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Infiltrado pulmonar no paciente crítico: a importância da biópsia pulmonar

EDITORIAL

Infiltrado pulmonar no paciente crítico: a importância da biópsia pulmonar

Bruno do Valle Pinheiro

Professor Adjunto de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF - Juiz de Fora (MG) Brasil

A insuficiência respiratória aguda decorrente de doenças difusas do parênquima pulmonar é uma condição grave, de alta mortalidade e que, conseqüentemente, requer a instituição precoce de tratamento adequado. Avanços foram obtidos nas últimas décadas em relação às medidas de suporte ventilatório, hemodinâmico, nutricional, de substituição da função renal e de controle de infecções, os quais, em conjunto, têm melhorado a sobrevida nas unidades de terapia intensiva. Entretanto, mesmo com a eficácia de todas essas medidas de suporte, a recuperação do paciente depende do tratamento específico de sua doença, a qual, portanto, precisa ser identificada. Neste ponto surge um grande desafio nos casos de infiltrado pulmonar difuso no paciente crítico, pois as hipóteses diagnósticas são muitas e nem sempre os achados clínicos e de exames complementares menos invasivos são suficientes para a distinção entre elas. A biópsia pulmonar pode ser a única forma de se ter o diagnóstico definitivo, mas, ao mesmo tempo, trata-se de um procedimento invasivo a ser realizado em um paciente grave.

As doenças infecciosas são, em geral, as primeiras a serem lembradas nos casos de insuficiência respiratória aguda com infiltrado pulmonar difuso. Essa lembrança é pertinente, pois elas constituem as etiologias mais comuns nessa situação. No entanto, são muitas as etiologias infecciosas, por bactérias, fungos, vírus, Pneumocystis carinii/jiroveci, Mycobacterium tuberculosis, outras micobactérias, ou Nocardia, as quais podem, ainda, se apresentar sob a forma de infecções mistas.(1-2) Na falta do diagnóstico etiológico, esquemas antimicrobianos de largo espectro tendem a ser empregados e, muitas vezes, são estendidos ao longo do tratamento, quando a resposta satisfatória não é alcançada. Esses tratamentos expõem os pacientes aos efeitos colaterais de um grande número de antibióticos, aumentam o risco de infecções hospitalares, facilitam a emergência de cepas resistentes e têm custos elevados. Além disso, pela diversidade de agentes possíveis, sempre existe a possibilidade de a cobertura antimicrobiana não estar adequada.

Causas não infecciosas também são comuns em pacientes com insuficiência respiratória aguda por doença difusa do parênquima pulmonar. Edema, neoplasia, embolia, toxicidade por drogas, hemorragia alveolar, bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, pneumonia intersticial aguda e pneumonite actínica são alguns exemplos.(1-2) Aqui também, embora alguns dados clínicos e laboratoriais possam dar pistas diagnósticas, muitas vezes sua definição só será possível com estudo histopatológico. Como essas diferentes condições têm tratamentos específicos, às vezes com drogas imunossupressoras, deletérias, portanto, em casos de infecção, a definição diagnóstica é muito importante.

Neste volume do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Barbas et al. apresentam um interessante estudo sobre o papel da biópsia pulmonar a céu aberto em pacientes críticos com infiltrados pulmonares difusos.(3) Eles revisaram, entre as biópsias realizadas em suas instituições entre 1997 e 2002, as que foram obtidas em pacientes críticos que se encontravam em ventilação mecânica. Foram doze casos em um total de 500 biópsias, o que já mostra que, apesar da importância de se definir o diagnóstico nesta condição grave, o procedimento cirúrgico ainda é pouco indicado. Em todos os casos identificou-se uma causa específica para a insuficiência respiratória e em onze deles o resultado implicou em mudança no tratamento já instituído. Várias das mudanças provavelmente não ocorreriam caso a biópsia não fosse realizada, embora a natureza do estudo não permita fazer essa afirmação de forma categórica. Entre as causas infecciosas encontradas, destacam-se as de etiologia viral, que habitualmente não são tratadas nos esquemas empiricamente definidos. Em alguns casos, instituíram-se tratamentos específicos, como a corticoterapia e a heparinização, enquanto que em outros, medicações foram retiradas, ou por serem a causa da lesão pulmonar ou por serem desnecessárias.

