Resumos
OBJETIVO:
A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais comum de distrofia muscular em crianças, e crianças com DMD morrem prematuramente por causa de insuficiência respiratória. Analisamos a eficácia e segurança de exercícios respiratórios de ioga nessas crianças, bem como os efeitos desses exercícios em sua função respiratória.
MÉTODOS:
Estudo prospectivo aberto envolvendo pacientes com diagnóstico confirmado de DMD recrutados no ambulatório de neurologia de um hospital universitário em São Paulo (SP). Os participantes aprenderam exercícios respiratórios de hatha ioga e foram instruídos a praticá-los três vezes ao dia durante 10 meses.
RESULTADOS:
Dos 76 pacientes incluídos no estudo, 35 o abandonaram e 15 não conseguiram realizar os exercícios respiratórios, de modo que 26 pacientes completaram o estudo (média de idade: 9,5 ± 2,3 anos; índice de massa corporal: 18,2 ± 3,8 kg/m2). Os exercícios respiratórios de ioga resultaram em um aumento significativo da CVF em porcentagem do previsto (82,3 ± 18,6% antes do início do programa de exercícios vs. 90,3 ± 22,5% 10 meses depois; p = 0,02) e do VEF1 em porcentagem do previsto (83,8 ± 16,6% antes do início do programa de exercícios vs. 90,1 ± 17,4% 10 meses depois; p = 0,04).
CONCLUSÕES:
Os exercícios respiratórios de ioga podem melhorar a função pulmonar de pacientes com DMD.
Terapia respiratória; Volume expiratório forçado; Capacidade vital; Distrofia muscular de Duchenne; Terapias complementares
OBJECTIVE:
Duchenne muscular dystrophy (DMD) is the most common form of muscular dystrophy in children, and children with DMD die prematurely because of respiratory failure. We sought to determine the efficacy and safety of yoga breathing exercises, as well as the effects of those exercises on respiratory function, in such children.
METHODS:
This was a prospective open-label study of patients with a confirmed diagnosis of DMD, recruited from among those followed at the neurology outpatient clinic of a university hospital in the city of São Paulo, Brazil. Participants were taught how to perform hatha yoga breathing exercises and were instructed to perform the exercises three times a day for 10 months.
RESULTS:
Of the 76 patients who entered the study, 35 dropped out and 15 were unable to perform the breathing exercises, 26 having therefore completed the study (mean age, 9.5 ± 2.3 years; body mass index, 18.2 ± 3.8 kg/m2). The yoga breathing exercises resulted in a significant increase in FVC (% of predicted: 82.3 ± 18.6% at baseline vs. 90.3 ± 22.5% at 10 months later; p = 0.02) and FEV1 (% of predicted: 83.8 ± 16.6% at baseline vs. 90.1 ± 17.4% at 10 months later; p = 0.04).
CONCLUSIONS:
Yoga breathing exercises can improve pulmonary function in patients with DMD.
Respiratory therapy; Forced expiratory volume; Vital capacity; Muscular dystrophy, Duchenne; Complementary therapies
Introdução
A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais comum de distrofia
muscular em crianças; de cada 3.000-3.500 recém-nascidos do sexo masculino,
1 é afetado.(
11. Simonds AK. Respiratory complications of the muscular dystrophy. Sem
Resp Crit Care Med. 2002;23(3):231-8.
https://doi.org/10.1055/s-2002-33031...
,
22. Machado DL, Silva EC, Resende MB, Carvalho CR, Zanoteli E, Reed UC.
Lung function monitoring in patients with duchenne muscular dystrophy on steroid
therapy. BMC Res Notes. 2012;5:435.
https://doi.org/10.1186/1756-0500-5-435...
) Há evidências de que a corticoterapia tem efeitos
benéficos sobre a saúde e a qualidade de vida de pacientes com DMD e pode
diminuir a necessidade de ventilação noturna nesses pacientes.(
33. Bach JR, Martinez D, Saulat B. Duchenne muscular dystrophy: the
effect of glucocorticoids on ventilator use and ambulation. Am J Phys Med Rehabil.
