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Pneumonia associada à ventilação mecânica

EDITORIAL

Pneumonia associada à ventilação mecânica

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho

Professor Associado; Livre Docente de Pneumologia; Chefe da UTI - Respiratória do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil

Nos últimos 50 anos, o uso do suporte ventilatório invasivo, sem nenhuma dúvida, foi um avanço no tratamento da insuficiência respiratória. Apesar de salvar muitas vidas, a aplicação de uma pressão positiva nos pulmões, através de uma prótese colocada nas vias aéreas, pode gerar uma série de efeitos adversos. São bem reconhecidas: a instabilidade hemodinâmica, principalmente nos pacientes hipovolêmicos; a maior freqüência de infecções respiratórias, devido à redução dos mecanismos de defesa locais pela presença do tubo; e, mais recentemente, a lesão induzida pela ventilação mecânica, que está associada às altas pressões alveolares que são atingidas em algumas unidades decorrentes de um pulmão doente, bastante heterogêneo.

Essas alterações estão relacionadas a uma maior morbidade, devido às repercussões sistêmicas que provocam, gerando um aumento dos custos da internação hospitalar, assim como a uma maior mortalidade desses pacientes.

Nesse contexto, a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) encontra-se como um dos efeitos adversos mais temíveis no ambiente da terapia intensiva. Para podermos aplicar alguma intervenção terapêutica, o primeiro passo é o reconhecimento da extensão do problema. Porém, existem poucos estudos avaliando a epidemiologia da PAV no Brasil.

Um estudo transversal (prevalência de um dia) realizado em dezenove unidades de terapia intensiva (UTI) (170 camas - 126 pacientes internados) de um hospital universitário terciário em São Paulo avaliou a prevalência das infecções adquiridas na UTI. No dia do estudo, 69% dos pacientes tinham diagnóstico de infecção e recebiam tratamento com antimicrobianos. Cerca de 31% dos pacientes adquiriram essa infecção durante a internação na UTI e 33% a adquiriram no hospital, porém fora da UTI. As infecções respiratórias foram as mais freqüentes, correspondendo a 58,5% dos casos.(1)

Um outro estudo, conduzido em 99 hospitais brasileiros, demonstrou que a pneumonia foi responsável por 28,9% de todas as infecções nosocomiais e, destas, 50% ocorreram em pacientes ventilados mecanicamente.(2) Esses dois estudos dão uma idéia da importância desse problema: muito freqüente, com alta morbidade, que gera enorme custos hospitalares e alta mortalidade.

Uma dificuldade para a realização desse tipo de avaliação reside na falta de um critério diagnóstico preciso. A PAV é definida como uma infecção pulmonar que surge 48 a 72 h após intubação endotraqueal e instituição da ventilação mecânica invasiva.(3) A suspeita de PAV ocorre quando do aparecimento de infiltrado pulmonar novo ou progressivo à radiografia do tórax, associado à presença de sinais clínicos e alterações laboratoriais definidos como: febre (> 38 ºC), leucocitose (> 10.000/mm3) ou leucopenia (< 4.000/mm3) e presença de secreção traqueal purulenta.(4) Porém, a acurácia desses critérios é baixa. Assim, deve ser valorizada a presença de mais de um critério clínico associado ao critério radiológico para aumentar a sensibilidade e a especificidade. A utilização apenas de critérios clínicos pode incorrer em erro diagnóstico e em tratamentos inadequados. Note-se que esses critérios são bastante inespecíficos e podem estar presentes numa série de situações às quais os pacientes graves estão expostos, como atelectasias, edema pulmonar cardiogênico, infarto pulmonar, síndrome do desconforto respiratório agudo e hemorragia alveolar.

Visando a melhorar a probabilidade da presença de PAV, Pugin et al. criaram o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS) baseando-se, além dos achados clínicos no momento da suspeita diagnóstica, na bacterioscopia e nos cultivos do aspirado traqueal.(5) Trata-se de um índice de no máximo doze pontos, que quando for superior a seis revela uma alta probabilidade de PAV (sensibilidade de 93% e especificidade de 100%). Esses resultados iniciais altamente positivos não se confirmaram em estudos posteriores, em que se observou acurácia semelhante à dos critérios clínicos.

Recentemente, um estudo conduzido em seis hospitais de Buenos Aires, Argentina, demonstrou que a utilização prospectiva e seriada de uma versão simplificada do CPIS (máximo de dez pontos) identificou precocemente o desenvolvimento de PAV, antes do aparecimento dos sinais clínicos clássicos da doença.(6) Neste estudo, os pacientes tratados com antibiótico adequado e dentro de 24 h da suspeita clínica pelo CPIS apresentaram menor mortalidade. Novos estudos necessitam ser realizados para validação deste conceito.

Os fatores de risco para o desenvolvimento da PAV podem ser classificados em modificáveis e não modificáveis. Fatores de risco não modificáveis são: idade, escore de gravidade quando da entrada do paciente na UTI e presença de co-morbidades (insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, doenças neurológicas, neoplasias, traumas e pós-operatório de cirurgias).

