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Responsabilidade Social Empresarial e Relações de Trabalho: programa de pesquisa sobre gerenciamento dos stakeholders de empresas signatárias do pacto global da ONU

Responsabilidad Social Corporativa y relaciones laborales: agenda de estudio sobre la gestión interna de los stakeholders en corporaciones signatarias del pacto mundial de la ONU

RESUMO

A literatura muitas vezes apresenta o conceito de responsabilidade social empresarial (RSE) em associação à noção de ética nos negócios. Neste artigo, vimos a necessidade de construir um modelo teórico de ética nos negócios que pudesse orientar a pesquisa sobre práticas de responsabilidade social empresarial voltadas ao público interno das organizações. Para tanto, analisam-se diferentes correntes da ética nos negócios, a saber: ética da responsabilidade, ética afirmativa do princípio da humanidade e ética que gera uma moralidade convencional, de forma a se evitar associações automáticas com a noção de responsabilidade social empresarial. O diálogo teórico desses dois grandes constructos (ética nos negócios e RSE) com o campo das relações de trabalho é abordado de acordo com essas três dimensões da ética. Para verificar como uma empresa que deseja ser socialmente responsável se relaciona com seus trabalhadores, existem indicadores que estão fortemente relacionados a aspectos-chave das relações laborais, apontadas pelo Pacto Global (Global Compact) das Nações Unidas. Essa interface produziu as diretrizes metodológicas que dirigiram a coleta e a análise dos dados da pesquisa, apontando importantes desafios nessa agenda e servindo de base para novos estudos nesse campo.

Palavras-chave:
Ética nos negócios; Responsabilidade social empresarial; Pacto global; Global compact; Stakeholders internos; Relações de trabalho

RESUMEN

La literatura en general presenta el concepto de responsabilidad social e las empresas (RSE) en asociación con la noción de ética en los negocios. En este artículo, vimos la necesidad de construir un modelo teórico de la ética en los negocios que oriente las prácticas de investigación de la responsabilidad social corporativa de las organizaciones públicas internas. Para ello, se analizan diferentes corrientes de la ética en los negocios, a saber: ética de la responsabilidad, ética de los principios de la humanidad y la ética que genera una moral convencional, con el fin de evitar asociaciones automáticas con la noción de responsabilidad social corporativa. El diálogo teórico de estas dos construcciones principales (de ética en los negocios y de la RSE) con el campo de las relaciones laborales se tramitarán en conformidad con estas tres dimensiones de la ética. Para comprobar cómo una empresa que quiere ser socialmente responsable se relaciona con sus trabajadores, hay indicadores que están fuertemente relacionados con los aspectos clave de las relaciones laborales, indicado por el programa de Pacto Mundial de las Naciones Unidas. Esta interfaz ha elaborado directrices metodológicas que dirigen la recopilación y análisis de datos de la investigación, señalando los retos importantes de este programa, además de servir como base para futuros estudios en este campo.

Palabras clave:
Ética en los negocios; Responsabilidad social de las empresas; Pacto mundial; Stakeholders internos; Relaciones laborales

ABSTRACT

Literature often presents the concept of Corporate Social Responsibility (CSR) in association with the idea of Business Ethics. In this article, we saw the need to ellaborate a theoretical model of Business Ethics that was capable of guiding research on Corporate Social Responsibility practices aimed at organizations’ internal public. To this end, we analyzed different Business Ethics fields - namely Responsibility Ethics, ethics that reaffirm the principle of humanity and ethics that generate conventional morality, so as to avoid automatic associations with the idea of Corporate Social Responsibility. The theoretical dialogue of these two major constructs (Business Ethics and CSR) with the field of Labor Relations is dealt with in accordance with these three dimensions of ethics. To find out how a company that desires to be socially responsible relates to its employees, there are indicators that are strongly related to key aspects of labor relations, as shown by the UN’s Global Compact Agenda. This interface produced the methodological guidelines that conducted research data collection and analysis, pointing out important challenges in this agenda, as well as serving as a basis for further studies in this field.

Keywords:
Business ethics; Corporate social responsibility; Global compact; Internal stakeholders; Labor relations

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo se baseia nos resultados parciais de uma pesquisa em andamento intitulada “Discurso e prática da responsabilidade social: um estudo sobre a gestão do público interno em empresas signatárias do Global Compact”. Seu objetivo é apresentar a síntese da fundamentação teórica que orientou a escolha da metodologia de investigação e antecipar algumas hipóteses de resultados.

A revisão de literatura sobre responsabilidade social empresarial (RSE) apontou que o conceito vem sendo constantemente associado ao de ética. A partir dessa constatação, verificamos a necessidade de dispor de um modelo teórico de Ética nos Negócios (EN) que possa balizar a pesquisa sobre RSE, a fim de evitar o risco de ideologização do conceito, na medida em que o caráter ético de iniciativas organizacionais isoladas seja universalizado para toda a atuação da empresa, efetivando-se, assim, uma abstração que leve a crer que empresas que desenvolvam projetos sociais, ou ambientais, por exemplo, sejam necessariamente empresas éticas. O diálogo teórico entre EN, RSE e Relações de Trabalho (RTs) é abordado nas primeiras três partes deste artigo.

Para averiguar como uma empresa que se quer socialmente responsável se relaciona com um de seus stakeholders - nesse caso o “público interno”, que são seus trabalhadores -, há indicadores que estão fortemente relacionados com aspectos-chave das relações de trabalho, aspectos estes apontados pela Agenda Global Compact, da Organização das Nações Unidas (ONU). A América Latina é a região menos estudada quando se debate a RSE, como afirma Visser (2009VISSER, W. Corporate social responsibility in feveloping countries. In: CRANE, A. et. al. The Oxford handbook of corporate social responsibility. Oxford: Oxford University Press , 2009. p. 473-502.).

A interface entre EN, RSE e RT produziu as orientações metodológicas para a coleta direta de dados da pesquisa em curso, tema da quarta parte deste artigo. Considera-se que tais orientações podem ser úteis para novas pesquisas na área.

Na quinta e última seção deste artigo, analisamos hipóteses baseadas em resultados preliminares de nossa pesquisa, sejam estas:

  • positivas, como o avanço dos programas de RSE na concessão de benefícios indiretos aos trabalhadores; avanços no combate à discriminação no ambiente de trabalho; avanços no combate ao trabalho infantil ao longo da cadeia produtiva;

  • negativas, como a falta de integração entre os programas de RSE “para fora” e “para dentro” da empresa; a restrição da participação do trabalhador nas decisões ao trabalho em equipe; a falta de correlação direta entre o fato de empresas serem signatárias da Agenda Global Compact e adotarem necessariamente atitudes socialmente responsáveis.

2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

Tem sido comum a citação de que o conceito de RSE encontra-se em construção (ASHLEY, 2002ASHLEY, P. A. (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002.). Nesse processo, reconhecemos sua origem associada à filantropia e seu esforço posterior em articular-se com a atuação ética da empresa perante seus diversos públicos ou stakeholders.

