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Prevalência de dispnéia e possíveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos em indivíduos com obesidade graus 2 e 3

Resumos

OBJETIVO: Investigar a dispnéia e correlações com dados respiratórios de obesos graus 2 e 3. MÉTODOS: Estudaram-se 49 indivíduos com índice de massa corporal >35 kg/m², em dois grupos (presença ou ausência do sintoma). Avaliaram-se índice de dispnéia basal, espirometria, pressões respiratórias máximas e gasometria arterial. RESULTADOS: Doze indivíduos negaram dispnéia e 37 a confirmaram. O índice de dispnéia basal diferiu entre os dois grupos. Os valores médios dos parâmetros para todos estiveram dentro da normalidade, exceto para: volume residual/capacidade pulmonar total, volume de reserva expiratório, diferença alvéolo-arterial de oxigênio. O grupo dispnéico mostrou valores significativamente inferiores de volume de reserva expiratório, pressão expiratória máxima e pH arterial. Para todos, o índice de massa corporal correlacionou-se significativamente com: índice de dispnéia basal, volume residual/capacidade pulmonar total, volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada, fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, diferença alvéolo-arterial de oxigênio e pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial. O índice de dispnéia basal correlacionou-se significativamente com: volume residual/capacidade pulmonar total, volume de reserva expiratório, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, diferença alvéolo-arterial de oxigênio e pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial. CONCLUSÃO: Dispnéia é uma queixa freqüente em obesos graus 2 e 3. Eles apresentam expressiva redução do volume de reserva expiratório e aumento da diferença alvéolo-arterial de oxigênio. As correlações encontradas apontam para comprometimento das pequenas vias aéreas na obesidade, o qual teria papel na gênese da dispnéia.

Obesidade; Dispnéia; Dispnéia; Testes de função respiratória


OBJECTIVE: To investigate dyspnea in individuals with Class II or III obesity and look for correlations among the respiratory data related to such individuals. METHODS: This study involved 49 subjects with a body mass index >35 kg/m², divided into two groups (those with dyspnea and those without). The baseline dyspnea index was evaluated, as were spirometry findings, maximal respiratory pressures and arterial blood gas analysis. RESULTS: Of the 49 subjects evaluated, 37 reported dyspnea and 12 reported no dyspnea. The baseline dyspnea index differed between the two groups. The mean values were within the range of normality for all subjects and all parameters, except for the following: ratio of residual volume to total lung capacity; expiratory reserve volume; and the alveolar-arterial oxygen gradient. The subjects with dyspnea presented significantly lower values for expiratory reserve volume, maximal expiratory pressure and arterial pH. In all subjects, body mass index correlated significantly with the following: baseline dyspnea index; the residual volume/total lung capacity ratio; the forced expiratory volume in one second/forced vital capacity ratio; forced expiratory flow between 25% and 75% of forced vital capacity; arterial oxygen tension; the alveolar-arterial oxygen gradient; and arterial carbon dioxide tension. The baseline dyspnea index was found to correlate significantly with the following parameters: residual volume/total lung capacity ratio; expiratory reserve volume; arterial oxygen tension; the alveolar-arterial oxygen gradient; and arterial carbon dioxide tension. CONCLUSION: Dyspnea is a common complaint in individuals with class II or III obesity. Such individuals present a pronounced reduction in expiratory reserve volume and an increase in the alveolar-arterial oxygen gradient. The correlations found suggest that obese individuals present dysfunction of the lower airways, and that obesity itself plays a role in the genesis of dyspnea.

Obesity; Dyspnea; Dyspnea; Respiratory function tests


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de dispnéia e possíveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos em indivíduos com obesidade graus 2 e 3* * Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRPUSP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Christiane Aires TeixeiraI; José Ernesto dos SantosII; Gerusa Alves SilvaIII; Elisa Sebba Tosta de SouzaIV; José Antônio Baddini MartinezV

IPós-graduanda pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da FMRPUSP – Ribeirão Preto (SP) Brasil

IIProfessor Associado da Divisão de Nutrologia do Departamento de Clínica Médica da FMRPUSP – Ribeirão Preto (SP) Brasil

IIIProfessora Doutora da Divisão de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da FMRPUSP – Ribeirão Preto (SP) Brasil

IVPós-graduanda pelo Departamento de Clínica Médica da FMRPUSP – Ribeirão Preto (SP) Brasil

VProfessor Associado da Divisão de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da FMRPUSP – Ribeirão Preto (SP) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Christiane Aires Teixeira Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3.900 CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil Tel 55 16 3602-2631 E-mail: chrisateixeira@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a dispnéia e correlações com dados respiratórios de obesos graus 2 e 3.

