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Alocação de valor ao stakeholder funcionário e o efeito na competitividade do setor bancário

Resumo

Objetivo:

Investigar a relação entre as práticas de responsabilidade social corporativa (RSC) voltadas para o stakeholder funcionário e a competitividade de bancos brasileiros.

Metodologia:

Realizaram-se duas análises estatísticas de associação entre as proxies de competitividade e as variáveis indicativas da responsabilidade social interna: o teste de Jonckheere-Terpstra e a análise de regressão com modelagem Feasible Generalized Least Squares (FGLS). A amostra é composta por 21 bancos com ações negociadas na BM&FBovespa no período de 2010 a 2014.

Resultados:

As práticas de RSC voltadas aos funcionários impactam o desempenho financeiro dos bancos. A remuneração dos funcionários tem uma relação positiva com o desempenho financeiro, e o índice de terceirização tem uma relação negativa, explicadas por uma maior produtividade dos funcionários. A rotatividade de pessoal e a participação feminina nos órgãos de gestão e governança estão diretamente relacionadas com os indicadores de competitividade, de forma negativa e positiva, respectivamente, sem relação com a produtividade dos funcionários.

Contribuições:

Os bancos que apresentam melhores práticas de RSC com seus funcionários têm ganhos financeiros superiores e mais produtividade. Existem itens específicos com potencial para desenvolver uma posição competitiva, agregando valor às empresas e ao funcionário. A pesquisa sustenta o argumento da necessidade de os gestores identificarem práticas de RSC que adicionam valor à firma e dos benefícios oriundos da alocação de valor ao stakeholder funcionário.

Palavras-chave:
Responsabilidade social corporativa; stakeholders; competitividade; setor bancário; alocação de valor

Abstract

Purpose:

This paper investigates the relationship between corporate social responsibility practices geared towards stakeholder employees and the competitiveness and productivity of Brazilian banks.

Design/methodology/approach:

We carried out two association statistical analyses between the proxies of competitiveness and the variables that indicated of internal social responsibility: the Jonckheere-Terpstra test and regression analysis with Feasible Generalized Least Squares (FGLS) modeling. The sample is made up of 21 banks listed in BM&FBovespa over the 2010-2014 period.

Findings:

The survey shows that corporate social responsibility practices geared towards employees impact the financial performance of banks. Employees’ salaries positively affected financial performance, and the latter was negatively affected by the rate of outsourcing, both explained by greater employee productivity. Employee turnover and female participation in management and governance bodies are directly related to competitiveness indicators, in a negative and positive way, respectively, with no regard to employee productivity.

Originality/value:

Banks that offer better CSR practices to their employees present greater financial gains and increased employee productivity. There are specific items that have the potential to lead to a competitive status, adding value to businesses and employees. This research argues that managers should identify the CSR practices that add value to their companies and the benefits derived from value allocation to employees.

Keywords:
Corporate social responsibility; stakeholders; competitiveness, banks, value allocation

1 Introdução

Existe uma relação de múltipla dependência entre as empresas e as partes interessadas (stakeholders) no processo de captação de recursos e de fornecimento de bens e serviços. Nesse contexto, a responsabilidade social corporativa (RSC) é abordada não apenas como uma obrigação moral da empresa para com a sociedade, mas como uma forma de alinhar os interesses da empresa com seus stakeholders, no intuito de reduzir riscos e garantir a continuidade do negócio. As práticas de RSC podem ser internas (i.e., direcionadas a ações relacionadas aos funcionários), externas (i.e., relativas a públicos externos - como clientes, governo e fornecedores) - e ambientais (i.e., relacionadas com a proteção do meio ambiente) (Crisóstomo, Freire & Vasconcelos, 2011Crisóstomo, V. L., Freire, F. S., & Vasconcellos, F. C. (2011). Corporate social responsibility, firm value and financial performance in Brazil. Social Responsibility Journal, 7(2), 295-309.).

