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A Pedagogia das Competências em um Curso de Administração: o desafio de passar do projeto pedagógico à prática docente

The Pedagogy of Competencies in a Business Administration Undergraduate Course: the challenge presented by the transition from a pedagogical project to the teaching practice

La Pedagogía de las Competencias en un Curso de Administración: el reto de pasar del proyecto pedagógico hacia la práctica docente

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar o discurso e a prática da Pedagogia das Competências em um curso de Administração oferecido por uma Instituição de Ensino Superior privada do Estado de Minas Gerais, Brasil. A análise procurou identificar e apontar as possibilidades e os desafios impostos pelo processo de implantação da proposta do projeto pedagógico na prática docente. O enfoque nas competências profissionais distingue quatro dimensões, que foram utilizadas como categorias de análise neste trabalho: identificação, normalização, formação e certificação/avaliação. A pesquisa, cuja abordagem metodológica é do tipo qualitativo-descritiva, foi realizada em três momentos, num período compreendido por três anos. A coleta de dados ocorreu a partir de documentos do curso e de entrevistas semiestruturadas. Os resultados apontam, de um lado, para a existência de um discurso que demonstra a intencionalidade de formar por competências. De outro lado, ficaram evidentes algumas limitações quanto à presença e operacionalização de conceitos relacionados a tal modelo de formação. Concluiu-se que, se havia indícios da presença da Pedagogia das Competências no curso pesquisado, isso não significava que houvesse uma orientação sistematizada e articulada, de forma global, entre todos os elementos que compunham o processo de ensino-aprendizagem, conforme propõe a formação por competências. Por fim, ressalta-se que este artigo se justifica por sua contribuição para ampliar o conhecimento a respeito da implantação deste modelo de formação e, como consequência, fornecer subsídios para alterações no processo de ensino e aprendizagem, bem como para que os cursos de Administração possam implementar ações para superar os desafios encontrados.

Palavras-chave:
Ensino em Administração; Abordagem das competências; Processo de ensino-aprendizagem

ABSTRACT

The aim of this paper is to analyse the discourse and the practice of the Pedagogy of Competencies in a Business Administration course from a private Higher-Education School in the state of Minas Gerais, Brazil, in order to identify and indicate the possibilities and challenges demanded by the implementation process taking place when moving from the course pedagogical project to a pedagogical practice. The focus of professional competencies distinguishes four dimensions, which were used as categories of analysis in this paper: identification, normalization, formation and certification/assessment. The project research methodology was qualitative-descriptive, carried out in three different occasions during three years. Data collection was done from the documentation of the course investigated as well as from semi-structured interviews. The research results indicate that, on one hand, there was a discourse to form students’ competencies. On the other hand, it was evident that there were some limitations related to such models of students’ formation. The conclusion reached has showed that even with indications of some elements of a Pedagogy of Competencies in the course investigated, they did not represent a systematic and articulate guidance given in a global way amongst other elements forming the teaching-learning process proposed by a students’ competency-based formation. Finally, we emphasize that this article is justified for its contribution to enhancing the knowledge on the implementation of this model of formation, and therefore to provide a basis for changes in the teaching-learning process as well as to enable actions aiming to overcome the challenges encountered in Business Management courses in relation to students’ competency-based formation.

Key words:
Teaching in Business Administration courses; Competency approach; Teaching-learning process

RESUMEN

Este trabajo tiene el propósito de analizar el discurso y la práctica de la Pedagogía de las Competencias de un curso de Administración que se dicta en una Institución de Enseñanza Superior privada de la provincia de Minas Gerais, Brasil. El análisis trató de identificar y señalar las posibilidades y los retos que impone el proceso de implementación de la propuesta del proyecto pedagógico en la práctica docente. El enfoque en las competencias profesionales distingue cuatro dimensiones, que se utilizaron como categorías de análisis en este trabajo: identificación, normalización, formación y certificación/evaluación. La investigación, cuyo enfoque metodológico es de tipo cualitativo-descriptivo, se realizó en tres momentos, en un período que abarcó tres años. La recopilación de datos se hizo a partir de documentos del curso y de entrevistas semiestructuradas. Los resultados indican, por un lado, la existencia de un discurso que demuestra la intencionalidad de formar por competencias. Por otro lado, quedaron en evidencia algunas limitaciones relacionadas con la presencia y la operacionalización de conceptos relacionados con ese modelo de formación. Se concluyó que, si había indicios de la presencia de la Pedagogía de las Competencias en el curso investigado, eso no significaba que hubiera una orientación sistematizada y articulada de forma global entre todos los elementos que integraban el proceso de enseñanza-aprendizaje, tal como lo propone la formación por competencias. Finalmente, se destaca que este artículo se justifica porque contribuye a ampliar el conocimiento sobre la implementación de este modelo de formación y, como consecuencia, suministra fundamentos para modificaciones en el proceso de enseñanza y aprendizaje, como también para que los cursos de Administración puedan implementar acciones para superar los retos encontrados.

Palabras clave:
Enseñanza en Administración; Planteamiento de las competencias; Proceso de enseñanza-aprendizaje

1 INTRODUÇÃO

A partir dos anos 70 do século XX, especialmente, foram observadas significativas mudanças na ordem política, econômica e tecnológica, tanto nos países centrais quanto nos periféricos. À difusão do neoliberalismo e consequente globalização dos mercados de bens e fluxos financeiros, se junta o progressivo avanço tecnológico nas últimas décadas. No interior das organizações, observa-se a busca pelo ajustamento às novas condições ambientais (SEGNINI, 2000SEGNINI, L. R. P. Educação e trabalho: uma relação tão necessária quanto insuficiente. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 72-81, 2000.). Princípios relacionados à produção flexível como just-in-time, células de manufatura, polivalência e controle da qualidade vão configurar os novos modelos organizacionais, gerando um cenário que passa a exigir um perfil de trabalhador “pensante”, ou seja, reflexivo, criativo e dinâmico (FIDALGO; FIDALGO, 2007FIDALGO, F.; FIDALGO, N. L. R. Refluxos sociais da lógica de competências: o processo de individualização em foco. In: FIDALGO, F. ; OLIVEIRA, M. A. M.; FIDALGO, N. L. R . (Org.). Educação profissional e a lógica das competências. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 17-70).

Em decorrência, impõe-se a necessidade de superação do modelo de formação baseado na aquisição de habilidades necessárias ao desempenho das tarefas de cada posto de trabalho. É preciso que a formação geral do trabalhador contemple, em especial, a capacidade de pensamento teórico-abstrato e lógico-matemático (HANDFAS, 2001HANDFAS, A. Considerações sobre as mudanças nos processos produtivos e a formação profissional do trabalhador. 2001 In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 24., 2001, Caxambu (MG). Anais eletrônicos... Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br >. Acesso em: 2 maio 2004.
http://www.anped.org.br...
). De fato, as diferenças entre o tipo de educação enfatizada em um contexto de produção em série e o que se necessita hoje indicam que é preciso capacitar pessoas para que estejam aptas a assumir trabalhos que requerem níveis mais elevados de competência (GONCZI, 1996GONCZI, A. Enfoques de educación y capacitación basada en competencia: la experiencia australiana. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FORMACIÓN BASADA EN COMPETENCIA LABORAL: situación atual y perspectivas. Actas… México: CONOCER/OIT, 1996. p. 69-77.).

Nesse cenário, uma série de novos conceitos e noções vai se afirmar. Formação em serviço, sociedade do conhecimento, educação continuada e competências são alguns exemplos.

Em detrimento do conceito de qualificação, a noção de competências vem ocupando espaço como uma nova lógica que objetiva, “por um lado, ressignificar o campo relativo ao trabalho e à educação, deslocando-o das perspectivas dos empregos, das ocupações e das tarefas e, por outro, fazer emergir novos esquemas e modos de capacitar a força laboral” (FIDALGO; OLIVEIRA; FIDALGO, 2007FIDALGO, F.; FIDALDO, N.L.R. Refluxos sociais da lógica de competências: o processo de individualização em foco. In: FIDALGO, N. L. R .; OLIVEIRA, M. A. M. ; FIDALGO, N. L. R. (Org.). Educação profissional e a lógica das competências. Petrópolis: Vozes , 2007., p. 13).

