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Mutações do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator e deleções dos genes glutationa S-transferase em pacientes com fibrose cística no Brasil

Resumos

OBJETIVO: Determinar os efeitos que a mutação do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR) e da deleção dos genes glutationa S-transferase (GST) mu-1 (GSTM1) e teta-1 (GSTT1) têm na evolução clínica da fibrose cística (FC) em pacientes da região sudeste do Brasil. MÉTODOS: Entre março de 2002 e março de 2005, incluímos no estudo todos os pacientes com FC atendidos consecutivamente no Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. O DNA genômico de 66 pacientes com FC foi analisado por PCR e digestão com endonuclease de restrição para a identificação dos genótipos. RESULTADOS: A mutação ΔF508 do gene CFTR foi identificada em 44 (66,7%) pacientes. As deleções dos genes GSTM1, GSTT1 e da combinação nula GSTM1/GSTT1 foram identificadas em 40,9%, 15,2% e 3,0% dos pacientes, respectivamente. A mutação ΔF508 do gene CFTR foi mais comum em pacientes diagnosticados com FC antes dos 2,5 anos de idade que naqueles diagnosticados mais tarde (75,5% vs. 41,2%; p = 0,008). CONCLUSÕES: Foram observadas frequências similares da mutação ΔF508 do gene CFTR e dos genótipos GSTM1 e GSTT1 nos pacientes, independentemente do sexo, etnia ou status da doença pulmonar ou pancreática. Quando os pacientes foram estratificados por aspectos clínicos e epidemiológicos, as frequências dos genótipos GSTM1 e GSTT1 nulos foram semelhantes, sugerindo que a ausência herdada dessas vias enzimáticas não altera o curso da FC. Em contraste, a alta frequência da mutação ΔF508 no gene CFTR encontrada em pacientes mais jovens sugere que essa mutação influencia a idade no momento do diagnóstico de FC nessa região do país.

Fibrose cística; Regulador de condutância transmembrana em fibrose cística; Glutationa transferase


OBJECTIVE: To determine the effects that mutation of the cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR) gene and deletion of the glutathione S-transferase (GST) genes mu-1 (GSTM1) and theta-1 (GSTT1) have on the clinical course of cystic fibrosis (CF) in patients residing in the southeastern region of Brazil. METHODS: The study sample consisted of all consecutive CF patients treated at the Hospital de Clínicas School of Medical Sciences of the State University at Campinas between March of 2002 and March of 2005. We included 66 CF patients. Genomic DNA was analyzed by polymerase chain reaction and restriction endonuclease digestion for the identification of the genotypes. RESULTS: The DF508 mutation of the CFTR gene was found in 44 patients (66.7%). The null genotypes GSTM1, GSTT1 and GSTM1/GSTT1 were found in 40.9%, 15.2%, and 3.0% of the patients, respectively. The DF508 CFTR mutation was more common in patients diagnosed with CF before 2.5 years of age than in those diagnosed later (75.5% vs. 41.2%; p = 0.008). The frequency of the DF508 CFTR mutation, as well as of the GSTM1 and GSTT1 genotypes, was not found to be associated with gender, ethnicity, pulmonary disease status, or pancreatic disease status. CONCLUSIONS: When the patients were stratified by clinical and epidemiological features, the frequencies of the GSTM1 and GSTT1 null genotypes were similar, suggesting that the inherited absence of these enzymatic pathways does not alter the course of CF. However, the high frequency of the DF508 CFTR mutation found in younger children suggests that it influences the age at diagnosis of CF in this region of Brazil.