MÉTODOS: Estudaram-se 49 indivíduos com índice de massa corporal >35 kg/m2, em dois grupos (presença ou ausência do sintoma). Avaliaram-se índice de dispnéia basal, espirometria, pressões respiratórias máximas e gasometria arterial.

RESULTADOS: Doze indivíduos negaram dispnéia e 37 a confirmaram. O índice de dispnéia basal diferiu entre os dois grupos. Os valores médios dos parâmetros para todos estiveram dentro da normalidade, exceto para: volume residual/capacidade pulmonar total, volume de reserva expiratório, diferença alvéolo-arterial de oxigênio. O grupo dispnéico mostrou valores significativamente inferiores de volume de reserva expiratório, pressão expiratória máxima e pH arterial. Para todos, o índice de massa corporal correlacionou-se significativamente com: índice de dispnéia basal, volume residual/capacidade pulmonar total, volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada, fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capacidade vital forçada, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, diferença alvéolo-arterial de oxigênio e pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial. O índice de dispnéia basal correlacionou-se significativamente com: volume residual/capacidade pulmonar total, volume de reserva expiratório, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, diferença alvéolo-arterial de oxigênio e pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial.

CONCLUSÃO: Dispnéia é uma queixa freqüente em obesos graus 2 e 3. Eles apresentam expressiva redução do volume de reserva expiratório e aumento da diferença alvéolo-arterial de oxigênio. As correlações encontradas apontam para comprometimento das pequenas vias aéreas na obesidade, o qual teria papel na gênese da dispnéia.

Descritores: Obesidade/complicação; Dispnéia/epidemiologia; Dispnéia/fisiopatologia; Testes de função respiratória.

Introdução

Numerosos estudos chamam a atenção para a crescente elevação da prevalência de obesidade na população mundial.(1-3) A cada ano também aumenta o número de mortes devidas a doenças relacionadas ao excesso de peso.(4) Assim, torna-se imperioso o melhor estudo dessa morbidade e suas conseqüências. Obesidade é definida como a presença de um índice de massa corporal (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2. A gravidade da condição, por sua vez, é avaliada em classes. Em função dos valores de IMC, são reconhecidos os seguintes níveis de obesidade: tipo 1 (IMC entre 30 e 34,9 kg/m2), tipo 2 (IMC entre 35 e 39,9 kg/m2), e tipo 3 (IMC maior do que 40 kg/m2).

A obesidade está relacionada com diversas anormalidades da mecânica respiratória e com o comprometimento das trocas gasosas. Já foram descritas reduções da força e da capacidade de endurance dos músculos respiratórios, e distúrbios da função pulmonar e da capacidade de exercício.(5-9) Alterações dessa natureza podem contribuir para o surgimento de dispnéia,(10,11) sintoma descrito como sendo mais prevalente em obesos.(12,13) Alguns dos obesos podem desenvolver ainda a síndrome da hipoventilação alveolar.(14) Há também risco aumentado para apnéia obstrutiva do sono.(15) Na maioria das vezes estas duas condições estão associadas, e o desenvolvimento de insuficiência respiratória e cor pulmonale neste cenário é freqüente. Asma e refluxo gastresofágico também foram descritos como sendo manifestações mais comuns em obesos.(16-18)

Na prática clínica a obesidade é pouco reconhecida como causa de dispnéia e os mecanismos envolvidos em sua gênese são pouco conhecidos. Além disso, ainda não está bem claro como as alterações funcionais respiratórias se correlacionam com a intensidade da sensação de falta de ar desses indivíduos. Em função do exposto, o objetivo deste trabalho foi investigar a ocorrência de dispnéia em pacientes com obesidade pronunciada, sem doenças associadas ou tabagismo significativo. Visamos ainda a comparar os dados de função respiratória entre os indivíduos com e sem queixas de falta de ar. Finalmente, foram investigadas as correlações entre a intensidade da dispnéia com parâmetros de função respiratória e o IMC.

