Acessibilidade / Reportar erro

Uso de descritores de dispneia traduzidos da língua inglesa em pacientes com doenças cardiorrespiratórias ou obesidade

Resumos

OBJETIVO: Investigar a utilidade de descritores de dispneia, desenvolvidos em língua inglesa e traduzidos para o português falado no Brasil, em pacientes com quatro condições distintas que cursam com dispneia. MÉTODOS: Uma lista de 15 descritores de dispneia construída em um estudo nos EUA foi traduzida para o português. Esse conjunto de descritores foi aplicado a 50 pacientes com asma, 50 com DPOC, 30 com insuficiência cardíaca e 50 com obesidade graus II ou III. Os termos selecionados como os três melhores para descrever a sensação de dispneia pelos pacientes foram estudados por análise de agrupamentos. Também foram investigadas as possíveis associações entre os agrupamentos encontrados e as quatro condições clínicas incluídas. RESULTADOS: O emprego dessa lista levou a uma solução com nove agrupamentos, denominados expiração, fome de ar, sufoco, superficial, rápido, aperto, falta de ar, trabalho e inspiração. Houve acentuada superposição no uso de descritores pelos pacientes com as quatro condições clínicas. Asma, DPOC e insuficiência cardíaca mostraram associações relevantes com inspiração. Insuficiência cardíaca mostrou associação adicional com trabalho, enquanto nenhum agrupamento se associou de maneira expressiva com obesidade. CONCLUSÕES: O uso de descritores de dispneia traduzidos da língua inglesa por pacientes no Brasil levou a identificação de agrupamentos distintos, os quais guardaram semelhança com aqueles obtidos em um estudo nos EUA. Esses descritores traduzidos foram menos úteis do que um grupo de descritores desenvolvido no Brasil no que se refere à capacidade de gerar associações significativas com as condições clínicas investigadas.

Dispneia; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Asma; Insuficiência cardíaca


OBJECTIVE: To investigate the usefulness of descriptive terms applied to the sensation of dyspnea (dyspnea descriptors) that were developed in English and translated to Brazilian Portuguese in patients with four distinct clinical conditions that can be accompanied by dyspnea. METHODS: We translated, from English to Brazilian Portuguese, a list of 15 dyspnea descriptors reported in a study conducted in the USA. Those 15 descriptors were applied in 50 asthma patients, 50 COPD patients, 30 patients with heart failure, and 50 patients with class II or III obesity. The three best descriptors, as selected by the patients, were studied by cluster analysis. Potential associations between the identified clusters and the four clinical conditions were also investigated. RESULTS: The use of this set of descriptors led to a solution with nine clusters, designated expiração (exhalation), fome de ar (air hunger), sufoco (suffocating), superficial (shallow), rápido (rapid), aperto (tight), falta de ar (shortness of breath), trabalho (work), and inspiração (inhalation). Overlapping of the descriptors was quite common among the patients, regardless of their clinical condition. Asthma, COPD, and heart failure were significantly associated with the inspiração cluster. Heart failure was also associated with the trabalho cluster, whereas obesity was not associated with any of the clusters. CONCLUSIONS: In our study sample, the application of dyspnea descriptors translated from English to Portuguese led to the identification of distinct clusters, some of which were similar to those identified in a study conducted in the USA. The translated descriptors were less useful than were those developed in Brazil regarding their ability to generate significant associations among the clinical conditions investigated here.

Dyspnea; Pulmonary disease, chronic obstructive; Asthma; Heart failure


ARTIGO ORIGINAL

Uso de descritores de dispneia traduzidos da língua inglesa em pacientes com doenças cardiorrespiratórias ou obesidade* * Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Christiane Aires TeixeiraI; Antonio Luiz Rodrigues JúniorII; Luciana Cristina StracciaIII; Élcio dos Santos Oliveira ViannaIV; Geruza Alves da SilvaV; José Antônio Baddini MartinezVI

IMédica Pneumologista. Brasília (DF) Brasil

IIProfessor Associado. Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

IIIBiomédica. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - HCFMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

IVProfessor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

VProfessora Associada. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

VIProfessor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Antônio Baddini Martinez Avenida Bandeirantes, 3900 CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil Tel. 55 16 3602-2531 E-mail: baddini@fmrp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a utilidade de descritores de dispneia, desenvolvidos em língua inglesa e traduzidos para o português falado no Brasil, em pacientes com quatro condições distintas que cursam com dispneia.