Cystic fibrosis; Cystic fibrosis transmembrane conductance regulator; Glutathione transferase


ARTIGO ORIGINAL

Mutações do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator e deleções dos genes glutationa S-transferase em pacientes com fibrose cística no Brasil* * Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Carmen Silvia Passos LimaI; Manoela Marques OrtegaII; Fernando Augusto Lima MarsonIII; Roberto ZulliIV; Antônio Fernando RibeiroV; Carmen Silvia BertuzzoVI

IProfessora. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

IIPesquisadora. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

IIIPesquisador. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

IVEstatístico. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

VPesquisador. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

VIProfessora. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil

Endereço para correspondência * Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

RESUMO

OBJETIVO: Determinar os efeitos que a mutação do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR) e da deleção dos genes glutationa S-transferase (GST) mu-1 (GSTM1) e teta-1 (GSTT1) têm na evolução clínica da fibrose cística (FC) em pacientes da região sudeste do Brasil.

MÉTODOS: Entre março de 2002 e março de 2005, incluímos no estudo todos os pacientes com FC atendidos consecutivamente no Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. O DNA genômico de 66 pacientes com FC foi analisado por PCR e digestão com endonuclease de restrição para a identificação dos genótipos.

RESULTADOS: A mutação ΔF508 do gene CFTR foi identificada em 44 (66,7%) pacientes. As deleções dos genes GSTM1, GSTT1 e da combinação nula GSTM1/GSTT1 foram identificadas em 40,9%, 15,2% e 3,0% dos pacientes, respectivamente. A mutação ΔF508 do gene CFTR foi mais comum em pacientes diagnosticados com FC antes dos 2,5 anos de idade que naqueles diagnosticados mais tarde (75,5% vs. 41,2%; p = 0,008).

CONCLUSÕES: Foram observadas frequências similares da mutação ΔF508 do gene CFTR e dos genótipos GSTM1 e GSTT1 nos pacientes, independentemente do sexo, etnia ou status da doença pulmonar ou pancreática. Quando os pacientes foram estratificados por aspectos clínicos e epidemiológicos, as frequências dos genótipos GSTM1 e GSTT1 nulos foram semelhantes, sugerindo que a ausência herdada dessas vias enzimáticas não altera o curso da FC. Em contraste, a alta frequência da mutação ΔF508 no gene CFTR encontrada em pacientes mais jovens sugere que essa mutação influencia a idade no momento do diagnóstico de FC nessa região do país.

Descritores: Fibrose cística; Regulador de condutância transmembrana em fibrose cística; Glutationa transferase.

Introdução

A fibrose cística (FC) é uma das doenças genéticas autossômicas recessivas graves mais comuns entre populações de ascendência norte-europeia. As principais manifestações clínicas da doença são a doença sinopulmonar crônica e a insuficiência pancreática exócrina.(1)

Há considerável heterogeneidade entre indivíduos com FC no que tange à gravidade da doença. As tentativas de estabelecer uma conexão entre fenótipos e mutações específicas do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR) têm sido bem-sucedidas, particularmente para o status da doença pancreática.(2-5) Essa correlação, no entanto, não se mostrou totalmente verdadeira para a doença pulmonar, que pode variar significativamente entre pacientes com a mesma mutação do gene CFTR.(6) A gravidade da doença pulmonar na FC parece ser influenciada por outras mutações fora do lócus do gene CFTR,(7,8) como as que ocorrem nas enzimas da família glutationa S-transferase (GST).(9-13) A glutationa é um importante antioxidante pulmonar local presente no fluido de revestimento epitelial. As enzimas GST desintoxicam hidroperóxidos orgânicos prejudiciais formados em consequência de exposição a estresse oxidativo, como os que são encontrados nos pulmões de pacientes com FC,(14) por meio da conjugação com a glutationa, potencialmente prevenindo dano pulmonar maior.

Os genes GST mu-1 (GSTM1) e GST teta-1 (GSTT1) são polimórficos em humanos e estão ausentes ou são homozigotos nulos - o que resulta em ausência de proteínas ativas - em aproximadamente 40% e 20%, respectivamente, dos indivíduos normais.(15) Na FC, não há consenso a respeito do papel da deleção dos genes GSTM1 e GSTT1 na gravidade da doença pulmonar(9-13) e pancreática.(9)

A FC é uma das doenças hereditária graves mais comuns em indivíduos brancos no Brasil.(16) Em pacientes com FC tratados em nosso hospital, descreveu-se sobrevida curta devido a doença pulmonar.(16) Entretanto, os modificadores da gravidade da doença, se é que há, ainda não são conhecidos. Portanto, julgamos necessário identificar a mutação do gene CFTR e os genótipos GSTM1 e GSTT1 em pacientes com FC no Brasil, a fim de determinar se esses fatores genéticos influenciam a evolução clínica da doença na região sudeste do país.