Como resultado do debate que envolve a noção de competências, tem-se que os sistemas educacionais de diversos países, incluindo o Brasil, vão incorporar tal noção às propostas oficiais da educação. No Brasil, isso acontece na segunda metade da década de 1990, a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN no 9394/96), que estabeleceu orientações para todos os níveis da educação por meio de diretrizes, parâmetros e referenciais curriculares. Para o ensino superior em nível de graduação, as diretrizes curriculares estabeleceram o perfil do egresso e as habilidades e competências mínimas que devem ser reveladas pelo aluno ao final do curso.

No âmbito da formação, a discussão que permeia a noção de competências é expressa na Pedagogia das Competências, que emerge como um novo paradigma de ensino, no qual se alteram os papéis do professor e do aluno, de modo que o professor passa a ter como atribuição: não meramente transmitir conhecimentos, mas possibilitar o desenvolvimento de competências (QUEIROGA, 2006QUEIROGA, A. L. F. A pedagogia das competências nos cursos técnicos do CEFET-PB: limites e contradições. João Pessoa, 2006. 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2006.). Isso requer alteração em toda a “arquitetura didática da formação”: na análise das necessidades, na definição dos objetivos, na seleção e no delineamento dos conteúdos, na metodologia e na avaliação, entre outros. (ZABALZA, 2009ZABALZA, M. A. Retos de la escuela del siglo XXI: desarrollo del trabajo por competencias. Revista HISTEDBR, Campinas, n. 34, p.3-18, jun. 2009., p. 7).

Frente ao quadro descrito, configurou-se a questão que norteou este estudo: Como se apresenta a noção de competências em um curso de graduação em administração quanto às possibilidades e os desafios impostos pela implantação da proposta do projeto pedagógico na prática docente? Em decorrência, delineou-se o seguinte objetivo geral para a pesquisa: identificar e analisar o discurso e a prática da Pedagogia das Competências em um curso de Administração oferecido por uma instituição de ensino superior (IES) privada do Estado de Minas Gerais, Brasil.

Desta maneira, delimita-se o presente trabalho, ressaltando-se que ele não tem a intenção de entrar no debate que envolve questões ideológicas que perpassam o tema competências, bem como as suas implicações no âmbito da formação superior.

Os resultados da pesquisa indicam que havia indícios da presença da Pedagogia das Competências no curso pesquisado, representando a possibilidade de se caminhar em direção ao desenvolvimento de competências nos alunos. No entanto, era ainda um desafio para o curso gerar uma orientação que sistematizasse e articulasse todos os elementos que compunham o processo de ensino e aprendizagem.

Tendo como base tais resultados em consideração, esta pesquisa propõe uma reflexão sobre a retórica das competências, que parte dos documentos oficiais do Ministério da Educação e é incorporada nos projetos pedagógicos dos cursos, e as possibilidades e os desafios presentes na implantação de uma proposta de ensino coerente com tal discurso.

Logo, este artigo se justifica por sua contribuição para ampliar o conhecimento a respeito da implantação de tal modelo de formação e, como consequência, fornecer subsídios para alterações no processo de ensino e aprendizagem, bem como para que os cursos de Administração possam implementar ações que visem à superação dos desafios encontrados.

A estrutura do trabalho é composta, logo após essa Introdução, de um resgate teórico a respeito da noção de competências e do enfoque da formação por competências (seção 2). Em seguida, na seção 3, são caracterizados o estudo e os procedimentos metodológicos. Os resultados são apresentados e discutidos na seção 4. Por fim, na seção 5 estão as conclusões obtidas a partir do estudo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção pretende explorar a noção de competências, notadamente sob o prisma da formação. Parte-se de uma apresentação preliminar do tema, seguida do enfoque da formação por competências, discutido em quatro dimensões: identificação, normalização, formação e certificação/avaliação. Por fim, são apresentadas as competências definidas pelo Ministério da Educação, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), para os cursos de graduação em Administração.

2.1 A noção de competências

Uma expressiva quantidade de conceitos e enfoques adotados para a noção de competências pode ser encontrada na literatura. Isso demonstra a heterogeneidade com que o assunto é tratado em diferentes esferas de atividades, como no trabalho e na educação (DIAS et al., 2008DIAS, G. B. et al. Revisando a noção de competência na produção científica em administração: avanços e limites. In: DUTRA, J. S. ; FLEURY, M. T. L. ; RUAS, R . (Org.). Competências: conceitos, métodos e experiências. São Paulo: Atlas , 2008. p. 9-30.).

No âmbito do trabalho, o tema vem sendo estudado no plano organizacional, sob a ótica da gestão estratégica (BECKER; DUTRA; RUAS, 2008BECKER, G. V.; DUTRA, J. S.; RUAS, R. Configurando a trajetória de desenvolvimento de competências organizacionais: um estudo de caso em empresa da cadeia automobilística. In: DUTRA, J. S. ; FLEURY, M. T. L.; RUAS, R . (Org.). Competências: conceitos, métodos e experiências. São Paulo: Atlas, 2008. p. 51-79.; FLEURY; FLEURY, 2004FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Alinhando estratégia e competência. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 44-57, jan./mar. 2004.; JAVIDAN, 1998JAVIDAN, M. Core competence: what does it mean in practice? Long Range Planning, London, v. 31, n. 1, p. 60-71, 1998.; LEI; HITT; BETTIS, 2001LEI, D.; HITT, M. A.; BETTIS, R. Competências essenciais dinâmicas mediante a metaaprendizagem e o contexto estratégico. In: FLEURY, M. T. L. ; OLIVEIRA JR., M. M. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo: Atlas , 2001. p. 157-186.; PRAHALAD; HAMEL, 1995PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. Competindo pelo futuro. Rio de Janeiro: Campus, 1995.) e em nível individual, que inclui a gestão de pessoas (BOYATZIS, 1982BOYATZIS, R. E. The competent manager. New York: John Wiley, 1982.; DUTRA, 2008 DUTRA, J. S. Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de pessoas na empresa moderna. São Paulo: Atlas , 2008.; LE BOTERF, 2003LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.; ZARIFIAN, 2001ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas , 2001).

Na esfera da educação, os estudos enfatizam diferentes aspectos como a formação de currículos, o processo de ensinar e aprender, a avaliação e as competências docentes, além do enfoque privilegiado na educação profissional, entre outros temas. Exemplos de estudos nesse campo são os de Araújo (2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.), Fidalgo, Oliveira e Fidalgo (2007FIDALGO, F.; FIDALDO, N.L.R. Refluxos sociais da lógica de competências: o processo de individualização em foco. In: FIDALGO, N. L. R .; OLIVEIRA, M. A. M. ; FIDALGO, N. L. R. (Org.). Educação profissional e a lógica das competências. Petrópolis: Vozes , 2007.), Moretto (2009MORETTO, V. P. Planejamento: planejando a educação para o desenvolvimento de competências. 4. ed. Petrópolis: Vozes , 2009.), Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.), Ropé e Tanguy (2003ROPÉ, F.; TANGUY, L. (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus, 2003.), Rué, Almeida e Arantes (2009RUÉ, J.; ALMEIDA, M. I.; ARANTES, V. A. (Org.). Educação e competências: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2009.), Silva (2008SILVA, M. R. Currículo e competências: a formação administrada. São Paulo: Cortez , 2008.), Zabala e Arnau (2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.), Zapata (2005ZAPATA, W. A. S. Formación por competencias en educación superior: una aproximación conceptual a propósito del caso colombiano. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 36/9, set. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.rieoei.org/deloslectores/1036Salas.PDF >. Acesso em: 11 jul. 2011.
http://www.rieoei.org/deloslectores/1036...
).