Para Srour (2000SROUR, R. H. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais. Rio de Janeiro: Campus, 2000.), uma empresa socialmente responsável é aquela que mostra pronta disposição para aceitar as consequências de seus atos e apresenta senso de obrigação tanto para com seu público interno (os trabalhadores) quanto para com a comunidade externa. O autor define empresa responsável como aquela em que a sociedade pode confiar, que tem postura ética.

Lunheim (2002LUNHEIM, R. Operationalising corporate social responsability. In: MCINTOSH, M. Visions of ethical business. New Jersey: Prentice Hall, 2002.) também enfatiza que a RSE inclui questões relacionadas a Direitos Humanos, trabalho, relações comunitárias e relações entre fornecedores e consumidores. Para esse autor, a empresa socialmente responsável cria valores organizacionais (éticos) e contribui para melhorar as condições sociais das pessoas afetadas por suas ações.

Para Oded Grajew, líder empresarial do Instituto Ethos de RSE, apud Bernadi (1999BERNARDI, M. A.. Você pode ajudar. Revista Você S.A, São Paulo, v.2, n.15, p. 43, set. 1999.), a RSE envolve a ética em todas as atitudes das organizações e nas relações com seus diversos stakeholders - funcionários, fornecedores, clientes, mercado, governo, meio ambiente e comunidade. Grajew salienta que “ética não é discurso”, deve se traduzir em ação concreta na hora de escolher produtos, processos de fabricação e a política de Recursos Humanos.

Melo Neto e Froes (1999MELO NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade Social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark , 1999., p. 90) registram o conceito elaborado durante reunião do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável - World Business Council for Sustainable Development -, que compreende a RSE como “o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”.

Conceito semelhante é apresentado por Toldo (2002TOLDO, M. Responsabilidade social empresarial. In: GARCIA, B. G. (Colab.). Responsabilidade Social das Empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Editora Peirópolis , 2002. v. 1. p. 71-102., p. 101), para quem a RSE resgata a função social da empresa, que consiste “na promoção e qualidade das relações dos diversos públicos da empresa com práticas que respeitem as pessoas, a comunidade e o meio ambiente, para a construção de uma sociedade mais justa (...)”.

Além da associação entre RSE e ética, observamos, portanto, também uma forte relação desses conceitos com a obrigação das corporações de trabalharem para a melhoria do bem-estar social (FREDERICK, 1994FREDERICK, W. C. Commentary on business ethics as a discipline: the search for legitimacy. In: FREEMAN, R. E. (Ed.) Business ethics: the state of the art. Oxford: Oxford University Press , 1994. p. 57-59.). Wartick e Cochran (1985WARTICK, S. L.; COCHRAN, P. L. The evolution of the corporate social performance model. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 10, n. 4, p. 758-769, Oct. 1985.) elencam as duas premissas centrais deste conceito:

  1. existe um contrato entre a organização e a sociedade, que funciona como um veículo por meio do qual o comportamento dos negócios é posto em conformidade com os objetivos da sociedade;

  2. os negócios desempenham o papel de “agentes morais dentro da sociedade, refletindo e reforçando seus valores” (COUTINHO; MACEDO-SOARES, 2002COUTINHO, R. B. G.; MACEDO-SOARES, T. D. L. v. A. Gestão estratégica com responsabilidade social: arcabouço analítico para auxiliar sua implementação em empresas no Brasil. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, p. 75-96, set./dez. 2002., p.78).

Nessa mesma linha de raciocínio, Bowen (1957BOWEN, H. R. Responsabilidades sociais dos homens de negócios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957.) considerou a RSE, nos primórdios do advento do conceito, como “a obrigação do empresário de adotar políticas, tomar decisões e acompanhar linhas de ação desejáveis segundo os objetivos e valores da sociedade”.

A mesma abordagem pode ser vista também na definição de Ashley et al. (2000ASHLEY, P. A.; COUTINHO, R. B. G.; TOMEI, P. A. Responsabilidade social corporativa e cidadania empresarial: uma análise conceitual comparativa. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 24., 2000, Florianópolis, Anais..., Rio de Janeiro: ANPAD, 2000. p.1-16., p. 6), para os quais a RSE é o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade ou alguma comunidade específica, expresso por meio de atos que a afetem positivamente, “agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela”.

Também Guimarães (1984GUIMARÃES, H. W. M. Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 24, n.4, p. 211-219, out./dez. 1984., p. 215), ao explicar que o conceito de RSE se vincula à ideia de que as empresas devem ser responsabilizadas pelas consequências de seus atos, ressalta que “o modelo de responsabilidade social deveria resultar de uma preocupação em se aliar o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento da qualidade de vida da sociedade”.

Oliveira (1984OLIVEIRA, J. A. Responsabilidade social em pequenas e médias empresas. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 203-210, out./dez. 1984., p. 205) acrescenta à dimensão social da RSE um tom estratégico: “responsabilidade social é a capacidade de a empresa colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas e expectativas para o alcance de seus objetivos”.

Dessa multiplicidade conceitual, reconhecemos alguns pontos comuns e também pontos divergentes. Os pontos comuns nos permitem sugerir que a construção do conceito evoluiu de forma significativa. Se é verdade que este não se encontra pronto e acabado, também é verdade que já passou da fase do projeto. Os pontos divergentes, menos que uma contradição, revelam mais a possibilidade de diferentes disposições de planta. Aprofundando a analogia, podemos dizer que o edifício da Responsabilidade Social Empresarial já se encontra de pé. A planta de cada um dos andares, entretanto, é flexível e permite diferentes disposições e layouts, de acordo com o público, com o stakeholder envolvido.

Os pontos comuns que nos chamam a atenção, a partir da revisão de literatura realizada, são: a associação com o conceito de ética; a necessidade de envolver todos os stakeholders, tanto internos quanto externos; a importância de conjugar o conceito com toda a atuação da empresa (condição esotérica); e a necessidade de que todos os stakeholders efetivamente participem do processo, como interlocutores válidos e ativos.

Os pontos divergentes dizem respeito, principalmente, ao caráter social da responsabilidade empresarial. Para alguns autores, o conceito está ligado à atuação da empresa diante da comunidade, tendo em vista a necessidade de minimizar as desigualdades sociais e promover o bem-estar social. Para outros, a responsabilidade social da empresa não é apenas social, mas ética, e perante todos os públicos. Tais abordagens não são excludentes e nos permitem pensar que a atuação diante da comunidade representa apenas uma das faces da responsabilidade social empresarial, com um stakeholder determinado: a comunidade.

Desse modo, podemos propor uma arquitetura conceitual para o edifício da RSE, baseada em quatro grandes pilares: a ética, os stakeholders, a condição esotérica e a participação. A importância em conjugar o conceito com todo o campo de atuação da empresa nos remete à condição esotérica, conceito segundo o qual a empresa comprometida eticamente se faz de exemplo e testemunho dos valores que proclama.

Esse edifício pode ser dividido em andares, um para cada público com o qual a organização se relaciona, para “dentro” e “para fora” da empresa. Cada um desses andares pode representar um corte para o desenvolvimento de pesquisas. A necessária comunicação entre os diferentes andares representa o que Ashley (2002ASHLEY, P. A. (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002.) denominou organização em rede.

