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Entendimento da mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica

EDITORIAL

Entendimento da mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica

Catia CillónizI; Antoni TorresII

IDepartamento de Pneumologia, Instituto Clínico de Doenças do Tórax, Hospital Clínico de Barcelona, Institut d'investigacions Biomèdiques August Pi i Sunyer - IDIBAPS, Instituto de Pesquisas Biomédicas August Pi i Sunyer - Universidade de Barcelona - UB - Ciber de Enfermedades Respiratorias - CIBERES, Rede de Pesquisas sobre Doenças Respiratórias - Barcelona, Espanha

IIDepartamento de Pneumologia, Instituto Clínico de Doenças do Tórax, Hospital Clínico de Barcelona, Institut d'investigacions Biomèdiques August Pi i Sunyer - IDIBAPS, Instituto de Pesquisas Biomédicas August Pi i Sunyer - Universidade de Barcelona - UB - Ciber de Enfermedades Respiratorias - CIBERES, Rede de Pesquisas sobre Doenças Respiratórias - Barcelona, Espanha

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) causada por Streptococcus pneumoniae é uma das principais causas de morbidade e mortalidade em crianças e idosos (adultos acima de 60 anos de idade) no mundo.(1,2) Dados de estudos comunitários mostram que a incidência global anual estimada de bacteremia pneumocócica nos Estados Unidos é de 15-30 casos por 100.000 habitantes; a taxa é maior para pessoas > 65 anos de idade (50-83 casos por 100.000 habitantes) e para crianças < 2 anos de idade (160 casos por 100.000 habitantes), com taxa de letalidade global variando de 20% (em adultos jovens) a 60% (em idosos). As comorbidades associadas também têm um papel importante.(3) Entre os adultos, 60-87% de todos os casos de bacteremia pneumocócica são atribuídos à pneumonia; entre as crianças pequenas, o sítio primário de infecção frequentemente não é identificado.(4,5)

A pneumonia pneumocócica bacterêmica é uma forma grave de pneumonia invasiva que constitui um subgrupo com características próprias. Aproximadamente 20% dos pacientes com pneumonia pneumocócica desenvolvem infecção da corrente sanguínea. Entre os adultos com pneumonia pneumocócica bacterêmica, as taxas de mortalidade variam de 10% a 30%.(6) Apesar dos avanços médicos, incluindo a maior disponibilidade de terapia antimicrobiana potente, a melhoria dos cuidados médicos e de enfermagem, e até mesmo a criação de UTIs, a mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica permanece inaceitavelmente alta.(7) O pensamento atual é que a mortalidade é maior entre os casos bacterêmicos do que entre os casos não bacterêmicos.(4) Porém, isso não é corroborado por dados da literatura.

Desde a publicação do estudo de Austrian e Gold em 1964,(8) vários estudos compararam portadores de PAC com e sem bacteremia pneumocócica quanto aos desfechos clínicos. Musher et al.(4) compararam 52 casos de PAC pneumocócica bacterêmica com 48 casos de PAC pneumocócica não bacterêmica e verificaram que a mortalidade nos primeiros 7 dias de internação foi significativamente maior entre os pacientes com PAC pneumocócica bacterêmica. Marrie et al.(9) examinaram 56 indivíduos com PAC pneumocócica bacterêmica e 394 indivíduos com PAC pneumocócica não bacterêmica (de qualquer etiologia). Esses autores verificaram que não houve diferenças significativas entre os dois grupos quanto a mortalidade global e tempo de internação hospitalar. Mais recentemente, Bordón et al.(10) forneceram dados da Community-Acquired Pneumonia Organization, confirmando que a bacteremia pneumocócica não aumenta o risco de desfechos ruins em pacientes com PAC.

