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Hiperinsuflação dinâmica no esforço: ainda muito a ser esclarecido

EDITORIAL

Hiperinsuflação dinâmica no esforço: ainda muito a ser esclarecido

André Luís Pereira de AlbuquerqueI; Bruno Guedes BaldiII

IMédico Pesquisador. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIMédico Assistente. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

A dispneia aos esforços é uma queixa bastante frequente em portadores de DPOC. Os exames funcionais em repouso muitas vezes são limitados em justificar as queixas apresentadas pelos pacientes e nem sempre refletem os mecanismos fisiopatológicos identificados ao esforço. Nesse contexto, o teste de exercício cardiopulmonar pode ser realizado com a perspectiva de não apenas confirmar e mensurar a menor tolerância ao esforço, mas também de se caracterizar os múltiplos fatores que potencialmente podem contribuir à limitação ao exercício. Na DPOC, embora vários mecanismos possam atuar na intolerância ao esforço, como menor força periférica e disfunção cardiovascular, a limitação ventilatória com aprisionamento aéreo dinâmico tem um destaque ímpar.(1-4)

O desenvolvimento de hiperinsuflação dinâmica (HD) durante o exercício é bastante prevalente em pacientes com DPOC moderada a grave, chegando a 80-85%,(1,2) mas também ocorre naqueles com acometimento leve.(5) A HD é resultado de uma limitação ao fluxo expiratório frente a um tempo expiratório reduzido ao esforço, em função do aumento da demanda ventilatória. Nos pacientes com limitação de fluxo expiratório mesmo ao repouso, a HD, refletida pelo deslocamento da capacidade residual funcional (CRF) em direção à CPT, é a única estratégia que possibilita um ganho de fluxo na expiração e, portanto, um aumento no volume corrente (Figura 1a). A força muscular inspiratória gerada ainda determina uma boa resposta no aumento de volume (porção linear da curva pressão-volume, Figura 1a). Com isso, em baixas demandas de ventilação (esforços leves a moderados), essa estratégia é bem tolerada. Entretanto, para ventilações mais altas (esforços moderados a intensos), a CRF desloca-se ainda mais em direção à CPT, e a força inspiratória não é capaz de gerar um ganho proporcional de volume (dissociação neuromecânica), pois está em uma porção menos complacente do sistema respiratório (Figura 1b). Como consequência clínica, a dispneia aumenta acentuadamente, e o paciente interrompe o esforço. Além da sobrecarga ventilatória, a HD pode determinar efeitos adversos sobre a musculatura inspiratória e o sistema cardiovascular, inclusive com possibilidade de redução do débito cardíaco.(1,3)


 




A maioria dos trabalhos que avaliou a ocorrência de HD e suas repercussões foi realizada em cicloergômetro. A avaliação funcional nessa modalidade apresenta algumas vantagens em comparação ao uso da esteira, como determinação direta da carga de trabalho imposta, possível ocorrência de menor variabilidade locomotora e facilidade de se associar outras medidas ao esforço. Por outro lado, a avaliação em esteira é mais representativa das atividades diárias do paciente, gera maior consumo máximo de oxigênio, menor fadiga muscular periférica e maior demanda ventilatória.(6)

No artigo publicado no presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Cordoni et al., diferentemente da grande maioria dos trabalhos que utilizaram o cicloergômetro, demonstraram uma alta prevalência de HD em pacientes com DPOC moderada a grave durante a caminhada na esteira (63%), modalidade que se aproxima mais das atividades diárias dos pacientes.(7) Os autores utilizaram a medida dinâmica da capacidade inspiratória (CI) para avaliar os volumes pulmonares operantes, técnica essa mais utilizada e que tem como premissa que a CPT não se altera ao esforço.(8,9) Embora não tenham sido avaliados os volumes pulmonares estáticos ou a capacidade de difusão do monóxido de carbono, o grupo de pacientes que desenvolveu HD no esforço tendeu a apresentar um maior grau de obstrução (menor VEF1).(7) Outros estudos demonstraram que o desenvolvimento de HD pode ser identificado mesmo em exames mais simples e submáximos, como o teste de caminhada de seis minutos.(10) Outro aspecto importante do trabalho de Cordoni et al. foi a identificação de dois padrões de HD (estável e progressivo), com repercussão na tolerância ao esforço, confirmando que a HD é prevalente mas não uniforme para todos os pacientes.(7) No estudo de Vogiatzis et al., também foram definidos dois padrões de HD em portadores de DPOC grave durante teste de exercício cardiopulmonar incremental em cicloergômetro: precoce e tardio, de acordo com o momento em que se iniciou a elevação do volume torácico ao final da expiração.(8) Contudo, a técnica para a mensuração da HD foi por pletismografia optoeletrônica, a qual tem diferenças metodológicas importantes em relação à medida seriada da CI, o que não nos permite concluir que os resultados sejam acuradamente comparáveis.