A análise de diversos conceitos atribuídos ao tema permite considerar que “a competência é inseparável da ação” (ROPÉ; TANGUY, 2003ROPÉ, F.; TANGUY, L. (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus, 2003., p. 16). Ou, como afirma Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999., p. 10), a construção de competências “é inseparável da formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo real, ao serviço de uma ação eficaz”.

Além disso, verifica-se uma insistência nos diversos conceitos quanto ao fato de a construção da competência supor todos os tipos de saberes (formais, informais, teóricos, práticos/da experiência e sociais), desde que sejam articulados de maneira eficaz, em face de desafios do posto de trabalho (DESAULNIERS, 1997DESAULNIERS, J. B. R. Formação, competência e cidadania. Educação & Sociedade, Campinas, v. 18, n. 60, p.51-63, dez. 1997.).

2.2 O enfoque da formação por competências: outra realidade, outro modelo de formação

O modelo de produção de base taylorista/fordista, ainda presente em larga escala, especialmente em países periféricos, passa a conviver com setores mais avançados, nos quais a organização do trabalho se baseia na substituição de trabalhadores em atividades isoladas e previamente definidas por “uma dinâmica que possibilita desde o controle pelo homem de vários equipamentos relacionados a tarefas integradas até a instauração de equipes-tarefa que se incumbem de uma parte da produção”. (MENDES, 1995MENDES, S. R. Mudança tecnológica, formação para o trabalho e o planejamento da educação. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 1-10, maio/ago.1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.senac.br/informativo/bts/212/2102027035.pdf >. Acesso em: 11 jul. 2011.
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, p. 2). Assim, a linha de produção fordista vai dando lugar ao trabalho reorganizado em equipes incumbidas de um segmento de produção final. Isso implica a modificação da rígida estrutura de ocupações e a construção de um novo perfil de trabalhador.

Frente a esse cenário, cresce o discurso por maiores níveis de escolaridade para os trabalhadores, na expectativa de assegurar conhecimentos, habilidades cognitivas e competências sociais de acordo com as exigências do mundo do trabalho, como afirma Macedo (2002MACEDO, J. M. Reestruturação produtiva e políticas de formação de novas competências para o trabalho docente. 2002 In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 25., 2002, Caxambu (MG). Anais eletrônicos... Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br >. Acesso em: 11 jul. 2011.
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):

[...] na atualidade, principalmente na ótica empresarial, espera-se que o novo perfil profissional seja aquele pautado na ideia de competências [...]. Este novo paradigma não se materializa apenas nas empresas, porque todas as transformações vão para além dela, atingindo outros segmentos da sociedade e, principalmente as instituições formativas e educativas, as escolas e as universidades (MACEDO, 2002MACEDO, J. M. Reestruturação produtiva e políticas de formação de novas competências para o trabalho docente. 2002 In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 25., 2002, Caxambu (MG). Anais eletrônicos... Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br >. Acesso em: 11 jul. 2011.
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, p. 3).

No Brasil, a necessidade de atender às demandas empresariais quanto ao perfil de formação dos egressos do sistema escolar nacional pautou as iniciativas de reformulação dos conteúdos curriculares dos diversos níveis e modalidades de ensino, bem como a elaboração de mecanismos institucionais de avaliação da aprendizagem de alunos nos diferentes graus de ensino (ANDRADE, 2001ANDRADE, F. A. Reestruturação produtiva, estado e educação no Brasil de hoje. 2001 In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 24., 2001, Caxambu (MG). Anais eletrônicos... Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br >. Acesso em: 11 jul. 2011.
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).

A discussão sobre a inserção da noção de competências na educação ganha, então, relevância, especialmente a partir da década de 1980. De acordo com Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999., p. 12), “como o mundo do trabalho apropriou-se da noção de competências, a escola estaria seguindo seus passos, sob o pretexto de modernizar-se e de inserir-se na corrente dos valores da economia de mercado.” Atualmente, segundo Zabala e Arnau (2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.), é difícil encontrar uma proposta de desenvolvimento e formação profissional que não esteja baseada na noção de competências.

Formar por competências requer tratar como conteúdos escolares não só os conhecimentos conceituais, mas, também, os procedimentais (saber-fazer) e os atitudinais (saber-ser) (ZABALA; ARNAU, 2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.). Logo, um ensino voltado ao desenvolvimento de competências implica alterações na formação quanto aos objetivos propostos, aos conteúdos, às metodologias e à avaliação (ZABALZA, 2009ZABALZA, M. A. Retos de la escuela del siglo XXI: desarrollo del trabajo por competencias. Revista HISTEDBR, Campinas, n. 34, p.3-18, jun. 2009.).

Não há, contudo, uma metodologia específica para desenvolver competências. O que existe são condições gerais sobre como devem ser as estratégias metodológicas, o que pode ser encontrado na literatura sob a denominação Formação por Competências ou Pedagogia das Competências. Assim, a análise dos critérios estabelecidos para o ensino das competências sugere que as estratégias metodológicas habitualmente utilizadas sejam revisadas.

Para o Cinterfor (2004CINTERFOR - CENTRO INTERAMERICANO DE INVESTIGACIÓN Y DOCUMENTACIÓN SOBRE FORMACIÓN PROFESIONAL. Las 40 preguntas más frecuentes sobre competencia laboral. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.cinterfor.org.uy/public/spanish/region/ampro/cinterfor/temas/complab/xxxx/esp/index.htm >. Acesso em: 11 ago. 2004.
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), o desenvolvimento de competências profissionais deve pautar-se em quatro dimensões: identificação, normalização, formação e avaliação/certificação. A Pedagogia das Competências contempla privilegiadamente a dimensão da formação, uma vez que enfoca o ensino (TANGUY, 2003 TANGUY, L . Racionalização pedagógica e legitimidade política. In: ROPÉ, F. ; TANGUY, L . (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus , 2003. p. 25-67.) e a orientação de práticas educativas (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

Assim, a pesquisa que ora se apresenta, foi norteada por essas quatro dimensões, segundo Cinterfor (2004CINTERFOR - CENTRO INTERAMERICANO DE INVESTIGACIÓN Y DOCUMENTACIÓN SOBRE FORMACIÓN PROFESIONAL. Las 40 preguntas más frecuentes sobre competencia laboral. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.cinterfor.org.uy/public/spanish/region/ampro/cinterfor/temas/complab/xxxx/esp/index.htm >. Acesso em: 11 ago. 2004.
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), e também pelos elementos da Pedagogia das Competências, conforme a literatura sobre o tema, apresentados a seguir.

2.2.1 Identificação de competências

Os processos de identificação de competências têm sido distinguidos em função dos referenciais utilizados, a saber: funcionalista, construtivista e comportamental. O enfoque funcionalista parte dos resultados e objetivos produtivos que se espera alcançar, “traduzindo-os em tarefas concretas e estas em conhecimentos, habilidades e atitudes.” (ARAUJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., p. 20). O construtivista toma, como ponto de partida, carências apresentadas pelos trabalhadores quanto a capacidades necessárias à realização de tarefas de trabalho. O enfoque comportamentalista, por sua vez, toma como referência as características de indivíduos que apresentam desempenho superior ou, então, empresas de alto desempenho, para, na sequência, torná-las normas de aplicação geral (ARAUJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.; STEFFEN, 1999STEFFEN, I. Modelos de competência profissional. [S.l: s.n], abr. 1999.).

Vargas, Casanova e Montanaro (2001VARGAS, F.; CASANOVA, F.; MONTANARO, L. El enfoque de competencia laboral: manual de formación. Montevideo: CINTERFOR/OIT, 2001.) acrescentam que é possível identificar as competências de um setor econômico, de uma função, de uma área ocupacional ou no âmbito de um trabalho. Porém, tendo em vista as mudanças que ocorrem nos sistemas produtivos e na organização do trabalho, esses autores consideram conveniente partir de uma função ou área ocupacional.

