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Amiloidose traqueobrônquica primária

Resumos

A amiloidose traqueobrônquica é uma forma pouco comum de amiloidose localizada, caracterizada por depósitos amilóides limitados à traquéia, brônquios principais e brônquios segmentares. Nós apresentamos o caso de um homem aposentado de 67 anos com dispnéia progressiva de longa data, sibilância e dor torácica. O diagnóstico de amiloidose traqueobrônquica foi realizado após três fibrobroncoscopias e confirmação histopatológica com coloração vermelho congo.

Amiloidose; Broncoscopia; Doenças da traquéia


Tracheobronchial amyloidosis is an uncommon localized form of amyloidosis, characterized by amyloid deposits restricted to the trachea, main bronchi and segmental bronchi. We present the case of a retired 67-year-old man with long-term progressive dyspnea, wheezing and chest pain. A diagnosis of tracheobronchial amyloidosis was made after the third fiberoptic bronchoscopy and histological confirmation through Congo red staining of tissue samples.

Amyloidosis; Bronchoscopy; Tracheal diseases


RELATO DE CASO

Amiloidose traqueobrônquica primária* * Trabalho realizado no Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil.

José Wellington Alves dos SantosI; Ayrton Schneider FilhoII; Alessandra BertolazziIII; Gustavo Trindade MichelIV; Lauro Vinícius Schvarcz da SilvaV; Carlos Renato MeloVI; Vinícius Dallagasperina Pedro7; Daniel SpilmannVII; Juliana Kaczmareck FigaroVII

IDiretor do Departamento de Residência Médica/Ministério da Educação - DEREM/MEC - Brasília (DF) Brasil

IIBroncoscopista Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

IIIProfessora Assistente do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

IVProfessor Assistente do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

VMédico Residente no Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

VIChefe do Laboratório de Patologia. Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

VIIAcadêmico de Medicina. Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vinícius Dallagasperina Pedro Rua Benjamin Constant, 1257, apto. 302 CEP 970500-023, Centro Santa Maria, RS, Brasil Tel 55 55 3025-7661 E-mail: incubop@hotmail.com

RESUMO

A amiloidose traqueobrônquica é uma forma pouco comum de amiloidose localizada, caracterizada por depósitos amilóides limitados à traquéia, brônquios principais e brônquios segmentares. Nós apresentamos o caso de um homem aposentado de 67 anos com dispnéia progressiva de longa data, sibilância e dor torácica. O diagnóstico de amiloidose traqueobrônquica foi realizado após três fibrobroncoscopias e confirmação histopatológica com coloração vermelho congo.

Descritores: Amiloidose/traquéia; Broncoscopia; Doenças da traquéia/diagnóstico.

Introdução

As amiloidoses constituem um grupo de doenças nas quais as dobras das proteínas extracelulares, ou melhor, o erro nesse dobramento, têm um papel fundamental.(1) A doença pode ser hereditária ou adquirida, podendo ser sistêmica ou localizada. Alguns pacientes são assintomáticos, ao passo que outros exibem uma variedade de sintomas e, em certos casos, a afecção pode ser grave e com risco de morte.(2) A amiloidose traqueobrônquica é uma forma localizada incomum de amiloidose, caracterizada por depósitos amilóides limitados à traquéia, brônquios principais e brônquios segmentados.(3,4)

Relato de caso

Homem de 67 anos, aposentado, hipertenso, ex-fumante e ex-etilista, foi encaminhado ao nosso serviço com queixas de dispnéia progressiva, sibilância e dor torácica nos últimos 6 meses. Uma radiografia de tórax obtida 8 anos antes mostrava aumento hilar direito. Tinha também uma história de longa duração de episódios de hemoptise que cessaram 10 anos antes, assim como uma história de infecções respiratórias recorrentes. No exame físico, apresentava murmúrio vesicular diminuído e crepitações leves nas bases pulmonares. Uma segunda radiografia de tórax apresentou as mesmas características da primeira. Os resultados dos testes de função pulmonar (espirometria e teste de caminhada de seis minutos) e dos testes laboratoriais estavam dentro dos limites da normalidade. Uma recente tomografia computadorizada de tórax mostrava estenose parcial dos brônquios principais e intermediários direitos e calcificações mucosas laminares que se estendiam do terço superior da traquéia para áreas estenóticas inferiores, assim como linfoadenomegalias mediastinais (Figura 1). Uma amostra de escarro induzido foi negativa para bactérias, bacilos álcool-ácido resistentes e fungos. O lavado broncoalveolar revelou um processo inflamatório inespecífico.


