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Hemoptise em um paciente com microlitíase testicular e tumor de células germinativas: uma combinação rara

CARTA AO EDITOR

Hemoptise em um paciente com microlitíase testicular e tumor de células germinativas: uma combinação rara

Arturo Cortés TéllesI; José de Jesús López LunaII; Daniel Mendoza PosadaIII; Luis Torre BouscouletIV

IMédico. Departamento de Pneumologia Clínica, Dr. Ismael Cosío Villegas National Institute of Respiratory Diseases, Cidade do México, México

IIMédico. Departamento de Patologia, Dr. Ismael Cosío Villegas National Institute of Respiratory Diseases, Cidade do México, México

IIIMédico. Departamento de Oncologia, Dr. Ismael Cosío Villegas National Institute of Respiratory Diseases, Cidade do México, México

IVMédico. Departamento de Pneumologia Clínica, Dr. Ismael Cosío Villegas National Institute of Respiratory Diseases, Cidade do México, México

Ao Editor:

Tumores primários do mediastino representam um grupo heterogêneo de alterações composto por lesões neoplásicas, congênitas e inflamatórias. A probabilidade de malignidade em tumores do mediastino está associada a três fatores: localização do tumor, idade do paciente no momento do diagnóstico e presença de sintomas. Geralmente, os tumores que têm maior probabilidade de se tornarem malignos são aqueles localizados no compartimento anterior e aqueles acompanhados de sintomas.(1)

Recentemente, atendemos um paciente cujo diagnóstico foi tumor de células germinativas (TCG) seminomatoso associado a microlitíase testicular (MT). Até onde sabemos, há apenas seis casos publicados documentando a associação entre seminoma primário do mediastino e MT.(2-7) Outro aspecto que fez deste um caso excepcional foi o fato de o sintoma inicial ser hemoptise, uma característica relatada em menos de 1% dos casos de pacientes que apresentam TCG extragonadal com envolvimento do mediastino.(8)

Paciente de 27 anos, do sexo masculino, não fumante, trabalhador da construção civil, sem histórico de câncer na família buscou tratamento em nosso hospital queixando-se de hemoptise intermitente com duração de dois meses (30-60 mL/24 h), perda de peso e dispneia (escala do Medical Research Council modificada, grau 2). Os resultados do exame físico, dos testes bioquímicos e dos estudos hematológicos foram normais. A radiografia de tórax realizada na admissão hospitalar revelou evidente alargamento do mediastino. Com base nesses achados, procedemos à quantificação dos marcadores tumorais séricos alfa-fetoproteína e gonadotrofina coriônica humana fração beta (Beta-hCG), obtendo os valores 2,59 ng/mL (valores de referência, 0,67-3,2 ng/mL) e 13,5 mUI/mL (valores de referência para homens, < 2,5 mUI/mL), respectivamente. A single-photon emission CT (SPECT, TC por emissão de fóton único) e a TC convencional revelaram uma massa irregular (aproximadamente 8 × 8 cm) no mediastino anterior, com densidade entre 40 e 54 UH (Figura 1a). A broncoscopia revelou mucosa brônquica edematosa, hiperemiada, com pontos hemorrágicos e traços de sangue nos segmentos basais bilaterais, embora não houvesse sangramento ativo. Não havia invasão da luz ou ulceração da parede brônquica. Foi realizada uma biópsia da massa mediastinal guiada por TC. O estudo histopatológico da amostra obtida por biópsia revelou necrose, fragmentos de células e grandes células pleomórficas, com citoplasma claro, núcleo com cromatina grosseira e nucléolos evidentes, com aparência de neoplasia. A coloração imuno-histoquímica foi positiva para as citoqueratinas AE1/AE3, o hormônio gonadotrófico coriônico e a alfa-fetoproteína, embora a resposta para a sinaptofisina e para o antígeno leucocitário, comum em células neoplásicas, tenha sido negativa. O diagnóstico anatomopatológico foi TCG seminomatoso, diagnóstico este reforçado pelos achados de alfa-proteína sérica normal e Beta-hCG sérica moderadamente elevada. Para avaliar a extensão do tumor, analisamos SPECT/TC da cavidade abdominal, da cavidade pélvica, do cérebro e do fígado, mas não identificamos nenhuma alteração. A MT foi identificada por meio de ultrassonografia (Figura 1b). Constatou-se que a vascularidade estava adequada em ambos os testículos. O paciente recebeu seis ciclos de quimioterapia com cisplatina, etoposide e bleomicina. Após o tratamento, houve resolução da hemoptise. Além disso, a fusão de imagens de SPECT/TC, obtida após o tratamento, revelou redução no tamanho da lesão e ausência de qualquer atividade metabólica dentro da lesão, o que foi novamente observado um ano após o fim do tratamento (Figura 1c).




Embora a maioria dos TCGs origine-se nas gônadas, 2-5% desses tumores são extragonadais.(8) O TCG corresponde a 10-15% de todas as massas mediastinais, ao passo que o seminoma corresponde a 2-4% dessas massas.(9)

Em indivíduos com seminomas mediastinais, os sintomas aparecem quando o tumor atinge determinado tamanho e tendem a ser secundários à compressão das estruturas adjacentes. Bokemeyer et al.(8) estudaram 104 pacientes com seminomas mediastinais e identificaram apenas um caso de hemoptise. No caso por nós reportado, a hemoptise foi o sintoma inicial. Embora não tenhamos conseguido identificar a causa exata da hemoptise, documentamos a hiperemia e os pontos hemorrágicos na mucosa brônquica. Nem a biópsia da mucosa nem a avaliação do líquido de LBA revelaram células tumorais identificáveis.

