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Concordância entre os estadiamentos clínico e patológico em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células, estádios I e II, submetidos a tratamento cirúrgico

Resumos

OBJETIVO: Comparar os estadiamentos clínico e patológico em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células submetidos a tratamento cirúrgico e identificar as causas das discordâncias. MÉTODOS: Foram analisados, de forma retrospectiva, os dados de pacientes tratados no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e acurácia para os estádios clínicos IA, IB e IIB. O índice kappa foi utilizado para determinar a concordância entre os estadiamentos clínico e patológico. RESULTADOS: Dentre os 92 pacientes estudados, 33,7% foram classificados como estádio clínico IA, 50% como IB e 16,3% como IIB. A concordância entre os estadiamentos clínico e patológico foi de 67,5% para IA, 54,3% para IB e 66,6% para IIB. O estadiamento clínico teve maior acurácia no estádio IA, e um kappa de 0,74 neste caso confirma uma substancial associação com o estadiamento patológico. A dificuldade em avaliar doença metastática linfonodal é responsável pela baixa concordância em pacientes com estádio clínico IB. CONCLUSÕES: A concordância entre os estadiamentos clínico e patológico é baixa, e, freqüentemente, os pacientes são subestadiados (no presente estudo, somente um caso foi superestadiado). São necessárias estratégias para melhorar o estadiamento clínico e, conseqüentemente, o tratamento e o prognóstico dos pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células.

Estadiamento de neoplasias; Neoplasias pulmonares; Neoplasias pulmonares; Prognóstico


OBJECTIVE: To compare clinical and pathological staging in patients with non-small cell lung cancer submitted to surgical treatment, as well as to identify the causes of discordance. METHODS: Data related to patients treated at the Department of Thoracic Surgery of the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul São Lucas Hospital were analyzed retrospectively. Sensitivity, specificity, positive predictive value, negative predictive value, and accuracy were calculated for clinical stages IA, IB, and IIB. The kappa index was used to determine the concordance between clinical and pathological staging. RESULTS: Of the 92 patients studied, 33.7% were classified as clinical stage IA, 50% as IB, and 16.3% as IIB. The concordance between clinical and pathological staging was 67.5% for stage IA, 54.3% for IB, and 66.6% for IIB. The accuracy of the clinical staging was greater for stage IA, and a kappa of 0.74, in this case, confirmed a substantial association with pathological staging. The difficulty in evaluating nodal metastatic disease is responsible for the low concordance in patients with clinical stage IB. CONCLUSIONS: The concordance between clinical and pathological staging is low, and patients are frequently understaged (in the present study, only one case was overstaged). Strategies are necessary to improve clinical staging and, consequently, the treatment and prognosis of patients with non-small cell lung cancer.

Neoplasm staging; Lung neoplasms; Lung neoplasms; Prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Concordância entre os estadiamentos clínico e patológico em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células, estádios I e II, submetidos a tratamento cirúrgico* * Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil.

Pedro Augusto Reck dos SantosI; Rodrigo Sponchiado da RochaI; Maurício PipkinI; Marner Lopes da SilveiraII; Marcelo CypelIII; Jayme Oliveira RiosIV; José Antonio Lopes de Figueiredo PintoV

IMédico Residente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil

IICirurgião Torácico do Hospital São Lucas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil

IIIFellow do Serviço de Cirurgia Torácica. Universidade de Toronto, Toronto, Ontário, Canadá

IVProfessor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil

VProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Augusto Reck dos Santos Rua Sofia Veloso, 104, apto 903, Cidade Baixa CEP 90040-150, Porto Alegre, RS, Brasil Tel 55 51 3407-4120 E-mail: pedroreck78@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Comparar os estadiamentos clínico e patológico em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células submetidos a tratamento cirúrgico e identificar as causas das discordâncias.

MÉTODOS: Foram analisados, de forma retrospectiva, os dados de pacientes tratados no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e acurácia para os estádios clínicos IA, IB e IIB. O índice kappa foi utilizado para determinar a concordância entre os estadiamentos clínico e patológico.

RESULTADOS: Dentre os 92 pacientes estudados, 33,7% foram classificados como estádio clínico IA, 50% como IB e 16,3% como IIB. A concordância entre os estadiamentos clínico e patológico foi de 67,5% para IA, 54,3% para IB e 66,6% para IIB. O estadiamento clínico teve maior acurácia no estádio IA, e um kappa de 0,74 neste caso confirma uma substancial associação com o estadiamento patológico. A dificuldade em avaliar doença metastática linfonodal é responsável pela baixa concordância em pacientes com estádio clínico IB.

