Por que é tão importante que os pneumologistas conheçam a avaliação da musculatura respiratória?
A fraqueza muscular respiratória pode estar relacionada tanto ao aumento da carga de
trabalho do sistema respiratório quanto à diminuição ou interrupção do estímulo neural
(central ou periférico). Em indivíduos saudáveis (nos quais o impulso respiratório
central é normal), a força da musculatura ventilatória para movimentar o sistema
respiratório precisa ser maior do que o somatório do trabalho imposto pelos pulmões,
caixa torácica e vias aéreas.(1)1 Fauroux B, Khirani S. Neuromuscular disease and respiratory physiology
in children: putting lung function into perspective. Respirology.
2014;19(6):782-91.
http://dx.doi.org/10.1111/resp.12330...
Na presença de
um desequilíbrio entre a carga e a força, observa-se o desenvolvimento de fraqueza
muscular respiratória progressiva, que pode evoluir para hipoventilação alveolar e
insuficiência respiratória dependendo da gravidade do acometimento. Na maioria das
vezes, a musculatura inspiratória (cujo principal músculo é o diafragma) é afetada
primeiro, em virtude de seu acionamento ativo.(2)2 Ratnovsky A, Elad D, Halpern P. Mechanics of respiratory muscles. Respir
Physiol Neurobiol. 2008;163(1-3):82-9.
http://dx.doi.org/10.1016/j.resp.2008.04...
Diversas doenças podem afetar a musculatura respiratória, principalmente as doenças
neuromusculares. Entretanto, a inflamação sistêmica (doenças reumáticas autoimunes), a
insuficiência cardíaca e o comprometimento pulmonar, observado nas doenças obstrutivas
com hiperinsuflação pulmonar, nas doenças restritivas e nas deformidades da caixa
torácica, também podem afetar negativamente a musculatura respiratória. (3)3 Laghi F, Tobin MJ. Disorders of the respiratory muscles. Am J Respir
Crit Care Med. 2003;168(1):10-48.
http://dx.doi.org/10.1164/rccm.2206020...
Dessa forma, a avaliação desses músculos pode
ser um dos passos da investigação da dispneia a esclarecer ou da dissociação
clínica-funcional em pacientes com insuficiência respiratória crônica.
Na abordagem inicial para a determinação de fraqueza muscular respiratória, devem-se priorizar métodos de baixa complexidade e ampla disponibilidade, levando-se em consideração a avaliação global e não específica da musculatura ventilatória. Assim, a mensuração da PImáx e da PEmáx tem um papel central na avaliação diagnóstica. Quando a PImáx e a PEmáx encontram-se dentro dos valores de referência, exclui-se a presença de fraqueza muscular. Todavia, valores reduzidos não confirmam de maneira inequívoca a presença de enfermidade, pois podem estar relacionados a problemas técnicos ou subesforço; a investigação deve, portanto, prosseguir a fim de confirmar o diagnóstico. Steier et al.(4)4 Caruso P, Albuquerque AL, Santana PV, Cardenas LZ, Ferreira JG, Prina E, et al. Diagnostic methods to assess inspiratory and expiratory muscle strength. J Bras Pneumol. 2015;41(2):110-123. demonstraram que o uso isolado de PImáx e PEmáx na avaliação de pacientes com doenças neuromusculares ou pacientes com dispneia a esclarecer pode levar ao diagnóstico excessivo de fraqueza muscular, ao passo que a combinação de métodos reduz os resultados falsos positivos em 30%.
No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Caruso et al.(5)5 Steier J, Kaul S, Seymour J, Jolley C, Rafferty G, Man W, et al. The
value of multiple tests of respiratory muscle strength. Thorax.
2007;62(11):975-80.
http://dx.doi.org/10.1136/thx.2006.07288...
apresentam os diversos métodos de avaliação da
musculatura respiratória. A divisão dos métodos em volitivos e não volitivos e seu
encadeamento progressivo (desde os mais simples e não invasivos até os mais complexos)
facilitam a compreensão e, consequentemente, a escolha do teste a ser aplicado de acordo
com a suspeita diagnóstica. De maneira interessante, os autores abordaram o aumento do
uso da ultrassonografia diafragmática na determinação de fraqueza muscular inspiratória.
A vantagem da ultrassonografia é o uso de aparelhagem amplamente disponível, embora seja
necessário um operador que esteja familiarizado com a técnica. A ultrassonografia pode
ser usada para a avaliação estrutural e funcional do diafragma e pode ser realizada em
regime ambulatorial ou hospitalar.(5) Entretanto, no caso de certas doenças,
podem ser necessárias, para um diagnóstico preciso, técnicas mais complexas, tais como a
estimulação elétrica ou magnética do nervo frênico e a eletromiografia (de superfície ou
com agulha), sendo esta última capaz de avaliar isoladamente o diafragma e os diferentes
músculos inspiratórios e expiratórios.(2)2 Ratnovsky A, Elad D, Halpern P. Mechanics of respiratory muscles. Respir
Physiol Neurobiol. 2008;163(1-3):82-9.
http://dx.doi.org/10.1016/j.resp.2008.04...
