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Acorda pneumologista !

CARTA AO EDITOR

Acorda pneumologista !

Pulmonologists, awake!

Geraldo Lorenzi FilhoI; Flávio MagalhãesII; Carlos Alberto de Assis ViegasIII

IProfessor Doutor da Disciplina de Pneumologia e Diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil

IIPneumologista do SLEEP - Laboratório do Sono, Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IIIProfessor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil

Acreditamos que os pneumologistas devam expandir suas fronteiras de atuação. Nesse contexto lemos com grande interesse o recente artigo de revisão sobre manifestações extraesofágicas da doença do refluxo gastresofágico (DRGE), que é assinado por gastrenterologistas e pneumologistas.(1) O artigo está bem escrito e é muito claro. No entanto, chamou-nos a atenção o fato de que a apnéia obstrutiva do sono, uma patologia extremamente prevalente e que está fortemente associada à DRGE, foi praticamente esquecida. No sentido de fundamentar a nossa observação, fizemos um levantamento de quantos artigos sobre a associação da DRGE com as patologias destacadas na revisão são citados no banco de dados MEDLINE. A primeira patologia associada à DRGE destacada no artigo de revisão é a asma, que não por acaso é também a associação mais citada no MEDLINE, com 791 artigos. O segundo item é tosse (510 artigos), seguido de fibrose pulmonar (35) e laringite (209). Outras doenças, que foram destacadas na Tabela 1 da referida revisão, foram atelectasia (30 artigos), bronquite crônica (40 artigos), bronquiectasia (45), doença pulmonar obstrutiva crônica (41) e pneumonias (499). A apnéia obstrutiva do sono (59 artigos) foi citada na introdução, lado a lado com a erosão dentária (100 artigos). O fato de os autores não desenvolverem o tema relacionado à erosão dentária está justificado pois, apesar de ser este um tema aparentemente importante (a se julgar pelo número de citações no MEDLINE), a revisão não foi direcionada para a Odontologia. Triste foi a constatação de que a apnéia obstrutiva do sono, que é uma área de atuação da Pneumologia, recebeu o mesmo destaque que a já citada erosão dentária, ou seja: nenhum. Não devemos perder de vista que quem assina esta carta são pneumologistas que militam na área do sono, e portanto talvez estejamos diante de especialistas com uma visão distorcida. Acreditamos que não.

A síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) é um problema de saúde pública que acomete ao menos 2% a 4% da população em geral.(2) Os números são ainda mais dramáticos quando consideramos que a SAOS está associada a várias características ou doenças comumente vistas nos consultórios médicos, como por exemplo obesidade, diabetes e hipertensão arterial sistêmica. Um estudo demonstrou que, entre pacientes avaliados em uma clínica de atendimento primário, mais de um terço apresentava alto risco para SAOS.(3) Portanto, não há dúvida de que, apesar de pouco reconhecida, a SAOS é freqüente. Sabemos também que quando não tratada está associada a profunda piora na qualidade de vida e também a aumento de mortalidade por causas cardiovasculares.(4) Mas qual a relação da SAOS com a DRGE? Do que falam alguns desses 59 artigos encontrados no MEDLINE?

O sono, independente da presença da SAOS, está associado a um risco aumentado da DRGE em função de uma série de características fisiológicas, que incluem diminuição da peristalse, diminuição da produção de saliva, bem como diminuição do clearance de ácido pelo esôfago. O risco de DRGE torna-se dramático em pacientes com SAOS. Durante os eventos respiratórios obstrutivos, o paciente gera grandes pressões intratorácicas negativas, que têm um efeito de sucção do conteúdo gástrico para o esôfago. O grande esforço respiratório contra a via aérea ocluída exerce uma pressão não desprezível no ligamento frenoesofágico, que por sua vez se conecta com o esfíncter inferior do esôfago. A repetição dos esforços respiratórios resulta em insuficiência da cárdia, tornando o quadro todo ainda mais propício para o refluxo. A DRGE está presente em mais de um terço dos pacientes com SAOS, sendo que a intervenção com CPAP nasal para o tratamento da SAOS tem a capacidade de reduzir a sintomatologia da DRGE.(6)

Nossa carta não se dirige especificamente aos autores desse cuidadoso artigo de revisão, que simplesmente deu pouco destaque à relação entre DRGE e SAOS. Acreditamos que essa falta de atenção à SAOS seja a regra e não exceção. Durante o recente Curso de Atualização no Rio de Janeiro promovido pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), reunimo-nos (os autores desta carta) para discutirmos esse cenário preocupante, um estado de verdadeira letargia: sonolência dos pneumologistas, e porque não também dos gastrenterologistas, diante do sono. Os gastrenterologistas ao menos estão desculpados por não atuarem diretamente na área do sono. A situação é bem mais grave para nós, pneumologistas, que temos o sono como uma área de atuação. Portanto, gostaríamos de lançar a campanha ACORDA PNEUMOLOGISTA! Não conhecemos nenhuma outra doença tão comum, tão importante, com tratamento tão eficaz e com tantas possibilidades de atuação para o pneumologista, e ao mesmo tempo tão esquecida. Por outro lado, assistimos ao progressivo abandono da Pneumologia pelos residentes. As vagas na nossa especialidade estão cada vez mais vazias. Talvez os jovens tenham a percepção de que o nosso mercado de trabalho ofereça poucas perspectivas ou esteja saturado. Portanto, caros colegas, juntem-se a nossa campanha:

ACORDA PNEUMOLOGISTA!

REFERÊNCIAS

1. Gurkis RR, Rosa, ARP, Valle E, Borba MA, Valiati AA. Manifestações extra-esofágicas da doença do refluxo gastroesofágico. J Bras Pneumol. 2006;32(2)150-6.

2. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Med. 1993 Apr 29;328(17):1230-5.

3. Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-91.

4. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep apnoea-hypopnoea with or without treatment with continuous positive airway pressure: an observational study. Lancet. 2005 Mar 19-25;365(9464):1046-53.

5. Morse CA, Quan SF, Mays MZ, Green C, Stephen G, Fass R. Is there a relationship between obstructive sleep apnea and gastroesophageal reflux disease? Clin Gastroenterol Hepatol. 2004;2(9):761-8.

6. Kerr P, Shoenut JP, Millar T, Buckle P, Kryger MH. Nasal CPAP reduces gastroesophageal reflux in obstructive sleep apnea syndrome. Chest. 1992;101(6):1539-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2006
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