2010;89(8):620-4.
https://doi.org/10.1097/PHM.0b013e3181e7...
) Como resultado da deficiência de distrofina, pacientes com DMD
(inclusive aqueles que recebem o melhor tratamento) sofrem perda progressiva de
fibras musculares, que acaba por afetar os músculos
respiratórios.(
22. Machado DL, Silva EC, Resende MB, Carvalho CR, Zanoteli E, Reed UC.
Lung function monitoring in patients with duchenne muscular dystrophy on steroid
therapy. BMC Res Notes. 2012;5:435.
https://doi.org/10.1186/1756-0500-5-435...
) A insuficiência respiratória resultante é a causa mais
comum de morte prematura em pacientes com DMD.(
11. Simonds AK. Respiratory complications of the muscular dystrophy. Sem
Resp Crit Care Med. 2002;23(3):231-8.
https://doi.org/10.1055/s-2002-33031...
,
44. Braun NM, Arora NS, Rochester DF. Respiratory muscle and pulmonary
function in polymyositis and other proximal myopathies. Thorax.
1983;38(8):616-23.
https://doi.org/10.1136/thx.38.8.616...
5. Vincken WG, Elleker MG, Cosio MG. Flow-volume loop changes reflecting
respiratory muscle weakness in clinical neuromuscular disorders. Am J Med.
1987;83(4):673-80.
https://doi.org/10.1016/0002-9343(87)908...
-
66. Dolmage TE, Avendano MA, Goldstein RS. Respiratory function during
wake-fulness and sleep among survivors of respiratory and non-respiratory
poliomyelitis. Eur Respir J. 1992;5(7):864-70.
)
Os músculos respiratórios são progressivamente afetados em
crianças com DMD, sendo os músculos expiratórios os mais
afetados.(
77. Tangsrud S, Petersen IL, Lødrup Carlsen KC, Carlsen KH. Lung function
in children with Duchenne's muscular dystrophy. Respir Med.
2001;95(11):898-903.
https://doi.org/10.1053/rmed.2001.1177...
) Mesmo curtos períodos de inatividade física podem contribuir
para que ocorra fraqueza muscular e redução da capacidade
respiratória.(
88. De Troyer A, Borenstein S, Cordier R. Analysis of lung restriction in
patients with respiratory muscle weakness. Thorax.
1980;35(8):603-10.
https://doi.org/10.1136/thx.35.8.603...
9. Mier-Jedrzejowicz A, Brophy C, Green M. Respiratory muscle weakness
during respiratory tract infections. Am Rev Respir Dis. 1988;138(1):5-7.
1
https://doi.org/10.1164/ajrccm/138.1.5...
-
1010. Bach JR, Rajaraman R, Ballanger F, Tzeng AC, Ishikawa Y, Kulessa R,
Bansal T. Neuromuscular ventilator insufficiency: effect of home mechanical
ventilation v oxygen therapy on pneumonia and hospitalization rates. Am J Phys Med
Rehabil. 1998;77(1):8-19.
https://doi.org/10.1097/00002060-1998010...
) Há evidências de que exercícios respiratórios podem
melhorar a função respiratória em pacientes com DMD. (
1111. Matecki S, Topin N, Hayot M, Rivier F, Echenne B, Prefaut C, et al.
A standardized method for the evaluation of respiratory muscle endurance in patients
with Duchnne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord.
2001;11(2):171-7.
https://doi.org/10.1016/S0960-8966(00)00...
,
1212. Topin N, Matecki S, Le Bris S, Rivier F, Echenne B, Prefaut C, et
al. Dose-dependent effect of individualized respiratory muscle training in children
with Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord. 2002;12(6):
576-83.
https://doi.org/10.1016/S0960-8966(02)00...
) A hatha ioga é uma filosofia ampla que engloba uma série de
exercícios respiratórios cujo objetivo é melhorar a saúde de seus
praticantes. O objetivo do presente estudo foi determinar se um programa de 10 meses
de exercícios respiratórios de ioga que recrutam a musculatura
inspiratória e expiratória é seguro para crianças com DMD e pode
melhorar sua função respiratória.