MÉTODOS: Uma lista de 15 descritores de dispneia construída em um estudo nos EUA foi traduzida para o português. Esse conjunto de descritores foi aplicado a 50 pacientes com asma, 50 com DPOC, 30 com insuficiência cardíaca e 50 com obesidade graus II ou III. Os termos selecionados como os três melhores para descrever a sensação de dispneia pelos pacientes foram estudados por análise de agrupamentos. Também foram investigadas as possíveis associações entre os agrupamentos encontrados e as quatro condições clínicas incluídas.

RESULTADOS: O emprego dessa lista levou a uma solução com nove agrupamentos, denominados expiração, fome de ar, sufoco, superficial, rápido, aperto, falta de ar, trabalho e inspiração. Houve acentuada superposição no uso de descritores pelos pacientes com as quatro condições clínicas. Asma, DPOC e insuficiência cardíaca mostraram associações relevantes com inspiração. Insuficiência cardíaca mostrou associação adicional com trabalho, enquanto nenhum agrupamento se associou de maneira expressiva com obesidade.

CONCLUSÕES: O uso de descritores de dispneia traduzidos da língua inglesa por pacientes no Brasil levou a identificação de agrupamentos distintos, os quais guardaram semelhança com aqueles obtidos em um estudo nos EUA. Esses descritores traduzidos foram menos úteis do que um grupo de descritores desenvolvido no Brasil no que se refere à capacidade de gerar associações significativas com as condições clínicas investigadas.

Descritores: Dispneia; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Asma; Insuficiência cardíaca.

Introdução

Dispneia é uma queixa importante e muito comum na prática clínica, sendo o principal fator limitante da qualidade de vida em muitas pneumopatias crônicas.(1-4)

Em anos recentes, inúmeros estudos têm sugerido que a sensação de dispneia não envolve uma percepção única e específica, mas sim um conjunto de diversas sensações distintas.(5-9) Diferentes termos utilizados pelos pacientes para se referirem à sensação de dispneia poderiam refletir os mecanismos fisiopatológicos subjacentes e guardar uma relação com os diagnósticos de base. Ainda que um grande número de artigos sobre o tema esteja disponível na literatura internacional, faltam estudos sobre a potencial utilidade do emprego de descritores de dispneia em nosso meio.(10-15)

Características linguísticas e culturais próprias de cada idioma e país, e mesmo variações regionais, guardam o potencial de influenciar o modo como os indivíduos expressam sua sensação de falta de ar. Em um artigo relacionado a este estudo, relatamos o processo de desenvolvimento de descritores de dispneia específicos, a partir de expressões coletadas de alguns pacientes que referiam falta de ar, moradores de uma região do interior paulista.(16) A aplicação de uma lista final composta por 15 expressões nacionais descritoras de dispneia a 180 pacientes, portadores de quatro condições clínicas distintas, levou à formação de sete agrupamentos de descritores. Contudo, devido à superposição do uso de descritores semelhantes, não foi possível uma adequada distinção entre pacientes com asma, DPOC, insuficiência cardíaca (IC) e obesidade graus II ou III.

No presente estudo, relatamos os resultados da aplicação de outra lista de descritores de dispneia, traduzidos da língua inglesa e originalmente desenvolvidos nos EUA,(8) a esses mesmos grupos de pacientes. Ainda são tecidas considerações comparativas entre os resultados obtidos com o emprego dos descritores traduzidos em relação ao estudo americano original(8) e ao emprego de descritores desenvolvidos no Brasil.

Métodos

Os descritores da língua inglesa foram obtidos a partir do trabalho publicado por Mahler et al. em 1996.(8) Tal conjunto de expressões foi escolhido para a presente investigação devido ao fato de que aquele trabalho foi um dos estudos pioneiros sobre o tema, tendo sido amplamente utilizado por outros autores como alvo de comparações.(11,14,17,18)

Os termos foram traduzidos para o português falado no Brasil por dois médicos pneumologistas, fluentes na língua inglesa, um deles tendo morado por um longo período nos EUA. Como as expressões utilizadas eram muito simples, e a finalidade dessa tradução era apenas para o uso no presente estudo, optou-se por não seguir a metodologia completa recomendada para tradução e validação de questionários internacionais. As expressões originais e suas respectivas traduções estão listadas na Tabela 1.