CONCLUSÕES: A concordância entre os estadiamentos clínico e patológico é baixa, e, freqüentemente, os pacientes são subestadiados (no presente estudo, somente um caso foi superestadiado). São necessárias estratégias para melhorar o estadiamento clínico e, conseqüentemente, o tratamento e o prognóstico dos pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células.

Descritores: Estadiamento de neoplasias; Neoplasias pulmonares/diagnóstico; Neoplasias pulmonares/cirurgia; Prognóstico.

Introdução

O câncer de pulmão é a causa mais freqüente de morte por neoplasia maligna tanto em homens quanto em mulheres. Além disso, representa 28% das mortes por câncer, com incidência menor somente que a neoplasia de mama. Ocorrem, atualmente, cerca de 180.000 novos casos de neoplasia pulmonar nos Estados Unidos a cada ano.(1)

O prognóstico do paciente com neoplasia pulmonar depende do diagnóstico precoce e do adequado estadiamento oncológico, e o tipo de tratamento utilizado difere de acordo com o momento em que a neoplasia é diagnosticada. A partir daí, verifica-se a importância de identificar subgrupos de pacientes com o mesmo prognóstico e definir estratégias de tratamento para cada subgrupo.

O sistema atual de estadiamento do câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC) é o tumor/nódulo/metástase (TNM),(2) o qual provê unicamente uma definição da extensão anatômica da neoplasia (tamanho, localização e extensão da lesão primária, presença e localização das metástases linfáticas locorregionais e presença de doença metastática sistêmica). Reconhecem-se nele limitações importantes, como a de não levar em consideração aspectos clínicos (como o estado geral do paciente, a perda de peso, a capacidade funcional e o subtipo histológico do tumor) nem a influência de fatores prognósticos primariamente biológicos (como a mutação do gene p53).

Disso resulta um problema especial que é o subestadiamento, o qual é determinado pelas limitações de sensibilidade dos diversos métodos diagnósticos usados no estadiamento pré-operatório. Denomina-se estadiamento clínico (EC) o estadiamento obtido após a realização de todos os exames, invasivos ou não, previamente à ressecção pulmonar. Caso o paciente seja submetido à cirurgia, o EC será confirmado ou revisto, de acordo com os achados operatórios. O estadiamento patológico (EP) é determinado de acordo com a análise da peça cirúrgica, e este resultado tem um papel importante nas decisões terapêuticas subseqüentes.

Disparidades entre o EC e o EP ocorrem freqüentemente, causando prejuízo para o delineamento de estudos clínicos e, principalmente, para o tratamento individual de pacientes, já que um estadiamento inadequado pode determinar situações como a perda do benefício da terapia neoadjuvante e a não identificação de pacientes com doença neoplásica avançada e sem indicação cirúrgica.

O objetivo deste trabalho é determinar a concordância entre o EC e o EP, além de identificar os fatores causais que levam a discordâncias entre ambos.

Métodos

Entre janeiro de 2002 e janeiro de 2006, 125 pacientes com diagnóstico de CPNPC realizado por meio de fibrobroncoscopia, punção percutânea, videotoracoscopia ou biópsia transoperatória foram submetidos a tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Estes pacientes tiveram seu EC estabelecido por tomografia computadorizada (TC) do tórax e do abdômen, TC de crânio na presença de sintomas neurológicos, além de cintilografia óssea na presença de sintomas relacionados. A mediastinoscopia cervical foi o método usado para avaliação dos linfonodos paratraqueais e subcarinais. Os pacientes com tumores localizados no lobo superior esquerdo foram submetidos à mediastinotomia paraesternal para avaliação das cadeias subaórtica e janela aorto-pulmonar. A videotoracoscopia foi usada para investigação de derrame pleural.

Todos os pacientes realizaram toracotomia com ressecção padrão para CPNPC, conforme a reserva pulmonar, com dissecção linfonodal sistemática (linfonodos paratraqueais, subcarinais e hilares do lado direito e linfonodos subaórticos, da janela aorto-pulmonar, subcarinais e hilares do lado esquerdo). Após a cirurgia, mediante análise anatomopatológica, foi verificado um determinado EP, o qual foi então comparado ao EC para identificar onde houve discordância.