Em suma, a identificação de competências profissionais pode ser entendida como o processo que estabelece, a partir de uma atividade de trabalho, as competências necessárias para o desempenho dessa mesma atividade, de maneira satisfatória (CINTERFOR, 2004CINTERFOR - CENTRO INTERAMERICANO DE INVESTIGACIÓN Y DOCUMENTACIÓN SOBRE FORMACIÓN PROFESIONAL. Las 40 preguntas más frecuentes sobre competencia laboral. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.cinterfor.org.uy/public/spanish/region/ampro/cinterfor/temas/complab/xxxx/esp/index.htm >. Acesso em: 11 ago. 2004.
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). Ela consiste em uma análise qualitativa do trabalho, que visa a descrever os conhecimentos, as habilidades, as destrezas e a compreensão que o trabalhador mobiliza para desempenhar efetivamente uma função (VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001VARGAS, F.; CASANOVA, F.; MONTANARO, L. El enfoque de competencia laboral: manual de formación. Montevideo: CINTERFOR/OIT, 2001.).

Araújo (2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., p. 21) ressalta que a identificação das competências tem como referência básica “[...] a busca da racionalização e identificação das capacidades humanas que resultam em um desempenho eficiente.” O que se procura é desagregar as competências em funções ou tarefas - unidades de competência - necessárias ao comportamento entendido como competente e estas em ações necessárias - elementos de competência - ao alcance dos objetivos esperados.

O resultado do processo de identificação é o estabelecimento de um perfil de competências, que se converte em norma ou padrão. Uma vez identificadas às competências, tal descrição pode ser útil para clarear as transações entre empregadores, trabalhadores e entidades educacionais.

2.2.2 Normalização de competências

A normalização de competências pode ser entendida como a expressão escrita e formalizada dos conhecimentos, habilidades, destrezas e compreensão que o trabalhador deve mobilizar para desempenhar a contento uma atividade de trabalho (VARGAS; CASANOVA; MONTANARO, 2001VARGAS, F.; CASANOVA, F.; MONTANARO, L. El enfoque de competencia laboral: manual de formación. Montevideo: CINTERFOR/OIT, 2001.).

Uma norma deve incluir os seguintes componentes: unidades de competência, elementos de competência, evidências de desempenho, critérios de desempenho, campo de aplicação, evidências de conhecimento e guia para a avaliação. Isso compreende: o que a pessoa deve ser capaz de fazer; a forma de julgamento do desempenho em relação ao padrão estabelecido; as condições em que a pessoa deve demonstrar sua competência; e os tipos de evidências necessários e suficientes para assegurar que o desempenho tenha sido consistente, com base em um conhecimento efetivo.

No interior das organizações produtivas, as normas permitem articular a formação com outros elementos de recursos humanos, tais como: promoções, participação e sistema de pagamento. Fora das organizações, geram um sistema de informações a respeito daquilo que os processos produtivos demandam dos trabalhadores, servindo de elemento orientador para o sistema educativo (RAMOS, 2002RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.).

Como afirma Ramos (2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002.)

[...] espera-se que uma normalização pactuada entre os diversos sujeitos sociais envolvidos no processo - governo, empresários, trabalhadores e educadores - possa melhorar a empregabilidade das pessoas, sempre que as normas se referirem a competências transferíveis que podem ser atualizadas depois de um determinado período (RAMOS, 2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002., p. 81).

Feita a descrição das competências e a sua normalização, a elaboração de currículos de formação para o trabalho será muito mais eficiente se considerada a orientação da norma. Isso significa que a formação orientada para a geração de competências com referências claras em normas tenderá a ser mais eficiente do que aquela desvinculada das necessidades do setor empresarial.

2.2.3 Formação de competências

A formação de competências implica a organização do processo pelo qual a pessoa será preparada para demonstrar as competências requeridas para o desempenho da função.

O marco pedagógico que tem orientado esse tipo de formação vem sendo caracterizado como a Pedagogia das Competências, que pode ser entendida a partir dos elementos que a compõem.

Para efeito do trabalho que ora se apresenta, foi privilegiada a discussão sobre aspectos como objetivos do processo de formação, organização curricular, métodos de ensino, articulação teoria/prática, papéis dos sujeitos e avaliação. Esses assuntos são abordados a seguir.

A formação é definida em termos de competências terminais exigíveis ao final do curso, ano, ciclo ou formação, as quais são explicitamente detalhadas e descritas em termos de saberes e ações (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.; TANGUY, 2003 TANGUY, L . Racionalização pedagógica e legitimidade política. In: ROPÉ, F. ; TANGUY, L . (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus , 2003. p. 25-67.).

Aos conteúdos formativos são incorporados elementos do saber-fazer e do saber-ser. Assim, passam a se constituir não só “dos conhecimentos teóricos formalizados nas matérias e disciplinas, mas de atitudes, comportamentos, hábitos, posturas, elementos que possam compor uma capacidade de trabalho” e que remetem a um saber, a um saber-fazer e a um saber-ser vinculados a um contexto específico (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., p. 16).

A formação por competências defende a passagem de um ensino centrado nos saberes disciplinares para um ensino que produza competências verificáveis em situações e tarefas específicas (TANGUY, 2003 TANGUY, L . Racionalização pedagógica e legitimidade política. In: ROPÉ, F. ; TANGUY, L . (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus , 2003. p. 25-67.).

No entanto, o desenvolvimento de competências na escola não leva a uma renúncia às disciplinas, uma vez que as competências mobilizam conhecimentos que são, em grande parte, de ordem disciplinar. Desta forma, as competências são desenvolvidas tanto dentro das disciplinas quanto na sua interseção, trabalhando-se a transferência e mobilização de conhecimentos em situações complexas (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.).

Corroborando essa visão, Berger Filho ([1999BERGER FILHO, R. L. Currículo por competências. [ 1999]. Disponível em: <Disponível em: http://www.mec.gov.br/semtec/ensmed/FTP/currícompet.doc >. Acesso em: 10 fev. 2003.
http://www.mec.gov.br/semtec/ensmed/FTP/...
]) acrescenta que é necessário superar o dilema de centralização da aprendizagem nos conhecimentos ou nas competências. A diferença que se estabelece na proposição curricular baseada em competências é que no centro do currículo - e, logo, da prática pedagógica - não está a transmissão de saberes, mas o processo de construir, apropriar e mobilizar esses saberes.

Enfatiza-se a noção de currículo integrado com vistas à compreensão global do conhecimento. Nesse sentido, alguns princípios curriculares são considerados importantes, tais como a interdisciplinaridade e a contextualização (RAMOS, 2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002.).

O ensino baseado na interdisciplinaridade possibilita aos alunos maior capacidade para o enfrentamento de “problemas que transcendem os limites de uma disciplina concreta e para detectar, analisar e solucionar problemas novos” (SANTOMÉ, 1998SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed , 1998., p. 74).

A contextualização deve se dar por meio de experiências de aprendizagem concretas e práticas, focadas em atividades que se realizam nos contextos ou situações reais. Seu objetivo é propiciar uma “aprendizagem significativa ao associá-la às experiências da vida cotidiana ou com conhecimentos adquiridos espontaneamente e, assim, retirar o aluno da condição de espectador passivo” (RAMOS, 2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002., p. 141). Desta maneira, depara-se com a questão de desenvolver capacidades em ambientes que estimulem a busca de soluções para os problemas e que produzam a autonomia do aluno. Desta maneira, o ensino teria um caráter integrador entre teoria e prática.

Os currículos devem ser, então, direcionados para desenvolver a capacidade de resolução de problemas, compreendendo conhecimentos gerais e profissionais, e a experiência de trabalho. Isso pressupõe privilegiar o método de ensino por problema, que permite mobilizar, de forma combinada, conhecimentos, habilidades e atitudes em situações autênticas ou parecidas com a realidade (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999., p. 57) sugere que, “para ser ‘realista’, um problema deve estar de alguma maneira ‘incluído’ em uma situação que lhe dê sentido.” A situação-problema deve colocar o aluno diante de uma série de decisões a serem tomadas, visando ao alcance de um objetivo.