Métodos
A amostra foi composta por pacientes consecutivos tratados no ambulatório de neurologia de um hospital universitário na cidade de São Paulo (SP). Os critérios de inclusão foram os seguintes: diagnóstico de DMD (confirmado por avaliação molecular do músculo esquelético); faixa etária de 6-14 anos e uso regular de corticosteroides durante pelo menos 3 meses. Crianças gravemente doentes que não conseguiram realizar os exercícios respiratórios foram excluídas do estudo. O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, e todos os pais ou responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
O presente estudo foi realizado durante um período de 10 meses, com avaliações clínicas realizadas no período da manhã no início do estudo (antes do programa de exercícios) e no fim do estudo. Durante o estudo, os pacientes retornaram para avaliações clínicas a intervalos regulares (de 1-2 meses).
As crianças foram ensinadas a realizar os exercícios respiratórios individualmente, sentadas em uma sala silenciosa, praticando cada exercício até que fossem capazes de realizá-lo sem supervisão. As crianças aprenderam um exercício diferente a cada avaliação clínica. O primeiro exercício respiratório que lhes foi ensinado foi kapalabhati, que consiste em expirações nasais produzidas pela contração rápida e vigorosa dos músculos abdominais e pélvicos, seguidas de inspirações passivas produzidas pelo relaxamento dos músculos recrutados. Três meses após o início do estudo, as crianças foram ensinadas a realizar outro exercício respiratório, denominado uddiyana, que consiste em apneia após expiração forçada, seguida de expansão torácica (conseguida sem inspiração) e fechamento glótico voluntário. Seis meses após o início do estudo, as crianças foram ensinadas a realizar mais um exercício respiratório, denominado agnisara, que consiste em contração máxima seguida de projeção abdominal durante a apneia após expiração forçada. Os participantes foram instruídos a realizar essa sequência de exercícios três vezes por dia, todos os dias, da seguinte forma: três séries de 120 repetições de kapalabhati; três repetições de 10 s de uddiyana e três séries de cinco movimentos de agnisara. Em um diário, os cuidadores marcavam um "x" sempre que as crianças realizavam os exercícios de casa. Os diários eram devolvidos aos pesquisadores mensalmente. Foram incluídas apenas as crianças cuja adesão ao programa de exercícios foi de pelo menos 75%.
A espirometria foi realizada com um espirômetro seco de fole (Espirômetro
Koko; PDS Instrumentation, Inc., Louisville, CO, EUA) conforme os padrões para
testes de função pulmonar estabelecidos pela Força-Tarefa da
American Thoracic Society/European Respiratory
Society.(
1313. Miller MR, Hankinson J, Brusasco F, Burgos F, Casaburi R, Coates A,
et al. Standardisation of spirometry. Eur Respir J.
2005;26(2):319-38.
https://doi.org/10.1183/09031936.05.0003...
) Foram medidos o VEF1 e a CVF, e os valores normais previstos
foram determinados por meio de equações validadas.(
1414. Duarte AA, Pereira CA, Barreto SC. Validation of new brazilian
predicted values for forced spirometry in caucasians and comparison with predicted
values obtained using other reference equations. J Bras Pneumol.
2007;33(5):527-35.
https://doi.org/10.1590/S1806-3713200700...
) A PEmáx e a PImáx foram medidas na boca com um
espirômetro portátil (microQuark; Cosmed, Roma, Itália) em
condições estáticas, de acordo com um método
validado.(
1515. Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values and
relationship to age and sex. Am Rev Respir Dis. 1969;99(5):696-702.
) A PEmáx foi medida em CPT e a PImáx foi medida em capacidade
residual funcional, sendo registrada a maior de três medidas válidas. Antes
dessas medições, os pacientes podiam fazer pelo menos três tentativas.
Os resultados são expressos na forma de valores relativos (porcentagens dos
valores previstos para a idade).