No presente estudo, foram incluídos pacientes com diagnósticos de asma brônquica, DPOC, IC e obesidade graus 2 ou 3, em fase de estabilidade clínica há pelo menos dois meses. Os voluntários foram selecionados a partir de diversos ambulatórios especializados, ligados às áreas de pneumologia, cardiologia e nutrologia, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMRP-USP), localizado na cidade de Ribeirão Preto (SP). Os diagnósticos de asma, DPOC e IC foram estabelecidos em bases clínicas e laboratoriais amplamente aceitas.(19,20) No grupo obesidade, foram incluídos pacientes com índice de massa corpórea (IMC) acima de 35 kg/m2.

Foram estabelecidos critérios de exclusão específicos para cada grupo de pacientes: para os pacientes diagnosticados com asma, IMC > 30 kg/m2, história tabágica > 10 maços-ano e presença de cardiopatia foram os critérios de exclusão; para aqueles com DPOC, esses foram IMC > 30 kg/m2 e presença de cardiopatia; para aqueles com IC, esses foram IMC > 30 kg/m2, história tabágica > 10 maços-ano e presença de pneumopatia conhecida prévia ou atual; para aqueles considerados obesos, esses foram história tabágica > 10 maços-ano e presença de cardiopatia ou de pneumopatia prévia ou atual.

Os pacientes foram abordados em consulta ambulatorial, e alguns dos pacientes com obesidade foram abordados durante internação hospitalar para controle dietético. A todos os pacientes foi questionado se haviam sentido dispneia em algumas ocasiões ao longo dos últimos meses. Em caso de resposta afirmativa, o indivíduo era convidado a participar do estudo e a comparecer ao laboratório de função pulmonar em uma ocasião próxima. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da FMRP-USP, e todos os pacientes participantes do projeto assinaram um termo de consentimento esclarecido.

No laboratório de função pulmonar, os voluntários foram sempre entrevistados por uma de duas pesquisadoras. Inicialmente, eram obtidas informações demográficas e a respeito da escolaridade dos pacientes. Em seguida, era avaliada a intensidade da dispneia exibida em atividades de vida diária, com o emprego do índice de dispneia basal de Mahler, adaptado.(21) Em seguida, os pacientes selecionavam expressões relativas a dispneia a partir de uma lista de descritores desenvolvida no Brasil, como previamente descrito.(16) Após o término da primeira etapa de seleções, era apresentada uma segunda lista com os 15 descritores de dispneia traduzidos. Em ambas as situações, os voluntários eram instruídos a concordar ou discordar, assinalando "Sim" ou "Não", se um determinado descritor aplicava-se a sua sensação de dispneia em repouso ou durante uma atividade física muito forte. A seguir, os pacientes eram orientados a escolher os 3 descritores que melhor expressavam suas sensações de desconforto respiratório. Finalmente, esses eram orientados a escolher, entre os 3 descritores selecionados, a melhor descrição. Como era previsto que alguns dos pacientes incluídos no estudo não fossem alfabetizados, os descritores foram, desde o início, lidos um a um, vagarosamente, pelas pesquisadoras, até que o voluntário estivesse seguro de uma resposta.

Após a obtenção das informações relativas à intensidade da dispneia e a qualidade das sensações respiratórias, os voluntários foram submetidos à espirometria completa por meio de um espirômetro Pulmonet Godard (SensorMedics, Bilthoven, Holanda) e foram colhidas amostras sanguíneas, obtidas da artéria braquial, para a análise de gasometria arterial com um analisador de gases (Ciba Corning 178 Gas System; Ciba Corning, Diagnostics Corp., Medfield, MA, EUA). Os parâmetros dos valores previstos utilizados para a caracterização dos valores de normalidade seguiram as equações de Crapo et al.(22)

No tocante a análise estatística, os 3 descritores selecionados pelos pacientes como os melhores foram analisados e agrupados em domínios com características comuns, empregando-se o método multivariado de análise de agrupamento (cluster analysis).(23,24) A definição dos agrupamentos foi feita de forma exploratória visando obter-se o maior grau de semelhança dentro de um conjunto.

As associações entre os agrupamentos obtidos e as quatro classes de condições analisadas foram efetuadas, na tentativa de definir padrões de sensações específicas para cada situação clínica, seguindo a metodologia de estudos previamente publicados.(5,8) Inicialmente, foi calculada a relação entre o número de vezes que os descritores dentro de um agrupamento foram escolhidos como entre os 3 melhores dividido pelo produto do número de descritores dentro daquele agrupamento e o número de pacientes portadores daquela condição específica. Se essa razão fosse maior do que 0,25, aquele grupamento de descritores era considerado como representativo da moléstia.