Os fatores modificáveis estão relacionados ao ambiente (microbiota) da própria UTI. Dessa forma, o conhecimento dos germes mais freqüentes na unidade é fundamental. Isto favorece a prescrição racional e dirigida dos antimicrobianos, uma vez que, frente a uma suspeita de PAV, o tratamento empírico deve ser prontamente instituído.

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Guimarães e Rocco apresentam o resultado de um estudo observacional conduzido na UTI de um hospital universitário, no Rio de Janeiro, que visou a obter a prevalência de PAV em pacientes submetidos à ventilação mecânica por um período superior a 24 h. Visou ainda à definição de quais fatores estariam associados ao desenvolvimento de PAV, assim como seu prognóstico hospitalar.(7)

Durante dezoito meses, ocorreram 808 internações e 278 pacientes foram incluídos no estudo e, destes, 38,1% desenvolveram PAV. Quase metade das pneumonias foi por bacilos Gram negativos (45,3%) e 43,4% por germes multi-resistentes. Observaram que a PAV aumentou o tempo de ventilação mecânica dos pacientes, e sua permanência na UTI e no hospital. Porém, apesar de uma alta letalidade no grupo (45,3% na UTI e 55,8% no hospital), não houve diferença entre os que tiveram diagnóstico de PAV e os que não o tiveram. Através de regressão logística, os fatores relacionados ao desenvolvimento de PAV foram sinusite aguda, atelectasia, imunodepressão, síndrome do desconforto respiratório agudo e permanência em ventilação mecânica por mais de dez dias.(7)

Este trabalho possibilita à equipe assistente da UTI o reconhecimento dos agentes infecciosos mais comuns naquela unidade. Assim, as comissões de controle de infecção hospitalar de cada centro médico devem, periodicamente, informar a chefia da respectiva UTI o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos dos micróbios mais freqüentes, pois se sabe que o tratamento inicial com antibióticos adequados está associado ao maior sucesso no controle da PAV (menor mortalidade).

Outro dado fundamental é a definição dos fatores associados ao desenvolvimento de PAV naquela unidade. Após este tipo de estudo, intervenções podem ser programadas para reduzir a freqüência deste tipo de infecção hospitalar que, neste estudo,(7) foi de 35,7 casos/1.000 dias de ventilação mecânica. Essa taxa está bem acima das taxas encontradas mais recentemente nos hospitais norte-americanos. Para uma UTI geral (com pacientes clínicos e cirúrgicos) de um hospital universitário nos EUA, a mediana de PAV é de 4,6 PAV/1.000 dias de ventilação mecânica e o percentil 90% é de somente 9,9.(8)

Creio que mais estudos epidemiológicos sobre PAV em diferentes hospitais brasileiros devem ser conduzidos para que nossa realidade fique mais transparente e para que medidas corretivas possam ser implementadas quando isto se justificar.

REFERÊNCIAS

1. Toufen Junior C, Hovnanian AL, Franca SA, Carvalho CRR. Prevalence rates of infection in intensive care units of a tertiary teaching hospital. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2003;58(5):254-9.

2. Prade SS, Oliveira ST, Rodrigues R, Nunes FA, Netto EM, Felix JQ, et al. Estudo brasileiro da magnitude das infecções hospitalares em hospitais terciários. Rev Contr Infec Hosp. 1995;2:11-24.

3. Pereira CA, Carvalho CRR, Silva JLP, Dalcolmo MMP, Messeder OHC. Parte II - Pneumonia Nosocomial.Consenso Brasileiro de Pneumonias em indivíduos adultos imunocompetentes. J Pneumol. 2001;27(Supl 1): S22-S40.

4. Johanson WG Jr, Pierce AK, Sanford JP, Thomas GD. Hospital-acquired respiratory infections with gram-negative bacilli. The significance of colonization of the respiratory tract. Ann Intern Med. 1972;77(5):701-6.

5. Pugin J, Auckenthaler R, Mili N, Janssens JP, Lew PD, Sutter PM. Diagnosis of ventilator-associated pneumonia by bacteriologic analysis of bronchoscopic and nonbronchoscopic "blind" bronchoalveolar lavage fluid. Am Rev Respir Dis. 1991;143(5 Pt 1):1121-9.

6. Luna CM, Aruj P, Niederman MS, Garzon J, Violi D, Prignoni A, et al. Appropriateness and delay to initiate therapy in ventilator-associated pneumonia. Eur Respir J. 2006;27(1):158-64.

7. Guimarães MMQ, Rocco JR. Prevalência e prognóstico dos pacientes com pneumonia associada á ventilação mecânica em um hospital universitário. J Bras Pneumol. 2006;32(4):339-46.

8. National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) System Report, data summary from January 1992 through June 2004, issued October 2004. Am J Infect Control. 2004;32(8):470-85.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2006
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