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Tratamento cirúrgico das malformações pulmonares em pacientes pediátricos

CARTA AO EDITOR

Tratamento cirúrgico das malformações pulmonares em pacientes pediátricos

Ao Editor:

É com grande esperança que vejo o artigo sobre o tratamento cirúrgico das malformações pulmonares congênitas em pacientes pediátricos, publicado em um número recente do Jornal Brasileiro de Pneumologia.(1) Seus autores demonstraram a importância desse grupo de pacientes e a segurança do tratamento operatório, sem nenhum óbito em 10 anos. Deixo evidente a minha admiração pela dedicação dos autores ao estudo realizado e aos tópicos ressaltados no artigo, principalmente a clara evidência de que a operação nessa faixa etária é um procedimento definitivo e imprescindível para as malformações pulmonares.(2,3)

A grande dificuldade que temos ainda está no diagnóstico correto dessas malformações, pois o quadro clínico varia com frequência, podendo ser desde assintomático até com insuficiência respiratória grave, tanto em crianças como em adultos.(2,3)

O simples nome "malformações pulmonares" não traduz a difícil realidade do diagnóstico das diferentes doenças englobadas. Apesar dos cistos centrais ou mediastinais tecnicamente não fazerem parte do pulmão, considero-os como parte das malformações pulmonares.(2,3) Como têm a mesma origem embriológica das outras alterações congênitas, são cistos broncogênicos, com epitélio do sistema respiratório - pseudoestratificado, cilíndrico e ciliado. Não vejo justificativa para estudá-los separadamente das outras malformações.

Quanto à nomenclatura, o termo malformação já nos remete à origem congênita. Portanto, não há necessidade de se manter os nomes malformação e congênita juntos.(2,3) Ou existe malformação adquirida?

A malformação adenomatoide cística, descrita por Stocker em 1977, é classificada em três tipos (de 1 a 3), e essa classificação ainda é utilizada.(2-4) A tentativa de expansão da sua classificação, feita pelo próprio Stocker, foi descrita em 1994 e publicada em 2002,(5) mas ainda não foi amplamente adotada.(4) Mais estudos parecem ser necessários para mostrar os benefícios que a ampliação da classificação para cinco subtipos possam trazer. Além disso, o próprio Stocker(6) propôs a mudança na nomenclatura de "malformação adenomatoide cística" para "malformação pulmonar adenomatoide". Os autores(1) se referem a essa nova classificação como se ela tivesse quatro subtipos (de 1 a 4), mas os artigos publicados(4-6) com a classificação estendida mostram cinco subtipos (de 0 a 4), fundamentados no local de origem da malformação: subtipo 0, traqueal; subtipo 1, bronquial; subtipo 2, bronquiolar; subtipo 3, ducto bronquiolar/alveolar; e subtipo 4, ácino alveolar/distal.(6)

A ausência de publicações nacionais sobre o assunto reflete a dificuldade do diagnóstico das malformações pulmonares. Infelizmente, tratamos aproximadamente de 5 a 6 pacientes com esse tipo de malformação por ano em nossa instituição,(2) fato semelhante ao publicado pelos nossos colegas.(1) Na capital de São Paulo, entre 2004 e 2005, foram internados, com diagnóstico de pneumonia, 64.000 pacientes com menos de 9 anos de idade.(7) A incidência de pneumonia recorrente (mais que duas infecções por ano) varia de 6% a 8%, sendo identificadas as causas em cerca de 90% dos pacientes.(8) As alterações congênitas pulmonares são responsáveis por 2% a 9% das pneumonias recorrentes.(8) Das 64 mil crianças mencionadas, no mínimo 3.840 (6%) seriam acometidas por pneumonias de repetição. Dessas, pelo menos 76 casos de pneumonias seriam causados por malformações (2%). Assim, teríamos em São Paulo mais de 70 pacientes por ano com malformações pulmonares, fato que não corresponde a nossa realidade. Nos EUA, em 1993, Adzick já publicava uma casuística de 350 pacientes em 7 anos (aproximadamente 50 casos/ano),(9) e, em 2009, mais de 600 pacientes em 14 anos.(10)