A normalidade foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste t de Student para medidas repetidas (antes do início do estudo vs. 10 meses depois) foi usado para avaliar os efeitos da intervenção sobre todas as variáveis fisiológicas. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. Os resultados foram analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
Resultados
Considerou-se inicialmente a inclusão de 86 pacientes com diagnóstico confirmado de DMD. Desses 86 pacientes, 10 não estavam aptos a participar, pois não estavam recebendo tratamento com corticosteroides. Portanto, 76 pacientes entraram no estudo. Desses 76 pacientes, 35 abandonaram o estudo e 15 não conseguiram realizar os exercícios, sendo, portanto, excluídos do estudo. Muitos dos pacientes que abandonaram o estudo viviam em cidades distantes de onde o presente estudo foi realizado e, portanto, não conseguiram comparecer às avaliações clínicas agendadas (Figura 1). As características demográficas e os resultados dos testes de função pulmonar dos 76 pacientes que entraram no estudo são apresentados na Tabela 1.
Não houve diferenças significativas entre a PEmáx medida no início do estudo e aquela medida 10 meses depois (63,9 ± 27,6% do previsto vs. 66,8 ± 27,6% do previsto; p > 0,05) ou entre a PImáx medida no início do estudo e aquela medida 10 meses depois (41,4 ± 13,7% do previsto vs. 43,7 ± 12,8% do previsto; p > 0,05). No entanto, a CVF medida no início do estudo foi significativamente menor do que aquela medida 10 meses depois (82,3 ± 18,6% do previsto vs. 90,3 ± 22,5% do previsto; p = 0,02; Figura 2). Da mesma forma, o VEF1 medido no início do estudo foi significativamente menor do que aquele medido 10 meses depois (83,8 ± 16,6% do previsto vs. 90,1 ± 17,4% do previsto; p = 0,04; Figura 3).
CVF (% do previsto) antes do início do estudo e 10 meses depois. Nota-se que a CVF estava significativamente maior 10 meses depois. Os losangos representam média ± dp.
VEF1 (% do previsto) antes do início do estudo e 10 meses depois. Nota-se que o VEF1 estava significativamente maior 10 meses depois. Os losangos representam média ± dp.
Discussão
O presente estudo avaliou crianças com DMD que recebiam o melhor tratamento
médico, com corticosteroides. Em crianças com DMD, espera-se que a
função respiratória se deteriore com o tempo, a uma taxa de 5% por
ano.(
77. Tangsrud S, Petersen IL, Lødrup Carlsen KC, Carlsen KH. Lung function
in children with Duchenne's muscular dystrophy. Respir Med.
2001;95(11):898-903.
https://doi.org/10.1053/rmed.2001.1177...
) Dentre os achados inéditos do presente estudo estão o fato de
que uma grande porcentagem de pacientes com DMD (82,6%) aprendeu a realizar
exercícios respiratórios de ioga e o fato de que a função
pulmonar pode melhorar ao longo de um período de 10 meses, conforme evidenciou a
melhora significativa do VEF1 e da CVF.
Durante a DMD, os valores absolutos de capacidade pulmonar inicialmente aumentam; em
seguida, estabilizam-se e, finalmente, diminuem. Por outro lado, os valores relativos
(proporcionais aos valores previstos para a idade e o gênero) de todas as
variáveis de função pulmonar diminuem constantemente após os 5
anos de idade.(
1212. Topin N, Matecki S, Le Bris S, Rivier F, Echenne B, Prefaut C, et
al. Dose-dependent effect of individualized respiratory muscle training in children
with Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord. 2002;12(6):
576-83.
https://doi.org/10.1016/S0960-8966(02)00...
,
1616. Hahn A, Bach JR, Delaubier A, Renardel-Irani A, Guillou C, Rideau Y.
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with Duchenne muscular dystrophy. Arch Phys Med Rehabil.
1997;78(1):1-6.
https://doi.org/10.1016/S0003-9993(97)90...