Também, como forma de integrar teoria e prática, esse modelo pedagógico pressupõe práticas de alternância, que objetivam intercalar os períodos de formação realizados em empresas com outros, cumpridos em instituições específicas de educação (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.). Como afirmam Ropé e Tanguy (2003ROPÉ, F.; TANGUY, L. (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus, 2003.):

[...] a atividade de formação, [...] ao se desenvolver, deslocou-se de lugares especializados nessa função - como a escola - para outros lugares e em especial para as empresas que, tendencialmente, tornam-se lugares e agentes de formação e não só de produção de bens ou de serviços materiais ou culturais (ROPÉ; TANGUY, 2003ROPÉ, F.; TANGUY, L. (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus, 2003., p. 18).

Essa pedagogia privilegia, ainda, as práticas de trabalho em grupo, as dramatizações e os seminários voltados para o desenvolvimento das capacidades desejadas. Recursos como esses possibilitam “estimular a autonomia e a capacidade de trabalhar sem que se tenham definidos os passos a serem seguidos” (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., p. 52). Além disso, sugere-se como meio de ensino e recurso didático, o uso dos mesmos instrumentos empregados em atividades de trabalho.

O aluno é colocado no centro do processo educativo e o professor passa a ser visto como organizador das situações de aprendizagem, “mais do que como distribuidor de saberes” (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999., p. 45). Nesse sentido, deve haver uma redefinição dos papéis dos sujeitos da prática educativa. Do professor, espera-se uma transformação de sua relação com o saber, de sua forma de dar a aula, de sua própria identidade e de suas competências profissionais (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.). Logo, atitudes de centralização do conhecimento em sua pessoa devem ser evitadas (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.). Do aluno, é esperada maior responsabilidade em relação a seu próprio desenvolvimento de competências e a seu sucesso ou fracasso (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.).

2.2.4 Avaliação/certificação de competências

A certificação de competências refere-se ao ato mediante o qual se reconhece a competência demonstrada pelo trabalhador, independentemente da forma pela qual tenha adquirido tal competência. Os requerimentos da norma de competência permitem estabelecer o padrão esperado da mesma. Esse modelo é comparado com o desempenho do trabalhador ou aluno, permitindo avaliar o quanto as competências foram de fato aprendidas.

O processo de avaliação deve pautar-se nas competências estabelecidas, que devem ser avaliadas por meio de critérios de desempenho previamente definidos (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.; TANGUY, 2003 TANGUY, L . Racionalização pedagógica e legitimidade política. In: ROPÉ, F. ; TANGUY, L . (Org). Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. 4. ed. Campinas: Papirus , 2003. p. 25-67.). Isso significa privilegiar o desempenho ou a capacidade de aplicação e síntese do conhecimento, e não a sua aquisição propriamente dita.

A formação por competências privilegia a aprendizagem em ritmo individual e gradual (RAMOS, 2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002.). Assim, a avaliação deve respeitar a individualidade do aluno, compreendendo o acompanhamento de todo o processo de ensino/aprendizagem, desde o seu ingresso no curso. Devem ser identificadas as necessidades e dificuldades do estudante para, desta forma, propor estratégias capazes de superar dificuldades. Logo, a avaliação deve caracterizar-se como processual e formativa (FERNANDES et al., 2005FERNANDES, J. et al. Diretrizes curriculares e estratégias para implantação de uma nova proposta pedagógica. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 443-449, 2005.).

Finalmente, ressalta-se que um processo de formação por competências exige identificar quais são aquelas necessárias para uma determinada função, normalizá-las como um padrão, organizar o processo de formação e avaliar o desempenho de modo a se certificar de que o avaliado é capaz de realizar as competências dele esperadas no exercício da sua função (certificação). Essas quatro dimensões estão entrelaçadas.

Neste trabalho, foram essas as dimensões escolhidas como categorias de análise. Espera-se, assim, verificar como o processo de formação de um administrador com base em competências foi preparado pela IES objeto do estudo.

2.3 Diretrizes curriculares e competências no curso de administração

De acordo com a Resolução CNE/CES n. 4/2005 (BRASIL, 2005BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 4, de 13 de julho de 2005. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em administração, bacharelado, e dá outras providências. 2005 Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf >. Acesso em: 11 jul. 2011.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), o curso de graduação em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão; desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional; desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável; desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 4, de 13 de julho de 2005. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em administração, bacharelado, e dá outras providências. 2005 Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf >. Acesso em: 11 jul. 2011.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
).

Tais competências e habilidades devem estar expressas no projeto pedagógico do curso, conforme estabelece a referida Resolução.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para conduzir a pesquisa que deu origem a este trabalho, foi adotada a abordagem metodológica do tipo qualitativo-descritiva. Justifica-se essa escolha tendo em vista seu objetivo, privilegiando-se um método tão aberto que fizesse justiça à complexidade do objeto de estudo. A expectativa era não reduzir o objeto a variáveis únicas e, sim, que fosse estudado em sua complexidade e totalidade. Buscava-se, também, menos testar o que já era bem conhecido e mais possibilitar a descoberta do novo.

No que tange à coleta de dados, foi objeto de estudo um curso de Administração de uma IES privada de Belo Horizonte, Minas Gerais, cujo início de funcionamento ocorreu em 1998. A escolha do curso foi balizada pelos critérios especificados no Quadro 1:

QUADRO 1:
CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DO OBJETO DE ESTUDO

Nos passos 1 e 2, foi utilizada a base de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (INEP, [2005]INEP - INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Cadastro das instituições de educação superior. [ 2005]. Disponível em: <Disponível em: http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/ >. Acesso em: 22 abr. 2005.
http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/...
). O passo 3 ocorreu a partir de pesquisa realizada em oito dos 12 cursos encontrados no passo 2, pois quatro deles não se dispuseram a participar. Por fim, apenas um curso atendeu a todos os critérios estabelecidos.

A coleta de dados foi iniciada em 2005 e finalizada em 2007. As entrevistas foram realizadas em três momentos diferentes, conforme apresenta o Quadro 2:

QUADRO 2:
PESSOAS ENTREVISTADOS NO ESTUDO

O primeiro momento da pesquisa pode ser considerado um estudo piloto, cujo caráter é mais exploratório, conforme definição de Selltiz et al. (1987SELLTIZ, C. et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Rio de Janeiro: EPU, 1987.), pois foi realizada uma investigação mais ampla e menos direcionada do que o plano final para a coleta dos dados. O objetivo era verificar se e como a noção de competências estava presente no projeto pedagógico e nos planos de ensino das disciplinas. As informações obtidas forneceram subsídios para a elaboração do roteiro de entrevista que seria utilizado no momento seguinte.

No segundo momento, o objetivo foi aprofundar as questões sobre a identificação e normalização das competências e sobre a operacionalização do modelo. Por fim, o terceiro momento de pesquisa, quando foram entrevistados os coordenadores pedagógicos, objetivou conhecer a perspectiva do curso quanto ao processo de formação e avaliação, tendo como base os pressupostos da Pedagogia das Competências.

Ressalta-se que, no primeiro e no terceiro momento da pesquisa, as entrevistas ocorreram em duplas e que, no segundo momento, o coordenador do curso já não era aquele que foi entrevistado inicialmente.

Optou-se pelas entrevistas semiestruturadas devido às suas características de flexibilidade e adaptabilidade, possibilitando que novos questionamentos fossem introduzidos à medida que as respostas fossem dadas pelos entrevistados. Foi criado um roteiro para cada momento da pesquisa. As questões presentes em tais roteiros consideraram as categorias que são apresentadas no Quadro 3:

QUADRO 3:
CATEGORIAS DE ANÁLISE

Os dados obtidos nas três entrevistas foram analisados a partir do método de análise de conteúdo, considerando-se as categorias estabelecidas. Foram seguidas as diferentes fases da análise de conteúdo, que se organizam em torno de três pólos: a) pré-análise; b) exploração do material, descrição analítica; e c) tratamento dos resultados, inferências e interpretação (BARDIN, 2009BARDIN, L. Análise de conteúdo. 5. ed. Lisboa: Edições 70, 2009.; TRIVIÑOS, 1987TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas , 1987.).