Dentre essas dimensões, a RSC interna é um vetor primário do desempenho financeiro, uma vez que os funcionários fornecem a força de trabalho necessária para a execução das atividades produtivas. A relação da empresa com seus funcionários aumenta a satisfação e a motivação, que podem refletir no desempenho financeiro da empresa por meio da maior produtividade dos funcionários (Boaventura, 2012Boaventura, J. M. G. (2012). Dominância de stakeholders em empresas brasileiras: Contribuições à teoria dos stakeholders (Tese de livre docência). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Huselid, 1995Huselid, M. A. (1995). The impact of human resource management practices on turnover, productivity, and corporate financial performance. Academy of Management Journal, 38(3), 635-672.; Huselid, Jackson & Schuler, 1997Huselid, M. A., Jackson, S. E., & Schuler, R. S. (1997). Technical and strategic human resources management effectiveness as determinants of firm performance. Academy of Management Journal, 40(1), 171-188.). Quanto ao setor bancário, a RSC interna torna-se ainda mais relevante para o desempenho financeiro, podendo ser uma fonte de vantagem competitiva. Bartel (2004Bartel, A. P. (2004). Human resource management and organizational performance: Evidence from retail banking. Industrial & Labor Relations Review, 57(2), 181-203.) sugere que o contato direto entre cliente e funcionário no setor de serviços exige a ampla adoção de práticas socialmente responsáveis.

A partir dessa análise, surge o seguinte problema de pesquisa: Qual é a relação entre a adoção de práticas de RSC voltadas para o stakeholder funcionário e a competitividade do setor bancário brasileiro? O trabalho discute a alocação de valor ao stakeholder funcionário por meio da adoção de práticas de responsabilidade social e do diferencial competitivo no setor bancário brasileiro, contribuindo para uma maior produtividade dos funcionários e um desempenho financeiro superior, contrariamente à política de redução de custos e precarização das condições de trabalho em prol de ganhos de produtividade.

Este trabalho parte, portanto, do pressuposto de que a alocação de valor ao stakeholder funcionário pode trazer ganhos de competitividade. Esses ganhos advêm da maior satisfação com o trabalho, produtividade e comprometimento organizacional. O enfoque sobre competitividade está voltado para seus impactos sobre indicadores de desempenho financeiro, como eficiência, crescimento ou lucratividade (Hamel & Prahalad, 1989Hamel, G., & Prahalad, C. K. (1989). Strategic intent. Harvard Business Review, 67(3), 63-78.). Nesse contexto, destaca-se o trabalho de Brito e Brito (2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.), que propõem a mensuração do desempenho financeiro a partir da rentabilidade e do crescimento das vendas como uma proxy da vantagem competitiva.

Como as relações entre RSC e competitividade ainda não estão totalmente claras, a questão reside em torno da identificação de políticas ou estratégias que possam desenvolver uma RSC que fortaleça fatores de competitividade. Desse modo, o trabalho analisa a relação entre as práticas de responsabilidade social corporativa direcionadas aos funcionários e a competitividade dos bancos brasileiros, explicada pela maior produtividade de funcionários em empresas que têm melhores práticas de gestão de pessoas.

Para atingir o objetivo proposto, a próxima sessão apresenta o referencial teórico, que contempla a influência das práticas de RSC voltadas ao stakeholder funcionário no desempenho organizacional e as hipóteses da pesquisa. Em seguida, é apresentada a metodologia adotada na coleta de dados nas práticas de RSC internas de 21 bancos com ações listadas na BM&FBovespa e seu impacto sobre o desempenho financeiro dessas instituições no período de 2010 a 2014. Na sequência, são apresentados os resultados e sua discussão e, por fim, as considerações finais do estudo.