Para a autora, a ampliação da discussão da responsabilidade social para além das fronteiras da empresa compreende adotar uma perspectiva orientada para a sustentabilidade do próprio conceito, uma vez que expõe a necessidade de uma efetiva rede de negócios que incorpore o conceito multidirecional da RSE em todas as relações com os stakeholders associados a essa rede. Nesse sentido, surgem os conceitos de responsabilidade social e desempenho social dos stakeholders, necessários para a emergente visão sistêmica de redes de stakeholders.

Os pilares propostos para o edifício da responsabilidade social nos remetem ao campo da Ética nos Negócios, no qual buscamos a referência que nos permita falar de ética no contexto empresarial não como uma mera variável do processo corporativo, mas como eixo estrutural de uma gestão comprometida com valores e princípios.

3 A ÉTICA NOS NEGÓCIOS: UM MODELO DE REFERÊNCIA

A reflexão sobre a RSE não deve ser dissociada da reflexão sobre a Business Ethics, a Ética nos Negócios (EN) compreendida como um campo acadêmico de reflexão e pesquisa sobre a ética empresarial. Nesse sentido, procuramos apresentar um modelo referencial de EN que nos permita orientar a reflexão e a crítica sobre a responsabilidade social das empresas. Como campo de ética aplicada, a EN se fundamenta em teorias éticas que devem estar imbricadas no contexto das empresas. Para apresentá-lo, descrevemos o tríplice referencial proposto por Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.) e acrescentamos nossas contribuições.

Definimos a Ética nos Negócios como uma disciplina de estatuto acadêmico que estuda os negócios a partir de um ponto de vista ético (DE GEORGE, 1991DE GEORGE, R. T. Will success spoil business ethics? In: FREEMAN, R. E. (Ed.) Business Ethics: the state of the art. Oxford: Oxford University Press, 1991. p. 42., p. 43). Como tal, exige a articulação integrada entre seus dois componentes, a ética e a empresa (PATRUS-PENA; CASTRO, 2010PATRUS-PENA, R.; CASTRO, P. P. Ética nos negócios: condições, desafios e riscos. São Paulo: Editora Atlas, 2010.). Segundo o modelo proposto por Patrus-Pena e Castro (2010PATRUS-PENA, R.; CASTRO, P. P. Ética nos negócios: condições, desafios e riscos. São Paulo: Editora Atlas, 2010.), baseados em Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.), a ética nos negócios deve ter um triplo marco ético referencial, cujas dimensões se articulem mutuamente (Figura 1). A EN tem que ser, ao mesmo tempo, uma ética da responsabilidade, atenta às consequências de suas ações, uma ética afirmativa do princípio da humanidade (ética da convicção), atenta à dignidade do ser humano reconhecido como interlocutor válido, e uma ética geradora de moral convencional (ética da virtude), atenta ao desenvolvimento dos sujeitos na realização de determinados bens mediante práticas compartilhadas (LOZANO, 1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999., p. 204).

Figura 1:
Modelo teórico de referência para a Ética nos Negócios.

Essas três dimensões devem ser integradas na EN e perdem seu dinamismo quando são tratadas separadamente. Quando isso acontece, a responsabilidade se reduz a um “consequencialismo” que ignora tanto os critérios e finalidades que o fazem inteligível como a atenção aos sujeitos que atuam; a humanidade se reduz à afirmação de princípios abstratos, insensíveis ao contexto, indiferentes às consequências e ignorantes dos sujeitos concretos; os valores convencionais se reduzem a uma identidade cultural fechada em si mesma, impermeável à crítica, sem considerar suas responsabilidades (LOZANO, 1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.).

3.1 A ética da responsabilidade

A ética da responsabilidade, primeiro polo do marco ético referencial da EN, tem seus pressupostos radicados no princípio da responsabilidade, cuja principal referência é Jonas (1995JONAS, H. El principio de responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Editorial Herder, 1995.). Segundo Jonas (1995JONAS, H. El principio de responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Editorial Herder, 1995.), na era tecnológica atual, aquela em que o poder do homem tem alcançado uma dimensão e implicações até agora inimagináveis, com iminente possibilidade de até mesmo destruir ou alterar a vida planetária, faz-se necessário que a magnitude do poder da ciência (e aqui adicionamos o poder das empresas) seja acompanhada por um novo princípio: o da responsabilidade. Segundo esse autor, a ameaça da própria extinção da humanidade não encontra comparação na experiência passada, e por isso as éticas existentes até então não bastam para nos orientar. As ações das empresas afetam o futuro, muitas vezes com a dimensão de irreversibilidade. Tudo isso coloca a responsabilidade social empresarial no centro da ética.

O tratamento da ética da responsabilidade (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009BARBIERI, J. C.; CAJAZEIRA, J. E. R. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática. São Paulo: Saraiva , 2009.) no marco referencial da EN se operacionaliza no tratamento dos stakeholders. Segundo Clarkson (1995CLARKSON, M. B.E. A stakeholder framework for analyzing and evaluating corporate social performance. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 20, p. 92-117, Jan. 1995.), as empresas administram relações com stakeholders e não com a sociedade. A perspectiva da responsabilidade da empresa se articula com a análise dos stakeholders porque é com relação a estes que se exercem as responsabilidades. A análise dos stakeholders é o procedimento prático para demarcar a dimensão consequencialista de uma ética de responsabilidade. O conceito de stakeholder não leva em conta o meio ambiente e as gerações futuras, que são também afetados pela atuação da empresa. Vamos considerá-los, pois, como stakeholders, valendo-nos de uma aplicação figurada do termo.

As gerações futuras não são um público com o qual as empresas se relacionam. Do mesmo modo, o meio ambiente não é um público; em rigor, não poderia ser chamado de stakeholder, a não ser por uma ampliação simbólica do termo.

Freeman (1984FREEMAN, R. E. Strategic management: a stakeholder approach. Boston: Pitman, 1984., p. 54) foi o pioneiro na definição de stakeholders: “um stakeholder em uma organização é (por definição) qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar a execução dos objetivos da organização ou que pode ser afetado por esta consequência”. A definição de Freeman (1984FREEMAN, R. E. Strategic management: a stakeholder approach. Boston: Pitman, 1984.) é considerada demasiadamente ampla, pois permite uma infinidade de stakeholders, até fatores climáticos (MITCHELL; AGLE; WOOD, 1997MITCHELL, R.; AGLE, B.; WOOD, D. Toward a theory of stakeholders identification and salience: defining the principle of who and what really counts. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 2, n.4, p. 853-870, Oct. 1997.) ou a atmosfera e até mesmo seres inanimados como pedras (STARIK, 1994STARIK, M. The Toronto conference: reflections on stakeholders theory. Business and Society, v. 33, n. 1, p. 82-131, Apr. 1994.). Pode-se perceber, não obstante, nessa conceituação, um duplo sentido entre a organização e os stakeholders, considerados como agentes passivos (afetados pela empresa) e ativos (que afetam a empresa) ao mesmo tempo.