Foram identificados 92 pacientes com EC I ou II, sendo a coleta de dados realizada de forma retrospectiva. Foram excluídos os pacientes com EC ou EP incompletos, aqueles com histologia diferente de CPNPC, aqueles com EC III ou IV submetidos a tratamento cirúrgico e aqueles submetidos à terapia neoadjuvante. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital São Lucas da PUCRS.

Os dados dos pacientes foram analisados em planilha Microsoft Office Excel 2003, e a análise estatística foi realizada com o software R for Windows.(3) Foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e acurácia para o EC IA (T1N0M0), o EC IB (T2N0M0) e o EC IIB (T3N0M0). Dentre os pacientes com EC IIB, não foi identificado nenhum com estadiamento pré-operatório T2N1M0. O índice kappa de Cohen foi aplicado para determinar o poder de concordância entre o EC e o EP nos referidos estádios.(4)

Resultados

Na série de 92 pacientes estudados, 70,6% eram do sexo masculino e 29,4%, do sexo feminino, com uma idade média de 63,2 anos e mediana de 67 anos. A Tabela 1 mostra que o procedimento cirúrgico mais comumente realizado foi a lobectomia pulmonar (76,1%), seguido pela pneumonectomia, segmentectomia regrada, bilobectomia e ressecção em cunha. O tipo histológico predominante foi o adenocarcinoma em 38% dos casos, seguido pelo carcinoma epidermóide em 33,7% dos casos. A maioria das neoplasias tinha localização no lobo superior esquerdo em 32,6% e no lobo superior direito em 27,5% dos pacientes.

Já em relação ao EC, 33,7% dos pacientes pertenciam ao grupo IA, 50% ao IB e 16,3% ao IIB (Tabela 2). Todos os pacientes pertencentes ao grupo IIB o eram em função da suspeita tomográfica de invasão de parede torácica ou pleura parietal, uma vez que não foram identificados pacientes com EC IIB - T2N1M0.

Considerando-se o EC IA, a concordância entre o EC e o EP foi de 67,5%. Houve 4 pacientes que migraram para o EP IB por invasão de pleura visceral, 1 que migrou para o IIA pela presença de linfonodo hilar metastático, 1 para o IIB por invasão de pleura parietal, 2 para o IIIA pela presença de doença metastática em linfonodo mediastinal ipsilateral, 1 para o IIIB por haver outra lesão no mesmo lobo e 1 para o IV pela presença de uma lesão em outro lobo. No grupo com EC IB, que foi onde mais ocorreram mudanças, a concordância foi de 54,3%, havendo 12 pacientes que migraram para o EP IIB, 9 dos quais pela presença de linfonodos N1 patológicos e os demais pela invasão de pleura parietal que não havia sido identificada antes. Já 9 pacientes mudaram para o EP III, 8 dos quais para o estádio IIIA por haver metástase em gânglios N2 e 1 para o IIIB pela presença de outra lesão no mesmo lobo. O grupo com EC IIB apresentou concordância de 66,6%, havendo 1 paciente que migrou para o EP IB, pois não foi constatada a invasão de pleura parietal. Dos demais, 2 migraram para o IIIA (neoplasia com invasão costal e presença de linfonodo N1 metastático), 1 para o IIIB, novamente pela presença de outra lesão no lobo ressecado, e 1 para o IV, também pela presença de outra lesão, mas desta vez em outro lobo (Tabela 2 e Figura 1).


O EC IA teve sensibilidade de 100%, especificidade de 85%, valor preditivo positivo de 67%, valor preditivo negativo de 100% e uma acurácia bastante elevada de 89%. O poder de concordância, calculado por meio do índice kappa, foi de 0,74.

A sensibilidade para o estádio IB foi de 98%, com uma especificidade baixa de 35%, valor preditivo positivo de 66% e valor preditivo negativo de 93%. A acurácia foi de 70% e o índice de kappa, de 0,33.

Por fim, os pacientes com EC IIB tiveram uma sensibilidade baixa de 43% e uma especificidade elevada que alcançou 92%. O valor preditivo positivo foi de 66% e o negativo foi de 83%, com uma acurácia de 80%. A concordância, pelo índice kappa, foi de 0,41 (Figura 2).