Métodos

Foram estudados 49 pacientes obesos, de ambos os sexos, com IMC maior do que 35 kg/m2, provenientes do Ambulatório de Obesidade e Enfermaria de Nutrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os pacientes, após tomarem conhecimento dos objetivos e procedimentos envolvidos com o estudo, assinaram consentimento informado. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Processo 5464/99).

Foram excluídos do estudo os pacientes tabagistas atuais ou ex-tabagistas com história de consumo tabágico superior a dez maços-ano. Também foram excluídos diabéticos em vigência de tratamento medicamentoso, hipertensos graves ou mal controlados, e portadores de qualquer doença pulmonar, cardíaca ou sistêmica atual. Pacientes com história de broncoespasmo, mesmo na infância, ou com sintomas passíveis de serem atribuídos à presença de apnéia do sono, não foram incluídos na investigação.

No laboratório de função pulmonar, os pacientes foram inicialmente interrogados se sentiam falta de ar para realização de alguma atividade do cotidiano, usando-se frases como: "Você sente falta de ar ou cansaço no peito?" As respostas obtidas foram simplesmente classificadas como "sim" ou "não". Em seguida, foram aplicadas questões que permitiram o cálculo, para todos os indivíduos, do índice de dispnéia basal de Mahler (IDB), adaptado por Stoller et al.(19) O grau de dispnéia avaliado por este instrumento varia entre 0 e 12, os maiores escores indicando menor intensidade do sintoma.

Após a obtenção das informações relativas à intensidade da dispnéia, foram realizadas espirometria, medidas das pressões respiratórias máximas e coleta de gasometria arterial em ar ambiente. Os dados espirométricos foram obtidos empregando-se um espirômetro Pulmonet Godard (Bilthoven, Holanda). A capacidade pulmonar total (CPT) e o volume residual (VR) foram medidos usando-se a técnica da diluição do hélio por respirações múltiplas em circuito fechado. As manobras foram realizadas de acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(20) Assim, foram medidos a CPT, capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo, relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e CVF, fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF, VR, relação VR/CPT e volume de reserva expiratório (VRE). Os resultados foram expressos como porcentagem dos valores de normalidade calculados pelas equações de Pereira et al.(21) e de Neder et al.(22) para a população brasileira.

As pressões respiratórias máximas foram medidas com um manovacuômetro MPG (Marshalltown, EUA). A pressão inspiratória máxima foi medida a partir da capacidade residual funcional e a pressão expiratória máxima (PEM) a partir da CPT, realizando-se para cada uma delas um mínimo de três esforços, obtendo-se a média aritmética dos valores selecionados. Os valores foram expressos como porcentagem da normalidade de acordo com as equações de Neder et al.(23)

As amostras de sangue arterial para a medida dos gases sanguíneos foram obtidas por punção da artéria radial, com o paciente em repouso e respirando ar ambiente. Após a coleta, o material foi prontamente analisado em gasômetro marca Corning modelo 178. A diferença alvéolo-arterial de oxigênio (P(A-a)O2) foi calculada com o emprego de equação clássica da literatura.(24) As equações empregadas para o cálculo dos valores previstos para pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2)(20) e P(A-a)O2 foram, respectivamente:

PaO2 = 143,6 - (0,39 x idade) - (0,56 x IMC) - (0,57 x PaCO2)

P(A-a)O2 sentado = (0,27 x idade) + 7

Os resultados obtidos foram expressos na forma de médias e desvios padrão. As comparações entre os grupos com e sem dispnéia foram realizadas pelo teste t de Student, e as correlações entre duas variáveis foram feitas pelo coeficiente de correlação de Pearson. Foi considerado como nível de significância um p < 0,05.

Resultados

Foram avaliados 49 indivíduos, sendo 41 mulheres e 8 homens, com idade média de 38,1 ± 9,5 anos, e IMC médio de 52,9 ± 9,2 kg/m2. Quando indagados sobre a ocorrência de dispnéia, 37 indivíduos responderam "sim" (75,5%), correspondendo ao Grupo 1, enquanto que 12 responderam "não" (24,5%), constituindo o Grupo 2. Como pode ser visto na Tabela 1, os valores médios do IDB diferiram de maneira significativa entre esses dois grupos (p = 0,005). Entretanto, não houve diferenças significativas no tocante a sexo, idade, valores de IMC e presença de história tabágica.

