Services on Demand
Journal
Article
Indicators
-
Cited by SciELO
-
Access statistics
Related links
Cited by Google
-
Similars in SciELO
Similars in Google
Share
Jornal Brasileiro de Pneumologia
On-line version ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.34 no.11 São Paulo Nov. 2008
https://doi.org/10.1590/S1806-37132008001100014
RELATO DE CASO
Ginecomastia: um efeito colateral raro da isoniazida*
Nelson MorroneI; Nelson Morrone JuniorII; Alessandra Garcia BrazII; José Antonio Freire MaiaII
IDiretor Clínico de Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil
IIMédico de Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil
RESUMO
Relata-se o caso de um paciente que desenvolveu ginecomastia duas vezes após tratamento para tuberculose. Homem de 18 anos de idade foi tratado com o esquema isoniazida-rifampicina-pirazinamida; no terceiro mês desenvolveu ginecomastia bilateral, dolorosa, com regressão parcial ao final do tratamento. Foi retratado oito anos após com o mesmo regime, e a ginecomastia recorreu após seis meses de tratamento. Dosagens hormonais foram normais, e a mamografia revelou ginecomastia bilateral. A isoniazida foi suspensa, tendo a ginecomastia regredido parcialmente no final do tratamento. Quatro anos após, não foi constatada ginecomastia. Conclui-se que a ginecomastia relacionada à isoniazida regride totalmente após a suspensão da droga e, portanto, o tratamento cirúrgico ou medicamentoso deve ser evitado.
Descritores: Isoniazida/efeitos adversos; Ginecomastia/induzido quimicamente; Tuberculose.
Introdução
Reações indesejáveis aos fármacos antituberculose não são incomuns, mas raramente há necessidade de suspensão de algum medicamento.(1) Intolerância gástrica, hepatite, polineurite e reações alérgicas são os efeitos indesejáveis mais comuns da isoniazida (INH); entretanto, ocorrem também outros fenômenos menos freqüentes, como convulsões, sonhos coloridos e eróticos, reumatismo, doença lúpus-símile, mudança do humor, insônia, sonolência excessiva, alterações da memória, tremores e prejuízo das atividades intelectuais.(2,3) A ginecomastia é um dos mais raros, mas é referida em livros de texto.(4,5) Entretanto, na literatura internacional recente e de acordo com as bases de dados Medline e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, só foi relatado um caso.(6)
Nosso objetivo é relatar o caso de um paciente que apresentou ginecomastia em duas ocasiões após o início de uso da INH e, após meses, houve regressão completa.
Relato de caso
Paciente masculino, branco; foi admitido pela primeira vez em setembro de 1995, aos 18 anos, com o diagnóstico de tuberculose pulmonar cavitária, com baciloscopia de escarro positiva e cultura positiva para M. tuberculosis. Na época, queixava-se de tosse produtiva, emagrecimento de 2 kg, astenia e dor no hemitórax direito. A radiografia do tórax revelava processo ulceroso e exsudativo no lobo superior direito. O paciente fazia uso de crack, e o teste para HIV foi negativo. Foi tratado com o esquema INH, rifampicina (RMP) e pirazinamida (PZA), com rápida melhora clinica e radiológica e negativação da baciloscopia de escarro. A PZA foi suspensa após dois meses. Três meses após o início do tratamento, queixou-se de aumento discreto das mamas, com dor espontânea e à palpação, de pequena intensidade. Foi introduzida indometacina, com melhora da dor. O tratamento para tuberculose foi mantido até completar seis meses; por ocasião da alta, a radiografia do tórax era normal e a baciloscopia de escarro negativa. As mamas estavam indolores e pouco aumentadas.
Em março de 2003 foi readmitido e informava que permaneceu assintomático até 15 dias anteriores à readmissão, quando apresentou hemoptise de pequeno volume, tosse produtiva, emagrecimento de 3 kg, dor no hemitórax esquerdo, astenia e anorexia; negava febre e sudorese noturna. Era tabagista-12 anos-maço-e negava alcoolismo ou outros fatores de risco para HIV, tendo abandonado o crack desde o início do tratamento anterior.
Ao exame físico, estava em bom estado geral, eupnéico, pesando 62 kg, altura de 1,75 m e sem outras particularidades.
A radiografia do tórax revelou cavidades no lobo superior esquerdo, sendo a maior com 5 cm de diâmetro e com paredes grossas; no lobo superior direito havia opacidade heterogênea, com pequenas áreas de hipertransparência, mas não havia retração lobar. O escarro foi positivo para bacilos álcool-ácido resistentes, o mesmo ocorrendo com a cultura, que confirmou tratar-se de cepa de M. tuberculosis sensível à INH, RMP, PZA, etambutol e estreptomicina. Os exames de rotina (hemograma, glicemia, parasitológico de fezes, provas de função hepática, uréia, creatinina e teste para HIV) foram normais.