,
1717. Griggs RC, Donohoe KM, Utell MJ, Goldblatt D, Moxley RT 3rd.
Evaluation of pulmonary function in neuromuscular disease. Arch Neurol.
1981;38(1):9-12.
https://doi.org/10.1001/archneur.1981.00...
) Por exemplo, a capacidade respiratória diminui cerca de 5% por
ano.(
1212. Topin N, Matecki S, Le Bris S, Rivier F, Echenne B, Prefaut C, et
al. Dose-dependent effect of individualized respiratory muscle training in children
with Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord. 2002;12(6):
576-83.
https://doi.org/10.1016/S0960-8966(02)00...
) Como a DMD é uma doença relativamente rara e progressiva a
qual se atribui uma expectativa de sobrevida de 16-19 anos,(
1818. Bach JR, Ishikawa Y, Kim H. Prevention of pulmonary morbidity for
patients with Duchenne muscular dystrophy. Chest.
1997;112(4):1024-8.
https://doi.org/10.1378/chest.112.4.1024...
) as melhores evidências de padrão de tratamento e novos
tratamentos provêm principalmente de estudos observacionais. Um grupo de
autores(
1919. Biggar WD, Harris VA, Eliasoph L, Alman B. Long-term benefits of
deflazacort treatment for boys with Duchenne muscular dystrophy in their second
decade. Neuromuscul Disord. 2006;16(4):249-55.
https://doi.org/10.1016/j.nmd.2006.01.01...
) avaliou 40 pacientes com DMD tratados com corticosteroides em
comparação com 34 que não o foram e concluiu que a
estabilização da função pulmonar é evidência do efeito
benéfico dos corticosteroides sobre a DMD. Achados semelhantes foram
recentemente descritos em pacientes no Brasil. Em nosso estudo, incluímos apenas
pacientes com DMD que usavam corticosteroides regularmente e usamos valores previstos
de função pulmonar como desfechos primários. De fato, demonstrou-se
que a CVF (em % do previsto) diminui cerca de 4% por ano em pacientes com
DMD.(
2020. Khirani S, Ramirez A, Aubertin G, Boulé M, Chemouny C, Forin V,
et al. Respiratory muscle decline in duchenne muscular dystrophy. Pediatr Pulmonol.
2013 Jul 8. [Epub ahead of print]. 10.1002/ppul.22847
https://doi.org/10.1002/ppul.22847...
) Em nossos pacientes, que participaram de um programa de 10 meses de
exercícios de ioga, a função pulmonar se estabilizou (o que por si
só é um efeito positivo) e tanto o VEF1 como a CVF (ambos em %
do previsto) aumentaram. Portanto, embora nosso estudo não tenha tido um grupo
controle, os resultados devem ser interpretados como evidência de que
exercícios respiratórios de ioga têm efeito aditivo positivo sobre a
função pulmonar de pacientes com DMD em tratamento convencional.
Um estudo mostrou que o treinamento muscular respiratório pode ser benéfico
para pacientes com DMD.(
2121. Topin N, Matecki S, Le Bris S, Rivier F, Echenne B, C Prefaut C, et
al. Dose-dependent effect of individualized respiratory muscle training in children
with Duchenne muscular dystrophy. Neuromuscul Disord.
2002;12(6):576-83.
https://doi.org/10.1016/S0960-8966(02)00...
) Apesar da escassez de estudos sobre o uso de exercícios
respiratórios de ioga como terapia complementar para pacientes com DMD, já
houve estudos clínicos respiratórios sobre o assunto, embora os resultados
tenham sido controversos. Em uma recente revisão dos efeitos de exercícios
respiratórios sobre a DPOC,(
2222. Holland AE, Hill CJ, Jones AY, McDonald CF. Breathing exercises for
chronic obstructive pulmonary disease. Cochrane Database Syst Rev.
2012;10:CD008250.
) constatou-se que tais exercícios são eficazes em aumentar a
distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos. Por outro lado, uma
revisão mostrou que a ioga não teve efeito sobre variáveis
cardiorrespiratórias em pacientes com asma.(
2323. Posadzki P, Ernst E. Yoga for asthma? A systematic review of
randomized clinical trials. J Asthma. 2011;48(6):632-9.
https://doi.org/10.3109/02770903.2011.58...