A fibrobroncoscopia foi realizada por três vezes durante a abordagem diagnóstica. Todos os exames revelaram compressão extrínseca do lado direito da traquéia, infiltrados mucosos nodulares distribuídos a partir da carina principal para os brônquios principais e intermediários direitos, assim como estenose do brônquio intermediário (Figura 2). Somente durante a terceira fibrobroncoscopia foi possível obter uma amostra utilizável dos infiltrados endobrônquicos. A análise histopatológica da amostra tecidual corada com vermelho congo demonstrou birrefringência verde-maçã quando visualizada sob luz polarizada (Figura 3). Um diagnóstico de amiloidose foi fortemente sugerido. Amostras de tecido adiposo periumbilical e de medula óssea não evidenciaram doença sistêmica. Os resultados do exame de urina (proteinúria e creatinúria por 24 h) e perfil protéico estavam dentro dos limites de normalidade. Não foram reveladas anormalidades no ecocardiograma, eletrocardiograma e ultra-sonografia abdominal. O diagnóstico foi de amiloidose traqueobrônquica. Após seis meses, o paciente somente fez uso de broncodilatadores de curta duração, apresentando sintomas respiratórios leves e resultados normais nos testes de função pulmonar.



Discussão

A amiloidose traqueobrônquica é uma doença rara resultante da deposição anormal de proteínas sob a mucosa da traquéia e dos grandes brônquios.(1-7) É uma doença de progressão lenta que exige evidências histopatológicas para a confirmação do diagnóstico.(2,4,5) A amiloidose traqueobrônquica ocorre tipicamente em pacientes entre 40 e 50 anos, constituindo 0,5% das lesões traqueobrônquicas sintomáticas.(2,4) São sintomas comuns a tosse crônica, dispnéia, sibilância, hemoptise e pneumonias recorrentes.(2-12) Foram reportados casos de amiloidose traqueobrônquica que simulam asma de difícil manejo.(12) Metade de todos os pacientes apresenta radiografia de tórax normal; as alterações mais comuns são atelectasia lobar, calcificações brônquicas, bronquiectasias e adenopatia hilar.(4,11) A tomografia computadorizada de tórax e a fibrobroncoscopia revelam espessamento de parede brônquica, estreitamento irregular do lúmen das vias aéreas e nódulos calcificados dentre a submucosa.(3,4,6). A tomografia computadorizada pode sugerir o diagnóstico, mas a fibrobroncoscopia permite uma visualização melhor das lesões e tem a vantagem de permitir a obtenção de amostras para a análise histopatológica. Na maioria dos casos, o diagnóstico é atingido somente após exames seqüenciais de fibrobroncoscopia.

Durante a abordagem diagnóstica, é essencial considerar a possibilidade de doenças neoplásicas, doenças granulomatosas, traqueobroncopatia osteocondroplástica e policondrite recidivante.(8,9,13,14) Os sintomas clínicos de longa duração associados a resultados de estudos de imagem e de fibrobroncoscopia estreitam as possibilidades diagnósticas, sendo os principais diagnósticos diferenciais a traqueobroncopatia osteocondroplástica e a policondrite recidivante.(8,13) Neste relato de caso, o diagnóstico histopatológico somente foi realizado após a terceira fibrobroncoscopia, o que reflete o baixo nível de suspeição de amiloidose traqueobrônquica por parte dos patologistas e broncoscopistas. Embora a abordagem terapêutica recém-desenvolvida, conhecida como terapia por radiação por feixe de elétrons, possa ser uma opção viável,(15) não temos experiência com esse tipo de intervenção em nosso serviço. O paciente descrito aqui recusou ser submetido à intervenção cirúrgica, sendo, portanto, tratado somente com broncodilatadores de curta duração.

Em conclusão, os pacientes com amiloidose traqueobrônquica podem apresentar uma grande variedade de sintomas inespecíficos e achados característicos em exames de imagem. O diagnóstico é essencialmente confirmado através de fibrobroncoscopia, com coloração adequada (vermelho congo) das amostras de tecidos brônquicos.

Recebido para publicação em 26/11/2007

Aprovado, após revisão, em 18/2/2008

Apoio financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Vinícius Dallagasperina Pedro
    Rua Benjamin Constant, 1257, apto. 302
    CEP 970500-023, Centro
    Santa Maria, RS, Brasil
    Tel 55 55 3025-7661
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2008
    • Recebido
      26 Nov 2007
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