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Palma et al.(11) apresentam os resultados de um estudo sobre o impacto que a bacteremia tem nos desfechos entre pacientes com PAC. O estudo de coorte incluiu 640 pacientes diagnosticados com PAC pneumocócica em um período de 4 anos. Os autores verificaram que, em comparação aos pacientes que tinham PAC pneumocócica não bacterêmica, os pacientes com PAC pneumocócica bacterêmica eram mais velhos, apresentavam mais comorbidades (principalmente cardiopatia e insuficiência renal crônica), estavam mais gravemente enfermos (segundo as pontuações obtidas na Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II e no pneumonia severity index), e foram internados em UTI com mais frequência. Porém, em concordância com os achados de Marrie et al.,(9) não houve diferença entre os grupos bacterêmico e não bacterêmico quanto a mortalidade por todas as causas. Os autores também demonstraram que a bacteremia não aumenta o tempo de internação hospitalar em pacientes com PAC pneumocócica.(11)

Alguns fatores reconhecidos podem facilitar o entendimento da mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica: o tempo até o início da antibioticoterapia, a adequação da terapia inicial, e a modalidade de tratamento (monoterapia versus terapia combinada). Garnacho-Montero et al.(12) avaliaram 125 casos de PAC pneumocócica bacterêmica e verificaram que o mais importante fator relacionado à mortalidade é a rapidez com que se inicia a antibioticoterapia (idealmente nas primeiras 4 h após a admissão). Porém, essa informação não consta em muitos estudos, e é, portanto, bastante difícil entender por que a doença invasiva (bacteremia) não influencia a mortalidade. A adequação da antibioticoterapia inicial é outro fator associado à mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica, conforme demonstrado por Lujan et al.(13) Dados relacionados a esse fator também não constam em muitos estudos. Além disso, há consideráveis evidências retrospectivas de que a terapia combinada aumenta a sobrevida em pneumonia bacterêmica.(14) Infelizmente, o estudo realizado por Palma et al.(11) não fornece dados sobre nenhum desses fatores.

Um fator adicional associado a mortalidade e morbidade em PAC pneumocócica bacterêmica é o sorotipo de S. pneumoniae causador da infecção. Por exemplo, Garcia-Vidal et al.(15) verificaram que o sorotipo 3 é um fator de risco independente para choque séptico, o que sem dúvida aumenta a mortalidade. Novamente, Palma et al.(11) não forneceram dados sobre esse fator.

Em conclusão, os resultados apresentados por Palma et al.(11) indicam que a bacteremia pneumocócica não é um preditor independente de desfechos clínicos ruins em pacientes com PAC, apesar da gravidade inicial dos pacientes com bacteremia. Porém, outros fatores importantes, tais como o tempo até o início da antibioticoterapia e a adequação da terapia inicial, assim como o sorotipo pneumocócico, podem ter um papel crucial e devem ser levados em consideração.

Declaração de conflito de interesses: Dr. Torres é membro do Conselho Consultivo da Divisão de Vacinas da Pfizer.

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  • 2. Jansen AG, Rodenburg GD, van der Ende A, van Alphen L, Veenhoven RH, Spanjaard L, et al. Invasive pneumococcal disease among adults: associations among serotypes, disease characteristics, and outcome. Clin Infect Dis. 2009;49(2):e23- PMid:19522653. http://dx.doi.org/10.1086/600045
  • 3. Giner AM, Kuster SP, Zbinden R, Ruef C, Ledergerber B, Weber R. Initial management of and outcome in patients with pneumococcal bacteremia: a retrospective study at a Swiss university hospital, 2003-2009. Infection. 2011;39(6):519-26. PMid:22065426. http://dx.doi.org/10.1007/s15010-011-0218-1
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  • 15. Garcia-Vidal C, Ardanuy C, Tubau F, Viasus D, Dorca J, Liñares J, et al. Pneumococcal pneumonia presenting with septic shock: host- and pathogen-related factors and outcomes. Thorax. 2010;65(1):77-81. PMid:19996337. http://dx.doi.org/10.1136/thx.2009.123612

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2012
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