Como a instituição informatizou os prontuários após o tratamento anterior, não foi percebida a constatação de ginecomastia durante o primeiro tratamento, tendo sido prescritos INH, RMP e PZA nas doses usuais (400 mg, 600 mg e 2.000 mg, respectivamente); a PZA foi suspensa após dois meses, mantendo-se a INH e a RMP. Seis meses após o início do tratamento, queixou-se de aumento da mama direita, pouco doloroso, negando alteração da atividade sexual. Ao exame, a mama direita tinha 5 cm de diâmetro, pouco dolorosa à palpação, consistência elástica e não-aderente aos planos superficiais e profundos. O mamilo era normal, e não foi percebida nenhuma alteração na mama esquerda. A INH foi suspensa.
As dosagens hormonais foram normais (Tabela 1). A mamografia revelou ginecomastia bilateral, sendo mais extensa à direita.
Dois meses após a suspensão da INH, a ginecomastia se mantinha inalterada. Um ano após o início, o tratamento foi suspenso, e a ginecomastia havia regredido parcialmente. Três meses após a alta, foi constada normalização mamária.
Após quatro anos, retornou para controle. A radiografia do tórax era normal, bem como as dosagens hormonais (Tabela 1).
Discussão
O diagnóstico de tuberculose no paciente relatado é indiscutível, pois em ambas as ocasiões houve confirmação pelo exame direto e pela cultura; além disso, o quadro clínico e radiológico eram compatíveis com o diagnóstico. O paciente foi tratado da forma usual, salientando-se que no retratamento o esquema terapêutico foi o mesmo, pois não havia nenhum indício de resistência bacteriana, o que foi comprovado pelo teste de sensibilidade às drogas.
Em ambos os tratamentos, a ginecomastia foi detectada meses após início do tratamento para tuberculose (três meses no primeiro e seis no segundo); o exame físico é o elemento principal para o diagnóstico, mas a mamografia confirmou a hipótese e evidenciou que a ginecomastia era bilateral, o que não era aparente no exame físico.
O diagnóstico diferencial da ginecomastia deve ser feito com outras anormalidades mamárias, entre as quais a pseudoginecomastia e tumores. A presença de estrutura firme homogênea mamária é importante para diferenciação com a pseudoginecomastia; a ginecomastia de origem recente, como ocorreu em nosso paciente, geralmente está associada à dor, o que não ocorre com as de longa duração e nem com a pseudoginecomastia.(7)
O diagnóstico de tumor pode ser afastado com facilidade pela ausência de massas ao exame físico e à mamografia, assim como pela regressão completa da ginecomastia após suspensão da INH.
A ginecomastia por hipogonadismo primário ou secundário pode ser afastada pela normalidade das dosagens hormonais e pela manutenção da atividade sexual. Os valores normais dos hormônios tireoidianos afastam a possibilidade de hipertireoidismo.(4)
O substrato patológico da ginecomastia é hiperplasia do epitélio ductal, infiltração periductal de células inflamatórias e aumento da gordura subareolar. A fibrose periductal, hialinização do estroma e infiltração gordurosa subareolar caracterizam a forma crônica.(7)
A fisiopatologia da ginecomastia não está totalmente esclarecida, mas a ruptura da relação estrógeno/andrógeno parece ser fundamental. O aumento relativo do estrógeno livre induziria à ginecomastia. Esta eventualidade pode ter diferentes mecanismos, como a diminuição da produção de testosterona ou a ligação mais forte desta com a proteína transportadora, com diminuição da testosterona livre. A produção aumentada de estrógenos, por outro lado, ocorre em tumores, como no das células de Leydig, no carcinoma de grandes células e em tumores adrenais. Outro mecanismo admitido é a atividade aumentada da aromatase, que degrada a testosterona, o que ocorre, por exemplo, na GCM em idosos.(4,7)
A relação entre ginecomastia e INH pode ser inferida pela inexistência de outras condições que pudessem causá-la, tais como o uso de drogas (por ex. cimetidina, digitálicos, antiinflamatórios, fenitoína, espironolactona, drogas alquilantes, algumas drogas antivirais, hormônios sexuais ou anti-hormônios, benzodiazepínicos e uso de medicamentos na forma de ervas vendidas sem receita médica), hipertireoidismo e distúrbios hormonais congênitos. Acrescente-se ainda que o paciente não fazia uso de nenhuma outra medicação e nem era usuário de drogas como opiáceos e maconha. Da mesma forma, não havia evidência de doenças hepáticas, renais, neurológicas e nem de recuperação após desnutrição severa.(4,7)