Métodos

A amostra estudada consistiu em todos os pacientes com FC tratados consecutivamente no Serviço de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, em Campinas (SP), entre março de 2002 e março de 2005. O diagnóstico de FC baseou-se em sinais e sintomas, como insuficiência de crescimento, íleo meconial, vômito, dor abdominal, diarreia, esteatorreia e infecções pulmonares recorrentes. Para confirmar o diagnóstico, foram necessários dois testes de concentração de cloro no suor, com resultados iguais ou superiores a 60 mEq/L, realizados por meio de iontoforese com pilocarpina (o método clássico).(17) Consideramos tanto a idade no momento do diagnóstico de FC como a gravidade da doença pulmonar e pancreática, determinada pelo escore de Shwachman.(18) Todos os procedimentos foram realizados de acordo com os princípios éticos das diretrizes institucionais, e todos os pacientes ou seus familiares assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O DNA genômico de sangue periférico foi utilizado para a genotipagem de todos os pacientes com FC. A mutação ΔF508 do gene CFTR foi detectada diretamente por PCR (Figura 1A).(19) As mutações G542X, G551D, R553X, R1162X, W1282X e N1303K do gene CFTR foram analisadas por digestão dos produtos da PCR com endonuclease de restrição.(20) Os genes GSTM1, GSTT1 e globina β (como controle de reação) foram amplificados por PCR múltipla (Figura 1B).(21)


Os pacientes foram estratificados de acordo com o padrão de mutação do gene CFTR (mutação ΔF508 homozigota, mutação ΔF508 heterozigota e outras mutações do gene CFTR ou mutações desconhecidas do gene) e mutações dos genes GSTM1 e GSTT1 (presentes ou com deleção homozigótica). Utilizamos o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para calcular a significância estatística de diferenças em idade (< 1,0 ano vs. > 1,0 ano e < 2,5 anos vs. > 2,5 anos), gênero (masculino vs. feminino), origem étnica (branca vs. afro-brasileira), status da doença pulmonar e da doença pancreática exócrina (excelente/bom/leve vs. moderado/grave) e genótipos GSTM1 e GSTT1 (presentes vs. nulos), isolados ou combinados. As associações entre genótipos e variáveis clínicas foram também avaliadas por meio de análise multivariada com um modelo de regressão logística. Fatores com p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

Todas as análises foram realizadas com o pacote estatístico SAS System para Windows, versão 8.1 (SAS Institute, Cary, NC, EUA).

Resultados

O estudo envolveu 66 pacientes com FC (Tabela 1). A mediana de idade dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 1,0 ano (variação: 0,1-15,0 anos). No momento do diagnóstico de FC, 27 dos pacientes tinham menos de 1,0 ano de idade, 39 tinham pelo menos 1,0 ano de idade, 49 tinham menos de 2,5 anos de idade e 17 tinham mais de 2,5 anos de idade. A distribuição dos indivíduos de acordo com o gênero foi semelhante no estudo. Quase todos os indivíduos eram brancos. Do total de pacientes, 57,6% apresentaram FC moderada ou grave. A prevalência dessas formas da doença foi semelhante em pacientes com menos de 1,0 ano de idade e mais de 1,0 ano de idade (59,2% e 56,4%, respectivamente; p = 1,00), bem como naqueles com menos de 2,5 anos de idade e mais de 2,5 anos de idade (61,2% e 47,1%, respectivamente; p = 0,40).