Desde já, assumimos a proposição feita por Goodpaster (1991GOODPASTER, K. E. Business ethics and stakeholder analysis. Business Ethics Quarterly, Charlottesville, v. 1 n. 1, p. 53-73, Jan. 1991., p. 55), e reafirmamos a feita por Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999., p. 135), de que a introdução da análise dos stakeholders nas direções empresariais não é necessariamente o mesmo que introduzir a ética nestas decisões. Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.) alerta que há uma tendência em ver as inter-relações organizacionais somente em termos de interesses, sem reconhecer os stakeholders como interlocutores. Costuma-se falar dos stakeholders, mas sem chamá-los para ouvi-los, sem uma dinâmica organizacional que lhes dê voz. Se tomarmos em consideração o sentido da palavra responsabilidade, como consequência, por um lado, e como “responsividade” (termo proposto por WOOD, 1991WOOD, Donna J. Corporate social performance revisited. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 16, n. 4, p. 691-718, Oct. 1991.), por outro, vamos ver que se pode ouvir os stakeholders antes que suas palavras sejam de reclamação. No Brasil, os trabalhadores, que constituem o stakeholder denominado público interno, objeto de nossa pesquisa, têm um histórico muito próximo desta realidade de fazerem parte do discurso empresarial como “parceiros”, “colaboradores”, sem, no entanto, serem ouvidos de fato, sem que lhes seja permitida uma participação crítica na vida da empresa. Sob essa perspectiva, compreendemos a participação dos stakeholders como um elemento fundamental de uma gestão socialmente responsável.

3.2 A ética afirmativa do princípio de humanidade: a ética da convicção

Para Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.), a afirmação de uma ética de humanidade pode ser explorada mediante a consideração dos processos de autorregulação com que as empresas têm elaborado e construído reflexivamente seus valores, finalidades e critérios de atuação. Esse momento reflexivo é fundamental para que a relação com os stakeholders tenha uma dimensão ética. Caso contrário, a análise dos stakeholders se esgota em si mesma, desconhecendo as finalidades éticas e o sujeito que, pessoal e empresarialmente, se desenvolve nessas inter-relações (LOZANO, 1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999., p 205). Do mesmo modo, se a análise da ética de humanidade não se articular com a ética da responsabilidade e com a cultura organizacional, ela se transforma em um discurso insuficiente para a afirmação do caráter da organização.

Acrescentamos à contribuição de Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.), as considerações de Küng (1999KÜNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999.), em seu esforço de configurar o ethos planetário resultante de um consenso mundial, e as contribuições de Cortina (1992CORTINA, A. Ética filosófica. In: VIDAL, M. Conceptos fundamentales de ética teológica. Madrid: Trotta, 1992.) sobre a ética cívica, desde suas considerações sobre a ética comunicativa de Apel e Habermas. Recorremos também à ética kantiana, cuja razão prática se vale da ideia de imperativo categórico como dever, que expressa a necessidade e a universalidade, ou seja, a determinação da vontade pela razão e a validade do imperativo para todos. Articulamos, assim, uma ética de humanidade baseada no par deveres/direitos humanos, que é a objetivação política da idéia de respeito pela humanidade. Nosso objeto de pesquisa versa exatamente sobre empresas que assinaram a Agenda Global Compact da Organização das Nações Unidas, que nada mais é que um código de conduta baseado em direitos humanos universais (tais como a abolição do trabalho escravo e infantil, a aceitação do direito de organização sindical, a não discriminação dentro da empresa e princípios de conservação da natureza).

Um dos riscos referentes à dimensão da ética da humanidade no marco teórico da EN é a possibilidade de ela não se apresentar de forma manifesta e se diluir nos processos de tomada de decisões. Segundo Lozano (1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.), as organizações não atuam diretamente com o princípio da humanidade, a não ser quando passam pela autonomia e pelo reconhecimento do outro como interlocutor em seus processos de construção dos critérios, valores e finalidades empresariais. Muitas vezes, a decisão não explicita os critérios e valores que a nortearam. Trata-se de um momento interno, não necessariamente visível.

Em suma, assim como a ética da responsabilidade, a afirmação de uma ética da humanidade é uma dimensão tão necessária quanto insuficiente para a definição do marco ético referencial da EN. Assim, os códigos de ética não são autossuficientes para a incorporação da ética na empresa. São tantas as motivações de uma conduta que os códigos de ética serão apenas uma das influências recebidas pelos empregados, como aponta Warren (1983WARREN, R.C. Codes of ethics: bricks without straw. Business Ethics: A European Review, Oxford, v. 2 n. 4, p. 185-191, Oct. 1993., p. 187).

Assim, tanto o processo de formulação do código quanto sua dinâmica no cotidiano da empresa devem estar incorporados a um firme propósito de desenvolvimento ético da empresa. Não há dúvidas de que é legítimo que a empresa busque aumentar seus benefícios e evitar problemas, no entanto não pode se fechar em si mesma sem ampliar suas perspectivas para o meio no qual se insere. É importante destacar aqui a diferença entre a condição esotérica e a postura fechada da empresa. A condição esotérica significa começar por si mesma, fazer de seus próprios procedimentos internos exemplo e testemunho de retidão, para, então, avançar para a comunidade e a humanidade. A postura fechada em si mesma se reduz a normas e proibições convencionais de uma empresa ou setor. A condição esotérica é uma seta que se origina do centro da empresa e se projeta para âmbitos mais amplos. A postura fechada não passa de um segmento de reta limitado em si mesmo.

Se compreendermos a condição esotérica como elemento constituinte da EN, podemos adotá-la como o diferencial entre uma ética estruturadora de todo o processo organizacional e uma estratégia que leve em conta a ética simplesmente por exigência do ambiente externo. A ética, vista de dentro para fora, ilumina cada uma das dimensões organizacionais que se tornam estratégicas para servir ao ideal da construção de práticas organizadoras corretas.

O esforço de universalizar os máximos princípios subjetivos da ação, válidos somente para os que as propõem (KANT, 2002KANT, E. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002.), presentes nos códigos de ética empresariais, nos levaria à formulação dos imperativos categóricos, princípios práticos objetivos, ou seja, válidos para todos (KANT, 2002KANT, E. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002.). Assim, o critério deontológico para a reflexão normativa da atuação empresarial poderia ser formulado nos termos do imperativo categórico de Kant. Em outras palavras, os códigos de ética corporativos (empresariais) são um lugar idôneo para levantar imperativos com a pretensão de serem universais, com o qual podem ser um lugar para expressar exigências normativas em termos kantianos. No âmbito da empresa, aqueles valores firmados no código de ética empresarial têm validade universal (para todos os participantes e stakeholders) e necessária, pois se trata de uma afirmação livre da direção, que deve orientar as condutas e as decisões no interior da empresa. O código de ética empresarial deve, então, orientar a dimensão do dever da empresa e na empresa (FRANCÉS et al., 2003FRANCÉS, P.; BORREGO, A.; VELAYOS, C. Códigos éticos en los negocios: creación y aplicación en empresas e instituciones. Madrid: Ediciones Pirámide, 2003.). A busca de resultados econômicos, um dos objetivos da empresa, encontrará, nos códigos de ética, seus limites de realização. Os códigos definem os limites da ambição corporativa. Se não é desse modo, eles tendem a ser figuras decorativas.