2 Referencial teórico

2.1 Impacto da responsabilidade social corporativa e do gerenciamento dos stakeholders sobre a competitividade

A competitividade é um constructo latente, observada através da posição de uma determinada empresa em relação a seus concorrentes (Brito & Brito, 2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.). Vilanova, Lozano e Arenas (2009Vilanova, M., Lozano, J. M., & Arenas, D. (2009). Exploring the nature of the relationship between CSR and competitiveness. Journal of Business Ethics, 87(1), 57-69.) ressaltam que a noção geral sobre competitividade é definida pelo mercado, de modo que seus fatores críticos são respondidos pela visão de como os analistas financeiros avaliam a empresa. Ajitabh e Momaya (2004Ajitabh, A., & Momaya, K. S. (2004). Competitiveness of firms: Review of theory, frameworks and models. Singapore Management Review, 26(1), 45-61.) propõem que a competitividade seja categorizada a partir de cinco dimensões fundamentais: desempenho financeiro, no qual destaca-se lucro e crescimento de vendas (Hamel & Prahalad, 1989Hamel, G., & Prahalad, C. K. (1989). Strategic intent. Harvard Business Review, 67(3), 63-78.); qualidade do produto/serviço, que diz respeito a satisfazer a necessidade dos clientes (Barney, 2000Barney, J. B. (2000). Firm resources and sustained competitive advantage. Advances in Strategic Management, 17(1), 203-227.); produtividade em termos de eficiência; inovação de produto/serviço ou do processo de gestão e imagem, no qual se evidencia a marca para alcançar boa reputação; e confiança no relacionamento com os stakeholders (Kay, 1993Kay, J. (1993). Foundations of corporate success: How business strategies add value. Oxford: Oxford Paperbacks.).

Motivadas por uma intensa competitividade no mercado, as empresas passaram a considerar o seu relacionamento com seus stakeholders no sentido de potencializar essas relações para obter vantagem competitiva, o que implica reconhecer e compensar um comportamento solidário, ético e transparente. (Feitosa, Souza, & Gómez, 2014Feitosa, M. J. S., Souza, N. M. O., & Gómez, C. R. P. (2014). Princípios da responsabilidade social empresarial nas relações “empresa-stakeholders” como fonte de vantagem competitiva. REUNIR: Revista de Administração, Contabilidade e Sustentabilidade, 4(1), 42-61.). Garcia-Castro e Aguilera (2015Garcia-Castro, R., & Aguilera, R. V. (2015). Incremental value creation and appropriation in a world with multiple stakeholders. Strategic Management Journal, 36(1), 137-147.) reforçam o conceito de stakeholders como qualquer grupo ou indivíduos que criam e capturam valor econômico em suas interações com a firma.

As partes interessadas que são bem tratadas tendem a retribuir com atitudes e comportamentos positivos, o que torna a gestão dos stakeholders um eficiente para meio para alcançar vantagens competitivas (Harrison, Freeman & Abreu, 2015Harrison, J. S., Freeman, R. E., & Abreu, M. C. S. (2015). Stakeholder theory as an ethical approach to effective management: Applying the theory to multiple contexts. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 17(55), 858-869.). De acordo com Maloni e Brown (2006Maloni, M. J., & Brown, M. E. (2006). Corporate social responsibility in the supply chain: An application in the food industry. Journal of Business Ethics, 68(1), 35-52.), o comportamento ético, social e ambientalmente responsável pode ser percebido por várias categorias de stakeholders, como clientes, funcionários, governos, comunidades, investidores, fornecedores, órgãos do governo, mídia e ONGs, mas para que isso aconteça é necessário que as empresas internalizem princípios de responsabilidade social corporativa (RSC).

