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Hemangioma subglótico e mediastinal em criança: tratamento com propranolol

CARTA AO EDITOR

Hemangioma subglótico e mediastinal em criança: tratamento com propranolol

Mauro TamagnoI; Benoit Jacques BibasII; Helio MinamotoIII; Fernanda Sobreiro AlfinitoIV; Ricardo Mingarini TerraV; Fabio Biscegli JateneVI

IMédico Residente em Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIMédico Preceptor, Disciplina de Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIIMédico Assistente, Disciplina de Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IVMédica Residente em Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

VMédico Assistente, Disciplina de Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

VIProfessor Titular, Disciplina de Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

Menina de 6 meses foi avaliada no setor de emergência devido a obstrução alta das vias aéreas. A paciente nasceu prematura (34 semanas), havia sido tratada previamente para refluxo gastroesofágico e infecções respiratórias de repetição. No exame físico apresentava estridor laríngeo. Todos os exames laboratoriais eram normais.

A TC de tórax, laringe e traqueia mostrou uma massa heterogênea, ricamente vascularizada no hemitórax esquerdo (Figura 1), sem malformação cardíaca associada. A broncoscopia rígida realizada sob anestesia geral revelou uma grande massa pulsátil que obstruía aproximadamente 80% da laringe e traqueia (Figura 2a; Vídeo 1* * Os vídeos estão disponíveis na versão eletrônica do Jornal Brasileiro de Pneumologia: http://www.jornaldepneumologia.com.br/portugues/VideoHemagioma1.asp. ). O diagnóstico de hemangioma fundamentou-se nos aspectos radiológicos e endoscópicos. Não foi realizada biópsia devido ao risco de sangramento.



O tratamento com corticosteroide (betametasona 0,5 mg/kg por dia) foi iniciado. Após duas semanas de terapia, não foi observada melhora clínica. A corticoterapia foi suspensa, e o tratamento com propranolol (1 mg/kg por dia) foi iniciado. Foi realizada monitorização cardíaca e de glicemia de modo a evitar possíveis complicações. Após 5 dias de tratamento, a paciente apresentou resposta clínica e melhora do estridor. A dosagem de propranolol foi gradativamente aumentada para 2 mg/kg por dia. Após 3 meses de tratamento, foi realizada outra broncoscopia rígida (Figura 2b; Vídeo 2* * Os vídeos estão disponíveis na versão eletrônica do Jornal Brasileiro de Pneumologia: http://www.jornaldepneumologia.com.br/portugues/VideoHemagioma1.asp. ). Observou-se melhora endoscópica, com redução da lesão e obstrução de menos de 20% do lúmen traqueal. Não se observou tecido de granulação ou estenose traqueal, e a mucosa laringotraqueal tinha aspecto normal. A paciente permanece em terapia com propranolol e continuará o tratamento até completar 1 ano de acompanhamento. Não foram observadas arritmias cardíacas nem outros efeitos colaterais associados ao uso do propranolol.

O hemangioma é a neoplasia de origem vascular mais comum da infância. (1) Geralmente se desenvolve durante as primeiras semanas de vida e tem uma fase de crescimento rápido durante os primeiros 3-6 meses de vida, seguida por uma fase de involução ao redor dos 12 meses, podendo durar de 3-7 anos. (1,2) Devido a sua involução espontânea, a maioria dos hemangiomas não requer intervenção. Ainda assim, o tratamento é necessário em 10-15% dos casos, especialmente quando há ameaça à vida e a funções fisiológicas. (2) A prednisolona tem sido a primeira linha de tratamento para hemangiomas, em doses de 2-5 mg/kg por dia. (1) Entretanto, a corticoterapia prolongada está associada a múltiplos efeitos colaterais. (1,2)

Hemangiomas subglóticos são raros, mas podem levar à insuficiência respiratória, com ameaça à vida. (1,3) Diversas modalidades de tratamento estão disponíveis para os hemangiomas subglóticos. (1) A traqueostomia tem sido proposta como tratamento, até que ocorra a regressão espontânea do hemangioma, e assim evita-se o risco de uma cirurgia laringotraqueal complexa. (3) No entanto, a traqueostomia em crianças apresenta alta taxa de complicações, como decanulação acidental, levando a asfixia. (3) Tratamentos com laser e crioterapia apresentam riscos significativos de estenose laríngea e traqueal secundária à cicatrização dos tecidos. A ressecção laringotraqueal nessa situação é uma cirurgia de grande porte, e apresenta mortalidade e morbidade significativas. (3,4)

O tratamento medicamentoso dos hemangiomas subglóticos é baseado no uso de corticosteroides, seja por via oral ou intralesional. O uso de interferon e vincristina é descrito e reservado para lesões que ameaçam à vida. (2) Nenhum desses tratamentos é isento de efeitos colaterais. O uso prolongado de corticosteroides pode resultar em retardo do crescimento, úlcera péptica, diabetes mellitus, necrose avascular de quadril, fraturas espontâneas, imunossupressão e outros problemas metabólicos e de desenvolvimento. (1,2)