Resultados

Foram estudados 180 pacientes, sendo 50 com asma, 50 com DPOC, 30 com IC e 50 considerados obesos, todos em fase de estabilidade clínica, distribuídos em quatro grupos. As características clínicas e funcionais desses pacientes já foram previamente descritas,(16) as quais, resumidamente, apresentamos aqui. A média de idade dos pacientes dos grupos asma, DPOC, IC e obesidade foi de, respectivamente, 39,6 ± 12,3 anos; 66,1 ± 8,5 anos; 52,3 ± 15,9 anos; e 38,8 ± 10,6 anos. Quanto ao gênero, o número e a proporção de mulheres nos quatro grupos foram de, respectivamente, 30 (60%); 12 (24%); 25 (83%); e 42 (84%). Em relação ao índice de dispneia basal, as médias nesses quatro grupos foram de, respectivamente, 6,3 ± 2,4; 5,3 ± 2,1; 4,7 ± 2,0; e 7,6 ± 2,6. Quanto à caracterização da função pulmonar, a média de VEF1, em porcentagem do previsto, nos quatro grupos foi de, respectivamente, 70,0 ± 20,8%; 39,8 ± 20,7%; 79,2 ± 18,8%; e 90,0 ± 14,2%. Quanto aos níveis de oxigenação, a média de PaO2 nos quatro grupos foi de, respectivamente, 81,1 ± 9,8 mmHg; 67,0 ± 11,8 mmHg; 84,4 ± 10,6 mmHg; e 75,5 ± 10,0 mmHg. Em todos os grupos, a maioria dos entrevistados referia ter cursado o ensino fundamental de maneira completa ou incompleta (proporções nos quatro grupos, respectivamente, de 72%; 64%; 77%; e 60%). Entretanto, um número relevante de pacientes referiu não saber ler e escrever (proporções nos quatro grupos, respectivamente, de 0%; 26%; 17%; e 2%).

A análise das respostas fornecidas pelos 180 voluntários permitiu a formação de nove agrupamentos que, em função das características das expressões envolvidas, foram denominados "expiração", "fome de ar", "sufoco", "superficial", "rápido", "aperto", "falta de ar", "trabalho" e "inspiração", conforme ilustrado no dendrograma e listagem da Figura 1.


As frequências das três primeiras opções dos descritores escolhidos pelos grupos de pacientes estão contidas na Tabela 2. Pode-se observar que muitos deles foram compartilhados por mais de um grupo de pacientes.

No tocante à análise das associações entre os agrupamentos e as condições clínicas, o agrupamento "inspiração" mostrou forte relação com asma, DPOC e IC. O agrupamento "trabalho" também se associou com IC. Por outro lado, não foram observadas associações relevantes entre nenhum agrupamento e obesidade (Tabela 3).

A Tabela 4 ilustra uma comparação entre os agrupamentos obtidos com a aplicação dos descritores traduzidos em nossa amostra de pacientes e os resultados originais do estudo em língua inglesa.(8) Observa-se um grau de semelhança muito grande na distribuição dos descritores em grupos. Sete agrupamentos que corresponderam exatamente a achados do estudo original americano (tight, rapid, suffocating, air hunger, exhalation) receberam denominações traduzidas semelhantes (aperto, rápido, sufoco, fome de ar e expiração). Das oito frases restantes, quatro acabaram em agrupamentos que exibiram algum grau de similaridade com a distribuição encontrada no manuscrito original (frases 1, 2, 8 e 12),(8) de tal modo que os seus agrupamentos obtidos em português acabaram recebendo denominações relacionadas com os nomes originais em inglês - inhalation (inspiração); work/effort (trabalho); e shallow (superficial). Apenas a frase 6 levou a um agrupamento completamente distinto do descrito anteriormente e que recebeu a denominação de "falta de ar".

