam teorias psicossociais como a Teoria da Aprendizagem Social. A ênfase é colocada na aquisição de habilidades ou estratégias para resistir às pressões para fumar.

As evidências são limitadas, até o momento, em relação à efetividade dos programas baseados na escola em prevenir a iniciação tabágica em jovens. Porém, os programas do tipo normas sociais ou do tipo reforço social – os quais incluem conteúdos curriculares acerca das conseqüências do tabagismo sobre a saúde, a curto prazo, combinados com informação sobre as influências sociais que encorajam o hábito de fumar, juntos com treinamento sobre como resistir às pressões para fumar, parecem ser mais efetivos do que as tradicionais intervenções baseadas em conhecimento.(22)

Ambientes livres de tabaco

Diversas abordagens baseadas na restrição ao acesso e na conscientização social sobre a normalidade, aceitabilidade e legalidade do uso de tabaco têm sido dirigidas a crianças e adolescentes. A simples afirmação de que fumar faz mal à saúde não gera, por si só, um impacto na redução do número de fumantes jovens. Vários estudos demonstraram que a prevalência de uso de tabaco é mais baixa em escolas que adotam políticas para proibir o tabaco e que obrigam ao cumprimento estrito de tais políticas.(23-25) Em outro estudo, as taxas de fumantes foram reduzidas em 40% pela implantação de uma política por um ambiente livre de tabaco.(24) Esta é uma ação que pode ser defendida por um único médico ou grupo de médicos dentro de uma comunidade. As restrições ao tabaco em lugares públicos também estão associadas com uma mais baixa prevalência de tabagismo entre os adolescentes.(22)

Restrições do fumo nos lares

A proibição de fumar no ambiente domiciliar remete a uma mensagem que "fumar é insalubre para ambos, o fumante e a família" e associada com um risco diminuído de tabagismo para os jovens.(15,22)

Educação em saúde

Os programas de educação em saúde podem ser efetivos em produzir uma pequena redução na captação de novos usuários de tabaco, mas normalmente requerem uma abordagem multicomponente intensiva.(26,27)

Intervenções na comunidade

As intervenções comunitárias costumam incluir múltiplas atividades todas direcionadas para o influenciar o comportamento de não fumar, tais como a restrição da idade para compra de tabaco, lugares públicos livres de tabaco, campanhas na mídia e programas especiais em escolas.

Prevenindo o uso do tabaco na prática clínica

Baseado em alguns preditores importantes do tabagismo na adolescência, o médico pode desenvolver um perfil de risco, utilizando a Tabela 1. As respostas positivas para quaisquer das primeiras três perguntas relacionam a exposição a três influências sociais no tabagismo. As perguntas 4 a 7 remetem à relação com os pais em torno do uso de tabaco. A questão 8 se relaciona ao papel da escola e as duas últimas determinam a suscetibilidade. As respostas podem orientar o clínico a onde intervir para aumentar o nível de prevenção.(8)

O médico deve desenvolver ou adquirir materiais para dar a pais a cada visita e focalizar sua ação em áreas que dão resultados positivos no questionário de riscos. Esses materiais devem ser fornecidos após breve aconselhamento e projetados para favorecer o diálogo entre o pai e a criança (por exemplo, discutir as expectativas relativas ao uso de tabaco) ou motivar uma mudança de comportamento (por exemplo, motivar o pai para limitar a exposição a filmes para crianças jovens).

As ações de controle do tabagismo podem explorar de forma positiva as características peculiares dos adolescentes. Os médicos devem despender uma boa parte da consulta no aconselhamento aos jovens sobre os malefícios do fumo, como dificuldades respiratórias, escurecimento dos dentes, redução da aptidão atlética, dentre outros. Os adolescentes, em geral, se motivam mais a deixar o fumo que os adultos e fazem maior esforço nesse sentido. Entretanto, as recaídas são também comuns, por isso é necessário manter o aconselhamento constante.

Em crianças e adolescentes os mecanismos de prevenção do tabagismo estão descritos no Quadro 2.(28)


Aconselhamento para cessação do tabagismo na adolescência

O aconselhamento na cessação do tabagismo já no período da adolescência é um desafio que se impõe nos dias atuais. Recentemente o Centro de Pesquisa de Saúde da Criança, da Academia Americana de Pediatria, fez uma revisão comple ta de aconselhamento em intervenções baseadas em consultório.(29) Uma das conclusões do grupo é a de que "as diretrizes para o tratamento da dependência em jovens baseadas em evidências práticas ainda não estão bem definidas".

As diretrizes práticas atuais estão baseadas mais na opinião de especialistas do que nos ensaios clínicos de avaliação de eficácia e são apresentadas a seguir.

• Assumir que os adolescentes fumantes têm interesse em parar de fumar. Dados de seis estudos indicam que entre 71 e 83% dos jovens já tinham experimentado uma tentativa malsucedida de cessação.(30,31) Isso indica que o interesse em deixar de fumar é bastante comum, já nesta faixa de idade.

• Assumir que um jovem que fuma só um cigarro ocasional não pode se tornar dependente. Refletindo o início precoce da dependência, Stone e Kristeller mostraram que 80% de jovens fumantes ocasionais desejavam parar de fumar.(32) Muitos jovens que ainda não estão fumando diariamente são dependentes e acham que a cessação do tabaco será um desafio.

• Assumir que os fumantes jovens não conhecem tudo sobre a dependência à nicotina ou sobre a retirada da nicotina. Será útil aconselhá-los sobre a forma de retirada da nicotina e como eles podem enfrentar os sintomas de abstinência e a "fissura" ou desejo intenso de fumar.

• Assumir que a juventude não sabe como formular estratégia de cessação do tabaco; eles precisam de sua ajuda, a exemplo do que ocorre com os adultos.

• Assumir que a cessação do tabaco não é mais fácil para os jovens que são fumantes leves do que é para os adultos que são fumantes pesados. Não existe nenhuma evidência de que esta assertiva seja verdadeira. Embora os esforços para a cessação freqüentemente comecem antes que se inicie o consumo diário de tabaco, eles podem levar o adolescente fumante, em média aos 18 anos, a uma bem sucedida tentativa de parar de fumar.(33)

Muitas técnicas de cessação que têm funcionado com pacientes adultos têm somente limitado sucesso com adolescentes.(34) Até que se conheçam novos métodos para ajudar os jovens a interromper sua dependência à nicotina, é recomendável que os médicos sigam os passos do clássico programa de abordagem "PAAPA".(35)

Muitos jovens fumantes desenvolvem sintomas de dependência de nicotina antes que eles percebam que já estão "fisgados" pelo tabaco.(36) Quanto mais cedo o jovem fumante for estimulado para deixar de fumar, maior será a probabilidade de sucesso na tentativa de parar. É muito importante alertar os jovens fumantes que eles já estão experimentando sintomas de dependência, com o estabelecimento da tolerância e a necessidade regular de consumo de tabaco; isso pode ser um estímulo para que eles façam uma tentativa mais cedo para deixar o tabaco, o que aumenta a probabilidade de sucesso.

Estratégias de tratamento

Os médicos devem encorajar e apoiar a cessação em todos os fumantes, especialmente os pais de crianças e adolescentes, pelo duplo impacto que representa esta atitude, no tratamento dos pais e na prevenção do tabagismo ativo e passivo nas crianças. O método de abordagem mínima deve fazer parte da abordagem do jovem fumante, a cada consulta.

Segundo o Consenso Brasileiro de Abordagem e Tratamento do Tabagismo, 2001, a terapia cognitivo-comportamental, através de grupos terapêuticos, é, de forma semelhante à realizada para adultos, a modalidade terapêutica de escolha para jovens fumantes.(35) Os conteúdos do aconselhamento deverão se adequar ao público jovem, com linguagem, material didático e dinâmica voltados para a adolescência. Ênfase deverá ser dada para a atividade física, a perda da capacidade de escolha provocada pela dependência, aos aspectos ilusórios da propaganda de cigarros, aos cuidados corporais, com a estética e o desempenho sexual.

Em nossa experiência, o trabalho com grupos terapêuticos produz melhores resultados do que o atendimento individual, sendo aconselhável, no caso de jovens fumantes, buscar esta alternativa àquela do atendimento individual. Ao contrário dos grupos terapêuticos com adultos, em que a discussão dos problemas de saúde é uma constante nos encontros, com os jovens fumantes a estratégia de abordagem deve valorizar os aspectos próprios da idade, focando no estilo e na qualidade de vida, como algo mais concreto e palpável, e no reforço de atitudes e habilidades para enfrentar as situações que levam o jovem a fumar.

Utilização de farmacoterapia

Até o momento, não se dispõe de estudos randomizados e controlados com placebo seja com a terapia de reposição de nicotina ou com a bupropiona, para crianças e adolescentes. Tanto a reposição da nicotina, quanto a bupropiona não têm atualmente autorização para uso em menores de 16 anos, na Inglaterra e nos EUA. Métodos alternativos para apoiar jovens fumantes precisam ser determinados.

A utilização de farmacoterapia de 1ª linha, como a reposição de nicotina (adesivos transdérmicos ou goma de mascar) ou com a bupropiona, associada a abordagem cognitiva, pode ser avaliada nos casos de tentativas anteriores malsucedidas com abordagem cognitivo-comportamental, em jovens que apresentarem níveis elevados de dependência à nicotina.

A existência de poucos estudos na literatura científica, com reposição da nicotina ou com uso da bupropiona em jovens fumantes, tem limitado o seu uso a grupos especiais, como adolescentes com depressão maior e outras co-morbidades.(37,38)

Conclusões

A redução do número de pessoas jovens que começam a fumar é um desafio para as autoridades de saúde, em todo o mundo e de seu êxito dependerão as mudanças no sentido de impactar o nível do tabagismo na vida adulta. Assim, consideramos que os recursos destinados a programas de combate ao tabagismo deveriam investir de forma mais intensa na prevenção ao tabagismo nos jovens. É uma tarefa de relevância social o envolvimento e incorporação de médicos, familiares, professores, juristas, legisladores, artistas, comunicadores, etc., nas campanhas de conscientização pelo banimento do tabaco e de orientação às pessoas vítimas do tabaco. A esta convocação, cada um de nós precisa dar a sua contribuição, seja técnica ou voluntária, no sentido da construção de uma sociedade mais justa, alicerçada em bons princípios ético-valorativos, na qual não cabe espaço para a droga, seja lícita ou ilícita.