3.3 A ética geradora de moral convencional: a ética da virtude

O terceiro vértice do marco ético referencial da EN se enraíza na cultura da empresa, como elemento estruturador de uma ética da organização. Segundo Solomon (2001SOLOMON, R. C. La ética en los negocios y la virtud. In: FREDERICK, R. E. La ética en los negocios: aplicación a problemas específicos en las organizaciones de negocios. México: Oxford University Press, 2001. p.35-44., p. 35), a ética nos negócios, como na maior parte das áreas da ética, leva em consideração os princípios que fundamentam o ato, o ato mesmo e as consequências do ato. Tais dimensões são contempladas pelos vértices deontológicos e consequencialistas, que apresentamos nos parágrafos anteriores. Não obstante, Solomon insiste que “a teoria moral tradicional omite algo essencial na explicação da nossa vida moral que a ética da virtude aporta” (SOLOMON, 2001SOLOMON, R. C. La ética en los negocios y la virtud. In: FREDERICK, R. E. La ética en los negocios: aplicación a problemas específicos en las organizaciones de negocios. México: Oxford University Press, 2001. p.35-44., p. 36). Para a ética da virtude, o centro da atenção não se radica tanto nos princípios ou nas consequências do ato, mas no caráter da pessoa, ou bem naquelas características do caráter expressadas nesse ou em outros atos: suas virtudes.

O problema que é apresentado, ao levantar uma ética da virtude para compreender a ética empresarial, é que a boa intenção dos participantes não é suficiente para afirmar a ética de uma organização. A proposição de que as pessoas justas fazem da organização uma organização justa não é verdadeira (falácia da composição). Consideramos, então, que a organização deve dispor de recursos e dispositivos para a implementação de seus valores éticos, que vão depender da disposição dos participantes, em especial da alta direção, de atuar de acordo com os critérios e valores firmados. Por exemplo, em se tratando do público interno, objeto de nossa pesquisa, não basta que a empresa tenha em seu código de ética a não discriminação: a empresa deve ter uma forma acessível para que trabalhadores vítimas de racismo possam denunciar o fato de forma sigilosa, sem se prejudicar nem prejudicar o acusado, até que tudo seja apurado. Assim, podemos afirmar que a virtude existe somente na praxis, ou seja, na atuação efetiva. Esse é o sentido da palavra convencional. Gerar uma moral convencional é reforçar o círculo entre a atuação das pessoas e a constituição de um ethos que, por sua vez, reforça o comportamento individual.

A partir dessa perspectiva, consideramos a ética da virtude uma dimensão complementar necessária para o marco ético referencial da EN. Isoladamente, ela parece insuficiente; então, além do argumento da falácia da composição, ela deslocaria o foco da EN para o indivíduo, o que contraria a exigência de que a empresa deve ser o foco da EN (LOZANO, 1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999.). Assim, compreendemos a ética geradora de moral convencional como a terceira coordenada do marco ético referencial.

A dimensão cultural do marco ético referencial não pode, pois se esquecer da práxis. Não há costume sem a repetição das ações dos indivíduos. É exatamente por esse motivo que Lozano considera que a porta de entrada de Aristóteles na EN tem sido a cultura organizacional: “a EN de matiz aristotélica vê as ações e as decisões como expressão do caráter e dos hábitos dos indivíduos no seu contexto organizacional” (LOZANO, 1999LOZANO, J. M. Ética y empresa. Madrid: Editorial Trota, 1999., p. 194). A indicação do indivíduo deveria estar presente em algum momento do marco referencial da EN. Pensar o indivíduo fora de seu contexto resultaria em um esforço teórico de pouca aplicabilidade prática, mas pensá-lo inserido na dialética hábito-costume, dentro da dimensão cultural, nos permite compreender a importância da cultura organizacional sobre a atuação das pessoas e das pessoas sobre a cultura da empresa.

Em seguida, passamos a discutir a interface entre relações de trabalho e a responsabilidade social empresarial, objeto de nossa pesquisa que originou este artigo, que nos remete ao espaço relativo ao stakeholder público interno, trabalhadores da empresa, e à relação desta com aqueles, às práticas de gestão de pessoas voltadas para esses aspectos.

4 A INTERFACE ENTRE RELAÇÕES DE TRABALHO E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

Como salientado anteriormente, para Melo Neto e Froes (1999MELO NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade Social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark , 1999., 2001MELO NETO, F. P.; FROES, C. Gestão da responsabilidade social corporativa. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.), o exercício da responsabilidade social interna focaliza o público-interno da empresa, ou seja, seus empregados, objeto de nossa pesquisa. Os autores destacam as principais ações desse tipo desenvolvidas pelas empresas:

  • investimentos no bem-estar dos empregados e seus dependentes: respeito aos direitos trabalhistas, preservação da privacidade pessoal, liberdade de expressão em defesa de seus direitos, programas de remuneração e participação nos resultados, assistência médica, social, odontológica, alimentar e de transporte;

  • investimentos na qualificação dos empregados: programas internos de treinamento e capacitação; programas de financiamento de cursos externos, regulares ou não, realizados por seus funcionários com vistas a sua maior qualificação profissional e/ou obtenção de escolaridade mínima.

A responsabilidade social interna compreende, também, para Melo Neto e Froes (2001MELO NETO, F. P.; FROES, C. Gestão da responsabilidade social corporativa. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.), áreas como a gestão do trabalho, a gestão do ambiente de trabalho, a gestão da relevância social da vida no trabalho e a gestão dos direitos dos empregados.

A gestão do trabalho envolve questões relacionadas à duração da jornada de trabalho, à distribuição da carga de trabalho, à criação de novas formas de organização do trabalho, ao desenho de cargos e postos de trabalho, materiais e equipamentos, desenvolvimento de habilidades e capacidades, gestão de benefícios e remuneração, pagamento de dividendos e assistência médico-odontológica.

A gestão do ambiente de trabalho, em seu sentido mais restrito, envolve ações de melhoria no ambiente de trabalho (clima, cultura, meio ambiente físico, aspectos ergonômicos, estresse), integração, relacionamento e participação.

A gestão da relevância social da vida no trabalho compreende a visão do empregado quanto à imagem e ao exercício da responsabilidade social da empresa, à qualidade de seus produtos e serviços e a sua valorização e participação no trabalho. A gestão do trabalho e “espaço total de vida” inclui aspectos como equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

A gestão dos direitos dos empregados envolve os direitos trabalhistas, a preservação da privacidade pessoal dos empregados e a liberdade de expressão dos trabalhadores dentro da empresa em defesa de seus direitos. Inclui também a gestão do crescimento e desenvolvimento pessoal dos empregados, perspectivas de carreira e segurança no emprego (MELO NETO; FROES, 2001MELO NETO, F. P.; FROES, C. Gestão da responsabilidade social corporativa. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.).