Estes resultados, mesmo que obtidos a partir de uma pequena amostra de pacientes, ilustram bem a importância da biópsia pulmonar a céu aberto em pacientes críticos com infiltrados pulmonares difusos. Ao mesmo tempo, eles mostraram baixas taxas de complicações, não tendo ocorrido nenhum óbito decorrente de sua execução. A fuga aérea no pós-operatório é a complicação mais temida. Sua presença pode dificultar a ventilação mecânica desses pacientes, promovendo fuga de parte do volume corrente ofertado. Por outro lado, a própria ventilação mecânica pode perpetuar a fuga aérea, sobretudo quando elevadas pressões, muitas vezes inevitáveis, são mantidas no sistema respiratório. A presença desta complicação exige a permanência do dreno de tórax, fator de risco para outra complicação, o empiema. Nesta série, apenas dois pacientes evoluíram com fuga aérea, um dos quais de forma mais intensa, com necessidade de ajustes da ventilação mecânica.

Em um estudo publicado em 2005 no Jornal Brasileiro de Pneumologia, Monteiro et al. encontraram resultados semelhantes.(4) Em 24 pacientes em ventilação mecânica por infiltrado pulmonar difuso, sem diagnóstico por técnicas menos invasivas, a biópsia pulmonar a céu aberto permitiu o diagnóstico em 100% dos casos. O diagnóstico resultou em mudança de tratamento em dezoito pacientes (72%), seja por adição de medicamentos, como antibióticos ou imunossupressores, ou por retirada de outros. Também aqui não ocorreram óbitos relacionados ao procedimento. As complicações aconteceram em cinco pacientes (20%), um caso de empiema, outros quatro de fístula broncopleural, o que a confirma como o evento adverso mais temido neste procedimento.

Apesar do elevado rendimento no diagnóstico da causa da insuficiência respiratória e das implicações sobre o tratamento, esses estudos não puderam avaliar o impacto desta conduta sobre o prognóstico dos pacientes. A mortalidade nos dois estudos foi semelhante, 50% no de Barbas et al. e 46% no de Monteiro et al., em concordância com a literatura. Entretanto, para se saber se a biópsia a céu aberto contribuiu para estes resultados, seria necessária a presença de um grupo controle, conduzido sem a realização de biópsia, permitindo a comparação dos desfechos, sobretudo a sobrevida, entre os dois grupos. Por questões éticas, estudos desta natureza não são conduzidos, o que faz com que nossa opção pela realização ou não de procedimentos diagnósticos invasivos deva ser individualizada.

Ao tomar essas decisões, devemos levar em consideração não só as condições do paciente, como suas possibilidades diagnósticas e se suas condições clínicas permitem a realização do procedimento, mas também a capacitação técnica das equipes envolvidas, tanto no procedimento cirúrgico, quanto nos cuidados intensivos. Além disso, a análise do material obtido deve ser otimizada em relação às técnicas empregadas e ao tempo em que os resultados são fornecidos. No estudo de Barbas et al., por exemplo, a análise microbiológica incluía, além da pesquisa direta dos agentes, cultura para bactérias aeróbias e anaeróbias, micobactérias, fungos, Nocardia, clamídia e vírus. Já os estudos histopatológicos foram conduzidos em um serviço com ampla experiência em patologia pulmonar. Não podemos simplesmente extrapolar esses resultados, pois eles não serão, necessariamente, reproduzidos em todos os locais. Uma relação entre os riscos do procedimento e os benefícios da investigação diagnóstica desfavorável ao paciente pode até tornar difícil a indicação da biópsia pulmonar a céu aberto. Uma opção para melhorar essa relação é o envio do material para centros de referência em diagnósticos de doenças pulmonares, os quais já são uma realidade no Brasil.

REFERÊNCIAS

1. Flabouris A, Myburgh J. The utility of open lung biopsy in patients requiring mechanical ventilation. Chest. 1999;115(3):811-7.

2. Warner WA, Warner MA, Divertie MB. Open lung biopsy in patients with pulmonary infiltrates and acute respiratory failure. Am Rev Resp Dis. 1998;137(1):90-4.

3. Barbas CSV, Capelozzi VL, Hoelz C, Magaldi RB, Souza R, et al. Impact of lung biopsy in refractory acute respiratory failure. J Bras Pneumol. 2006;32(5):418-23.

4. Monteiro AS, Addor G, Nigri DH, Franco CAB. Biópsia pulmonar a céu aberto em pacientes sob ventilação mecânica e com infiltrado pulmonar difuso. J Bras Pneumol. 2005;31(3):212-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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