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CAPÍTULO 8.2

Abordagem de grupos especiais: gestantes

Fábio Maraschin Haggsträm

Introdução

A cessação do tabagismo é a ação mais importante que a mulher pode fazer com o objetivo de melhorar o desfecho de sua gestação. Apesar do conhecido dano causado pelo cigarro durante a gestação tanto para a mãe como para o feto, grande proporção de gestantes continua fumando durante a gravidez.(1) Portanto, a implementação de intervenção efetiva para o abandono do tabagismo apresenta grande impacto sobre a saúde da mãe e da criança, devendo ser colocada em prática.(2)

A relação entre tabagismo materno e baixo peso do recém-nascido tem sido muito investigada, com estudos envolvendo mais de 500.000 nascimentos. Em 1990 a evidência era forte o suficiente para o Ministério da Saúde dos Estados Unidos da América concluir que o tabagismo materno retarda o crescimento fetal, causando redução média de 200 gramas e dobrando o risco de ter um bebê de baixo peso.(3) Por outro lado, mulheres que param de fumar no primeiro trimestre da gestação têm crianças com peso ao nascer equivalente àqueles cujas mães nunca fumaram.(4)

A relação entre tabagismo e outros desfechos adversos da gestação também tem sido amplamente estudada, estando o fumo associado com risco elevado de placenta prévia, gestação ectópica, ruptura prematura de membranas e morte súbita do recém-nascido. Além disso, o desenvolvimento físico da criança está relacionado com o consumo de cigarros pela mãe durante a gestação, sugerindo uma relação dose-resposta; portanto, quanto maior o consumo de fumo pela gestante, menor o desenvolvimento físico (e às vezes mental) da criança.(5)

Estimativas indicam que aproximadamente 23% de todas mulheres e 25-30% das mulheres entre 15 a 30 anos de idade fumam nos Estados Unidos,(6) provavelmente número semelhante ao que ocorre no Brasil.

Intervenções para cessação tabágica entre gestantes

Terapia cognitivo-comportamental (TCC)

A terapia cognitivo-comportamental é a base do tratamento da dependência nicotínica, independente da população a ser aplicada.(7) A TCC torna-se mais importante nas gestantes fumantes, em que o uso de medicações é contra-indicado ou arriscado.

Algumas gestantes param de fumar espontaneamente assim que recebem a notícia de que estão grávidas. Estas mulheres estão altamente motivadas a proteger seus bebês. Elas param de fumar primariamente pela saúde e bem-estar do bebê e secundariamente por sua própria saúde.(8) Entretanto, muitas gestantes permanecem fumando. Estudos mostram que estas futuras mães tendem a ter mais problemas psicológicos e emocionais, menos recursos financeiros, mais problemas familiares e menor estabilidade residencial. Enquanto fumar para estas mulheres é um redutor de estresse, a gestação é mais freqüentemente um causador de estresse.(9)

Embora difícil, é possível ajudar estas mulheres, que continuam fumando mesmo depois de saber que estão grávidas, a parar de fumar.(10,11)

Intervenções no início da gestação (antes das 20-24 semanas) são efetivas no abandono do tabagismo. Ershoff et al.(12) demonstraram que o aconselhamento médico breve executado por pessoal treinado e com material de auto-ajuda aumenta a taxa de abstinência. O aconselhamento deve ser dado de forma clara e objetiva (por exemplo: o cigarro é muito prejudicial à sua saúde e à do bebê, podendo causar aborto, morte ao nascer, anormalidades congênitas ou deficiência no desenvolvimento físico e mental da criança). Entretanto, para as gestantes que continuam fumando ao iniciar o terceiro trimestre, intervenções mínimas não são mais efetivas. Geralmente estas gestantes apresentam maior grau de dependência nicotínica.(12)

O aconselhamento intensivo (mais de quatro visitas por período de acompanhamento mínimo de três meses e consultas com duração de no mínimo 15 minutos) a gestantes por profissionais especialmente treinados e fora da consulta pré-natal é efetivo na promoção da cessação tabágica e na redução de baixo peso ao nascer e parto prematuro, quando oferecido em qualquer período da gestação.(8)

O aconselhamento deve ser o mesmo preconizado pelos consensos para a população geral. Entretanto, a orientação deve ser individualizada para os problemas relacionados com a gestação: a saúde da mãe e do bebê. Material escrito deve ser entregue à gestante; entretanto, é pouco efetivo se for utilizado como intervenção única.(13)

Uma vez identificada a gestante fumante, seu estágio no que se refere à motivação em parar de fumar deve ser avaliado, mediante a classificação de Prochaska e DiClemente.(14,15) Todos os fumantes, assim como as gestantes, atravessam por estágios característicos de motivação.

É necessário, portanto, inicialmente identificar todas as gestantes fumantes que continuam fumando mesmo após saber que estão grávidas; após, orientá-las a pararem de fumar e, se necessário, encaminhá-las ao tratamento específico com profissionais treinados.

Terapia de reposição de nicotina (TRN)

A eficácia da TRN, combinada com terapia cognitivo-comportamental, está bem estabelecida em populações de não-gestantes. O uso desta medicação em gestantes permanece em dúvida, pois estudos em modelos animais têm demonstrado que injeções endovenosas de nicotina podem causar hipóxia fetal e morte neonatal, além de ter efeito teratogênico.(17)

Além disso, existem poucos estudos controlados com a TRN em gestantes, o que limita a indicação deste tratamento. Wisborg et al.(18) demonstraram a eficácia da TRN em gestante num ensaio clínico randomizado e placebo-controlado. A taxa de abstinência no grupo da TRN foi de 26%, porém sem diferença significativa comparada com o grupo placebo. Mas, ao se avaliar o peso médio ao nascer, os recém-nascidos do grupo da TRN tiveram peso significativamente maior (186g) do que os do grupo placebo.

Portanto, devido à falta de evidências que suportem o uso seguro da TRN na gestação, este tratamento deve ser apenas considerado em mulheres fumantes de mais de 20 cigarros/dia que recentemente tentaram parar de fumar sem sucesso e que estejam motivadas a abandonar o fumo. O uso nestes casos é justificável em relação ao risco de se permanecer fumando.(19) As gestantes que optarem por usar a TRN devem ser aconselhadas a usar produtos de ação curta (como a goma de mascar), com o objetivo de minimizar a exposição fetal à nicotina.(20)

Bupropiona

O uso de antidepressivos, incluída a bupropiona, não é recomendado durante a gestação. Não existem estudos publicados sobre a eficácia ou risco-benefício da bupropiona na gestação; por isso, está classificada como droga com segurança não estabelecida.(21)

Recomendações

• Promover a cessação tabágica entre mulheres em idade gestacional.

• Identificar precocemente gestantes que fumam.

• Aconselhar, de maneira forte e personalizada, sobre os malefícios do fumo durante a gestação e os benefícios ao parar de fumar.

• Dar assistência, identificando o estágio de motivação da gestante em relação a parar de fumar e agir de acordo com o estágio encontrado.

• Acompanhar de perto o processo de mudança ou parada.

• Encaminhar a gestante para profissional treinado e especializado em caso de falha e/ou recaída.

Conclusões

A gestação representa uma oportunidade especial para a cessação tabágica, a qual não podemos deixar escapar. A eficácia da terapia cognitivo-comportamental está bem estabelecida. Entretanto, os profissionais de saúde não estão totalmente preparados para ajudar suas pacientes gestantes a abandonarem o tabaco. Programas específicos para gestantes são muito necessários, uma vez que o tabagismo durante a gravidez é a principal causa evitável de desfechos adversos da gestação.

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CAPÍTULO 8.3

Abordagem de grupos especiais: idosos

Luis Suárez Halty

Introdução

Devido à maior expectativa de vida do ser humano, podem ocorrer mudanças demográficas importantes que provoquem sérias conseqüências sociais e econômicas.(1) No Brasil, o processo de envelhecimento da população acontece em um contexto econômico distinto do dos países ricos, o que dificulta a planificação da previdência social e da saúde.

A OMS descreve como idoso qualquer pessoa acima de 60 anos, embora nos países desenvolvidos esse termo seja utilizado para pessoas de 65 ou mais anos. Conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad 2002) divulgada pelo IBGE, de 1992 a 2002, no Brasil, o número de pessoas com 60 ou mais anos de idade cresceu de 7,9% para 9,3%. No Censo Demográfico 2000 do IBGE, a população brasileira era de 169.799.170, sendo a população com idade > 65 anos de 8.405.513 (4,95%) e com > 85 anos de 796.071 (0,47%).

Em números absolutos e proporcionais os idosos estão aumentando no Brasil, assim como os idosos ditos mais velhos, com 85 ou mais anos. Esse crescimento da população idosa nos obriga a dar cada vez maior atenção à necessidade de cuidar da qualidade de vida, de prevenir doenças, reduzir incapacidades e manejar o aumento da expectativa de vida desses idosos.

O enfoque deste capítulo deve ser centrado em duas perguntas:

• O tabagismo e suas conseqüências, assim como a abordagem da dependência nicotínica e seu tratamento, são diferentes no grupo etário acima dos 60 anos?

• Se assim for, que diferenças devem ser assinaladas?

Epidemiologia

Quando nos referimos a prevalência de fumantes nos idosos, temos que ter em conta que, na realidade, eles provavelmente representam um subgrupo "saudável" da coorte original de fumantes, já que aí não estarão incluídos os que morreram prematuramente ou pararam de fumar motivados, principalmente, por sua situação econômica ou saúde.