Segundo Vergara e Branco (2001VERGARA, S. C.; BRANCO, P. D. Empresa humanizada: a organização necessária e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 20-30, abr./jun. 2001., p. 22), empresa socialmente responsável é sinônimo de empresa “humanizada”, ou seja, “é aquela que está voltada para seus funcionários e/ou para o ambiente, procurando agregar outros valores além de somente a maximização dos lucros e do retorno para os acionistas”. Para os autores, a empresa humanizada realiza ações que promovem a melhoria da qualidade de vida no trabalho, além do cumprimento de suas obrigações trabalhistas. Para Cheibub e Locke (2002CHEIBUB, Z. B.; LOCKE, R. M. Valores ou interesses?: reflexões sobre a responsabilidade social das empresas. In: KIRSCHNER, A. M.; GOMES, E. R.; CAPPELLIN, P. Empresa, empresários e globalização. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p.279-271., p. 290), uma empresa socialmente responsável, do ponto de vista interno, é uma empresa “boa empregadora”, ou seja, uma empresa que assegura uma atmosfera de justiça nas relações de trabalho, trata seus trabalhadores como pessoas morais, dignas de respeito e consideração, e pagam salários que permitam condições de vida razoáveis.

Um dos aspectos complicadores da atuação social das empresas é que muitas vezes pode-se caminhar para intervenções na comunidade e na sociedade em geral sem que ações consistentes aconteçam no nível do público interno. Se, com as transformações no mundo do trabalho, ocorridas nas últimas décadas, os trabalhadores viram várias de suas conquistas sociais retrocederem, como aponta Antunes (1999ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afrmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.), estratégias mais recentes de gestão têm se pautado pelo frequente recurso a demissões em massa e terceirizações (DAVIS, 1999DAVIS, W. Mitos da administração: o que você pensa que sabe pode estar errado. São Paulo: Negócio Editora, 1999.; WOOD JR., 2002WOOD JR., T. Executivos neuróticos, empresas nervosas. São Paulo: Negócio Editora, 2002.), que diminuem muito a segurança no emprego e acentuam a debilidade das conquistas sociais na esfera das práticas gerenciais voltadas ao público interno. Sendo assim, investimento social comunitário e em defesa de direitos sociais ampliados pode conviver com retrocessos nas condições de trabalho, na estrutura salarial, na participação dos trabalhadores nos processos decisórios das corporações, dentre outros aspectos das práticas de gestão de pessoas.

Para Bullara (2003BULLARA, C. F. C. As exigências de uma política de responsabilidade social. In: VI CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE ÉTICA, NEGÓCIOS E ECONOMIA, 6., 2003, São Paulo. Anais... Buenos Aires: ALENE, 2003.), ser uma empresa socialmente responsável não significa somente dar vida a um projeto educativo ou realizar algumas ações de melhoria na prática dos negócios. Isso não deixa de ser positivo, mas não é tudo. A empresa precisa desenvolver internamente pessoas que sejam socialmente responsáveis. Somente contando com pessoas capazes de pensar e agir dessa forma pode-se desenvolver internamente a cultura da responsabilidade social e fazer que ela transcenda os limites da empresa. Para Corrêa e Medeiros (2003CORRÊA, F. T. B. S.; MEDEIROS, J. R. C. Responsabilidade social corporativa para quem? In: GARCIA, B. G. (Colab.). Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Editora Peirópolis, 2003. v. II. p.151-199., p. 193), o empregado é capaz de contribuir espontaneamente para a organização quando estimulado por iniciativas da empresa que suplantem o campo formal e legislativo ou, em outras palavras, o da relação de troca econômica.

Conforme Orchis, Yung e Morales (2002ORCHIS, M. A.; YUNG, M. T.; MORALES, S. C. Impactos da responsabilidade social nos objetivos e estratégias empresariais. In: GARCIA, B. G. (Colab.). Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Editora Peirópolis , 2002. v.1. p. 37-70, p. 58), a responsabilidade social com seu público interno resulta em “...maior produtividade, comprometimento e motivação, assim como em menor rotatividade de mão de obra”. Isso afeta de forma positiva a qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Da mesma forma, para Srour (2000SROUR, R. H. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais. Rio de Janeiro: Campus, 2000.), o aumento do envolvimento dos funcionários nos processos decisórios frequentemente diminui a taxa de defeitos e a quantidade de bens invendáveis. De acordo com o autor, um estudo do Medstat Group and the American Productivity and Quality Center, realizado entre quinze das maiores firmas empregadoras dos Estados Unidos, constatou que os benefícios oferecidos aos funcionários, na área de saúde, aumentam a produtividade e diminuem em 30% os custos do absenteísmo, das licenças por doença e da procura por cuidados médicos. As companhias também encontram mais facilidade para recrutar os melhores empregados e para reduzir a rotatividade.

Para Vergara e Branco (2001VERGARA, S. C.; BRANCO, P. D. Empresa humanizada: a organização necessária e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 20-30, abr./jun. 2001., p. 30), profissionais talentosos estarão, cada vez mais, sentindo-se atraídos por empresas comprometidas com o crescimento das pessoas e com causas sociais e ecológicas. Se clientes fiéis e empregados talentosos compõem, sem dúvida, um grande diferencial competitivo, “empresas humanizadas serão, cada vez mais, necessárias e possíveis”, lembram os autores.

Na área de relações de trabalho, muitos autores salientam que as empresas querem o compromisso do trabalhador com os seus objetivos, mas não dão as condições para tal. Davel e Vergara (2001DAVEL, E.; VERGARA, S. (Org.). Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2001.) referem-se ao caráter paradoxal, contraditório, entre a teoria e a prática da gestão de recursos humanos que, por um lado, busca espírito de equipe, comprometimento e, por outro lado, demanda atitudes individualistas, empregabilidade e adaptabilidade. Para os autores, apesar do discurso de que as pessoas são estratégicas, o que se vê é seu enquadramento em programas de racionalização de custos através da redução de pessoal e a busca desmedida de flexibilidade, por meio de trabalho temporário e terceirização, via de regra mais precário que o trabalho dos empregados contratados diretamente.

Portanto, como aponta Freitas (1999FREITAS, Maria Ester. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma. Rio de janeiro: Editora FGV, 1999.), embora o discurso das organizações priorize a responsabilidade social, elas mantêm uma relação com seus funcionários fundamentada no descompromisso. As empresas pregam a empregabilidade, em que cada um se torna responsável por buscar o que lhe falta para que possa desenvolver sua carreira, sendo qualquer falha culpa do próprio indivíduo, que não desenvolveu as competências que a organização desejava ou priorizou outras, assim como os cortes de pessoal promovidos pelas empresas são justificados pela luta pela sobrevivência.