Em relação às opções terapêuticas, a redução da HD durante o esforço foi associada a um menor grau de dispneia, achado esse comprovado por diferentes intervenções, como a utilização de broncodilatadores de curta e longa duração, suplementação de oxigênio, suplementação de mistura hélio-oxigênio, ventilação com pressão positiva e reabilitação, que atuam diminuindo a resistência das vias aéreas e/ou a demanda ventilatória.(4,11)

Apesar dos grandes avanços médicos e terapêuticos oriundos dos estudos da HD na DPOC, principalmente nas últimas duas décadas, ainda existem algumas limitações. Ainda não está estabelecido o valor de queda da CI durante o esforço que define a presença de HD e se o valor de referência inicial da CI para comparação deve ser o predito ou o basal do paciente. Essa ausência de padronização no critério utilizado para caracterizar a HD determina uma variação na prevalência desse evento fisiopatológico. Ainda há uma escassez de estudos que avaliem mais profundamente o comportamento da HD na caminhada de campo ou em laboratório. Recentemente, mesmo Denis O'Donnell - autor que mais investigou a HD na DPOC - tem sugerido que o comportamento de outras variáveis ventilatórias, como volume de reserva inspiratório e volume corrente, pode ser mais representativo para um maior grau de dispneia do que a ocorrência isolada da HD. Em outras palavras, vem ganhando cada vez mais importância a demanda ventilatória a que o indivíduo está sendo submetido e a sua capacidade/incapacidade de aumentar o volume corrente. Nesse aspecto, novos estudos, independentemente da modalidade de esforço adotada, certamente terão que considerar e possivelmente corrigir vários dos achados fisiopatológicos, como a HD, para a respectiva demanda ventilatória.(1,12,13)

  • 1. O'Donnell DE, Hamilton AL, Webb KA. Sensory-mechanical relationships during high-intensity, constant-work-rate exercise in COPD . J Appl Physiol. 2006;101(4):1025-35.
  • 2. O'Donnell DE, Revill SM, Webb KA. Dynamic hyperinflation and exercise intolerance in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(5):770-7.
  • 3. Calverley PM. Dynamic hyperinflation: is it worth measuring? Proc Am Thorac Soc. 2006;3(3):239-44.
  • 4. Albuquerque AL, Nery LE, Villaça DS, Machado TY, Oliveira CC, Paes AT, et al. Inspiratory fraction and exercise impairment in COPD patients GOLD stages II-III . Eur Respir J. 2006;28(5):939-44.
  • 5. Ofir D, Laveneziana P, Webb KA, Lam YM, O'Donnell DE. Mechanisms of dyspnea during cycle exercise in symptomatic patients with GOLD stage I chronic obstructive pulmonary disease . Am J Respir Crit Care Med. 2008;177(6):622-9.
  • 6. American Thoracic Society; American College of Chest Physicians. ATS/ACCP Statement on cardiopulmonary exercise testing. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(2):211-77.
  • 7. Cordoni PK, Berton DC, Squassoni SD, Scuarcialupi ME, Neder JA, Fiss E. Dynamic hyperinflation during treadmill exercise testing in patients with moderate to severe COPD. J Bras Pneumol. 2012;38(1):13-23.
  • 8. Vogiatzis I, Georgiadou O, Golemati S, Aliverti A, Kosmas E, Kastanakis E, et al. Patterns of dynamic hyperinflation during exercise and recovery in patients with severe chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2005;60(9):723-9.
  • 9. Stubbing DG, Pengelly LG, Morse JL, Jones NL. Pulmonary mechanics during exercise in subjects with chronic airflow obstruction. J Appl Physiol. 1980;49(3):511-5.
  • 10. Callens E, Graba S, Gillet-Juvin K, Essalhi M, Bidaud-Chevalier B, Peiffer C, et al. Measurement of dynamic hyperinflation after a 6-minute walk test in patients with COPD. Chest. 2009;136(6):1466-72.
  • 11. Casaburi R, Porszasz J. Reduction of hyperinflation by pharmacologic and other interventions. Proc Am Thorac Soc. 2006;3(2):185-9.
  • 12. Laveneziana P, Webb KA, Ora J, Wadell K, O'Donnell DE. Evolution of dyspnea during exercise in chronic obstructive pulmonary disease: impact of critical volume constraints. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184(12):1367-73.
  • 13. Guenette JA, Webb KA, O'Donnell DE. Does dynamic hyperinflation contribute to dyspnoea during exercise in patients with COPD? Eur Respir J. 2011 Dec 19. [Epub ahead of print]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012
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