Discussão

O EP constitui o fator mais importante para a avaliação prognóstica de pacientes com CPNPC submetidos a tratamento cirúrgico. À medida que alguns estudos têm mostrado o benefício do tratamento neoadjuvante, especialmente no que diz respeito ao aumento de sobrevida em pacientes com estádio IIIA, a identificação pré-operatória deste subgrupo de pacientes tem adquirido grande destaque.(5,6)

Também deve ser ressaltada a importância da identificação pré-operatória daqueles pacientes que, no EP, provaram pertencer ao estádio IV, já que eles não se beneficiam em nenhum momento do procedimento cirúrgico a que foram submetidos.(7) Neste sentido, estudos que determinem a concordância entre o EC e o EP são de fundamental importância na atualidade.

No entanto, a comparação clínico-patológica acaba tornando-se válida somente para o T e o N, pois a toracotomia, com a posterior análise da peça cirúrgica, na maioria das vezes, não altera o fator M. De uma forma geral, o que se verifica é uma deterioração desta concordância à medida que aumentam o T e o N. Mesmo com um EC apropriado, o índice de toracotomias exploradoras ou ressecções incompletas acaba variando de 8 a 10%.(8)

Apesar de toda a importância que tem sido dada a este objetivo e do refinamento do EC e do EP, alguns autores,(9) numa série de 11.668 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para CPNPC, verificaram que somente 27% destes pacientes foram submetidos a mediastinoscopia cervical e que, dentro deste grupo, apenas 46% tiveram seus linfonodos biopsiados. Também apenas 60% dos pacientes tiveram seus linfonodos mediastinais amostrados ou dissecados durante a cirurgia, gerando prejuízo ao EP. A maioria dos pacientes recebeu somente tratamento cirúrgico, sendo importante verificar que, nos estádios II, III e IV, não foi usado nenhum tratamento adjuvante em 61, 38 e 37%, respectivamente. Torna-se evidente a falta de consenso neste sentido.

No nosso estudo, 32,2% dos pacientes com EC IA passaram para estádios mais avançados quando analisou-se o EP. É importante constatar que 6,4% dos pacientes passaram para o EP II e que, embora tenham realizado o tratamento padrão para o estádio, são claramente pacientes de pior prognóstico, conforme demonstrado por outros pesquisadores.(10) Já 12,9% dos pacientes demonstraram pertencer ao EP III ou IV e, nessa situação, perderam o benefício do tratamento multimodal ou não tiveram indicação de cirurgia em nenhum momento do seu tratamento. Os pacientes com tumores pequenos (T1) dificilmente são subestadiados, e, quando isso ocorre, eles em geral passaram a T2 por invasão da pleura visceral não diagnosticada no EC.

Com relação ao estádio IB, a concordância entre o EC e o EP foi um pouco mais baixa, de aproximadamente 54%. Neste grupo, 26% dos pacientes migraram para o EP IIB, sendo o principal motivo disto a presença de linfonodos hilares comprometidos pela doença. Já 19,5% dos pacientes migraram para estádios em que a cirurgia não era a primeira opção terapêutica. Os pacientes T2 passaram, em cerca de 43% das vezes, para estádios mais avançados por apresentarem metástase linfonodal em estações N1 ou N2. Verifica-se, desta forma, uma deficiência na avaliação da doença metastática linfonodal durante o EC com os métodos atualmente disponíveis.

O motivo pelo qual 16,3% do grupo total de pacientes foram classificados como EC IIB foi a suspeita de invasão de parede torácica ou pleura parietal, havendo uma concordância de 66,6% entre o EC e o EP nesta situação, o que reflete, em nosso estudo, a precisão da TC de tórax em identificar este comprometimento. Aqui, a perda do benefício da neoadjuvância ou até mesmo a ausência de indicação cirúrgica ocorreu em 26,6% dos casos devido à migração dos pacientes para os estádios IIIA, IIIB e IVB. Houve somente um paciente cujo estadiamento diminuiu, passando para IB. O índice kappa demonstra que a concordância no EC IA (0,74) é bem mais evidente do que a no EC IB (0,33). Normalmente se verifica uma deterioração da concordância à medida que o EC progride. No nosso estudo, o kappa para o estádio IIB foi maior que o para o estádio IB provavelmente em função de o primeiro avaliar somente o fator T, pois não foram identificados pacientes EC IIB com T2N1M0.