Para Child e Rodrigues (2003CHILD, J.; RODRIGUES, S. B. Repairing the breach of trust in corporate governance. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 27., 2003, Atibaia. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD , 2003. p.1-12., p. 3), a habilidade da gerência do topo da hierarquia empresarial em assegurar os compromissos trabalhistas tem se tornado cada vez menor, pela falta de confiança entre empregadores e empregados, ocorrência presente em diversas empresas. A perda de confiança tem sido acentuada pela maneira de as empresas “virarem as costas” a seus empregados depois de prometer melhores coisas.

Feitas essas colocações, fica claro que a RSE voltada para o público interno constitui-se em área sensível da gestão, ainda vítima de desencontro entre discurso e prática.

5 METODOLOGIA

A partir do momento em que concebemos o conceito de Responsabilidade Social Empresarial como algo que se articula com a ética e com todos os stakeholders da empresa, vimos a necessidade de ter um modelo de Ética de Negócios como referência para que essa articulação seja feita de forma adequada. Desse modo, evitamos o risco de que a variável ética do modelo de RSE converta-se em instrumento ideológico, na medida em que o caráter ético de iniciativas organizacionais isoladas seja universalizado para toda a atuação da empresa, efetivando-se, assim, uma abstração que leve a crer que empresas que desenvolvem projetos sociais, ou ambientais, por exemplo, são necessariamente éticas.

Do diálogo entre a RSE e a EN, deduzimos a necessidade de articulação da responsabilidade social com valores de humanidade e com o seu enraizamento na cultura organizacional. A empresa deve, pois, ser testemunha dos valores que afirma, de modo que a sua prática seja consistente com o seu discurso. Articulam-se, assim, o princípio da consistência, proposto por Arruda e Navran (2000ARRUDA, M. C. C.; NAVRAN, F. Indicadores de clima ético nas empresas. Revista de Administração de empresas, São Paulo, v. 40, n.3, p. 26-35, jul./set. 2000.) e a condição esotérica por nós proposta. A partir dessas afirmações, podemos considerar que o público interno se configura como stakeholder privilegiado para as pesquisas que buscam verificar a congruência entre discurso e práticas organizacionais. Justamente essa prerrogativa levou-nos a investigar a responsabilidade social da empresa para com seus trabalhadores. Para uma empresa ética, sendo “casa de ferreiro” o “espeto não pode ser de pau”- tem que ser de ferro.

Do estudo sobre os stakeholders, constatamos que é muito comum referir-se aos stakeholders, porém sem ouvi-los. Não poderia ser diferente em nossa pesquisa. Além de ouvir os gestores de recursos humanos, pareceu-nos fundamental ouvir os trabalhadores e também os sindicatos.

Do estudo sobre a ética afirmativa de humanidade, geralmente objetivada nos Códigos de Ética empresariais, deduzimos a importância de realizar a análise dos documentos formais da empresa, como Código de Ética e similares.

O objetivo geral da pesquisa é analisar as práticas gerenciais voltadas ao público interno desenvolvidas por empresas signatárias do programa Global Compact em Minas Gerais, avaliando os avanços, dilemas e possibilidades de aprofundamento da postura ética nos negócios com relação ao tratamento de seus trabalhadores. Os objetivos específicos são:

  • analisar a percepção e o posicionamento de gestores, trabalhadores e representantes dos trabalhadores quanto à Responsabilidade Social da empresa perante o público interno;

  • detectar e analisar as práticas gerenciais voltadas ao público interno desenvolvidas pelas organizações estudadas, nas seguintes dimensões dos modelos de gestão:

  • relações com sindicatos e outros órgãos de representação dos trabalhadores;

  • participação dos trabalhadores nos processos decisórios da organização;

  • política de salários e benefícios;

  • incentivo à diversidade no ambiente de trabalho, seja por gênero, raça, idade e/ou outras características, como portadores de necessidades especiais;

  • combate ao trabalho infantil;

  • serviços de suporte à saúde do trabalhador;

  • treinamento e desenvolvimento de recursos humanos;

  • manutenção de vínculos formais e informais com a mão de obra trabalhadora.

Espera-se, com a pesquisa, lançar um olhar acadêmico-científico sobre o engajamento das empresas em movimentos de responsabilidade social, tanto teórica quanto metodologicamente, e também avançar na compreensão dos fatores que impulsionam empresas a aderirem voluntariamente a mecanismos de autorregulação como o Global Compact, detectando os ganhos para trabalhadores impactados pelo programa e para as empresas privadas. Por fim, almeja-se detectar e analisar os impactos efetivos do compromisso empresarial com a Agenda Global Compact nas práticas gerenciais voltadas para o público interno desenvolvidas pelas organizações em análise, apontando possibilidades, dilemas e desafios encontrados para o avanço da postura ética nos negócios.

O objeto de estudo consiste nas práticas gerenciais voltadas para os trabalhadores de empresas signatárias do compromisso “Global Compact”, constante da agenda das Nações Unidas. As empresas signatárias se comprometem a praticar políticas de gestão de recursos humanos que propiciem o combate ao trabalho infantil, ao trabalho escravo e a toda forma de discriminação no ambiente de trabalho, além de promoverem o respeito ao direito de organização sindical e de negociação coletiva. Essas empresas são também associadas ao Instituto Ethos. A escolha das empresas mineiras e/ou operando em Minas Gerais, signatárias do Global Compact, serviu de filtro para a seleção do universo de pesquisa.

A estratégia de pesquisa recaiu em estudo comparativo, de natureza descritiva e qualitativa, mais adequado para esse tipo de proposta, uma vez que pretende-se também comparar as práticas gerenciais de recursos humanos dessas empresas.

Como variáveis de análise, valemo-nos dos indicadores do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que apresentam os seguintes aspectos:

  1. Diálogo e participação

    • Relações com sindicatos

    • Gestão participativa

    • Participação nos resultados das empresas

  2. Respeito ao indivíduo

    • Combate ao trabalho infantil

    • Valorização diversidade (oportunidades iguais a pessoas com diferenças em relação a sexo, raça, idade, portadoras de necessidades especiais)

  3. Respeito ao trabalhador

    • Alternativas a demissões

    • Capacitação/qualificação profissional

    • Cuidados com saúde

    • Preparação para aposentadoria

Esses indicadores materializam os princípios referentes a direitos humanos e trabalho do Global Compact. O Instituto Ethos disponibiliza os Indicadores como instrumento de autoavaliação das empresas e recebe os dados anualmente, via comunicação eletrônica; as respostas, no entanto, são dadas, em geral, por gestores, que nem sequer identificam seu grau de responsabilidade na empresa, além de o instrumento não ouvir quaisquer outros atores sociais, como a representação sindical dos trabalhadores, e muito menos os próprios trabalhadores. Pesquisa como a que propomos, feita em profundidade sobre os indicadores Ethos in loco e envolvendo não só os gestores, permitirá ricos elementos de análise para o campo acadêmico de gestão social, para empresas, trabalhadores, sindicatos e órgãos governamentais.