Tipicamente identificada por meio de ultrassonografia, a MT consiste em micronódulos ecogênicos, múltiplos, randomicamente distribuídos, sem sombra acústica e medindo 1-3 mm de diâmetro. Embora a significância clínica da MT ainda não esteja clara, têm sido conduzidos estudos sobre a prevalência de câncer in situ na presença de MT. A frequência de câncer in situ na população geral de pacientes com MT é de 1,2%, contra 10,8% na população daqueles encaminhados a especialistas em fertilidade.(10) Cast et al.(11) analisaram 4.892 exames de ultrassom escrotal de 4.819 pacientes e identificaram 33 pacientes com MT, o que corresponde a uma prevalência de 0,68%. Além disso, os autores observaram que 7 dos pacientes com MT também apresentavam outros tumores concomitantes. O risco relativo de tumores concomitantes foi 21,6 vezes mais alto em indivíduos com MT do que naqueles sem MT.

A associação entre TCG extragonadal e MT em nosso paciente foi claramente documentada. Essa combinação é bastante rara. Como mencionado anteriormente, apenas seis casos desse tipo já foram publicados até hoje. O primeiro foi descrito por Aizenstein et al., em 1997.(2) Os outros foram relatados entre 1998 e 2002.(3-7) As características dos sete casos (os seis casos relatados e o caso por nós descrito) encontram-se resumidas na Tabela 1.

Seminomas respondem bem à quimioterapia, e a taxa de sobrevida em cinco anos é maior que 88%. Embora a MT ainda não tenha sido formalmente reconhecida como uma lesão pré-maligna, deve-se monitorar pacientes com MT e ter em mente que o mediastino é um local com potencial para o desenvolvimento de TCG. O caso por nós relatado é interessante porque a associação entre MT e TCG extragonadal é rara, mas também porque o paciente buscou tratamento médico devido à hemoptise, o que ocorre em menos de 1% dos casos de indivíduos com TCG mediastinal primário. Esse caso reforça a importância de se expandir o diagnóstico diferencial da hemoptise e de realizar ultrassom escrotal em pacientes com TCG extragonadal localizado no mediastino.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Paul Kersey (Laboratório de Línguas, The College of Michoacán) a revisão linguística do manuscrito.

  • 1. McKenney JK, Heerema-McKenney A, Rouse RV. Extragonadal germ cell tumors: a review with emphasis on pathologic features, clinical prognostic variables, and differential diagnostic considerations. Adv Anat Pathol. 2007;14(2):69-92.
  • 2. Aizenstein RI, Hibbeln JF, Sagireddy B, Wilbur AC, O'Neil HK. Klinefelter's syndrome associated with testicular microlithiasis and mediastinal germ-cell neoplasm. J Clin Ultrasound. 1997;25(9):508-10.
  • 3. Howard RG, Roebuck DJ, Metreweli C. The association of mediastinal germ cell tumour and testicular microlithiasis. Pediatr Radiol. 1998;28(12):998.
  • 4. Nishiyama T, Terunuma M, Iwashima A, Souma T, Hirahara H. Testicular microlithiasis with mediastinal choriocarcinoma: a case report. Int J Urol. 1998;5(3):301-2.
  • 5. Matsumoto K, Iwamura M, Katsuta M, Satoh T, Ohori M, Egawa S, et al. Extragonadal seminoma with testicular microlithiasis: a case report [Article in Japanese]. Hinyokika Kiyo. 1999;45(10):725-7.
  • 6. Quane LK, Kidney DD. Testicular microlithiasis in a patient with a mediastinal germ cell tumour. Clin Radiol. 2000;55(8):642-4.
  • 7. Sato K, Komatsu K, Maeda Y, Ueno S, Koshida K, Namiki M. Case of mediastinal seminoma with testicular microlithiasis. Int J Urol. 2002;9(2):114-6.
  • 8. Bokemeyer C, Nichols CR, Droz JP, Schmoll HJ, Horwich A, Gerl A, et al. Extragonadal germ cell tumors of the mediastinum and retroperitoneum: results from an international analysis. J Clin Oncol. 2002;20(7):1864-73.
  • 9. Moran CA, Suster S, Przygodzki RM, Koss MN. Primary germ cell tumors of the mediastinum: II. Mediastinal seminomas--a clinicopathologic and immunohistochemical study of 120 cases. Cancer. 1997;80(4):691-8.
  • 10. Meissner A, Mamoulakis C, de la Rosette JJ, Pes MP. Clinical update on testicular microlithiasis. Curr Opin Urol. 2009;19(6):615-8.
  • 11. Cast JE, Nelson WM, Early AS, Biyani S, Cooksey G, Warnock NG, et al. Testicular microlithiasis: prevalence and tumor risk in a population referred for scrotal sonography. AJR Am J Roentgenol. 2000;175(6):1703-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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