Relato que, no passado, tratamos de um paciente de 14 anos que apresentara mais de 80 pneumonias no lobo superior direito, decorrentes de uma anomalia congênita - um brônquio esofágico. Depois de operado (há 6 anos), não apresentou mais nenhuma infecção pulmonar. Por que esse paciente não foi diagnosticado corretamente já no segundo ou terceiro episódio de infecção? Acredito que esse seja um dos motivos que nos levam a publicar sobre esse assunto - melhoria do diagnóstico e tratamento adequado das malformações pulmonares.

Há varias décadas, desde que as malformações eram chamadas de "cistos congênitos do pulmão",(11) sabemos que elas causam complicações antes do tratamento operatório: infecções, hiperinsuflação, hemoptise ou degeneração maligna.(11)

Os autores(1) mostraram que 48,5% dos pacientes apresentavam antecedentes de pneumonias tratadas antes da operação, e nossos dados são semelhantes (45%).(2,3) A morbidade operatória (complicações) relatada pelos autores(1) foi de 28,5% e, em nossa série, foi de 23%.(2,3) É evidente que a proporção de complicações no manejo das malformações pulmonares é quase o dobro quando se opta pelo "acompanhamento" em vez do tratamento operatório. Por isso, não tenho dúvidas de que, mesmo no paciente pediátrico assintomático, deve-se indicar a ressecção da malformação pulmonar assim que diagnosticada. Além disso, o tratamento precoce (antes dos 8 anos de idade) proporciona o crescimento pulmonar compensatório, sem perda da função pulmonar.(1,2,4) Recomendo, no paciente assintomático, a indicação de operação, sempre que possível, quando o paciente apresentar peso acima de 10 kg e/ou mais que 12 meses de idade. Acima dessa faixa etária, não houve mortalidade.(2,3)

Altair da Silva Costa Jr Médico Assistente, Disciplina de Cirurgia Torácica, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo (SP) Brasil Professor da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP) Brasil

  • 1. Ferreira HP, Fischer GB, Felicetti JC, Camargo Jde J, Andrade CF. Surgical treatment of congenital lung malformations in pediatric patients. J Bras Pneumol. 2010;36(2):175-80.
  • 2. Costa Júnior Ada S, Perfeito JA, Forte V. Surgical treatment of 60 patients with pulmonary malformations: what have we learned? J Bras Pneumol. 2008;34(9):661-6.
  • 3. Costa Jr AS. Análise retrospectiva do tratamento operatório das malformações torácicas (pulmonares e linfáticas) [dissertation]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2006.
  • 4. Azizkhan RG, Crombleholme TM. Congenital cystic lung disease: contemporary antenatal and postnatal management. Pediatr Surg Int. 2008;24(6):643-57.
  • 5. van Koningsbruggen S, Ahrens F, Brockmann M, Michalk D, Rietschel E. Congenital cystic adenomatoid malformation type 4. Pediatr Pulmonol. 2001;32(6):471-5.
  • 6. Stocker J. Congenital pulmonary airway malformation--a new name for and an expanded classification of congenital cystic adenomatoid malformation of the lung. Histopathology. 2002;41(Suppl 2):424-31.
  • 7
    DATASUS [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2010 Apr 25]. Informações de Saúde. Mortalidade - São Paulo. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obtsp.htm
  • 8. Cabezuelo Huerta G, Vidal Micó S, Abeledo Gómez A, Frontera Izquierdo P. Underlying causes of recurrent pneumonia. [Article in Spanish]. An Pediatr (Barc). 2005;63(5):409-12.
  • 9. Adzick NS. Management of fetal lung lesions. Clin Perinatol. 2009;36(2):363-76, x.
  • 10. Adzick NS. Management of fetal lung lesions. Clin Perinatol. 2003;30(3):481-92.
  • 11. Juan ES. Tratamento dos cistos congênitos do pulmão. [thesis]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1954.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
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