As técnicas de coleta de informações para o estudo em questão foram: análise documental; entrevistas semiestuturadas com os gestores e representantes do sindicato dos trabalhadores; e questionário fechado para amostra representativa dos trabalhadores, que receberá tratamento estatístico. A análise documental contemplou regulamentos/normas de conduta, códigos de ética empresariais, jornais, boletins, house organs e outros tipos de publicações dos sindicatos de trabalhadores das empresas pesquisadas e das próprias empresas. O questionário foi feito com base nos Indicadores Ethos de Responsabilidade Social, de modo que as alternativas de respostas para cada um dos itens, em seus quatro níveis, foram dispostas de pé. Para cada uma das proposições, o respondente pôde escolher entre as alternativas “Sim”, “Não”, “Não Sei” e “Prefiro Não Responder”. Cada uma dessas proposições serviu de roteiro para a entrevista com os gestores da empresa e com os representantes do Sindicato.

A amostra da pesquisa constituiu-se de quatro grandes empresas, todas signatárias da Agenda Global Compact, sediadas no Estado de Minas Gerais, Brasil. Pretendemos confrontar as respostas dadas pelos gestores com aquelas dadas pelos trabalhadores e com as dos representantes dos sindicatos dos trabalhadores. Os dados serão analisados de modo a buscar os pontos convergentes e os pontos divergentes entre os três públicos respondentes em cada empresa, em um primeiro momento, e nas quatro empresas em conjunto, em um momento posterior.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados preliminares indicam que a maior dificuldade de acesso aos empregados se deu nas empresas que dispõem de um Instituto, ou Fundação, encarregado da política de RSE. Nem todas as empresas permitiram a realização do questionário com os empregados, embora todas tenham se disponibilizado a realizar as entrevistas com o gestor de Recursos Humanos. A empresa que se mostrou mais aberta para a pesquisa com os empregados não tem um instituto ou fundação. Empresas que constituíram instituto ou fundação para gerir a responsabilidade social vedaram o acesso aos funcionários ou resistiram a sua realização, chegando, inclusive, a considerar o questionário, baseado nos Indicadores Ethos (ao qual são filiadas), um desnecessário inventário sobre “clima organizacional”.

Nossa amostra indicou que o stakeholder privilegiado de institutos ou fundações é a comunidade, com projetos principalmente na área de educação. Em várias empresas, só depois de bastante insistência conseguimos convencer a alta direção de que o programa de RSE não se constituía somente nos programas sociais com a comunidade, mas que também havia uma dimensão relativa ao público interno. A tônica comum foi, ao indagarmos ao gestor responsável pelo programa de RSE das empresas em relação ao público interno, que este mostrasse desconhecimento, passando a entrevista para o diretor de RH, com o qual já havíamos também preagendado entrevista. Ou seja, os gestores de RSE dessas empresas tratam a RSE prioritariamente como o conjunto de programas em relação à comunidade/sociedade. As dimensões externa e interna da RSE são geridas por setores distintos nas grandes empresas, o que não seria um problema se esses setores não mostrassem a falta de integração que demonstraram.

Outra hipótese, a ser verificada na pesquisa, é se a responsabilidade social perante o público interno tem seu ponto forte na política de benefícios, como plano de saúde, planos habitacionais, planos de aposentadoria, participação nos lucros e resultados. Dados preliminares indicam que essa hipótese não deve ser verificada, pois as empresas da amostra demonstraram preocupação significativa também com a saúde e segurança do trabalhador, com a não discriminação no trabalho e a não utilização de mão de obra infantil.

Por outro lado, dados preliminares indicam que as empresas pesquisadas não concordam com o Instituto Ethos no quesito participação. Para o Instituto Ethos, o nível ideal de participação dos empregados na gestão da empresa é aquele em que se prevê sua participação em comitês de gestão ou no Conselho de Administração, com o fornecimento do treinamento necessário para a participação da formulação da estratégia da empresa. Essa não parece ser a participação desejável das primeiras empresas pesquisadas, que consideraram a formulação da estratégia “atributo exclusivo dos acionistas e diretores”. Os trabalhadores são convidados a participar não da definição da estratégia, mas de seu processo de implementação, tendo no propalado discurso que aponta as virtudes do trabalho em equipe seu lugar-comum nas respostas dos gestores por nós entrevistados.

Outra hipótese para a qual já temos dados diz respeito ao papel do Global Compact no processo de desenvolvimento da responsabilidade social da empresa. A adesão a essa agenda das Nações Unidas em nada teria contribuído para o desenvolvimento do compromisso social da empresa, visto que elas reconhecem que seus princípios são muito abstratos e que a adesão ocorreu bem depois da organização da RSE.

A agenda de pesquisa indicada pelos resultados parciais dessa investigação aponta três hipóteses e uma contribuição teórica. A primeira hipótese que pode ser investigada em futuras pesquisas diz respeito ao papel das Fundações e Institutos criados por empresas. Estão elas mais preocupadas com a responsabilidade social perante stakeholders externos à empresa em detrimento da atenção aos trabalhadores da empresa? Outra hipótese está relacionada à gestão de recursos humanos: será que a estratégia utilizada pelo RH das empresas há décadas com seus empregados foi renomeada como responsabilidade social empresarial? Pode-se perguntar se a RSE é um novo e diferente discurso para velhas práticas nas relações de trabalho.

Essas hipóteses são fundamentadas em resultados parciais de pesquisa e sugerem que a RSE vem sendo orientada não pela ética de afirmação do princípio de humanidade (ética da convicção), nem pela ética geradora de moral convencional (ética da virtude), mas pela ética da responsabilidade. Tal proposição pode gerar outra hipótese: a responsabilidade social empresarial no Brasil é baseada principalmente na orientação da responsabilidade, o que pode vir a impedir estratégias de negócios mais substantivas para ética empresarial. Nessa perspectiva, o modelo teórico de referência proposto por Patrus-Pena e Castro (2010PATRUS-PENA, R.; CASTRO, P. P. Ética nos negócios: condições, desafios e riscos. São Paulo: Editora Atlas, 2010.), configurado como uma interseção entre três círculos, cada um representando os três tipos de ética, deve ser representado como de forma desbalanceada e fragmentada, em um retrato diferente, inspirado na Abordagem dos Três Domínios de Schwartz e Carroll (2003SCHWARTZ, M. S.; CARROLL, A. B. Corporate social responsibility: a three-domain approach. Business Ethics Quarterly, Charlottesville, v. 13, n. 4, p. 503-530, Oct. 2003.) (veja figura 2). Esse retrato da Ética nos Negócios é, queremos crer, uma importante contribuição teórica apontada neste artigo.

Figura 2:
Ética nos negócios orientada pela Ética da Responsabilidade.

Esses resultados iniciais apontam as contradições relacionadas ao impacto da Agenda do Global Compact nas políticas gerenciais e estratégias da RSE nas empresas pesquisadas. A agenda de pesquisa pode ser estendida a outros países além do Brasil, o que permitirá estudos comparativos sobre a ação das empresas em economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Nesse tipo de investigação, a Ética nos Negócios orientada pela Ética da Responsabilidade desenvolvida por nossos estudos pode ser uma abordagem teórica útil para avançar nos estudos comparativos sobre as estratégias de RSE em países diferentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2012
  • Aceito
    19 Mar 2013
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