Simultaneamente às entrevistas foram analisados documentos como o Manual do Aluno e a matriz curricular do curso, cujos dados fornecidos foram tratados descritivamente.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Noção de competências: inserção e conceituação

A noção de competências estava presente no projeto pedagógico do curso de Administração desde a sua primeira turma, que teve início no segundo semestre de 1998.

Havia um discurso vindo dos entrevistados de que o curso estava voltado para possibilitar ao seu egresso a capacidade de montar o seu próprio negócio ou de atuar nas organizações de forma empreendedora, como explicita a fala a seguir: “O direcionamento é geral para o empreendedorismo. Os temas tratados que podem ser considerados como construtores dessa competência [competência empreendedora]...” (E1).

Nesse sentido, havia direcionamento para a formação da “cultura empreendedora” (E1), ou seja, a formação do aluno empreendedor.

Referências à noção de competências foram encontradas no Manual do Aluno de tal curso. A Instituição buscou deixar explícito o compromisso de

orientar o aluno na construção de suas habilidades e competências. [...] Os Planos de Ensino de cada disciplina contemplam os conteúdos, os conceitos e as técnicas que irão proporcionar ao aluno a aquisição das habilidades e competências necessárias à sua profissionalização (CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA, 2003CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA. Manual de graduação. Belo Horizonte: [S.n.], 2003. , p. 37).

Entretanto, não havia no projeto pedagógico um conceito sobre o que poderia representar competências para o curso. Além disso, percebeu-se por meio da fala dos entrevistados (E1 e E2), que não havia clara diferenciação entre os termos competências e habilidades.

Nesse caso, ressalta-se a relevância da distinção entre os termos, pois as habilidades seriam um dos atributos da competência, estando relacionadas com o saber-fazer (ZABALA; ARNAU, 2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.).

4.2 Identificação e normalização de competências

No curso em questão, havia uma proposta de desenvolvimento de habilidades que deveriam ser apresentadas pelo egresso. São elas:

  • comunicação interpessoal, expressão correta nos documentos técnicos específicos e interpretação da realidade das organizações;

  • utilização de raciocínio lógico, crítico e analítico, operando com valores e formulações matemáticas e estabelecendo relações formais e causais entre fenômenos;

  • interação criativa face aos diferentes contextos organizacionais e sociais;

  • compreensão do todo administrativo, de modo integrado, sistêmico e estratégico, bem como de suas relações com o ambiente externo;

  • capacidade para lidar com modelos inovadores de gestão;

  • resolução de problemas e desafios organizacionais com flexibilidade e adaptabilidade;

  • ordenação de atividades e programas, identificando e dimensionando riscos para tomada de decisões;

  • seleção de estratégias adequadas de ação, visando ao atendimento de interesses interpessoais e institucionais;

  • seleção de procedimentos que privilegiem formas de atuação em prol de objetivos comuns (CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA, 2003CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA. Manual de graduação. Belo Horizonte: [S.n.], 2003. , p. 9).

Sobre o processo de identificação dessas habilidades, constatou-se que elas coincidiam com algumas daquelas avaliadas no ENC-Provão, nos anos de 1996 a 2003, na parte objetiva e/ou discursiva das provas do curso de Administração. Elas não estavam, portanto, alinhadas às competências e habilidades propostas nas DCN (BRASIL, 2005BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 4, de 13 de julho de 2005. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em administração, bacharelado, e dá outras providências. 2005 Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf >. Acesso em: 11 jul. 2011.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
).

Também ficou constatado que as habilidades propostas se estendiam aos outros seis cursos oferecidos pela IES, pertencentes a diversas áreas do conhecimento. Elas representavam um conjunto genérico, que não condizia com o discurso dos entrevistados quanto ao foco do curso de Administração na formação do empreendedor.

A normalização dessas habilidades ocorreu no projeto pedagógico do curso. Elas foram desdobradas, nos planos de ensino das disciplinas, em três conjuntos básicos de habilidades: conceituais, procedimentais e atitudinais. Esse era o material entregue ao professor da disciplina, que deveria considerar as habilidades como parâmetro para o estabelecimento dos objetivos da disciplina, do conteúdo programático e da avaliação. Logo, itens presentes numa norma de competências, segundo Vargas, Casanova e Montanaro (2001VARGAS, F.; CASANOVA, F.; MONTANARO, L. El enfoque de competencia laboral: manual de formación. Montevideo: CINTERFOR/OIT, 2001.), tais como evidências de conhecimento, critérios de desempenho, campo de aplicação e avaliação não tinham sido previamente definidos no projeto do curso. A sua existência ficaria condicionada à atuação de cada professor.

4.3 Formação de competências

A formação de competências implica a organização do processo pelo qual o aluno será preparado, no curso em questão, para demonstrar as competências necessárias a sua atuação como administrador. Para esse mister, ganham relevância o currículo, os conteúdos e os métodos formativos.

4.3.1 Currículo e conteúdos

No primeiro semestre de 2004, uma nova estrutura curricular havia sido implantada. Durante o processo de reestruturação da proposta, a Coordenação Pedagógica do curso buscou garantir que o modelo de competências fosse mantido, enfocando a formação das habilidades até então propostas. Mantinha-se também o direcionamento para a formação da cultura empreendedora, que perpassava o conteúdo de todas as disciplinas, segundo afirmou E2.

O currículo do curso apresentava-se na forma de disciplinas, porém, a fim de evitar a sua compartimentação, era valorizada a interdisciplinaridade. No entanto, reconhecia-se que havia dificuldades quanto ao tratamento desse conceito, como explicitado no trecho da fala que se segue: “E a atividade da interdisciplinaridade que a gente não tem conseguido. [...] Por que, também, falta o quê? Um conhecimento do professor do que é esse trabalho interdisciplinar, o que a gente chama de interdisciplinar” (E3).

Santomé (1998SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed , 1998.) corrobora a afirmação do entrevistado E3. Para tal autor, uma das dificuldades relacionadas aos trabalhos interdisciplinares refere-se a pouca clareza sobre o assunto.

No curso investigado, o meio inicialmente utilizado para trabalhar a interdisciplinaridade tinha sido o trabalho interdisciplinar, que envolvia todas as disciplinas de cada período. No entanto, quando se retornou à IES, no segundo momento de coleta de dados, verificou-se que tal trabalho já não existia mais. A justificativa dada para a sua retirada refere-se a conflitos gerados em seu desenvolvimento, tendo em vista a presença de alunos irregulares nas turmas.

Além dessas, outras dificuldades relacionadas a trabalhos interdisciplinares, são relatadas por Firmino e Cunha (2006FIRMINO, C. A. B.; CUNHA, A. M. O. A pedagogia de competências na reforma da educação profissional no Brasil: entre a teoria e a prática escolar. 2006 In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29., 2006, Caxambu (MG). Anais eletrônicos... Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br/ >. Acesso em: 29 out. 2006.
http://www.anped.org.br/...
). Questões relativas à organização do tempo e dos espaços escolares, considerando-se as distâncias entre setores e a carga horária excessiva dos docentes seriam barreiras às atividades coletivas, que poderiam propiciar atividades articuladas e interdisciplinares.

Elementos do saber-fazer e do saber-ser foram contemplados nos planos de ensino das disciplinas, além do conhecimento teórico. O saber-fazer estava presente na forma das habilidades procedimentais. O saber-ser, nas habilidades atitudinais. Isso, contudo, parecia não garantir uma menor ênfase nos saberes conceituais, o que pôde ser verificado na fala de E2, que afirmou que a maioria dos docentes privilegiava o conhecimento em detrimento do saber-fazer e do saber-ser, tanto nas aulas quanto nas avaliações. O entrevistado E3 acrescentou que havia dificuldades na definição das atividades relacionadas ao desenvolvimento de habilidades e atitudes.