Discussão

O presente estudo mostra que a aplicação de descritores de dispneia, traduzidos da língua inglesa, em uma amostra de voluntários no Brasil, levou a formação de agrupamentos com grande semelhança em relação àqueles do artigo original realizado com pacientes nos EUA.(8) Apesar disso, o uso desses descritores não permitiu uma distinção adequada entre as quatro condições clínicas estudadas no presente estudo, diversamente do que foi observado naquele estudo.(8)

A lista de descritores em língua inglesa foi a empregada no artigo de Mahler et al., de 1996.(8) Naquele trabalho, foram estudados 218 pacientes com sete condições cardiorrespiratórias, em fase de estabilidade, que referiam sensações respiratórias desconfortáveis, com predomínio de doentes com DPOC, asma, IC e doenças intersticiais pulmonares. Os descritores lá empregados, por sua vez, foram adaptados de uma lista original desenvolvida por Simon et al.(5) Um subgrupo de 16 pacientes com DPOC foi submetido a uma segunda visita, os quais foram submetidos novamente ao questionário, em repouso, para a avaliação da reprodutibilidade, e após uma caminhada que provocasse dispneia moderada, para a comparação da capacidade de recordação após uma experiência direta; ambas as avaliações mostraram resultados concordantes. O agrupamento work/effort esteve associado a todas as condições clínicas analisadas. Todas as condições estiveram associadas a mais de um agrupamento, exceto DPOC. Cada combinação de agrupamentos esteve associada com uma única condição clínica. Por exemplo, asma apresentou associação significativa com os agrupamentos work/effort e tight, enquanto IC mostrou associação com os mesmos agrupamentos de asma adicionados do agrupamento heavy.

Como exibido na Tabela 4, houve uma acentuada similaridade no modo como os descritores traduzidos, aplicados a nossa amostra de pacientes, se agruparam, em comparação com o estudo original e com outro estudo realizado em indivíduos sadios submetidos a exercícios físicos, ambos nos EUA.(8,14) Essa forma muito próxima de distribuição dos agrupamentos apóia a idéia de que a sensação de dispneia compartilha uma linguagem própria a todos os seres humanos. Contudo, também foram observadas algumas diferenças na análise. No questionário traduzido, a frase "Eu sinto falta de ar" ficou isolada em um único agrupamento, enquanto no estudo nos EUA ela estava contida, juntamente com as questões 2, 8 e 14, no agrupamento work/effort. Na verdade, devemos reconhecer que a expressão "Eu sinto falta de ar" é de cunho bastante genérico e possivelmente inespecífico para a população brasileira. Em nossa amostra, o termo "respiração pesada" mostrou maior similaridade com termos utilizados no agrupamento "trabalho".

Empregando-se a lista de descritores traduzida, os agrupamentos escolhidos com maior frequência foram "inspiração", "sufoco", "trabalho" e "falta de ar", sendo que "inspiração" foi escolhido por todos os grupos. Essa condição de compartilhamento de agrupamentos entre diferentes condições já foi observada anteriormente, o que sugere que as sensações de dispneia sejam mediadas por pelo menos alguns mecanismos semelhantes em moléstias distintas.(5,8,14)

Em nossa amostra de voluntários, o agrupamento "fome de ar" ficou composto por uma única frase, e foi apontado como uma das três melhores expressões para a descrição de suas sensações respiratórias por apenas 3 indivíduos. Esse termo também não mostrou sentido em um estudo realizado no México, sugerindo fortemente que essa expressão tem pouca ou nenhuma correspondência linguística para povos latinos.(11)

Com o uso dos descritores traduzidos, apenas o agrupamento "inspiração" se associou de maneira expressiva com asma e DPOC. Já IC mostrou associação com "inspiração" e "trabalho", enquanto obesidade não exibiu relação expressiva com nenhum agrupamento. Esses resultados vão contra os resultados de outros estudos, que sugeriram que cada condição clínica estaria associada a uma coleção singular de agrupamentos.(5,8,14) Contudo, quando observamos a composição das coleções de agrupamentos obtidas por diferentes estudos, observamos que não existe uma homogeneidade no padrão de associação entre agrupamentos e condições clínicas específicas. Além disso, muitos estudos registraram apenas as frequências das frases escolhidas e dos agrupamentos formados, não tendo sido feitas tentativas matemáticas de caracterização mais precisa do papel dos agrupamentos obtidos em relação ao diagnóstico diferencial daquelas condições.(7,11,12) De qualquer modo, os achados atuais falam contra um papel importante da interpretação dos padrões de agrupamentos das sensações de dispneia como instrumento para o diagnóstico diferencial de condições clínicas.