Os valores médios dos dados espirométricos obtidos para todos os pacientes são mostrados na Tabela 1. Estabelecendo um valor de 80% do previsto como limite inferior da normalidade, podemos considerar que todos os valores médios dos parâmetros analisados estão dentro do esperado, exceção feita ao VRE, que mostrou média de 44,6 ± 23,1% do previsto. Admitindo-se 120% como valor de corte para o limite superior da normalidade, podemos considerar que a relação VR/CPT do grupo como um todo foi elevada.

Em relação aos dados espirométricos, a única diferença significativa observada entre os Grupos 1 e 2 foi no tocante ao VRE, que foi menor no primeiro grupo em comparação ao segundo (40,8 ± 23,3% vs. 55,8 ± 19,5%).

As pressões expiratória e inspiratória máximas apresentaram valores médios para todo o grupo de 139,2 ± 34,5% e 106,7 ± 30,4% do previsto, respectivamente. O Grupo 1 mostrou um valor médio de PEM significativamente inferior ao do Grupo 2 (133,2 ± 34,6% vs. 157,6 ± 27,8%).

A Tabela 1 também mostra os valores médios da gasometria arterial para os indivíduos estudados. A P(A-a)O2 média de todo o grupo (22,5 ± 8,6 mmHg) foi discretamente superior ao valor esperado (17,28 mmHg). Trinta e seis indivíduos mostraram valores de P(A-a)O2 além do previsto (73,5%). A PaO2 média do grupo (75,9 ± 9,6 mmHg) foi muito próxima do valor de 77,64 ± 8,99 mmHg, esperado para a idade. Apesar disso, 29 pacientes apresentaram valores de PaO2 inferiores ao calculado (59,2%). Apenas 2 pacientes tiveram valores de PaCO2 maiores do que 45 mmHg e o grupo, como um todo, revelou normocapnia. Quando comparamos os dados referentes à troca gasosa entre o Grupo 1 e o Grupo 2, notamos que o primeiro grupo exibiu um valor de pH significativamente inferior ao do segundo (7,43 ± 0,03 vs. 7,48 ± 0,10).

Foram investigadas ainda as correlações existentes entre o IDB e o IMC, com todas as variáveis espirométricas e gasométricas medidas. As correlações que demonstraram significância estatística estão listadas na Tabela 2 e Figura 1. O IMC correlacionou-se positivamente com a relação VR/CPT, PaCO2 e P(A-a)O2, e de modo inverso com a relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e CVF, e fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF e PaO2. O IDB correlacionou-se de modo inverso com o IMC, P(A-a)O2, PaCO2 e com a relação VR/CPT. O IDB ainda se correlacionou de maneira direta com o VRE e a PaO2.


Discussão

O presente estudo procurou investigar a prevalência de dispnéia e as correlações desse sintoma com parâmetros funcionais respiratórios, em um grupo altamente selecionado de obesos. Os indivíduos estudados eram portadores de obesidade avançada, graus 2 e 3. Além disso, foram selecionados apenas voluntários que não apresentavam história tabágica relevante, ou co-morbidades significativas para o surgimento de queixas respiratórias. Os nossos resultados mostram prevalência muito elevada de dispnéia em pacientes obesos. Estudos epidemiológicos descrevem, na população geral, uma prevalência de dispnéia entre 3% e 5% em jovens, próxima a 10% em homens idosos, e de 20% em mulheres idosas.(12) Neste estudo, ainda que a amostra feminina tenha sido numericamente superior à masculina, a queixa de dispnéia esteve presente em 75,5% dos obesos, superando em muito a prevalência de uma população geral.