Diante disso, a prática parecia não condizer com a proposta de um ensino baseado em competências, lembrando Zabala e Arnau (2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007., p. 11), que afirmam que “qualquer atuação competente representa a utilização de conhecimentos interrelacionados às habilidades [saber-fazer] e às atitudes.”

4.3.2 Métodos formativos

Sobre os métodos de ensino, o entrevistado E3 afirmou que, embora coubesse a cada professor definir quais seriam utilizados, a Coordenação de curso cobrava o uso de procedimentos que estimulassem a atenção do aluno considerando, em especial, que muitos chegavam cansados após o trabalho. A despeito disso, uma ressalva foi feita: “[...] não tem como, na realidade, você obrigar que o professor faça de uma forma que ele também não está familiarizado a fazer. [...] Você pode querer, e ele não dar conta. E aí? Então, é preferível a aula dele. E, em cima do que ele apresenta, a gente tentar modificar” (E3).

Entre aqueles cujo uso era estimulado no curso estava o método do ensino por situações-problema, conforme sugere Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.), empregado na forma de estudos de casos: “trabalhar em cima de problemas” (E3). De acordo com E3, os professores utilizavam estudos de casos que eles mesmos elaboravam ou aqueles encontrados em livros. Tais casos diziam respeito a situações tanto reais quanto fictícias.

Considerando-se diferentes pressupostos da Pedagogia das Competências, o uso de estudos de casos no curso pode contribuir com a aproximação entre teoria e prática, com a contextualização do conhecimento e a interdisciplinaridade, além de possibilitar ao aluno autonomia para trabalhar, permitindo a mobilização de conhecimentos, habilidades e atitudes. Para tanto, contudo, tais estudos precisam contemplar problemas próximos da realidade para que façam sentido para o aluno, segundo pressupõe Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.).

Outras estratégias metodológicas também foram consideradas pelos entrevistados como relevantes para o desenvolvimento de competências, tais como os jogos de empresas, as visitas técnicas, a Empresa Júnior, a participação em feiras de empreendedores, a realização de trabalhos extracurriculares, as palestras com profissionais de mercado e os exemplos dados pelos próprios professores, a partir de sua experiência profissional.

Conforme afirmam Zabala e Arnaru (2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.), o ensino com base em competências requer o uso de estratégias metodológicas diversificadas, pois os vários componentes das competências requerem formas específicas para o seu desenvolvimento. Assim, as últimas décadas presenciaram a busca por métodos alternativos aos tradicionais métodos expositivos.

No que tange à contextualização do conhecimento, foi dito que ela deveria acontecer, pois havia no curso a expectativa de que os conhecimentos fossem aplicados. O entrevistado E3, no entanto, não garantiu que isso acontecia, apenas esperava que sim, conforme afirmou: “A proposta é essa. Agora, se isso acontece, aí a gente teria que tá mais diretamente [...]”.

Outra expectativa do curso que se alinhava à proposta da Pedagogia das Competências refere-se ao trabalho em grupo, que era valorizado, pois se entendia que isso poderia levar o aluno a aprender a dividir e respeitar o outro.

O uso, no curso, de instrumentos utilizados em atividades reais de trabalho não foi identificado pelos entrevistados. No entanto, é pressuposto da formação por competências que isso ocorra como forma de colocar o aluno diante de situações que simulem a realidade no trabalho (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

O estágio, presente na matriz curricular a partir do 5º período, representa uma prática de alternância no curso, conforme proposta da Pedagogia das Competências (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.), pois permite ao aluno intercalar o aprendizado na escola com a formação em empresas. Sobre a sua contribuição, o entrevistado E3 enfatizou a formação de habilidades atitudinais. Segundo ele, o desenvolvimento de habilidades procedimentais ficaria condicionado à área na qual o aluno iria atuar durante o período de estágio.

Em relação ao papel do docente, viam-se os professores ainda como centralizadores do processo de ensino e aprendizagem, ou seja, não trabalhavam como facilitadores do processo, estimulando o aluno a perceber a sua responsabilidade em relação ao seu próprio desenvolvimento e possibilitando a sua autonomia.

O entrevistado E3 concordava que o aluno deveria ser visto como sujeito de sua própria formação, porém entendia que não se consegue desenvolver essa cultura nos professores se eles também não estiverem envolvidos com esse mesmo pensamento: “Então, se o professor tem uma ideia que ele vai lá passar o conteúdo dele, o aluno também fica como mero [receptor]” (E3).

No contexto da formação por competências, ressalta-se a importância da redefinição do papel do professor, do qual se espera a organização das situações de aprendizagem, não a distribuição de saberes, como diz Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.). Logo, o aluno deve ser estimulado a buscar a solução para os problemas, sendo retirado de sua condição de espectador passivo (RAMOS, 2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002.).

4.4 Certificação/avaliação de competências

Foram levantados os seguintes aspectos referentes a esse item: tipos de saberes avaliados, avaliação do desempenho, avaliação processual e formativa.

Sobre a avaliação de alunos, era esperado que o professor verificasse, em todos os momentos, o desenvolvimento das habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais previstas nos planos de ensino das disciplinas. Assim, esperava-se que, quando da elaboração das questões das provas, o professor contemplasse o equilíbrio na avaliação dessas três habilidades.

Essa orientação era dada aos docentes quando ingressavam na Instituição. Contudo, percebia-se que as avaliações acabavam privilegiando os conhecimentos em detrimento da aquisição de competências: “Geralmente, as provas que a gente pega, está tudo dentro do conceito.[...] O que a gente tem sugerido? Vê se você consegue equilibrar, dentro da sua avaliação, conceitual, procedimental e atitudinal” (E3).

Nesse caso, a prática evidencia que a aquisição do conhecimento era privilegiada no curso, pois havia tendência de os professores cobrarem do aluno, nas avaliações, somente o conhecimento em detrimento do saber-fazer e do saber-ser.

Melchior (2003MELCHIOR, M. C. Da avaliação dos saberes à construção de competências. Porto Alegre: Premier: 2003.) chama a atenção para o fato de que, se procedimentos e atitudes devem ser desenvolvidos, assim como os conhecimentos, é necessária a sua avaliação no decorrer do processo. Segundo essa autora, as avaliações dos diferentes atributos não são isoladas. Ao contrário, elas são simultâneas e complementares.

Com vistas a espelhar o que entendia ser a avaliação processual no curso, E3 disse acreditar que os docentes realizavam avaliações ao término de cada conteúdo, pois tinham 25 pontos para distribuir em sala de aula, em “avaliações pequenininhas [...], que valem 5 pontos, [...] 3 pontos [...]” (E3). Cada uma delas não poderia valer mais do que nove pontos, para evitar que o professor ficasse muito tempo sem avaliar os alunos. Logo, a expectativa da IES era de que a avaliação fosse processual. Contudo, também foi dito que alguns professores tendiam a acumular diversos conteúdos em poucas avaliações, de maior valor.

Além disso, havia a crença de que, quando alguns professores identificavam dificuldades na aprendizagem a partir dos resultados obtidos nas provas, eles revisavam o conteúdo em questão e realizavam nova avaliação. Nesse sentido, tais professores estariam possibilitando que a avaliação no curso tivesse caráter formativo, conforme proposta da Pedagogia das Competências. No entanto, também havia aqueles que não aceitavam fazer reavaliação de conteúdo, conforme disseram os entrevistados.

Diante desses achados verifica-se que não havia um padrão de avaliação no curso que espelhasse os preceitos da avaliação processual e formativa. Existiam sim, expectativas, ao menos no discurso, mas que nem sempre eram atendidas no decorrer da prática docente.