A mutação ΔF508 do gene CFTR foi identificada em 44 dos 66 pacientes (66,7%). As mutações homozigotas e heterozigotas foram observadas em 17 (25,8%) e 27 (40,9%), respectivamente. As mutações G542X, R1162X e N1303K do gene CFTR foram encontradas em heterozigose em 8 (12,1%), 2 (3,0%) e 1 (1,5%) dos pacientes, respectivamente. As mutações G551D, R553X e W1282X não foram encontradas em nenhum de nossos pacientes. Constatamos que 19 dos pacientes não apresentavam nenhuma das mutações estudadas. As frequências alélicas das mutações ΔF508, G542X, R1162X e N1303K do gene CFTR foram 0,462, 0,061, 0,015 e 0,008, respectivamente. A frequência das mutações ΔF508 homozigota e ΔF508 heterozigota do gene CFTR foi semelhante em pacientes com menos de 1,0 ano de idade e mais de 1,0 ano de idade (34,8% e 31,8%, respectivamente; p = 0,18). Entretanto, tais mutações foram mais comuns em pacientes com menos de 2,5 anos de idade que em pacientes mais velhos (75,5% vs. 41,2%; p = 0,008). Não foram observadas diferenças significativas em gênero, origem étnica e status da doença pulmonar/pancreática exócrina entre os pacientes com FC em relação aos diferentes padrões de mutação do gene CFTR. A frequência dos padrões de mutação G542X, R1162X e N1303K do gene CFTR, bem como a dos genótipos GSTM1 nulo, GSTT1 nulo e GSTM1/GSTT1 nulos foram semelhantes em pacientes com menos de 1,0 ano de idade e mais de 1,0 ano de idade (dados não apresentados). O mesmo foi verdadeiro para pacientes com menos de 2,5 anos de idade e mais de 2,5 anos de idade no momento do diagnóstico, independentemente do gênero, da origem étnica e do status da doença pulmonar/pancreática exócrina (Tabela 1). Os diferentes padrões de mutação do gene CFTR em associação com os genótipos GSTM1 nulo, GSTT1 nulo e GSTM1/GSTT1 nulos apresentaram frequências semelhantes em pacientes com menos de 1,0 ano de idade e mais de 1,0 ano de idade (dados não apresentados). Após análise multivariada, a frequência dos genótipos foi também semelhante entre pacientes estratificados de acordo com a idade (< 2,5 e > 2,5 anos de idade), o gênero, a origem étnica e o status da doença pulmonar/pancreática exócrina (Tabela 2). Não foram observadas diferenças em idade, gênero, origem étnica e status da doença pulmonar/pancreática exócrina entre os pacientes com as mutações G542X, R1162X ou N1303K do gene CFTR associadas com os genótipos GSTM1 nulo, GSTT1 nulo ou GSTM1/GSTT1 nulos (dados não apresentados).

Discussão

A distribuição dos pacientes do estudo de acordo com a idade no momento do diagnóstico, o gênero, a origem étnica e a gravidade da doença pulmonar/pancreática exócrina mostrou que nossos pacientes com FC eram semelhantes aos de outros países.(1) A mutação ΔF508 do gene CFTR foi a mais comum em nosso estudo, o que corrobora outros relatos oriundos da mesma região do Brasil,(16,22-25) bem como relatos internacionais.(26,27) Outras mutações do gene CFTR, como as mutações R1162X e N1303K, foram menos comuns em nossos pacientes com FC,(22,24,28) conforme relatado para pacientes com FC em outras partes do mundo.(27) A frequência dos genótipos GSTM1 nulo e GSTT1 nulo nos pacientes com FC em nosso estudo foi semelhante àquela encontrada em indivíduos saudáveis no Brasil(29) e em outros países.(15) Portanto, nossa amostra parece ser representativa de pacientes com FC em todo o mundo.