) No entanto, essas duas revisões avaliaram os efeitos da ioga em
adultos. Em crianças com asma, o VEF1 aumentou significativamente
após o treinamento de ioga,(
2424. Field T. Exercise research on children and adolescents. Complement
Ther Clin Pract. 2012;18(1):54-9.
https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2011.04.0...
) que incluiu posturas de ioga e exercícios respiratórios.
Até onde sabemos, o presente estudo é o primeiro a examinar e confirmar a
segurança e a eficácia de exercícios respiratórios de ioga em
crianças com DMD. Os exercícios respiratórios de ioga usados no
presente estudo são únicos e foram escolhidos porque as crianças podem
aprendê-los depois de apenas algumas sessões e, posteriormente,
praticá-los sozinhas, sem a necessidade de equipamento adicional ou de
supervisão contínua; o programa de exercícios é, portanto,
acessível a um grande número de pacientes. Durante o exercício
conhecido como kapalabhati, os músculos abdominais
mantêm-se ativos, trabalhando rápida e vigorosamente como músculos
expiratórios. A expiração ocorre abaixo da capacidade residual
funcional e, portanto, torna-se ativa, ao passo que a inspiração se torna
passiva. Isso está em contraste com o que ocorre fisiologicamente (isto é,
inspiração ativa e expiração passiva). Portanto,
kapalabhati permite o treinamento dos músculos
expiratórios enquanto os músculos inspiratórios permanecem em repouso.
Kapalabhati foi o primeiro exercício ensinado às
crianças, sendo, portanto, o exercício mais praticado e o que provavelmente
mais contribuiu para os resultados obtidos. Tanto uddiyana como
agnisara condicionam a musculatura inspiratória, sendo este
voltado principalmente ao diafragma e aquele aos músculos respiratórios
intercostais.
Nosso estudo tem pontos fortes e limitações. O objetivo primário do estudo foi mostrar que exercícios respiratórios de ioga podem ser realizados por pacientes com DMD. Essa hipótese tinha de ser cuidadosamente testada, especialmente porque a DMD é uma doença genética, progressiva, e exercícios respiratórios poderiam ter efeitos deletérios nesses pacientes (isto é, efeitos semelhantes aos do supertreinamento em indivíduos saudáveis). De fato, a taxa de abandono foi alta em nossa amostra. Embora seja possível que isso tenha ocorrido em virtude de dificuldade para respirar durante os exercícios, acreditamos que tenha provavelmente ocorrido porque esses pacientes não puderam comparecer às sessões de exercício, isto é, não tinham meios para se transportar até o local. Além disso, apenas uma pequena porcentagem de pacientes abandonou o estudo porque não conseguiu realizar a espirometria (quer porque tinham problemas respiratórios, quer porque não aprenderam a realizar os exercícios). Ademais, não houve diferenças significativas entre os pacientes quanto às variáveis respiratórias estudadas. Portanto, nosso estudo mostrou que exercícios respiratórios de ioga são exequíveis, inofensivos e podem realmente melhorar a função respiratória. Embora nossos resultados mostrem claramente que a função pulmonar melhorou no que tange aos valores previstos, isto é, o aumento foi observado em relação a cada paciente, são necessários estudos controlados randomizados para confirmar isso. É digno de nota que a DMD é uma doença rara e fatal, e as melhores evidências de quaisquer formas de tratamento provêm de estudos observacionais.
Em suma, os exercícios de ioga são exequíveis e podem melhorar a função pulmonar em crianças com DMD. Mais estudos são necessários para determinar se exercícios de ioga podem melhorar a qualidade de vida e reduzir o número de internações hospitalares em tais pacientes.
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Trabalho realizado no Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo, nos Departamentos de Neurologia e Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Departamento de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2014
Histórico
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Recebido
20 Mar 2013 -
Aceito
18 Fev 2014