Os valores preditivos positivos relativamente baixos e os valores preditivos negativos relativamente altos encontrados confirmam os resultados de outros trabalhos e demonstram que freqüentemente o EC subestadia os pacientes e raramente os superestadia. Alguns autores,(11) numa série de 2.994 pacientes com neoplasia pulmonar submetidos a tratamento cirúrgico, verificaram uma concordância de 75% para os estádios IA e IB e de 23,5% para o estádio IIB, ainda que nesta série os pacientes somente tenham sido submetidos à mediastinoscopia cervical caso os linfonodos mediastinais fossem maiores que 1 cm.

Outros autores,(12) mediante uma análise retrospectiva de 180 pacientes com CPNPC submetidos a tratamento cirúrgico entre 1994 e 2000, e nos quais mediastinoscopia cervical foi realizada somente se os linfonodos mediastinais fossem maiores que 1 cm, encontraram uma concordância entre o EC e o EP de 77% no estádio IA, 51,6% no IB, 48,2% no IIB e 33,3% no IIIA. Na análise dos linfonodos mediastinais, houve 26% dos pacientes com N0 clínico, quando, na verdade, eram pacientes com N2 patológico. Já no subgrupo de pacientes com N2 patológico, 46,3% comprovaram isto, sendo que apenas 3 destes foram submetidos à mediastinoscopia cervical pré-operatória.

Já outros pesquisadores,(13) mediante análise prospectiva de seus pacientes usando TC de tórax, encontraram uma concordância entre o EC e o EP de 66% para o estádio I, 82% para o estádio II e 69% para o estádio III.

O benefício de um estadiamento de alta acurácia para definir o prognóstico deve ser sempre ressaltado, pois, desta forma, determina-se a terapia mais adequada para o paciente. Neste sentido, a avaliação da extensão linfonodal do CPNPC assume um papel importante. A remoção de todos os linfonodos mediastinais avalia com alta acurácia a extensão da doença, além de estar associada a menor recorrência e melhor sobrevida, em função de proporcionar o EP adequado.(14)

Dentro da pesquisa de doença metastática linfonodal, a presença desta nos grupos hilares tem sido salientada como outro fator com importância prognóstica, mostrando que o grupo de pacientes N1 é heterogêneo. Seu acometimento está associado a uma sobrevida em 5 anos de 39%, sendo significativamente menor se comparado ao envolvimento de grupos interlobares, lobares e segmentares.(15) Alguns autores(16) demostraram também que o N1 ressecado lobar tem melhor prognóstico que o N1 hilar.

O EC realizado atualmente tem seus problemas. As limitações da TC de tórax bem como as da mediastinoscopia cervical acabam, de uma maneira geral, contribuindo para a diminuição da acurácia do EC. A TC de tórax apresenta baixa concordância entre o EC e o EP na avaliação de doença metastática em linfonodos mediastinais, com falso positivo de cerca de 44% e falso negativo de 17%,(17) e a mediastinoscopia cervical, apesar de ter vantagens sobre a TC de tórax, pois determina a presença de N2 ou N3 e fornece diagnóstico histológico, tem seu alcance restrito aos grupos linfonodais superiores e não aborda totalmente a estação subcarinal,(18) além de ter seus riscos e complicações associadas. Com isso, novos procedimentos têm ajudado a otimizar o EC.

A tomografia por emissão de pósitrons, conhecida como positron emission tomography (PET) scan em inglês, pela sua capacidade de detectar áreas com maior atividade metabólica no corpo humano, além de auxiliar na diferenciação entre nódulos pulmonares malignos e benignos, tem também permitido uma melhor seleção de pacientes para o tratamento cirúrgico, melhorando o EC, pois tem maior acurácia na avaliação de linfonodos mediastinais do que a TC de tórax, principalmente em relação a grupos linfonodais específicos como os das cadeias subaórtica, janela aorto-pulmonar e subcarinal.(19) A PET scan não substitui a biópsia dos linfonodos mediastinais, e tratamento cirúrgico não deve ser negado a nenhum paciente baseado exclusivamente neste exame; contudo seu sentido reside em selecionar áreas a serem amostradas, o que leva a encontrar, muitas vezes, doença linfonodal não suspeitada previamente. Outra modalidade que tem participado neste sentido é a endossonografia endoscópica com punção aspirativa. Através do esôfago, um ecoendoscópio é usado para acessar o mediastino posterior e linfonodos adjacentes (da janela aorto-pulmonar, subcarinais, paraesofágicos e do ligamento pulmonar), amostrando estas estações. Trata-se de um método seguro para a avaliação das estações previamente citadas, com acurácia de 97%, evitando procedimentos exploratórios em aproximadamente 57% dos pacientes,(20) um percentual maior do que o conseguido por meio da TC de tórax ou da PET scan. Alguns pesquisadores(21) verificaram, por meio deste exame, a presença de metástase linfonodal mediastinal em 42% dos pacientes em que a TC de tórax foi normal.