No tocante às alterações espirométricas encontradas, para o grupo como um todo, a ocorrência de diminuições do VRE em obesos já é notadamente conhecida, e é o distúrbio mais precoce associado ao ganho de peso.(5,6,7,25) Este achado costuma ser explicado pela elevação do diafragma em direção ao tórax, devida à compressão pelo tecido adiposo abdominal.(5-7,25) Entretanto, no presente grupo de pacientes também foram observadas elevações do VR e da relação VR/CPT. Estes achados sugerem a presença de air trapping, o que pode ser explicado pela presença de obstrução de pequenas vias aéreas. Estudos prévios já relataram quedas do fluxo expiratório forçado em 50% da CVF e elevações da relação VR/CPT em obesos sadios.(26) Os motivos para a redução do calibre das pequenas vias aéreas de obesos ainda não são completamente conhecidos. Várias hipóteses foram levantadas para explicar este achado, entre elas, a presença de uma elevação do volume sanguíneo pulmonar com conseqüente congestão dos vasos da submucosa brônquica.(27) Outra explicação envolve a liberação local de histamina por basófilos, estimulados por concentrações excessivas de lipoproteínas de densidade muito baixa circulantes.(28)

No presente estudo não foi encontrada diminuição da CPT e CVF médias para todo o grupo, como mostrado em outros trabalhos.(5-7,29) Este dado sugere que quedas dessas capacidades pulmonares não sejam tão freqüentes quanto o imaginado em obesos mórbidos.(13,26) Outro fator que pode explicar nossos resultados é o fato de não dispormos de um grupo controle. Nesse contexto, uma análise baseada unicamente em valores percentuais do previsto não seria suficientemente sensível para detectar possíveis alterações funcionais respiratórias presentes nos obesos. Além disso, a quase totalidade das equações de cálculo dos valores de normalidade empregadas não usa o peso como componente, pois nas análises de regressão somente idade e altura mostraram importância preditiva. Deve-se salientar que tais equações foram obtidas em populações de referência sadias e de não obesos. Deste modo, a real contribuição da obesidade como uma variável independente para a função pulmonar não pôde ser adequadamente testada.(26)

O grupo de pacientes obesos mostrou elevação da P(A-a)O2, se analisada em função do valor previsto para a idade. Acreditamos que o surgimento de alterações da relação entre ventilação e perfusão e/ou micro-atelectasias, particularmente nas bases pulmonares, secundárias a compressão pelo panículo adiposo, pode ser a causa de estabelecimento dessas perturbações das trocas gasosas. Deve-se ressaltar ainda que no presente estudo não foram incluídos pacientes com manifestações clínicas passíveis de serem atribuídas a quadros de distúrbios respiratórios do sono, ainda que não tenhamos feito polissonografia em nenhum indivíduo. Apesar da possibilidade de indivíduos obesos poderem apresentar hipoventilação alveolar,(14) apenas dois pacientes da nossa casuística apresentaram hipercapnia. Eles tiveram VRE muito reduzido e a relação VR/CPT elevada, o que nos parece ser suficiente para justificar a presença do distúrbio de troca gasosa.

As pressões respiratórias máximas geralmente são descritas como normais em obesos.(5) Entretanto, também já foi demonstrada diminuição da PEM, que se associou a redução da ventilação voluntária máxima, presença de dispnéia e redução do fluxo expiratório forçado em 75% da CVF.(13) Contudo, os resultados deste último estudo podem ter sido influenciados pela presença de fumantes na amostra. Os valores médios da pressão inspiratória máxima e da PEM para o grupo de pacientes agora estudados podem ser considerados como normais. O valor médio da PEM foi de 139,2% do previsto, o que parece ser excessivo. As razões para este último achado não são claras, mas podem envolver, mais uma vez, possível inadequação da equação utilizada para determinar os valores esperados. Podemos ainda admitir que o provável aumento do recolhimento elástico da caixa torácica, relacionado à obesidade, possa ter influenciado neste achado.

Quando comparamos os pacientes divididos em grupos, baseados na presença ou ausência de dispnéia, observamos que o IDB do Grupo 1 foi significativamente menor do que o do Grupo 2, como seria naturalmente esperado. Não foram detectadas diferenças significativas no tocante a outros dados clínicos ou história tabágica, ainda que o IMC do primeiro grupo tenha mostrado um valor médio bem superior ao do segundo. Portanto, estes fatores não parecem explicar isoladamente o porquê do surgimento da dispnéia. No tocante aos dados funcionais, os pacientes do Grupo 1 mostraram valores médios de VRE, PEM e pH arterial significativamente inferiores aos do Grupo 2. Ainda que não tenhamos encontrado uma explicação totalmente aceitável para os dois últimos achados, o menor valor de VRE no grupo mais dispnéico aponta para a importância deste achado fisiopatológico na gênese do sintoma.