É importante traçar um paralelo entre os resultados evidenciados com o emprego de descritores de dispneia, traduzidos a partir da língua inglesa, com aqueles obtidos empregando-se descritores desenvolvidos a partir de nossa própria população, os quais foram relatados em um artigo relacionado.(16) Quatro das frases empregadas nos descritores nacionais foram praticamente as mesmas dos descritores traduzidos: "Eu tenho a sensação que estou sufocando" e "Eu sinto que estou sufocando"; "Eu sinto aperto no peito" e "Meu peito está apertado"; "Minha respiração fica rápida" e "Eu sinto que minha respiração está rápida"; e "Minha respiração fica pesada" e "Minha respiração é pesada". Uma das frases foi idêntica nos dois grupos de descritores ("Eu sinto falta de ar"). Dos sete agrupamentos formados com o emprego de descritores brasileiros, cinco ganharam denominações semelhantes àqueles obtidos com o uso dos descritores traduzidos. Isso aconteceu porque, ainda que as palavras e as frases utilizadas não tenham sido exatamente as mesmas, os agrupamentos formados tinham significados relacionados. Esse é o caso dos agrupamentos nacionais "sufoco", "aperto", "rápido", "trabalho/inspiração" e "falta de ar". Vale notar que o uso de descritores traduzidos levou à individualização dos agrupamentos "trabalho" e "inspiração". Mais uma vez, esse conjunto de dados indica que os modos como diferentes populações e culturas descrevem suas sensações de dispneia guardam relação estreita entre si.

É interessante notar o número de associações consideradas relevantes entre as condições clínicas estudadas e os agrupamentos formados: essas foram quatro, para os descritores traduzidos, e nove, para os descritores desenvolvidos no Brasil. Mesmo que um claro diagnóstico diferencial entre as condições clinicas não tenha sido obtido com o emprego de nenhum dos dois conjuntos de questões, esses resultados sugerem fortemente que o emprego de descritores desenvolvidos especificamente para cada idioma é superior à simples tradução daqueles já disponíveis na literatura internacional.

Como já levantado em um estudo relacionado, a presente investigação tem uma série de limitações, entre as quais o pequeno número de condições avaliadas (apenas quatro) e o fato de que as escolhas dos descritores de dispneia pelos voluntários foram baseadas exclusivamente na sua memória.(16) Se a entrevista relativa à percepção do sintoma fosse realizada imediatamente após um estímulo indutor de dispneia, como por exemplo, um teste da caminhada de seis minutos, os resultados poderiam ser diferentes.

A partir dos resultados obtidos, podemos concluir que o uso de descritores de dispneia, traduzidos de um estudo em língua inglesa, levou a formação de agrupamentos distintos de sensações, os quais guardaram algum grau de semelhança com aqueles obtidos em indivíduos nos EUA utilizando um questionário relacionado. O uso de descritores traduzidos, contudo, mostrou-se inferior ao emprego de um grupo de descritores desenvolvidos no Brasil no que se refere à capacidade de gerar associações expressivas com as condições clínicas investigadas. Ainda que a linguagem descritiva da dispneia mostre diversos pontos de convergência entre diferentes idiomas, o desenvolvimento de descritores próprios para cada cultura parece ser o mais adequado.

Recebido para publicação em 28/3/2011.

Aprovado, após revisão, em 9/5/2011.

Apoio financeiro: Nenhum.

