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Anemia falciforme: uma importante causa potencial de hipertensão pulmonar no Brasil

CARTA AO EDITOR

Anemia falciforme: uma importante causa potencial de hipertensão pulmonar no Brasil

Adriana Ignacio de PaduaI; José Antônio Baddini MartinezII

IMédica Assistente, Seção de Pneumologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

IIProfessor Associado, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil

Ao Editor:

A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum no Brasil, acometendo principalmente negros e pardos, mas também atingindo brancos.(1) A distribuição do gene HbS é bastante heterogênea no país, dependendo da composição racial regional da população. A prevalência de heterozigotos é maior no norte e nordeste (6-10%) e menor no sudeste e sul (2-3%). A anemia falciforme cursa com eventos infecciosos, hemolíticos e veno-oclusivos frequentes. As complicações pulmonares são responsáveis por 20-30% do total de mortes associadas com essa doença e envolvem, principalmente, a síndrome torácica aguda e o desenvolvimento de hipertensão pulmonar (HP).(1) Além disso, pacientes com anemia falciforme parecem exibir uma maior tendência a broncoespasmos do que a população geral.(2)

As taxas de mortalidade de pacientes com anemia falciforme vêm diminuindo significativamente ao longo das últimas décadas. Esse fato deve-se a implantação de programas para o diagnóstico precoce e consequente instituição de medidas profiláticas, já a partir do período neonatal. A introdução de tratamentos com hidroxiureia parece também ter contribuído, igualmente, para a redução da mortalidade entre adultos. Como consequência, observamos hoje a mudança da mortalidade dessa moléstia em direção a fases mais tardias. Admite-se que a sobrevida mediana atual de pacientes com anemia falciforme gire em torno de 42 anos para homens e de 48 anos para mulheres.(3) De acordo com esses mesmos dados, a probabilidade de sobrevida desses pacientes até os 40 anos gira em torno de 89% para homens e de 95% para as mulheres.

Dados fornecidos pelo Ministério da Saúde Brasileiro, referidos por Cançado & Jesus(1) em 2007, estimam que haja entre 25.000 e 30.000 pacientes com anemia falciforme no Brasil. Além disso, atualmente, são diagnosticados aproximadamente 3.500 casos novos da doença por ano no país. Estudos recentes indicam que a prevalência de HP, avaliada por ecocardiografia, gira em torno de 27-40% nesse grupo de doentes.(4,5) Entretanto, após a realização de cateterismo direito, essa prevalência caiu para 6-10%. A prevalência de HP pré-capilar, confirmada por estudo hemodinâmico, variou de 2,8-3,8%.(4,5) A partir desses resultados, podemos especular o tamanho do problema que a HP associada à doença falciforme pode um dia tomar no Brasil. Se considerarmos que são diagnosticados 3.500 casos novos da anemia ao ano, que a probabilidade desses pacientes atingirem 40 anos seja de 0,9 e que a real prevalência de HP pré-capilar situa-se em torno de 0,033, assim como que essas taxas permaneçam estáveis nas próximas décadas, em pouco tempo poderemos estar contando com 104 casos novos de HP associada à anemia falciforme ao ano.

Em um estudo na França sobre HP, foram estimadas prevalências de 15 casos por milhão de habitantes, para todas as formas do distúrbio, e de 6 casos por milhão, para a forma idiopática.(6) Considerando que a população brasileira atual gira em torno de 190 milhões de pessoas, podemos igualmente especular que o número total de casos de HP no Brasil seja de 2.850, sendo 1.140 da forma idiopática. Por outro lado, o número potencial de casos de HP associada à anemia falciforme gira atualmente entre 743 e 891, ou seja, a anemia falciforme tem o potencial de vir a ser responsável por aproximadamente 30% de todos os casos de HP no Brasil.

Naturalmente que os dados epidemiológicos da França em 2006 não se aplicam automaticamente ao Brasil de hoje, o qual tem também na esquistossomose outra fonte potencial importante de casos de HP. Além disso, não sabemos ao certo quantos pacientes com anemia falciforme realmente conseguirão viver o suficiente para desenvolver HP. Contudo, esse tipo de exercício mental serve para nos alertar de um grave problema médico em potencial. Soma-se a isso, ainda, a ausência de evidências conclusivas acerca das melhores condutas terapêuticas a serem adotadas na HP associada à anemia falciforme. Por tudo isso, acreditamos que os centros de referência em HP brasileiros devem desenvolver, o quanto antes, um número maior de estudos originais relacionados com a incidência, a prevalência e as respostas a eventuais tratamentos medicamentosos dessa condição em nosso meio.

  • 1. Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. Bras Hematol Hemoter. 2007;29(3):204-6.
  • 2. Vendramini EC, Vianna EO, De Lucena Angulo I, De Castro FB, Martinez JA, Terra-Filho J. Lung function and airway hyperresponsiveness in adult patients with sickle cell disease. Am J Med Sci. 2006;332(2):68-72.
  • 3. Platt OS, Brambilla DJ, Rosse WF, Milner PF, Castro O, Steinberg MH, et al. Mortality in sickle cell disease. Life expectancy and risk factors for early death. N Engl J Med. 1994;330(23):1639-44.
  • 4. Parent F, Bachir D, Inamo J, Lionnet F, Driss F, Loko G, et al. A hemodynamic study of pulmonary hypertension in sickle cell disease. N Engl J Med. 2011;365(1):44-53.
  • 5. Fonseca GH, Souza R, Salemi VM, Jardim CV, Gualandro SF. Pulmonary hypertension diagnosed by right heart catheterization in sickle cell disease. Eur Respir J. 2011 Sep 8. [Epub ahead of print]
  • 6. Humbert M, Sitbon O, Chaouat A, Bertocchi M, Habib G, Gressin V, et al. Pulmonary arterial hypertension in France: results from a national registry. Am J Respir Crit Care Med. 2006;173(9):1023-30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012
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