Estudo epidemiológico sobre tabagismo na região sul do país(2) revelou que a prevalência de fumantes regulares em indivíduos com idade > 60 anos foi de 10,6% e esta diminuiu progressivamente com o aumento da faixa etária na amostra estudada.

Em 1999,(3,4) nos EUA, achou-se que 10,5% dos homens e 10,7% das mulheres com mais de 64 anos eram fumantes. No Estudo Nacional de Saúde de 1997,(5) na Espanha, a prevalência de fumantes em maiores de 15 anos foi de 33,1% e encontraram-se 12% de fumantes no grupo etário de 65-74 anos e 8% nos maiores de 74 anos.

Acreditamos que seja realista calcular a existência de pelo menos um milhão a um milhão e meio de idosos fumantes no Brasil. Na medida em que aumente a procura destes por apoio para deixar de fumar, deverá existir número suficiente de profissionais dedicados e com conhecimentos, habilidades e atitudes para atender esta população.

Abordagem do tabagismo na terceira idade

A abordagem do tabagismo no idoso é semelhante à dos mais jovens, exceto pela maior possibilidade de co-morbidades e maior risco de interações medicamentosas.(6)

Neste grupo etário, os efeitos do fumo coincidem com o já descrito para a população em geral, com a diferença de que, com maior freqüência, teremos não o risco de sofrer de uma doença tabaco-relacionada e, sim, a presença da mesma, seja esta respiratória, vascular coronária, vascular periférica, cerebrovascular ou neoplásica e suas complicações. Aproximadamente 50% dos fumantes de longa data morrem precocemente em conseqüência de doença relacionada ao tabagismo, sendo que dois terços das mortes são devidas a quatro causas: câncer de pulmão, DPOC, cardiopatia isquêmica e doença cerebrovascular. Todo idoso fumante deve receber ajuda adequada para cessação do tabagismo de acordo com a fase de motivação em que se encontre, como nas demais faixas etárias.(7)

O idoso fumante é um verdadeiro sobrevivente que freqüentemente subestima os riscos, acredita ser imune aos malefícios do fumo, nega os sintomas já existentes, está pouco motivado a deixar de fumar ou acha não ser capaz de fazê-lo.

O dano produzido pelo tabaco diminui quando os fumantes abandonam o consumo, mesmo naqueles que fumaram por 30 ou mais anos. Apesar das variações individuais quanto à resposta à exposição ao tabagismo, inclusive com idosos mais velhos (> 85 anos) saudáveis e que ainda continuam a fumar, é verdadeiro afirmar que continuar a fumar é sempre nocivo e parar é benéfico.

Parar de fumar tem o potencial de reduzir o risco de desenvolvimento de novas doenças, diminuir ou deter a progressão de doença já existente, assim como melhorar a qualidade de vida. A cessação do fumo nos idosos pode evitar ou minimizar o aumento da taxa de declínio mental relacionado ao envelhecimento.

Com certa freqüência nos deparamos com pacientes idosos, fumantes pesados que não querem deixar de fumar devido à alta dependência, constituindo um grupo especial que representa um desafio extremamente difícil. Também podemos encontrar pacientes com história de múltiplas tentativas e recaídas no decorrer dos anos. Isso faz com que o paciente venha com sentimento profundo de frustração, descrédito e resignação. Este idoso pode relatar múltiplos tratamentos, farmacológicos e não farmacológicos, e, quando questionado sobre sua motivação, expressará que vem não por decisão própria e sim por indicação de outro médico ou trazido por um familiar, chegando a dizer que seu real desejo é que o deixem em paz com seu tabagismo. Freqüentemente, são pessoas portadoras de outras doenças, em uso de múltiplas medicações, solitárias e entediadas, que, apesar de reconhecer que o fumo lhes faz mal, vivenciam o cigarro como o "amigo" incondicional que preenche esse vazio existencial.

O processo de cessação do tabagismo deverá ser dinâmico e individualizado e não poderá ser considerado fora desse contexto e do perfil do idoso.

Existem cinco modelos ou perfis de adaptação dos idosos ao envelhecimento, segundo a classificação de Reichard, Livson e Peterson:(8)

1) Perfil maduro: idoso construtivo, independente;

2) Perfil caseiro: idoso dependente, de "cadeira de balanço";

3) Perfil blindado: idoso rígido, defensivo;

4) Perfil insatisfeito: idoso hostil, que pune ou culpa os outros;

5) Perfil autofóbico: idoso autopunitivo.

Provavelmente o idoso com perfil maduro ou blindado terá maior chance de aderir, colaborar e ter êxito num programa de cessação do tabaco.

Constata-se que, além da pobreza de material bibliográfico a respeito do tabagismo no idoso, os médicos algumas vezes se omitem de aconselhar, de oferecer educação e ajuda, adotando uma posição fatalista, como se não fosse importante investir nestes pacientes. Isso pode ser considerado um erro, dado que os benefícios da cessação do tabagismo, como a redução da morbidade tabaco-relacionada e ganho na qualidade e expectativa de vida,(9) também se aplicam nessa idade.(10)

O doente geriátrico é mais suscetível ou valoriza mais o conselho médico que o paciente jovem, porém, é menos otimista a respeito da expectativa de sucesso da cessação do tabagismo. Quando o aconselhamento é feito de forma clara, séria, personalizada e oferecido com apoio, o idoso poderá adquirir a motivação necessária. Esta motivação poderá reforçar no idoso sua conscientização da importância de seu papel sadio na família como reservatório de sabedoria e refúgio afetivo para crianças e jovens, assumindo, assim, a função de modelo de conduta para o futuro adulto.

O processo de abandono do fumo não é um fato pontual e sim um percurso dinâmico e cíclico com diferentes etapas.(11) Nos pacientes idosos, semelhante aos fumantes mais jovens, deve iniciar-se por uma avaliação abrangente. Salientamos:

1) Quando o paciente idoso fumante está pronto e aceita fazer uma tentativa de cessação, geralmente prefere métodos de auto-ajuda ao invés de programas formais. Teremos que interpretar se esta escolha é positiva, representando uma posição madura, ou se na realidade esconde falta de motivação ou de confiança que o leva a evitar expor-se frente a um grupo e prefere tratamento individual.(12,13)

2) Terão que ser consideradas as contra-indicações da farmacoterapia tendo em conta as interações no idoso, freqüentemente com co-morbidades e em uso de múltiplas medicações, assim como a necessidade de adaptar a dose para minimizar os sintomas secundários da dosagem excessiva.(14)

3) Devemos ressaltar que a depressão e o alcoolismo são as principais co-morbidades psiquiátricas neste grupo etário e que podem prejudicar o tratamento.(15) Os idosos são mais vulneráveis à depressão devido às mudanças bioquímicas cerebrais que acontecem com a idade e as modificações neurodegenerativas. A depressão, seja preexistente à tentativa de cessação ou desenvolvida durante a mesma, associa-se a menor chance de conseguir abstinência nicotínica e a maior chance de recaídas.(16) Neste grupo é aconselhável o acompanhamento psiquiátrico.

Em relação ao tratamento medicamentoso nos idosos,(17) podemos fazer as seguintes considerações:

1) A utilização da TRN através de adesivos transdérmicos, em pacientes com doença vascular coronária, muito prevalente nessa faixa etária, não aumenta o risco de complicações cardíacas.(18,19)

2) A farmacodinâmica da nicotina não difere nos idosos saudáveis dos pacientes mais jovens, porém, a eliminação está prejudicada nos doentes com insuficiência renal. Nesses, poderia ser prudente um ajuste de dose.(20,21)

3) Ao indicar o uso de bupropiona, pesar o risco-benefício devido à alta prevalência de co-morbidades inerentes à faixa etária e possíveis interações medicamentosas. Como a disfunção renal é relativamente freqüente nessa faixa etária, seria prudente a utilização de dose única diária de 150mg em todos os idosos.(22-24)

4) Não há estudos específicos sobre o risco da associação de TRN com bupropiona no idoso.

Assim, quando se oferece ao fumante idoso ferramentas adequadas, as taxas de cessação de fumar são comparáveis às dos fumantes mais jovens, contrariando seu ceticismo, fatalismo e falta de confiança. Daí que devem ser estimulados a entrar em programas nos quais se insista nos benefícios à saúde e se identifiquem os riscos específicos que evitarão deixando de fumar.(19,25)

Visto que a cessação do tabagismo na terceira idade, até o momento atual, tem sido pouco avaliada, devem ser realizados estudos com rigor científico nesta área focalizados na prevenção secundária, na cessação de fumar e na interação entre o fumo e sintomas depressivos na população idosa.

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CAPÍTULO 8.4

Abordagem de grupos especiais: pacientes hospitalizados

Luiz Fernando Ferreira Pereira

As doenças relacionadas ao tabaco são um dos maiores motivos de internação hospitalar. A maioria dos fumantes que estão internados deveria receber orientações sobre os benefícios da cessação do tabagismo e os riscos de continuar fumando. Estes pacientes devem saber que a cessação do tabaco reduz a gravidade e a mortalidade das doenças cardiológicas, reduz complicações pós-operatórias e aumenta a qualidade de vida durante o tratamento de neoplasias. Entretanto, a dependência da nicotina é tão forte que 60 a 70% dos fumantes que são liberados do hospital após evento coronário agudo voltam a fumar dentro do período de um ano e a maioria daqueles submetidos a cirurgias mutilantes, em conseqüência de câncer ou de obstruções arteriais periféricas, retorna ao tabagismo alguns meses após a alta hospitalar.