  • 1
    Curley FJ. Dyspnea. In: Irwin RS, Curley FJ, Grossman RF, editors. Diagnosis and treatment of symptoms of the respiratory tract. Armonk: Futura Publishing Company; 1997. p. 55-115.
  • 2
    Dyspnea. Mechanisms, assessment, and management: a consensus statement. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(1):321-40.
  • 3
    Martinez TY, Pereira CA, dos Santos ML, Ciconelli RM, Guimarães SM, Martinez JA. Evaluation of the short-form 36-item questionnaire to measure health-related quality of life in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Chest. 2000;117(6):1627-32.
  • 4
    Katsura H, Yamada K, Wakabayashi R, Kida K. The impact of dyspnoea and leg fatigue during exercise on health-related quality of life in patients with COPD. Respirology. 2005;10(4):485-90.
  • 5
    Simon PM, Schwartzstein RM, Weiss JW, Lahive K, Fencl V, Teghtsoonian M, et al. Distinguishable sensations of breathlessness induced in normal volunteers. Am Rev Respir Dis. 1989;140(4):1021-7.
  • 6
    Simon PM, Schwartzstein RM, Weiss JW, Fencl V, Teghtsoonian M, Weinberger SE. Distinguishable types of dyspnea in patients with shortness of breath. Am Rev Respir Dis. 1990;142(5):1009-14.
  • 7
    Elliott MW, Adams L, Cockcroft A, MacRae KD, Murphy K, Guz A. The language of breathlessness. Use of verbal descriptors by patients with cardiopulmonary disease. Am Rev Respir Dis. 1991;144(4):826-32.
  • 8
    Mahler DA, Harver A, Lentine T, Scott JA, Beck K, Schwartzstein RM. Descriptors of breathlessness in cardiorespiratory diseases. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(5):1357-63.
  • 9
    Manning HL, Schwartzstein RM. Pathophysiology of dyspnea. N Engl J Med. 1995;333(23):1547-53.
  • 10
    Wilcock A, Crosby V, Hughes A, Fielding K, Corcoran R, Tattersfield AE. Descriptors of breathlessness in patients with cancer and other cardiorespiratory diseases. J Pain Symptom Manage. 2002;23(3):182-9.
  • 11
    Vázquez-García JC, Balcázar-Cruz CA, Cervantes-Méndez G, Mejía-Alfaro R, Cossío-Alcántara J, Ramírez-Venegas A. Descriptors of breathlessness in Mexican Spanish [Article in Spanish]. Arch Bronconeumol. 2006;42(5):211-7.
  • 12
    Caroci Ade S, Lareau SC. Descriptors of dyspnea by patients with chronic obstructive pulmonary disease versus congestive heart failure. Heart Lung. 2004;33(2):102-10.
  • 13
    Hardie GE, Janson S, Gold WM, Carrieri-Kohlman V, Boushey HA. Ethnic differences: word descriptors used by African-American and white asthma patients during induced bronchoconstriction. Chest. 2000;117(4):935-43.
  • 14
    Harver A, Mahler DA, Schwartzstein RM, Baird JC. Descriptors of breathlessness in healthy individuals: distinct and separable constructs. Chest. 2000;118(3):679-90.
  • 15
    Mahler DA, Harver A. Do you speak the language of dyspnea? Chest. 2000;117(4):928-9.
  • 16
    Teixeira CA, Rodrigues Jr AL, Straccia LC, Vianna ES, Silva GA, Martinez JA. Dyspnea descriptors developed in Brazil: application in obese patients and in patients with cardiorespiratory diseases. J Bras Pneumol. 2011;37(4):455-63.
  • 17
    Ekman I, Boman K, Olofsson M, Aires N, Swedberg K. Gender makes a difference in the description of dyspnoea in patients with chronic heart failure. Eur J Cardiovasc Nurs. 2005;4(2):117-21.
  • 18
    Parshall MB. Psychometric characteristics of dyspnea descriptor ratings in emergency department patients with exacerbated chronic obstructive pulmonary disease. Res Nurs Health. 2002;25(5):331-44.
  • 19
    McKee PA, Castelli WP, McNamara PM, Kannel WB. The natural history of congestive heart failure: the Framingham study. N Engl J Med. 1971;285(26):1441-6.
  • 20
    Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease -GOLD [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. [cited 2011 Mar 9]. Global strategy for the diagnosis, management and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. [Adobe Acrobat document, 117p.] Available from: http://www.goldcopd.org/uploads/users/files/GOLDReport_April112011.pdf
  • 21
    Stoller JK, Ferranti R, Feinstein AR. Further specification and evaluation of a new clinical index for dyspnea. Am Rev Respir Dis. 1986;134(6):1129-34.
  • 22
    Crapo RO, Morris AH, Clayton PD, Nixon CR. Lung volumes in healthy nonsmoking adults. Bull Eur Physiopathol Respir. 1982;18(3):419-25.
  • 23
    Dawson B, Trapp RG, editors. Basic and clinical biostatistics. Norwlak: Appleton & Lange; 1990.
  • 24
    Frei F. Análise de agrupamentos: Estudo metodológico e aplicações em epidemiologia. 1997 [Dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998.
  • Endereço para correspondência:
    José Antônio Baddini Martinez
    Avenida Bandeirantes, 3900
    CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil
    Tel. 55 16 3602-2531
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2011
    • Recebido
      28 Mar 2011
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jbp@sbpt.org.br