O tratamento de hemangiomas com propranolol foi descrito recentemente. (1,5) Notou-se, em uma criança, que um hemangioma nasal diminuiu significativamente de tamanho após o início do tratamento com propranolol para uma cardiomiopatia obstrutiva. (5) Desde então, relatos de casos têm descrito tratamentos bem sucedidos com propranolol para hemangiomas em diversas topografias. Em muitos desses casos, o propranolol foi utilizado como medicação adjuvante após outros tratamentos clínicos e cirúrgicos terem falhado. (1,3,4) A notável resposta clínica e os efeitos colaterais limitados resultaram em um crescente interesse em utilizar o propranolol como agente de primeira linha para os hemangiomas. (4) Relatos da experiência inicial com propranolol como tratamento único para hemangiomas de vias aéreas foram publicados, com resultados excelentes. (1,3,4)

Dentre as possíveis explicações para o efeito terapêutico do propranolol - um beta-bloqueador não seletivo - nos hemangiomas, estão incluídos a vasoconstrição, que é imediatamente vista como uma mudança de cor, associada à mudança na textura do hemangioma; a diminuição na produção de VEGF e de fator de crescimento de fibroblasto básico; e o estímulo a apoptose das células endoteliais dos capilares. (4) Todavia, o propranolol pode induzir sérios efeitos colaterais, como bradicardia e hipotensão, podendo também ocultar os sinais clínicos de insuficiência cardíaca e diminuir o desempenho cardíaco. (6,7) Ainda pode exacerbar as manifestações clínicas da hipoglicemia, que é associada com sequelas neurológicas a longo prazo. (6)

Devido aos possíveis efeitos colaterais do propranolol, um rígido protocolo foi proposto,(4,6) o qual inclui ecocardiograma, exame cardiológico (incluindo pressão arterial e FC) e monitorização da glicemia nas primeiras 48 h de tratamento. O propranolol é administrado a cada 8 h, com dose inicial de 0,5-1,0 mg/kg. Se os sinais vitais e o nível de glicemia permanecerem normais, a dose é aumentada até um máximo diário de 2-3 mg/kg. (4) Não se sabe ainda por quanto tempo a criança deve permanecer usando propranolol, mas é recomendado que o tratamento se estenda até o primeiro ano de vida, quando termina a fase proliferativa do hemangioma. (4)

O propranolol tem demonstrado sucesso no tratamento de hemangiomas de cabeça e pescoço. (5)A experiência inicial sugere que ele é efetivo como primeira linha de tratamento para hemangiomas subglóticos com compressão de vias aéreas que requeiram intervenção. (1,3,4,7) Ademais, é uma alternativa útil em crianças, pois muitas sofrem com os efeitos colaterais dos corticosteroides e com as complicações inerentes da traqueostomia e de múltiplos tratamentos locais. Hemangiomas subglóticos são relativamente raros, e dados prospectivos a longo prazo podem ser difíceis de serem coletados. Não obstante, espera-se que, conforme o uso do propranolol se torne mais difundido, a dose ideal e os efeitos colaterais possam ser mais bem compreendidos. (4)

Agradecimentos

Agradecemos ao Professor Paulo Francisco Guerreiro Cardoso a revisão do manuscrito e os valiosos comentários.

  • 1. Truong MT, Chang KW, Berk DR, Heerema-McKenney A, Bruckner AL. Propranolol for the treatment of a life-threatening subglottic and mediastinal infantile hemangioma. J Pediatr. 2010;156(2):335-8.
  • 2. Léauté-Labrèze C, Sans-Martin V. Infantile hemangioma [Article in French]. Presse Med. 2010;39(4):499-510.
  • 3. Denoyelle F, Leboulanger N, Enjolras O, Harris R, Roger G, Garabedian EN. Role of Propranolol in the therapeutic strategy of infantile laryngotracheal hemangioma. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73(8):1168-72.
  • 4. Maturo S, Hartnick C. Initial experience using propranolol as the sole treatment for infantile airway hemangiomas. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74(3):323-5.
  • 5. Léauté-Labrèze C, Dumas de la Roque E, Hubiche T, Boralevi F, Thambo JB, Taïeb A. Propranolol for severe hemangiomas of infancy. N Engl J Med. 2008;358(24):2649-51.
  • 6. Siegfried EC, Keenan WJ, Al-Jureidini S. More on propranolol for hemangiomas of infancy. N Engl J Med. 2008;359(26):2846; author reply 2846-7.
  • 7. Hiraki PY, Goldenberg DC. Diagnóstico e tratamento do hemangioma infantil. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(2):388-97.
  • *
    Os vídeos estão disponíveis na versão eletrônica do Jornal Brasileiro de Pneumologia:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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