É importante enfatizar que, na população pediátrica, a avaliação da musculatura
ventilatória também pode ser realizada. Contudo, métodos volitivos não são factíveis em
crianças, principalmente em lactentes e na primeira infância. Assim, faz-se necessário o
uso de técnicas invasivas, tais como a avaliação da pressão transdiafragmática durante o
choro ou da pressão inspiratória nasal durante o fungar, possível em crianças maiores de
4 anos.(6)6 Sarwal A, Walker FO, Cartwright MS. Neuromuscular ultrasound for
evaluation of the diaphragm. Muscle Nerve. 2013;47(3):319-29.
http://dx.doi.org/10.1002/mus.23671...
Embora não fossem o escopo do estudo de Caruso et al.,(5)5 Steier J, Kaul S, Seymour J, Jolley C, Rafferty G, Man W, et al. The
value of multiple tests of respiratory muscle strength. Thorax.
2007;62(11):975-80.
http://dx.doi.org/10.1136/thx.2006.07288...
outros testes são importantes para a investigação inicial e o
acompanhamento da evolução da doença ou para a indicação de ventilação não
invasiva,(77 Marques TB, Neves Jde C, Portes LA, Salge JM, Zanoteli E, Reed UC. Air
stacking: effects on pulmonary function in patients with spinal muscular atrophy and
in patients with congenital muscular dystrophy. J Bras Pneumol.
2014;40(5):528-34.
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014...
,
88 Lira CA, Minozzo FC, Sousa BS, Vancini RL, Andrade Mdos S, Quadros AA,
et al. Lung function in post-poliomyelitis syndrome: a cross-sectional study. J Bras
Pneumol. 2013;39(4):455-60.
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132013...
) dentre os quais destacam-se a prova de função pulmonar, a gasometria
arterial, a oximetria noturna e a polissonografia. Em pacientes com suspeita de fraqueza
muscular inspiratória, a presença de CV preservada torna o diagnóstico improvável.
Nesses pacientes, a capacidade inspiratória encontra-se reduzida, resultando em
diminuição da CPT com capacidade residual funcional praticamente inalterada.(9)9 Flaminiano LE, Celli BR. Respiratory muscle testing. Clin Chest Med.
2001;22(4):661-77.
http://dx.doi.org/10.1016/S0272-5231(05)...
O surgimento de hipoventilação noturna com
hipoxemia e a presença de hipercapnia são indícios de gravidade e risco de falência
respiratória. (99 Flaminiano LE, Celli BR. Respiratory muscle testing. Clin Chest Med.
2001;22(4):661-77.
http://dx.doi.org/10.1016/S0272-5231(05)...
,
1010 Fauroux B. Respiratory muscle testing in children. Paediatr Respir Rev.
2003;4(3):243-9.
http://dx.doi.org/10.1016/S1526-0542(03)...
)
No tocante à resposta à pergunta inicial, é essencial que os pneumologistas compreendam
os mecanismos fisiopatológicos envolvidos no comprometimento da musculatura
respiratória, que conheçam a ampla gama de diagnósticos diferenciais (principalmente no
curso da investigação de dispneia) e que estejam aptos para intervir quando surgirem
sinais de complicação nas avaliações seriadas. Além disso, é fundamental que os
pneumologistas não se limitem à solicitação simplista da medição da PImáx e da PEmáx
para determinar a presença ou ausência de fraqueza da musculatura respiratória.
Portanto, baseando-me nos diversos métodos apresentados por Caruso et al.,(5)5 Steier J, Kaul S, Seymour J, Jolley C, Rafferty G, Man W, et al. The
value of multiple tests of respiratory muscle strength. Thorax.
2007;62(11):975-80.
http://dx.doi.org/10.1136/thx.2006.07288...
proponho aqui um algoritmo diagnóstico para a
fraqueza muscular respiratória (Figura 1).
Algoritmo diagnóstico para a fraqueza da musculatura respiratória. MM ou mm: músculos; FMR: fraqueza muscular respiratória; PFP: prova de função pulmonar; SNIP: sniff nasal inspiratory pressure (pressão inspiratória nasal durante o fungar); Pbo: pressão inspiratória medida na boca; USG: ultrassonografia; Pdi: pressão transdiafragmática; Pgas: pressão gástrica; ins: inspiratórios; exp: expiratórios; e EMG: eletromiografia.
References
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1Fauroux B, Khirani S. Neuromuscular disease and respiratory physiology in children: putting lung function into perspective. Respirology. 2014;19(6):782-91.
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3Laghi F, Tobin MJ. Disorders of the respiratory muscles. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168(1):10-48.
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8Lira CA, Minozzo FC, Sousa BS, Vancini RL, Andrade Mdos S, Quadros AA, et al. Lung function in post-poliomyelitis syndrome: a cross-sectional study. J Bras Pneumol. 2013;39(4):455-60.
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10Fauroux B. Respiratory muscle testing in children. Paediatr Respir Rev. 2003;4(3):243-9.
» http://dx.doi.org/10.1016/S1526-0542(03)00051-4
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2015