Encontramos elevada frequência da mutação ΔF508 do gene CFTR em pacientes diagnosticados com a doença antes dos 2,5 anos de idade em relação àqueles diagnosticados mais tarde. Entretanto, não encontramos diferença na frequência da mutação genética em pacientes estratificados de acordo com o status da doença pulmonar/pancreática. Devido ao fato de que a frequência das formas moderada e grave de FC foi semelhantes em pacientes com menos de 2,5 anos de idade e mais de 2,5 anos de idade, a combinação entre a mutação ΔF508 do gene CFTR e o diagnóstico mais precoce da doença sugere que a mutação provoca mais sintomas ou torna os sintomas mais persistentes, o que pode levar os pais de pacientes com essa mutação a buscar aconselhamento médico mais cedo.

A mutação ΔF508 resulta na produção de CFTR anormalmente dobrado que não se transporta normalmente até a membrana celular apical.(30) Na verdade, há evidências de que a anomalia genética por si só não afeta a gravidade da doença pulmonar.(6,16,26) A gravidade da doença pulmonar parece ser influenciada por outras mutações fora do lócus do gene CFTR. Além disso, a associação entre a mutação ΔF508 e a gravidade da insuficiência pancreática exócrina em pacientes com FC tem sido consistentemente demonstrada.(2,5) Portanto, deve-se ressaltar que nossa amostra (n = 66) pode não ter sido grande o suficiente para detectar associações entre a mutação ΔF508 do gene CFTR e as características clínicas, e que o método utilizado para determinar o status da doença pulmonar/pancreática (o escore de Shwachman) pode não ter sido apropriado para os objetivos deste estudo. Além disso, é possível que um segundo alelo discreto, acompanhando a mutação ΔF508, tenha protegido nossos pacientes contra doença pancreática grave, conforme descrito anteriormente.(2,5) É também possível que nossos pacientes não tenham sobrevivido por tempo suficiente para que viessem a apresentar disfunção pancreática.

Não encontramos diferenças entre os pacientes com GSTM1 ou GSTT1 e aqueles sem esses genes no que tange a idade, gênero, origem étnica e status da doença pulmonar/pancreática, o que sugere que as enzimas GST não alteram as características clínicas de pacientes com FC em nossa região. A família multigênica GST de enzimas desintoxicantes está envolvida na proteção de vários tipos de tecido contra dano oxidativo. O genótipo homozigoto GSTM1 nulo tem sido associado a doença pulmonar mais grave e menor sobrevida em pacientes com FC,(9-11,13) embora haja dados conflitantes.(12) Além disso, não encontramos associação entre a ausência herdada das enzimas GSTM1(9) e GSTT1(11,12) e a gravidade da doença pancreática ou pulmonar. Embora a ausência dessas proteínas GST possa ter alterado a função clínica de nossos pacientes com FC, sua influência pode não ter sido forte o suficiente para ser detectada em nossa amostra. Ademais, a associação entre a mutação ΔF508 do gene CFTR e o genótipo GSTM1 nulo ou GSTT1 nulo também apresentou distribuição igual entre nossos pacientes com FC, estratificados de acordo com as características clínicas. Entretanto, nossa amostra foi pequena demais para que chegássemos a conclusões consistentes a respeito da associação entre esses genótipos e as manifestações clínicas da doença.

Em conclusão, nossos dados fornecem evidências preliminares de que as enzimas desintoxicantes GST não influenciam o curso da FC, porém a mutação ΔF508 altera a idade no momento do diagnóstico da doença. Entretanto, estudos epidemiológicos com amostras maiores devem ser conduzidos a fim de identificar claramente o papel que essas mutações desempenham na população de pacientes com FC no Brasil.

Endereço para correspondência:

Carmen Silvia Passos Lima

Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

Rua Alexander Fleming, 181, Cidade Universitária Zeferino Vaz

CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil

Tel/Fax: 55 19 3521-7496

E-mail: carmenl@fcm.unicamp.br

Recebido para publicação em 19/9/2011

Aprovado, após revisão, em 31/10/2011

Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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  • *
    Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2011
    • Aceito
      31 Out 2011
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