4.5 Sobre a operacionalização do modelo

Embora existissem esforços no sentido de planejar o processo visando à formação das habilidades propostas pelo curso, ainda era preciso pensar em termos de sua implantação. Segundo a visão de E2, os planos de ensino estavam “já, até certo ponto, até bem evoluídos, eu diria, em termos estruturais, de papel” (E2). Porém, faltava implantar “[...] no dia-a-dia de sala de aula mesmo, trabalhar em cima desses critérios” (E2).

A implantação e operacionalização do modelo de formação por competências foram vistas como complexas e difíceis, “[...] dadas as especificidades de cada disciplina e a necessidade de integração disso num corpo só para (sic) formar um egresso. [...] Ainda existe um gap muito grande [...] do que se pensa em fazer, do que se propõe fazer, e o que efetivamente é feito [...]” (E2).

Um dos fatores que dificultavam a sua operacionalização estava relacionado ao acompanhamento por parte da Coordenação de Curso e da Coordenação Pedagógica, tendo em vista a quantidade de professores no curso (cerca de 30). Além disso, entendia-se que havia, da parte dos docentes, uma dificuldade real de se colocar em prática tal modelo de formação, tanto em termos de desenvolver como de avaliar.

Apesar de acreditar que alguns professores tinham avançado um pouco mais do que outros em direção ao modelo, todos teriam que estar envolvidos no processo para que ele fosse realmente viabilizado. E acrescentou: “Hoje, eu não vejo continuamente isso acontecendo” (E2). Era necessário, ainda, insistir no modelo: não alterando o modelo em si, mas a sua operacionalização.

Por fim, acrescentou-se que a importância de se adotar a noção de competências no curso de Administração estava relacionada à “reintegração do conhecimento” (E2), o que significava superar a visão fragmentada do mesmo, rompendo com o modelo taylorista de ensino. Porém, para que essas mudanças ocorressem, seriam necessárias alterações na prática docente. Só assim, esse novo modelo de formação poderia ser efetivamente incorporado.

5 CONCLUSÃO

Este trabalho teve o objetivo de analisar o discurso e a prática da Pedagogia das Competências em um curso de Administração. Buscou-se identificar e apontar as possibilidades e os desafios impostos pelo processo de implantação da proposta do projeto pedagógico na prática docente.

A pesquisa revelou, de um lado, a existência de um discurso de formação por competências no curso investigado. De outro lado, ficaram evidentes algumas limitações quanto à presença e operacionalização de conceitos relacionados à Pedagogia das Competências. Considerando-se os processos de identificação, normalização, formação e avaliação/certificação, os resultados são apontados a seguir.

No que se refere aos processos de identificação e normalização, estavam presentes no projeto pedagógico e nos planos de ensino das disciplinas as habilidades que deveriam ser desenvolvidas nos alunos. Havia forte discurso de uma formação voltada ao empreendedorismo no curso. No entanto, as habilidades que se propunha formar não estavam alinhadas às DCN, conforme propõe a Resolução CNE/CES n. 4/2005 (BRASIL, 2005BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 4, de 13 de julho de 2005. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em administração, bacharelado, e dá outras providências. 2005 Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf >. Acesso em: 11 jul. 2011.
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) e também não refletiam o foco de formação do empreendedor. Além disso, os elementos que deveriam constar em uma norma de competências, neste caso, no projeto do curso, não tinham sido previamente definidos, tais como as evidências de conhecimento, os campos de aplicação e a avaliação, conforme apontam Vargas, Casanova e Montanaro (2001VARGAS, F.; CASANOVA, F.; MONTANARO, L. El enfoque de competencia laboral: manual de formación. Montevideo: CINTERFOR/OIT, 2001.).

Quanto à formação, embora houvesse a retórica da interdisciplinaridade, segundo propõem autores como Ramos (2002 RAMOS, M. N . A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez , 2002.) e Santomé (1998SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed , 1998.), foram apontadas dificuldades no que diz respeito à sua operacionalização. Um aspecto relevante citado está no fato de os professores têm pouco esclarecimento sobre o assunto, o que reforça a constatação feita por Santomé (1998SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed , 1998.) na mesma direção.

A presença de elementos do saber-fazer e do saber-ser nos planos de ensino parecia não garantir a ênfase nas competências, pois conforme relataram os entrevistados, os professores tendiam a privilegiar os saberes conceituais, tanto em aulas quanto em avaliações. Nesse sentido, em oposição à proposta de formação baseada em competências, conforme discute Berger Filho ([1999BERGER FILHO, R. L. Currículo por competências. [ 1999]. Disponível em: <Disponível em: http://www.mec.gov.br/semtec/ensmed/FTP/currícompet.doc >. Acesso em: 10 fev. 2003.
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]), a transmissão de saberes é que estaria no centro da prática pedagógica, não o processo de construir, apropriar e mobilizar esses saberes.

Métodos formativos alinhados à Pedagogia das Competências estavam presentes no curso. Exemplos são o uso de situações-problema, conforme recomenda Perrenoud (1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.), a formação de grupos para a realização de trabalhos e as práticas de alternância, como sugere Araújo (2001ARAÚJO, R. M. L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.). As práticas de alternância estavam representadas pelo estágio. Já as situações-problema, apareceram na forma de estudos de casos. Destaca-se que o uso de algumas estratégias metodológicas, como os estudos de casos, pode favorecer o alinhamento com diversos pressupostos da formação por competências como a aproximação entre teoria e prática, a contextualização do conhecimento, a interdisciplinaridade e a ênfase na autonomia do aluno.

Entretanto, com exceção do estágio, que era prática formal no curso, as demais estratégias metodológicas eram definidas pelos docentes, conforme seu interesse, o que não garantia a diversidade de métodos, de acordo com a perspectiva de Zabala e Arnau (2007ZABALA, A.; ARNAU, L. 11 ideas clave: cómo aprender y enseñar competencias. Barcelona: Graó, 2007.) e nem o seu alinhamento à formação dos diferentes saberes - conceitual, saber-fazer e saber-ser.

Além disso, os professores foram vistos pelos entrevistados como centralizadores do conhecimento, possibilitando baixo nível de autonomia aos alunos, o que também se opõe à Pedagogia das Competências, para a qual o aluno deveria ser colocado no centro do processo de ensino e aprendizagem, tendo o professor como orientador das situações de aprendizagem (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.).

Quanto à avaliação, havia evidências de que não eram exploradas as habilidades procedimentais e atitudinais, conforme proposta do curso. Assim, os professores permaneciam avaliando o conhecimento, em detrimento da avaliação de competências. Também não havia um padrão no processo de avaliação que fosse congruente com a avaliação processual e formativa, discutida por Fernandes et al. (2005FERNANDES, J. et al. Diretrizes curriculares e estratégias para implantação de uma nova proposta pedagógica. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 443-449, 2005.).

A título de conclusão, entende-se que havia indícios da presença da Pedagogia das Competências no curso, representando a possibilidade de se caminhar em direção ao desenvolvimento de competências nos alunos. No entanto, ainda era um desafio para o curso gerar uma orientação que sistematizasse e articulasse todos os elementos que compunham o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando a geração do saber, do saber-fazer e do saber-ser, bem como a sua mobilização para enfrentar novas situações. Somente assim seria possível afirmar que se está diante de um processo de formação por competências.

Diante dos achados deste estudo, alguns desafios parecem estar no centro da discussão sobre o processo formativo baseado em competências. Um deles, trata-se da formação do professor, especialmente daquele que trabalha no meio universitário e que, em muitos casos, não possui conhecimento pedagógico. Outro, diz respeito às mudanças necessárias nas IES, que deem subsídios para o processo de formação por competências. Sem o suporte adequado, a formação por competências não sairá da retórica.

Por fim, são recomendadas pesquisas futuras com vistas a contribuir com a ampliação do conhecimento sobre os desafios apontados e as oportunidades observadas, ouvindo outros sujeitos, além dos dirigentes dos cursos, bem como investigando a realidade de outros cursos, de outras áreas do conhecimento

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2011

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2010
  • Aceito
    21 Set 2011
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