A ultrasonografia endoscópica, procedimento que tem sido introduzido na avaliação dos pacientes com neoplasia pulmonar, tem contribuído para uma melhor avaliação de EC. Ela tem a capacidade de visualizar detalhadamente as camadas da parede da traquéia e brônquios, distinguindo, desta forma, a invasão neoplásica da compressão extrínseca, além da possibilidade de avaliar a relação existente entre as lesões pulmonares extraluminais e os vasos adjacentes. Também pode auxiliar a biópsia de linfonodos mediastinais e hilares e de lesões parenquimatosas.(22)

A videotoracoscopia também tem sido usada com o intuito de aumentar a acurácia do EC. Alguns autores,(23) analisando pacientes com mediastinoscopia cervical negativa cujos T e N foram avaliados com o auxílio da videotoracoscopia, por meio da citologia do lavado pleural, além de biópsia dos grupos linfonodais paraesofágicos e do ligamento pulmonar em tumores localizados em lobos inferiores (quando possível, foi realizada biópsia dos grupos interlobares ou intersegmentares, e os linfonodos subcarinais e paratraqueais só foram amostrados se tivessem aspecto patológico), verificaram que a videotoracoscopia não apresentou complicações, sendo considerada mais acurada que a TC de tórax, pois estadiou corretamente 86% dos casos, comparado aos 42% da TC. Seu maior benefício foi estadiar corretamente o fator T em 96% dos casos.

Já o fator N foi corretamente estadiado em 74% dos casos, evidenciando doença metastática em linfonodos paraesofágicos e do ligamento pulmonar em pacientes com mediastinoscopia cervical negativa. Apesar da limitação da videotoracoscopia em relação à avaliação da janela aorto-pulmonar em pacientes com grandes lesões em lobo superior esquerdo, verificou-se que ela pode identificar derrame pleural maligno pequeno para visualização na TC de tórax, avaliar invasão de parede torácica, além de amostrar linfonodos subcarinais posteriores, do ligamento pulmonar e paraesofágicos, o que é muito importante em pacientes com mediastinoscopia cervical negativa.

Considerando a diferença média de 35% entre o EC e o EP, fica muito difícil a comparação entre um estudo que usa o EC e outro que usa o EP. É sempre importante lembrar que cada método de estadiamento invasivo tem o potencial de avaliar melhor diferentes estações linfonodais. A ação conjunta é fundamental para se atingir uma maior concordância entre o EC e o EP.

Para uma tentativa de estadiamento intratorácico ideal, sugerimos as seguintes condutas:

1) melhor definição de critérios tomográficos para presença de linfonodos N1 patológicos e invasão de pleura visceral;

2) realização de mediastinoscopia cervical em todos os pacientes, com avaliação sistemática das cadeias paratraqueais e subcarinais, mesmo naqueles em que os exames pré-operatórios não mostram adenopatias mediastinais; e

3) realização de videotoracoscopia também em todos os pacientes para avaliação das pleuras parietal e visceral, bem como para avaliação dos linfonodos subcarinais, principalmente quando estes não estão acessíveis pela mediastinoscopia cervical, além do grupo paraesofágico e do ligamento pulmonar.

No presente estudo, a concordância entre o EC e o EP foi substancial no estádio IA, decrescendo no IB e no IIB. Os pacientes foram subestadiados, excetuando-se um único caso, no qual o paciente foi superestadiado. A principal fonte de discordância foi a dificuldade na avaliação pré-operatória de comprometimento metastático linfonodal. Há necessidade de definição dos critérios tomográficos para N1 e de indicação sistemática de estadiamento com métodos cirúrgicos para aumentar o rendimento do estadiamento clínico. Com isso se espera otimizar o tratamento e melhorar o prognóstico dos pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células.

Recebido para publicação em 1/12/2006

Aprovado, após revisão, em 3/4/2007

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  • Endereço para correspondência:
    Pedro Augusto Reck dos Santos
    Rua Sofia Veloso, 104, apto 903, Cidade Baixa
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    Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Abr 2007
    • Recebido
      01 Dez 2006
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