Não há estudos epidemiológicos nacionais sobre o tabagismo intra-hospitalar e o seu manejo. Em avaliação de 650 fumantes internados em um hospital americano, livre de tabaco, constatou-se que:(1)

• 25% dos pacientes fumavam durante a internação;

• 55% dos pacientes referiam sintomas de abstinência da nicotina e 29% referiam grande vontade de fumar nas primeiras 48h de hospitalização;

• fumantes com fissura para fumar ou com sintomas de abstinência tinham maior chance de fumar durante a internação – odds ratio (OR) 3,6 e 6,8, respectivamente;

• a abstenção do tabaco durante a internação foi o único preditor, independente, da manutenção da cessação do tabagismo após alta hospitalar – OR 3,8.

Os fumantes que estão hospitalizados geralmente são mais suscetíveis às mensagens antitabágicas.(2) De um lado, devido à fragilidade, medo de complicações e de morte decorrentes da doença que motivou a internação. De outro, devido à redução da negação desta doença ou da sua gravidade, especialmente após a realização de propedêutica.

Durante a internação os pacientes são aconselhados a abster-se de tabaco, mesmo sem estar preparados, independentemente da fase de motivação em que se encontram, devido à proibição de fumo na maioria dos hospitais. Nessa ocasião é difícil diferenciar sintomas de abstinência da nicotina com os ocasionados por angústia, ansiedade ou depressão inerentes à internação. Por esse motivo, é fundamental o apoio da equipe de saúde e tratamento especializado. Em nosso meio, o número de grupos multidisciplinares treinados para tratamento ambulatorial da dependência da nicotina é muito pequeno e ínfimo para o manejo intra-hospitalar.

O tratamento do tabagismo no hospital difere pouco do tratamento extra-hospitalar e se baseia na identificação do fumante, da sua fase de motivação para parar de fumar, da gradação da dependência ao tabaco, do suporte cognitivo-comportamental e do uso de antidepressivos, como bupropiona e nortriptilina, ou de reposição de nicotina com goma de mascar ou adesivos transdérmicos. Quanto maior e mais prolongado for o suporte realizado por profissional treinado maior será a taxa de abandono do tabaco. Durante a internação é muito importante a observação rigorosa das interações medicamentosas e dos efeitos adversos dos medicamentos, especialmente em pacientes psiquiátricos ou com doenças cardiovasculares.

Em revisão sistematizada publicada pela Cochrane, na qual foram avaliados 17 estudos, concluiu-se que a reposição de nicotina aumenta a taxa de cessação como nos estudos de pacientes ambulatoriais. Nestes estudos, a intervenção hospitalar intensiva:(3)

• seguida de suporte ambulatorial por no mínimo um mês aumentou a taxa de cessação do tabagismo – OR 1,82;

• seguida de suporte ambulatorial menor que um mês não aumentou a taxa de abandono do tabagismo – OR 1,09;

• e sem acompanhamento extra-hospitalar também não aumentou a taxa de sucesso de abandono – OR 1,07;

Em outra revisão, tendo como base a última acrescida de alguns estudos, demonstrou-se que intervenção hospitalar de no mínimo 20 minutos, seguida de pelo menos cinco contatos telefônicos após a alta, por um período mínimo de três meses, é efetiva para aumentar a taxa de cessação do tabagismo.(4)

Estudos mais recentes ratificam as conclusões das revisões anteriores e demonstram aumento progressivo e acentuado da taxa de insucesso do tratamento do tabagismo após o terceiro mês da alta hospitalar. Molyneux et al. demonstraram que a combinação de aconselhamento breve e o uso de adesivo de nicotina por seis semanas aumenta a taxa de cessação do tabagismo em relação ao aconselhamento isolado durante a internação.(5) A combinação aumentou significantemente a taxa de abstenção de 45% para 55% na alta hospitalar e de 6% para 17% após um ano. Simon et al. demonstraram que o aconselhamento médico intensivo durante a hospitalização, associado ao uso de adesivo de nicotina por dois meses e suporte telefônico após alta hospitalar, aumenta a cessação do tabagismo em relação ao aconselhamento mínimo intra-hospitalar.(6) A cessação do tabagismo aos seis e 12 meses foi de 35% e 33%, com o tratamento intensivo, e de 21% e 20% com aconselhamento mínimo, respectivamente. No estudo de Reid et al., a combinação de aconselhamento e uso de adesivo de nicotina foi melhor do que o aconselhamento breve intra-hospitalar nos primeiros três meses após a alta, com abstenção do tabaco de 53% e 42%, respectivamente.(7) Entretanto, após um ano, já não havia diferença e a taxa de cessação do tabagismo caiu para 36% e 39%, respectivamente.

Apesar dos resultados favoráveis e da observação de que fumantes hospitalizados experimentam fissura para fumar e sintomas de abstinência, menos de 8% recebem reposição de nicotina, inclusive nas internações prolongadas. Isso se deve ao desconhecimento das indicações e benefícios dessa reposição e, dentre outros aspectos, ao receio de efeitos colaterais, especialmente em pacientes com doenças cardiovasculares. Estas barreiras podem ser quebradas com o maior conhecimento da medicação por parte dos médicos e, principalmente, com o auxílio de equipes especializadas no tratamento da dependência nicotínica dentro dos hospitais.(8,9)

A reposição de nicotina é considerada segura para tratamento ambulatorial do tabagismo de pacientes com doenças cardiovasculares estáveis.(10) Nas situações agudas, em que há necessidade de internação, como angina instável, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, seu uso é contra-indicado devido ao efeito vasoconstritor da nicotina.(11) Nas situações crônicas é aconselhável pesar riscos e benefícios da reposição com a persistência do tabagismo ou com outros tratamentos da abstinência tabágica.

Rice e Stead revisaram sistematicamente 20 estudos e concluíram que a intervenção das enfermeiras durante e após a alta hospitalar aumenta a cessação do tabagismo.(12) Quist-Paulsen e Gallefoss avaliaram 274 pacientes internados por coronariopatia e demonstraram que a intervenção de enfermeiras, baseada em consulta e contatos telefônicos durante cinco meses, aumenta a taxa de cessação do tabagismo, em um ano, de 37% para 50%, e que é necessário tratar cinco pacientes para obter-se um sucesso adicional.(13)

Em pacientes com indicação de internação eletiva é aconselhável orientar e tratar a dependência tabágica antes da hospitalização, especialmente quando a cessação do tabagismo for essencial como nas cirurgias de grande porte.

As diretrizes e consensos sobre tabagismo fazem poucas recomendações sobre o tabagismo intra-hospitalar. São recomendações das diretrizes do Instituto Nacional do Câncer, publicadas em 2001:(14)

• perguntar e registrar os pacientes quanto ao uso do fumo no momento da admissão;

• para fumantes em atividade, caracterizar o padrão de uso quando da admissão e registrá-lo no resumo de alta;

• prover aconselhamento e assistência para deixar de fumar durante a hospitalização e para a manutenção da abstinência após a alta;

• utilizar sempre a abordagem cognitivo-comportamental, com estratégia de intervenção breve/mínima ou intensiva/específica, dependendo da situação e, quando necessário, o tratamento farmacológico, salvo quando houver contra-indicações clínicas.

Existem poucos estudos que avaliam os preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados. Lando et al. avaliaram 2.350 fumantes após a alta hospitalar e concluíram que os maiores preditores de abstenção do fumo seriam a idade avançada, grande vontade de parar de fumar, em paciente na fase de ação, e demora superior a cinco minutos para fumar o primeiro cigarro após o despertar.(15)

Em conclusão, o período da hospitalização é um bom momento para a identificação e início de tratamento do tabagismo. A abstinência tabágica intra-hospitalar é subvalorizada e não é tratada pela maioria dos médicos. O suporte após a alta é fundamental para o sucesso do tratamento; deve ser individualizado e de duração prolongada com ou sem a associação de medicamentos (Tabela 1). A simples proibição do tabagismo em ambientes hospitalares é insuficiente para a abordagem destes pacientes, devendo-se estimular a criação de equipes multidisciplinares especializadas no adequado manejo do tabagismo.

Referências bibliográficas

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3. Rigotti NA, Mufano MR, Murphy MF, Stead LF. Interventions for smoking cessation in hospitalized patients. Cochrane Database Syst Rev 2003;1:CD001837.

4. Wolfenden L, Campbell E, Walsh R, Wiggers J. Smoking cessation interventions for inpatients: a selective review with recommendations for hospital-based health professionals. Drug Alcohol Rev 2003;22:437-52.

5. Molyneux A, Lewis S, Leivers U, et al. Clinical trial comparing nicotine replacement therapy (NRT) plus brief counseling, brief counseling alone, and minimal intervention on smoking cessation in hospital inpatients. Thorax 2003;58:484-8.

6. Simon JA, Carmody TP, Snyder E. Murray J. Intensive cessation versus minimal counseling among hospitalized smokers with transdermal replacement: a randomized trial. Am J Med 2003;114:555-62.

7. Reid R, Higginton L, Johnson K, et al. Stepped care approach to smoking cessation in patients hospitalized for coronary artery disease. J Cardiopulm Rehabil 2003;23: 176-82.

8. Rigotti NA, Arnsten JH, McKool KM, et al. The use of nicotine-replacement therapy by hospitalized smokers. Am J Prev Med 1999;17:255-9.

9. Emmons KM, Goldstein MG, Roberts M, et al. The use of nicotine replacement therapy during hospitalization. Ann Behav Med 2000;22:325-9.

10. Joseph AM, Normam SM, Prochaszka AV, et al. The safety of transdermal nicotine as an aid to smoking cessation in patients with cardiac diseases. N Engl J Med 1996;335: 1792-8.

11. Molyneux A. ABC of smoking cessation. Nicotine replacement therapy. BMJ 2004;328:454-6.

12. Rice V, Stead L. Nursing interventions for smoking cessation. Cochrane Database Syst Rev 2004;1:CD001188.

13. Quist-Paulsen P, Gallefoss F. Randomised controlled trial of smoking cessation interventions after admission for coronary heart disease. BMJ 2003;327:1254- 7.