A intensidade das correlações entre o IMC e o IDB com parâmetros funcionais respiratórios foi, em geral, de grau modesto. Apesar disso, o estudo das correlações entre o IMC e as demais variáveis revelou a existência de uma correlação significativa entre a intensidade da dispnéia e o grau de obesidade. Quanto maior o IMC, menor o IDB, ou seja, maior a intensidade da dispnéia relatada. Além disso, quanto maior o excesso de peso, maior a relação VR/CPT e menor o fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF e a relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e CVF. Do mesmo modo, quanto mais intensa a obesidade, menor a PaO2 e maior tanto a PaCO2 como a P(A-a)O2. Acreditamos que a explicação para estes achados pode residir na presença de fenômenos obstrutivos em vias aéreas associados ao ganho de peso. Além das hipóteses já levantadas acima, acreditamos que a obesidade também possa levar à compressão e estreitamento das pequenas vias aéreas, principalmente no nível das bases pulmonares. Nesse contexto, a presença de quantidade excessiva de tecido adiposo, especialmente no nível abdominal alto, levaria à elevação das pressões peri-bronquiolares basais, com conseqüente prejuízo do fluxo aéreo e elevação do volume de fechamento. Esta última alteração pode justificar a queda do valor médio do VRE e, inclusive, as tendências para elevação do VR e da relação VR/CPT observadas no grupo total de pacientes. Este mesmo tipo de fenômeno guarda potencial de levar ao surgimento de alterações da relação entre ventilação e perfusão e áreas de shunt, que justificariam as correlações observadas entre o IMC e a intensidade dos distúrbios das trocas gasosas.

Nos últimos anos tem sido descrita uma incidência elevada de asma em pacientes obesos.(16-18,30) A partir dos resultados agora obtidos, podemos supor que a oclusão precoce das pequenas vias aéreas induzida pela obesidade contribua para este achado. O quadro clínico de asma apareceria naqueles pacientes com condições genéticas favoráveis e grau de hiperresponsividade brônquica mais acentuado.

O IDB correlacionou-se de maneira positiva com o VRE e inversa com a relação VR/CPT, sugerindo que a redução do primeiro e a elevação da última contribuem para o surgimento de dispnéia nos pacientes obesos. Naturalmente, os mecanismos envolvidos com a patogênese das duas últimas alterações seriam os mesmos já citados anteriormente. A intensidade da dispnéia também se correlacionou com o grau de alterações gasométricas. Quanto menor a PaO2 e maior a P(A-a)O2, menor o IDB, ou seja, maior a intensidade da dispnéia. Do mesmo modo, quanto maior a PaCO2, maior intensidade do sintoma foi referida pelos pacientes. É sabido que tanto a hipoxemia como, principalmente, o estímulo hipercápnico podem contribuir para o surgimento de sensações respiratórias desagradáveis.(10,11) Contudo, o encontro de uma correlação significativa entre o IDB e piora das trocas gasosas não implica uma relação de causa e efeito obrigatória.

Em conclusão, a dispnéia mostrou-se ser um sintoma muito comum em indivíduos com obesidade graus 2 e 3. Ainda que os mecanismos relacionados ao surgimento da dispnéia sejam complexos e não completamente entendidos, os achados do presente estudo sugerem um papel de obstrução das pequenas vias aéreas e piores trocas gasosas na gênese do sintoma nessa condição. Estudos adicionais, voltados à investigação da gênese da dispnéia em obesos graus 2 e 3, deverão obrigatoriamente avaliar esses aspectos.

Agradecimentos

Agradecemos a Luciana Straccia e Elizabeth Sobrani pela assistência com o trabalho técnico, e ao Professor Doutor João Terra Filho, pela impecável administração do Laboratório de Função Pulmonar.

Recebido para publicação em 17/10/05. Aprovado, após revisão, em 11/4/06.

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  • Endereço para correspondência:
    Christiane Aires Teixeira
    Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    Av. Bandeirantes, 3.900
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    Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRPUSP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      17 Out 2005
    • Aceito
      11 Abr 2006
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