A relação com o uso de fármacos antituberculose poderia ser posta em dúvida, pois em 25% dos casos a causa não é identificada.(7) Entretanto, involuntariamente ocorreu o teste da reintrodução, pois não foi notado que este efeito já ocorrera no primeiro tratamento. Este teste deve ser interpretado como definitivo para caracterizar a causa.(7)
A relação da INH com ginecomastia raramente é relatada na literatura, mas foi reconhecida há muitos anos. Em um estudo de 1973, relatou-se o caso de um paciente com 52 anos, alcoólatra, e que manifestou ginecomastia quatro meses após o início do tratamento. Com exceção de discreta diminuição do nível de testosterona livre, as dosagens hormonais foram normais. O paciente recebeu dose excessiva de INH-600 mg/dia (10 mg/kg)-e era inativador lento da INH. A evolução da ginecomastia foi semelhante a do nosso paciente, com regressão após meses da suspensão da droga.(8)
Mais recentemente, relatou-se o caso de um paciente com 25 anos que desenvolveu ginecomastia três meses após o início do tratamento, com regressão da ginecomastia quatro meses após a suspensão da INH.(6)
Fatores predisponentes para ginecomastia em homens em uso de INH não foram identificados, mas é importante assinalar que não há prejuízo para atividade sexual e que a regressão é total alguns meses após a suspensão da droga, sendo inteiramente ilógico indicar cirurgia para a correção do distúrbio, bem como o uso de medicamentos. A dosagem de hormônios é dispensável, bem como a mamografia,(7) sendo recomendável apenas a suspensão do medicamento e observação. Uma investigação aprofundada só deverá ser feita na persistência da ginecomastia após muitos meses. É possível, por outro lado, que alguns casos não sejam detectados na rotina.
O papel do fenótipo de inativação da INH na gênese da ginecomastia, se existente, deve contribuir em pequena escala. Se fosse importante, a alteração deveria ser muito mais comum porque metade da população brasileira é constituída por inativadores lentos ou intermediários.(9,10)
Agradecimentos
Ao Dr. Celso Kazuo Tamiguchi do Hospital Pérola Byington a realização do exame de mamografia no paciente.
Referências
1. Yee D, Valiquette C, Pelletier M, Parisien I, Rocher I, Menzies D. Incidence of serious side effects from first-line antituberculosis drugs among patients treated for active tuberculosis. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(11):1472-7. [ Links ]
2. Morrone N, Marques WJ, Fazolo N, Soares LC, Macedo L. Reações adversas e interações das drogas tuberculostáticas. J Pneumol.1993;19(1):52-9. [ Links ]
3. Morrone N, Solha MS, Barbosa ZL. Alterações psicológicas, no rendimento escolar e na caligrafia em crianças em uso de hidrazida. Rev Nac Pneumol Sanit. 1980;24(33):33-44. [ Links ]
4. Abdon A, Piva R, Santas R, Vilar L. Ginecomastia. In: Vilar R, editor. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 847-9 [ Links ]
5. Fitzgerald PA. Gynecomastia. In: Tierney LM, McPhee SJ, Papadakis MA, editors. Current Medical Diagnosis and treatment, 2006. New York: Lange Medical Books/McGraw-Hill; 2006. p. 1100-1. [ Links ]
6. Khanna P, Panjabi C, Maurya V, Shah A. Isoniazid associated, painful, bilateral gynaecomastia. Indian J Chest Dis Allied Sci. 2003;45(4):277-9. [ Links ]
7. Braunstein GD. Clinical practice. Gynecomastia. N Engl J Med. 2007;357(12):1229-37. [ Links ]
8. Beck H, Vignalou J. Gynécomasties imputables à lisoniazide. Intérêt de la détermination du phénotype de dinactivation. Nouv Presse Med. 1976;5(4):213-4. [ Links ]
9. Beiguelman B, Ramalho AS, Arena JF, Garlipp CR. A acetilação da isoniazida em brasileiros caucasóides e negróides com tuberculose pulmonar. Rev Paul Med. 1977;89(1-2):12-5. [ Links ]
10. Morrone N, Yorioka I, Sato T, Conde M, Fazolo N. Determinação do fenotipo de metabolização de isoniazida (INH) em 802 pacientes. J Pneumol. 1982;7(4):195-8. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Nelson Morrone
Rua Ministro Godoy, 657, apto. 101, Perdizes
CEP 05015-000, São Paulo, SP, Brasil
Tel 55 11 6163-1387
E-mail: nmorrone@uol.com.br
Recebido para publicação em 18/2/2008
Aprovado, após revisão, em 13/3/2008
Apoio financeiro: Nenhum
* Trabalho realizado em Sanatorinhos - Ação Comunitária de Saúde. Dispensário do Ipiranga. São Paulo (SP) Brasil.