14. Instituto Nacional de Câncer, Ministério da Saúde. Governo Federal. Coordenação de Prevenção e vigilância. Consenso 2001;1-36.

15. Lando H, Hennrikus D, McCarty M, Vessey J. Predictors of quitting in hospitalized smokers. Nicotine Tob Res 2003; 5:215-22.

CAPÍTULO 9

Tabagismo passivo

Maria Vera Cruz de OliveiraI; Maria Penha Uchoa SalesII

IVice-presidente da Sociedade Paulista de Tisiologia e Pneumologia; Médica coordenadora do Ambulatório de Tabagismo do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

IIMédica coordenadora da Comissão de Controle do Tabagismo da Sociedade Cearense de Pneumologia e Tisiologia e do Ambulatório de Apoio ao Tabagista do Hospital de Messejana, Fortaleza, Ceará

Resumo

O tabagismo passivo também dito involuntário ou ambiental é a exposição secundária à fumaça do cigarro ou de qualquer produto derivado do tabaco. Acredita-se que a exposição tabágica do não fumante que convive com um fumante seja equivalente a 1% de 20 cigarros fumados ativamente ao dia, sendo registrada maior associação com doenças respiratórias, cardíacas, câncer de pulmão e doenças infantis. Observa-se maior risco para DPOC e maior gravidade da asma. Hackshaw demonstrou que o risco de câncer de pulmão, após ajuste de fatores confundidores, foi de 26%, havendo dose-resposta entre o número de anos de exposição com o tabagista e a intensidade do mesmo. Estudos têm confirmado associação da doença isquêmica cardíaca nesta população, com risco relativo de 30%. A razão de chance do fumante passivo de apresentar acidente vascular cerebral é de cerca de 74%. Revisões sistemáticas têm mostrado associação positiva entre exposição tabágica, especialmente quando a mãe é a fumante, e problemas respiratórios na infância, tais como: sibilância, asma e otite, além de maior incidência de morte súbita infantil. O tabagismo passivo pode também representar fator de risco para o feto, comprometendo o crescimento e desenvolvimento pulmonar, provocando baixo peso ao nascer e maior mortalidade perinatal. A gestante apresenta maior risco de abortamento. A identificação do risco associado com a exposição ambiental tabágica é um passo crucial para as medidas de prevenção e tratamento. Os danos justificam medidas para a proibição do tabagismo em locais públicos e de trabalho, campanhas educacionais para se evitar a exposição, inclusive intradomiciliar, e estimular o abandono do fumo. Lembrando que o sucesso destas medidas depende da correta implementação do binômio legislação-educação. Portanto, faz-se necessário maior compromisso por parte do poder público, médicos e sociedade no intuito de oferecer um mundo livre de tabaco.

Introdução

Este fenômeno é compartilhado por pessoas que sofrem exposição à fumaça do tabaco liberada no ambiente, a partir da combinação da corrente secundária, que compreende a fumaça que é eliminada diretamente da queima da ponta do cigarro, e da corrente primária, fumaça que é expirada após ser inalada pelo fumante. Sendo a primeira, a principal fonte de contaminação. A fumaça da corrente secundária, embora mais poluente em virtude do fato de conter maior concentração de substâncias tóxicas, é menos nociva, uma vez que estes elementos se dispersam na atmosfera. Esta fumaça que é inalada secundariamente consiste de uma fase gasosa e de uma fase particulada, que se vão modificando durante sua diluição e distribuição no ambiente.(1)

A concentração de partículas respiráveis pode se elevar substancialmente em ambientes fechados e com ventilação precária. A composição da fumaça do tabaco inalada involuntariamente é variada em sua composição quantitativa e qualitativa, na dependência do padrão de tabagismo no ambiente. Em resumo, a magnitude da exposição ambiental tabágica é dependente de vários fatores: dimensão do espaço onde ocorre a exposição, número de fumantes ativos, intensidade do fumo, tempo de exposição, idade da pessoa exposta, freqüência de troca de ar no ambiente fechado e uso de purificadores de ar.(1)

Anteriormente, havia uma tendência de se considerar o tabagismo passivo como um problema de menor importância quando comparado com o do tabagismo ativo, porém para diversos grupos da sociedade, particularmente as crianças, a exposição ao tabaco ambiental é quase impossível de ser evitada. Em 1962 e 1964 o Royal College of Physicians de Londres e o Surgeon General dos EUA divulgaram dados mostrando a relação entre tabagismo passivo e câncer de pulmão. Na década de 70 a questão do tabagismo passivo passou a ser discutida mais amplamente e já em 1971, nos EUA, começaram a surgir leis para proteger os direitos dos não fumantes. Por outro lado, a indústria do tabaco passou a ter importante papel confundidor publicando anúncios em que comparava os riscos para câncer de pulmão devido ao tabagismo passivo com uma variedade de outros aparentes riscos envolvidos em atividades diárias(2) ou ainda financiando autores de revisões sobre os efeitos do tabagismo passivo na saúde. Corroborando estes dados, Barnes e Bero(3) revisaram 106 artigos sobre tabagismo passivo e encontraram 39 cuja conclusão foi de que o tabagismo passivo não era prejudicial à saúde, sendo que, deste total, 29 autores (74%) tinham filiação com a indústria do tabaco.

O relato de doenças associadas ao tabagismo passivo ocorre desde o início da década de 80. Os primeiros estudos avaliavam a incidência de câncer de pulmão em pessoas que nunca haviam fumado, especialmente cônjuges de tabagistas. As metanálises disponíveis permitem afirmar que existe associação significante entre risco de câncer de pulmão e tabagismo passivo, tanto para mulheres quanto para os homens com exposição domiciliar e no ambiente de trabalho. Da mesma forma, o risco para doença coronariana aguda aumenta nos expostos ao tabagismo passivo. A maioria dos estudos tem demonstrado que em crianças expostas ocorre maior freqüência de infecções respiratórias, sibilância, asma e síndrome de morte súbita. Observa-se também maior risco para a gestação, como aborto, baixo peso ao nascer e maior mortalidade perinatal. Além disso, observa-se maior associação com câncer de pulmão, DPOC, redução da função pulmonar, doenças coronariana e vascular cerebral.(1)

A interpretação dos resultados dos estudos de avaliação da associação da exposição ambiental tabágica com doenças respiratórias e cardiovasculares é limitada em virtude das diferentes metodologias utilizadas para a mensuração do tabagismo passivo e a variedade de vieses potencialmente implicados. Na grande maioria dos trabalhos, a avaliação do grau de exposição ao fumo é inferida pelas informações dos questionários a respeito da carga tabágica dos participantes, em vez de ser realizada através da dosagem de nicotina ou cotinina no sangue, urina ou saliva e dos marcadores ambientais (monóxido de carbono). Os principais problemas relacionados com trabalhos a respeito do tabagismo passivo são: ausência de definição clara do que seja tabagismo ativo e passivo, ex-fumante e intensidade da exposição passiva. Também muitas vezes não são observados os critérios de associação causal apontados por Hill:(4) intensidade de associação, consistência, especificidade, temporalidade, dose-resposta, plausibilidade, coerência, evidência experimental e analogia.

Num ambiente fechado, com fumantes, onde a poluição chegue a 38ppm de monóxido de carbono, a concentração de carboxiemoglobina pode atingir 8% no sangue dos tabagistas passivos. Os efeitos agudos do tabagismo passivo são: irritação nos olhos, manifestações nasais, tosse, cefaléia e aumento de problemas alérgicos.

De acordo com a 3ª Conferência Nacional sobre Saúde,(5) 37% de adultos não tabagistas e 43% de crianças estão expostos ao tabagismo passivo nos EUA. Acredita-se que a exposição tabágica do não-fumante que convive com um fumante seja equivalente a 1% de 20 cigarros fumados ativamente ao dia, sendo o risco associado com doenças da ordem de 20%, com risco relativo de 1,2 (British Doctors Study).(1)

Principais efeitos sobre a saúde

Doenças respiratórias

A avaliação da relação causal entre tabagismo passivo e doenças crônicas respiratórias é difícil, pois o aparecimento de sintomas clínicos pode ocorrer após 20 anos ou mais de exposição.(6) Em 1986 o relato do US Surgeon General(7) sobre as conseqüências para a saúde do tabagismo passivo concluiu não ser possível fazer uma relação entre este e os sintomas respiratórios crônicos e alterações de função pulmonar. Kalandidi,(8) em 1987, concluiu que os sintomas respiratórios em adultos são mais freqüentes em não tabagistas expostos ao tabagismo passivo. Similarmente, Masi(9) descreve reduções na função pulmonar em adultos não tabagistas expostos ao tabagismo passivo, em torno de 2,5% de queda de VEF1. Recentemente Upton(10) avaliou as conseqüências do tabagismo materno, paterno e ativo em relação à incidência de DPOC em 3.202 adultos, concluindo que o tabagismo materno afeta os volumes pulmonares independentemente da história tabágica pessoal, sugerindo que o mesmo tem efeito sinérgico com o tabagismo pessoal na gênese da DPOC. A taxa de risco para DPOC foi de 0,6 (95% CI: 0,2-2,1) quando a mãe fumava até 14 cigarros por dia, 2,3 (1,0-5,3) para 15-24 cigarros e 6,0 (1,8-20,5) para mais de 25 cigarros. O tabagismo paterno não elevou o risco de DPOC.

Apesar das controvérsias existentes, os estudos sobre asma no adulto e a exposição ao tabagismo passivo procuram determinar a relação deste como fator de risco e morbidade. Entre os estudos podemos citar Hu,(11) que em 1993 avaliou 1.469 adultos entre 20-22 anos, cuja exposição ao tabagismo passivo foi determinada a partir de dados escolares. O tabagismo materno e paterno foi associado com o diagnóstico de asma (OR = 1,6-95% CI: 1,1 a 2,3 e OR = 1,3-95% CI: 0,9 a 1,8 respectivamente), sendo encontrados dados similares para a asma presente (OR = 1.6 e OR = 1,4). Também foi encontrada uma relação dose-resposta com o número de cigarros fumados e o número de pais fumantes (OR = 3,3 para asma atual e os dois progenitores tabagistas comparados a nenhum deles tabagista). Greer(12) estudou o tabagismo passivo no ambiente de trabalho e o aparecimento de asma por um período de 10 anos, concluindo ser o tabagismo um fator de risco significante (RR = 1,5-95% CI: 1,2 a 1,8), após avaliadas a associação com história de doença obstrutiva antes dos 16 anos, educação, níveis de ozônio ambiental, entre outros fatores. O tabagismo ativo está associado ao desenvolvimento de asma ocupacional por agentes com alto peso molecular/IgE, sendo plausível a hipótese de que o tabagismo passivo também possa contribuir para o aparecimento de asma ocupacional em não fumantes. A morbidade foi avaliada por Jindal,(13) que observou que asmáticos adultos expostos ao tabagismo passivo apresentavam taxa mais elevada de exacerbações, absenteísmo no trabalho, uso de broncodilatadores de resgate e corticóides, além de terem pior função pulmonar (IT = 68,7 x 78,4 não expostos ao tabagismo passivo). Danuser(14) expôs indivíduos com e sem hiper-reatividade brônquica a concentrações progressivamente elevadas de fumaça de cigarro, observando que nada ocorria àqueles que não tinham hiper-reatividade brônquica, enquanto os demais tinham quedas de VEF1 em média de 6,3%.

O tabagismo passivo, juntamente com outras exposições ambientais e/ou ocupacionais, além de fatores genéticos, são os responsáveis por 10% da mortalidade atribuível à DPOC. Os estudos existentes se basearam na freqüência de sintomas respiratórios(13), alterações da função pulmonar(15) e em dados de hospitalização e mortalidade por DPOC.

Sandler,(16) avaliando a mortalidade por DPOC em não tabagistas com exposição ao tabagismo passivo domiciliar, encontrou risco elevado somente para mulheres (RR 5,7 95% CI: 1,2 a 26,8 x RR 0,9 para homens). Kalandidi,(8) avaliando mulheres não tabagistas admitidas no hospital com diagnóstico de DPOC, concluiu ser o tabagismo do marido importante fator de risco (OR 2,6 90% CI 1,3 a 5,0). Por outro lado, com relação ao prognóstico, estudo de coorte prospectiva ao longo de 40 anos em mulheres e homens expostos ao fumo do companheiro não mostrou associação positiva com a mortalidade por DPOC (RR = 1,27 CI: 95%; 0,79 a 2,08) em 9.619 homens e (RR = 1,13 CI: 95%; 0,8 a 1,58) em 25.942 mulheres. Assim, DPOC, asma, enfisema têm sido associados com exposição ambiental ao tabaco, mas a evidência de elevação da taxa de mortalidade é esparsa.(17)

Câncer de pulmão

Há relatos da presença de aminas aromáticas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ligados a macromoléculas como a hemoglobina e metabólitos destas substâncias na urina de tabagistas passivos, o que justifica o nexo causal entre a exposição passiva ao tabaco e o câncer de pulmão. Estes dados foram comprovados em estudos experimentais com animais, que demonstraram que o efeito ao tabagismo passivo inclui: aumento da atividade de enzimas envolvidas no metabolismo carcinogênico, alterações de DNA em diversos tecidos e a presença de biomarcadores carcinogênicos urinários.(18)

Hackshaw(19) avaliou o risco de câncer de pulmão numa metanálise de 39 estudos epidemiológicos e após ajuste de fatores confundidores, como dieta, e outras exposições ambientais e ocupacionais, encontrou um risco de 26% com variação de 13% a 36% (95% CI: 8 a 49%) em não tabagistas que vivem com tabagistas, havendo inclusive dose-resposta entre o número de anos vividos com o tabagista e a intensidade do tabagismo do mesmo e o achado de carcinogênicos específicos do tabaco no sangue e na urina. Hirayama,(20) em seu estudo pioneiro, acompanhou 91.540 mulheres com mais de 40 anos por 14 anos e observou uma taxa de risco de 1,0 para câncer de pulmão quando os maridos eram não tabagistas, 1,61 quando os maridos eram ex-fumantes ou fumantes de até um maço por dia e 2,08 quando os maridos fumavam mais de um maço por dia. Bofetta(21) conduziu um estudo de caso-controle em 12 centros localizados em sete países europeus, avaliando 650 pacientes com câncer de pulmão e 1.542 controles que eram questionados sobre a exposição ao tabagismo passivo na infância, na vida adulta, no trabalho, em veículos e locais públicos. Embora não tenha sido encontrada relação positiva com a exposição ao tabagismo passivo na infância, a mesma foi positiva para os casos de esposa ou marido tabagistas (RR 1,16) e para exposição no ambiente de trabalho (RR 1,17).

Doenças cardíacas

Law(22) avaliou o risco de doença isquêmica cardíaca em não tabagistas expostos a tabagismo passivo numa metanálise de 19 estudos e encontrou risco relativo de 1,30 (95% CI: 1,22 a 1,38); observou uma dose-resposta não linear entre a exposição à fumaça do tabaco e a ocorrência dos eventos. Um dos fatores confundidores seria a dieta(23) e não tabagistas que vivem com tabagistas tendem a ter dieta semelhante a estes, ou seja, uma dieta rica em gorduras saturadas e açúcares, o que, também, aumentaria o risco de doença coronariana. Possivelmente outros fatores de risco, características genéticas, sedentarismo e alcoolismo estariam envolvidos.

O aumento imediato do risco de doença cardíaca isquêmica atribuível ao efeito sobre a agregação plaquetária(24) é de 43% para tabagistas e de 34% para tabagistas passivos, sendo este dado corroborado por estudos que mostram concentrações elevadas do ácido araquidônico(25) (que leva à agregação plaquetária) nestes indivíduos. Outros mecanismos implicados seriam os efeitos agudos do tabagismo passivo: aumento da freqüência cardíaca em repouso, pressão arterial e dos níveis séricos de carboxiemoglobina e monóxido de carbono. Além disso, ocorre aumento do colesterol sérico, que com a ativação de neutrófilos e subseqüente liberação de oxidantes que lesam o endotélio, contribuiria para aterosclerose. Jiang,(26) em 1999, publicou metanálise de 18 estudos epidemiológicos que avaliou o risco de doença coronariana e o tabagismo passivo, encontrando um risco relativo de 1,25 (95% CI: 1,17 a 1,32), comparado com não tabagistas não expostos a tabagismo passivo.

Panagiotakos et al. realizaram trabalho intitulado CARDIO 2000: estudo de caso-controle, em que avaliaram associação entre tabagismo passivo e o risco de desenvolvimento de síndromes coronarianas agudas (infarto agudo do miocárdio e angina instável) em não fumantes, em relação à presença de vários outros fatores de risco para doenças cardiovasculares. Os resultados mostraram que não-fumantes ocasionalmente expostos (< 3 vezes/semana) a fumaça do tabaco tinham risco aumentado de 26% de apresentar ICO (OR = 1,26, p < 0,01) comparados com não-fumantes não expostos. Com a exposição regular (> 3 vezes/semana), o risco aumentou 99% (OR = 1,99, p < 0,001). Este estudo dá suporte à hipótese de que mesmo o tabagismo passivo ocasional aumenta o risco de ICO, especialmente quando outros riscos estão associados.(27)

Associação entre exposição ambiental ao fumo e risco para AVC foi demonstrada em estudo de caso-controle realizado por Bonita et al. em 1999, na Nova Zelândia. Além da evidência de associação independente entre AVC e tabagismo ativo, observou-se também elevação do risco no fumante passivo (OR-1,74), tendo esta associação se elevado mais ainda na presença de outras variáveis como HAS e diabetes.(28)

Doenças infantis

Exemplo típico de tabagismo passivo é o do feto de gestante tabagista que tem seu desenvolvimento alterado, nascendo em média com 200g a menos de peso, comparado com filhos de não fumantes.(29)

Stracham e Cook,(30) numa metanálise ampla, concluíram que o efeito do tabagismo dos pais é maior no primeiro ano de vida, sendo mais suscetíveis os prematuros, de baixo peso ao nascimento e atópicos. Não foi observada diferença entre tabagismo pré e pós-natal ou só pós-natal. Revisão sistemática mostra os efeitos do tabagismo passivo sobre o sistema respiratório das crianças, tais como: sibilância, tosse, asma e otite média aguda e recorrente, particularmente em pré-escolares e quando o fumante era a mãe (RR = 1,64; CI: 95% 1,54 a 1,73). Também foi encontrado maior número de admissões hospitalares em crianças com fibrose cística expostas ao tabagismo passivo. O efeito do tabagismo paterno foi significativo para as doenças respiratórias na infância, em situações em que a mãe não fumava. O efeito maior do tabagismo materno ocorre por esta permanecer mais tempo com a criança.(31) Outro estudo dos mesmos autores mostrou que o tabagismo domiciliar era fortemente associado com sibilância em crianças não-atópicas e indicadores de gravidade da asma.(32)

Wennergren,(33) em seu estudo, mostra que o diagnóstico de asma em crianças com 10 anos está mais freqüentemente associado ao tabagismo passivo na primeira infância (82% x 59%) do que ao tabagismo passivo atual (54% x 52%). Está descrito pequeno aumento da hiper-reatividade brônquica entre crianças de mães fumantes. O tabagismo materno se associa com um menor VEF1 em escolares e isso ocorre devido aos efeitos agudos da exposição ao tabagismo passivo e também ao tabagismo pré-natal.

Em crianças californianas, exposição intra-uterina ao tabagismo materno foi associado com risco aumentado de diagnóstico médico de asma.(34) Em crianças com asma, o tabagismo dos pais aumenta os sintomas e a freqüência das crises. Metanálise de 51 publicações mostrou risco 37% maior de adquirir asma até os seis anos e 13% maior após os seis anos se os pais fumavam.(32)

No Brasil, alguns estudos sobre infecções respiratórias agudas na infância e sua relação com o tabagismo passivo são descritos. Duarte e Botelho,(35) embora tenham observado que 55% das crianças eram tabagistas passivas, não conseguiram estabelecer uma relação direta do tabagismo passivo com a distribuição das infecções respiratórias agudas. Já Prietsch et al.,(36) em seu estudo com 775 crianças de zero a 59 meses, encontraram como fatores diretamente associados com doença respiratória: tabagismo materno durante a gestação (p = 0,03) e tabagismo materno atual (p = 0,01). Os mecanismos para explicar estes achados seriam os efeitos agudos da exposição à fumaça do cigarro na mucosa das vias aéreas superiores e na função pulmonar, infecções virais mais graves na infância e o fato dos pais apresentarem mais infecções respiratórias e as transmitirem mais freqüentemente aos filhos. Estudo brasileiro censitário de corte transversal para avaliar a prevalência da morbidade respiratória em 1.104 crianças fumantes passivas menores de cinco anos, realizado por Carvalho e Pereira, mostrou que na análise de regressão logística os principais fatores preditores da morbidade do trato respiratório inferior foram: mãe fumante (OR = 2,02; IC: 95% 1,12 a 3,66); pai fumante (OR = 1,99; IC: 95% 1,16 a 3,40); e presença de mofo em casa (OR = 1,55 IC: 95% 1,14 a 2,13).(37)

Embora existam vários fatores confundidores na análise dos casos de síndrome de morte súbita infantil, o tabagismo materno pós-natal, inclusive comprovado por cotinina urinária, mostrou ser importante fator de risco, havendo uma dose-resposta positiva comprovada. Blair,(38) em seu estudo, refere que o tabagismo materno aumenta o risco de morte súbita na infância (OR 2,08 (95% CI 1,90 a 2.21).

As crianças nascidas de mães que fumaram durante a gestação terão baixa densidade mineral e conseqüentemente menor desenvolvimento da massa óssea.(39,40) Essas alterações ósseas são fatores de risco independentes que estão relacionadas com o baixo peso do recém-nascido e menor índice de crescimento quando comparado com crianças de gestantes que não fumaram na gravidez. Havendo inclusive maiores chances dessas crianças desenvolverem, na idade adulta, quadros de osteoartrite principalmente na coluna vertebral, mãos, joelhos e costelas.

Medidas de controle

O tabagismo dos pais representa fonte comum, mas prevenível de morbidade infantil. A OMS considera a redução do tabagismo dos pais elemento-chave para melhorar as condições de saúde e desenvolvimento das crianças menores de um ano, particularmente daquelas que vivem em circunstâncias socioeconômicas mais desfavoráveis. À medida que as crianças crescem, vão tendo mais atividades sociais e, além da exposição domiciliar, correm o risco da exposição ao tabagismo em escola, creche, shopping center e outras atividades sociais, sendo importante que o hábito tabágico das pessoas que cuidam das crianças também seja modificado.(41)

Com relação à exposição tabágica intra-uterina e para crianças pequenas, a intervenção em gestante é efetiva para a redução dos efeitos do tabagismo passivo nesta população (Lumley 2002). As estratégias de intervenção em locais públicos são necessárias para a redução da exposição em nível comunitário (Serra 2002). Sowden relatou que ainda há limitado suporte destas atividades na prevenção do tabagismo ativo em adolescentes.

Winickoff(42) avaliou as características da abordagem antitabagismo feita aos pais e observou que eles eram questionados sobre o tabagismo intradomiciliar, numa freqüência de 52% pelos pediatras e 48% pelos clínicos. Entre os tabagistas, foram informados sobre tabagismo passivo pelos pediatras em 41% e pelos clínicos em 33% e foram aconselhados a cessar o tabagismo pelo pediatra numa freqüência de 36% e pelo clínico em 45%.

A aplicação da abordagem mínima deve ser feita pelos pediatras, uma vez que os pais possivelmente se encontrem numa fase de contemplação devido à doença do filho. Sabe-se também que a existência de regras claras proibindo o tabagismo intradomiciliar reduz a exposição na infância e está associada a taxas menores de tabagismo entre os adolescentes.

As ações de saúde pública para eliminar a exposição ao tabagismo ambiental vão desde a construção de fumódromos com áreas e ventilação totalmente separadas, até o ideal banimento total do tabagismo dos locais públicos, ambientes de trabalho e dos lares, o que levaria a proteção máxima aos não fumantes, evitaria a superexposição dos tabagistas nos fumódromos e evitaria os custos com a construção dos mesmos. Proibir o fumo em lugares públicos é uma obrigação do Estado, que assim está protegendo o cidadão dos males que outros podem fazer contra ele. Além disso, a proibição ajuda o fumante a adquirir mais controle sobre a dependência. Devem ser pontos capitais das campanhas o controle do tabagismo materno e familiar, bem como a proibição nos transportes e restaurantes. Devem ser realizadas campanhas esclarecendo sobre o tabagismo e os riscos para a saúde das crianças nos primeiros seis meses de vida, pois controlando-se o tabagismo dos pais garante-se um crescimento mais saudável para as crianças e futuros dividendos na prevenção das doenças respiratórias como um todo.

Dada a dimensão dos danos, conclui-se que os fumantes impõem elevados custos sanitários com relação à própria saúde e à saúde dos outros, sem contar com a agressão ao meio ambiente. Os riscos/danos justificam medidas para a proibição do tabagismo em locais públicos e de trabalho, campanhas educacionais para se evitar a exposição tabágica intradomiciliar e para encorajarem o abandono do fumo, lembrando que o sucesso destas medidas depende da correta implementação do binômio legislação-educação. Portanto, faz-se necessário maior compromisso por parte do Poder Público, Médicos e Sociedade no intuito de oferecer um mundo livre do tabaco.

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CAPÍTULO 10

Tabagismo e saúde bucal

Clovis Botelho; Patrícia Leão Castillo; Letícia Teixeira Vitale Ayoub

Introdução

Dentre os vários aspectos importantes do estudo da relação tabagismo e saúde bucal, dois devem ser destacados. Primeiro, a necessidade de alertar os profissionais da saúde para os malefícios do uso do tabaco sobre os tecidos e estruturas da cavidade oral, descrevendo as principais doenças relacionadas ao tabagismo. Com isso as lesões potencialmente letais, como o câncer bucal, seriam diagnosticadas mais precocemente, aumentando a chance de cura do indivíduo acometido.

Em segundo lugar, a oportunidade de despertar no cirurgião-dentista a necessidade de orientar seus pacientes, quanto aos riscos que o tabagismo impõe sobre a saúde humana. Tendo em vista a necessidade de ampliação do conceito de promoção à saúde, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas, deve-se criar condições favoráveis que facilitem a mudança de hábitos deletérios. O cirurgião-dentista é um dos profissionais da saúde que pouco tem atuado nas campanhas e programas antitabágicos. Assim, além de diagnosticar e tratar as lesões bucais, o cirurgião-dentista deve participar ativamente destas campanhas, orientando seus pacientes que o tabagismo está associado a uma série de doenças em todo o organismo.(1,2)

Neste capítulo são descritas as principais lesões da boca associadas ao tabagismo, inferência de relação causal (nível de evidência A): câncer bucal e a periodontal. Posteriormente, são relatadas outras alterações bucais que, apesar das evidências existentes, ainda não se pode inferir relação causal entre estas e os produtos do tabaco (nível de evidência B).

Câncer bucal

O câncer bucal é problema de saúde pública, devendo ser valorizado por todos os profissionais que atuam na área da saúde, a fim de que os diversos aspectos da doença sejam estudados na profundidade exata da sua importância. A prevalência do câncer bucal é descrita com taxas diferentes de um país para outro, possivelmente devido aos diversos fatores relacionados à patogenia da doença, destacando os aspectos genéticos, ambientais e os hábitos individuais, como o tabagismo e/ou alcoolismo.(3)

Clinicamente, a maioria das lesões cancerígenas de boca, como o carcinoma epidermóide, apresenta nas fases iniciais aspecto variado, assemelhando-se às leucoplasias, sendo o lábio inferior, a borda lateral da língua e o assoalho bucal os locais mais freqüentemente acometidos.(4) Com a evolução da doença, a lesão pode tornar-se endofítica ou exofítica, dependendo do seu padrão de crescimento. Ambas possuem caráter infiltrativo, o que resulta numa lesão maldelimitada, endurecida e de superfície granulosa.(5)

Inúmeros fatores influenciam o prognóstico da doença; no entanto, o diagnóstico precoce é o fator de maior relevância. Quanto mais cedo o câncer for detectado, melhor será a qualidade da vida do paciente e maior será a sobrevida, daí a importância do conhecimento sobre a influência do tabagismo como um dos maiores fatores de risco para a doença. O tratamento cirúrgico das lesões avançadas normalmente resulta em seqüelas que envolvem mutilações parciais, ocasionando dificuldades de fala, mastigação, deglutição, além dos eventuais envolvimentos estéticos e psicológicos.(6)

Existem evidências irrefutáveis (nível A) da inferência da ação do tabagismo na gênese do câncer bucal.(7) A maioria dos cânceres da cavidade oral é de origem epitelial (epidermóide) e são precedidos de lesões pré-malignas e displasias. A lesão precursora clássica é a leucoplasia, que é caracterizada por ser pequena (5mm), esbranquiçada, às vezes eritematosa, e não removível ao toque com a espátula.(8) Outra evidência marcante é que, ao parar de fumar, as lesões pré-malignas regridem, voltando com mais displasias quando há o retorno ao uso do tabaco.(9)

Muitos carcinogênicos presentes no tabaco são detectados e quantificados na saliva de indivíduos fumantes, tais como o benzopireno e as nitrosaminas. Em estudantes universitários do sexo masculino foi encontrada correlação positiva entre a concentração na saliva destes carcinogênicos e presença de leucoplasias.(10,11) Uma das hipóteses da gênese do câncer bucal relaciona-se ao stress oxidativo aumentado que o fumante apresenta. Possivelmente a grande produção de radicais livres provocada pelo exagerado stress oxidativo que ocorre na boca, pela presença no tabaco de substâncias oxidantes e/ou daquelas que diminuem a capacidade antioxidante, agiria sobre o tecido epitelial, induzindo a formação de mutação genética.(12) Sabe-se que o fumante inala cerca de 1015 de radicais livres por tragada e todo esse material passa primeiro pela boca, causando injúria oxidativa nas proteínas, lipídios e no DNA. A presença de marcadores biológicos que indicam stress oxidativo é 90% mais alto nos fumantes que nos não fumantes.(13)

Muitos estudos têm documentado mudanças genéticas no tecido epitelial da cavidade oral de fumantes. Alterações genéticas estão correlacionadas à progressão das leucoplasias em lesões malignas. Comumente ocorrem mutações no gene p53 nas leucoplasias de fumantes; porém, não em lesões pré-malignas de não fumantes. Estas mutações aumentam com o número de cigarros fumados e quando associado ao uso do álcool.(14)

Um dos primeiros estudos epidemiológicos da associação tabagismo e câncer bucal ocorreu em 1950. Estudo do tipo caso-controle encontrou alta prevalência de câncer de lábio entre fumantes, quase duas vezes mais chance, quando comparados com não fumantes.(15) O tabagismo é considerado o maior fator de risco para o seu desenvolvimento, pois cerca de 80 a 90% dos casos estão associados aos indivíduos fumantes, sendo dose-dependente. A morbidade e mortalidade da doença aumentam com o número de cigarros fumados diariamente e diminuem com a cessação do fumo (cigarro, charuto e cachimbo têm efeitos equivalentes).(3)

A proporção de fumantes entre os pacientes com câncer bucal é de duas a três vezes maior em relação ao da população geral e o risco de um segundo carcinoma primário no trato aéreo digestivo superior é de duas a seis vezes maior em pacientes que continuaram fumando, se comparados com os que abandonaram o hábito após diagnóstico.(4)

No Brasil, todos os anos surgem cerca de dez mil novos casos de câncer bucal. Até bem pouco tempo, a incidência era bem maior entre homens; mas, atualmente, o número de casos é ascendente entre as mulheres. O câncer bucal não pode mais ser encarado como uma doença de velhos, já que se tornou comum encontrar a doença na faixa etária entre 35 e 40 anos. O Instituto Nacional de Câncer (INCA)(16) estimou, para o ano de 2003, cerca de 10.635 casos de câncer bucal em todo o Brasil, colocando-o como o sexto mais freqüente no sexo masculino e o oitavo no feminino.(5)

Outro tipo específico de câncer bucal é o carcinoma verrucoso, que é o carcinoma de células escamosas, apresentando-se com baixo grau de diferenciação celular. Lesão associada ao uso de mascar o tabaco, os locais prevalentes são a mucosa vestibular, mucosa jugal e palato duro. Caracteriza-se por uma placa espessa difusa bem demarcada e indolor, com projeções superficiais papilares ou verruciformes. São lesões geralmente esbranquiçadas, mas podem ser vistas na coloração rosa.(4)

Doença periodontal

Doença periodontal é conceituada como um processo inflamatório da gengiva e/ou dos tecidos de suporte do dente, podendo levar à reabsorção do osso alveolar.(17) Baseada na mais recente classificação da AAP (American Academy of Periodontology) há oito tipos diferentes de categorias de periodontites, sendo as mais comuns a gengivite e a periodontite crônica (antiga periodontite do adulto).(18)

A gengivite é definida como uma inflamação da gengiva e da junção epitelial do dente, causando desconforto local, edema, sangramentos e hipersensibilidade. A periodontite crônica é uma inflamação da gengiva e do tecido de suporte do dente. Caracteriza-se por edema local, eritema, supuração que provoca a halitose, além de mobilidade e exposição da raiz dentária, podendo chegar à perda total do dente.(19)

Na gênese da doença periodontal está o importante papel da placa bacteriana, que inicialmente coloniza os tecidos subgengivais. Através da ação das toxinas e proteases bacterianas, associadas à reatividade local dos diversos componentes das defesas celulares e humorais, ocorre a destruição dos tecidos de sustentação do dente, que é o substrato anatomopatológico da doença. A placa bacteriana é formada por bactérias (bacterióides, actinobacilos, micoplasma), células epiteliais descamadas, leucócitos (neutrófilos e linfócitos) e, ás vezes, leveduras e protozoários podem estar presentes. Na patogênese da doença periodontal o tabagismo agiria alterando a resposta imune local e diminuiria a ação dos fibroblastos quando da reparação dos tecidos lesados.(20)

Vários estudos mostram que fumantes têm mais placas bacterianas que os não fumantes.(17, 21,22) Além disso, os fumantes têm a flora bacteriana da placa alterada, com bactérias mais agressivas que produzem doença periodontal mais grave que nos não fumantes.(17) Fumantes jovens de ambos os sexos, sem doença periodontal, têm na placa gengival 18 vezes mais patógenos relacionados à doença do que os jovens não fumantes.(23)

Possivelmente, na gênese da doença periodontal, as substâncias tóxicas do tabaco agiriam, com sinergismo, potencializando a ação das toxinas bacterianas.(24) O tabagismo está relacionado com a diminuição dos mecanismos de defesa, tanto no local da lesão quanto sistêmicas. Fumantes, além da diminuição da IgA salivar, têm decréscimo da produção de anticorpos específicos para os germes patogênicos da doença periodontal, especialmente da IgG2.(25) Há aumento do nível de citocinas nos fluidos gengivais, propiciando destruição do colágeno e incremento da reabsorção óssea.(26) Soma-se a isso a ação da nicotina ao inibir o desenvolvimento dos fibroblastos gengivais, afetando a produção do colágeno e da fibronectina, substâncias importantes na reparação tecidual.(27,28)

Relatório do CDC(7) conclui que os estudos epidemiológicos são consistentes em demonstrar a associação entre o tabagismo e a doença periodontal (evidência nível A). Há também evidências robustas da relação dose-resposta entre a intensidade do tabagismo e o risco da doença periodontal, tanto do número de cigarros fumados como do tempo de tabagismo, sendo que o risco da doença decresce com a cessação da dependência.

Outras alterações

Fissuras labiopalatais

Mulheres fumantes que persistem fumando durante a gravidez têm mais chance de ter filhos com fissuras labiopalatais que aquelas que não fumaram na gestação, apesar de não haver evidência científica suficiente para inferir relação causal (nível B).(7) Em estudo de metanálise recém-publicado encontra-se evidência suficientemente forte de associação entre mães tabagistas e nascimento de crianças com a malformação facial. A análise foi feita na base de dados Medline entre estudos de coorte, totalizando 10, e de caso-controle, em número de 22. Não foram incluídos relatos de casos nem experimentais em animais. A metanálise relata que bebês de mães tabagistas têm risco relativo maior(1,34) de nascer com fendas labiopalatais, quando comparados com os de mães não tabagistas.(29)

Cárie

A cárie dental é doença multifatorial, que tem na infecção o ponto central da sua gênese, sendo que as bactérias mais comumente encontradas na placa dental dos indivíduos com cárie são: Streptococcus mutans e Streptococcus lactobacilli.(30) Muitas hipóteses têm sido formuladas sobre a utilização do tabaco e aumento da incidência da cárie dental. Em alguns estudos realizados foram encontradas associações, porém não se pode inferir relação causal, pois a maioria deles não controlou os potenciais fatores de confundimento, entre eles o nível socioeconômico e escolaridade dos participantes.(31) Revisões de literatura sugerem que a associação entre tabagismo e cárie dental relaciona-se ao fato de que os fumantes têm tendência a escovar inadequadamente os dentes e, conseqüentemente, remover menos placa dental.(31,32) Outra possibilidade seria através da modificação da saliva, que funciona normalmente como fator protetor no processo de remineralização do esmalte. Seriam afetadas imunoglobulinas e a saliva perderia esta propriedade.(33) As cáries de raiz parecem estar mais relacionadas ao tabagismo, já que há evidências robustas da perda de inserção periodontal e conseqüente exposição da raiz ao meio bucal.(31)

Estomatite nicotínica ou hiperqueratose nicotínica

Caracteriza-se pela presença de glândulas mucosas proeminentes, eritema difuso ou superfície pregueada do palato duro. É uma reação do tipo inflamatório e com o passar do tempo pode-se tornar ceratinizada.(34) É mais comum em fumantes de cigarro, charuto e cachimbo. Possui uma correlação positiva entre a gravidade da lesão e a intensidade do fumo, podendo regredir ou desaparecer após cessar o hábito de fumar.(35) Em alguns países como a Índia e Indonésia e em populações migrantes destes é comum o hábito de fumar invertido. Nestas condições o risco deste tipo de lesão se malignizar aumenta. A estomatite nicotínica pode ser um indicador de outras alterações epiteliais importantes afora o palato duro.(35)

Dificuldades de integração óssea

Com o uso crescente das técnicas de implantes dentários, torna-se importante fazer o alerta aos usuários do papel do tabagismo sobre a integração óssea, modulando a resposta da fixação do implante, pois os fumantes têm duas vezes mais perda de implantes do que os não fumantes.(36) Além disso, quando são submetidos aos outros tipos de enxertos, os fumantes têm maior taxa de rejeição que os não fumantes.(37) Possivelmente os produtos do tabaco agiriam diminuindo a capacidade de regeneração e reparação tecidual, dificultando o processo de cicatrização local.(31)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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