A RSC corresponde à integração voluntária por parte da empresa em questões sociais e ambientais, mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio com o funcionamento das atividades da organização e a garantia de um bom relacionamento com seus stakeholders (European Comission, 2002European Commission (2002). Directorate-General for Employment, & Social Affairs. Unit D. Corporate Social Responsibility: A business contribution to sustainable development. Office for Official Publications of the European Communities.). A abordagem da RSC pode ser compreendida a partir de diversas perspectivas, tais como: instrumento de desempenho social (Carroll, 1979Carroll, A. B. (1979). A three-dimensional conceptual model of corporate performance. Academy of Management Review, 4(4), 497-505.; Swanson, 1995Swanson, D. L. (1995). Addressing a theoretical problem by reorienting the corporate social performance model. Academy of management review, 20(1), 43-64.), modelo de ética empresarial (Solomon, 1993Solomon, R. C. (1993). Ethics and Excellence.Cooperation and Integrity in Business. Oxford: Oxford University Press.), forma de exercer a governança corporativa (Freeman & Evans, 1990Freeman, R. E., & Evan, W. M. (1990). Corporate governance: A stakeholder interpretation. Journal of Behavioral Economics, 19(4), 337-359.), modelo de contrato social (Donaldson & Dunfee, 2002Donaldson, T., & Dunfee, T. W. (2002). Ties that bind in business ethics: Social contracts and why they matter. Journal of Banking & Finance, 26(9), 1853-1865.), artifício de cidadania corporativa (Waddock, 2000Waddock, S. (2000). The multiple bottom lines of corporate citizenship: Social investing, reputation, and responsibility audits. Business & Society Review, 105(3), 323-346.; Zadek, 2006Zadek, S. (2006), Responsible competitiveness: Reshaping global markets through responsible business. Corporate Governance: The International Journal of Effective Board Performance, 6(4), 334-348.), modelo de prestação de contas (Elkington, 1998Elkington, J. (1998). Cannibals with forks: The triple bottom line of 21st century business. Canada: New Society Publishers.) e mecanismo para o gerenciamento de stakeholders (Donaldson & Preston, 1995Donaldson, T., & Preston, L. E. (1995). The stakeholder theory of the corporation: Concepts, evidence, and implications. Academy of Management Review, 20(1), 65-91.; Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: A stakeholder approach. Boston: Pitman Publishing.; Lozano, 2002Lozano, J. M. (2002). Towards the relational corporation: From managing stakeholder relations to building stakeholder relationships (Waiting for Copernicus). Corporate Governance , 5(2), 60-77.).

A visão instrumental da teoria dos stakeholders deu origem a um conceito conhecido como gerenciamento de stakeholders, que defende que as práticas de RSC só serão plenas quando forem completamente absorvidas por stakeholders internos, ou seja, os funcionários (Feitosa et al., 2014Feitosa, M. J. S., Souza, N. M. O., & Gómez, C. R. P. (2014). Princípios da responsabilidade social empresarial nas relações “empresa-stakeholders” como fonte de vantagem competitiva. REUNIR: Revista de Administração, Contabilidade e Sustentabilidade, 4(1), 42-61.). Desse modo, práticas socialmente responsáveis constroem um conjunto de princípios éticos, como confiança, credibilidade e cooperativismo, que dão condições para o alcance de vantagem competitiva. Jones (1995Jones, T. M. (1995). Instrumental stakeholder theory: A synthesis of ethics and economics. Academy of Management Review, 20(2), 404-437.) acredita que os gerentes que se relacionam com seus stakeholders em um regime de confiança mútua e cooperação certamente alcançarão vantagem competitiva.

Margolis e Walsh (2003Margolis, J. D., & Walsh, J. P. (2003). Misery loves companies: Rethinking social initiatives by business. Administrative Science Quarterly, 48(2), 268-305.) ressaltam que quando os gestores passam a compreender o aspecto instrumental da RSC, naturalmente o conjunto de práticas sócio e ambientalmente responsáveis deixa de ser uma obrigação, e passa a ser um meio para atingir os objetivos estratégicos da firma. Freeman, Harrison, Wicks, Parmar e Colle (2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B. L., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: The state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.) também salientam a importância da responsabilidade social corporativa para manter um bom relacionamento com as partes interessadas. A empresa precisa, portanto, medir sua capacidade de responder de forma eficaz aos públicos com os quais ela interage. Nesse sentido, os relatórios socioambientais podem revelar como as empresas têm respondido determinadas demandas dos stakeholders.

Vilanova et al. (2009Vilanova, M., Lozano, J. M., & Arenas, D. (2009). Exploring the nature of the relationship between CSR and competitiveness. Journal of Business Ethics, 87(1), 57-69.) destacam que poucas firmas adotam uma RSC altruísta. Em vez disso, mostram o interesse de se aproximar das práticas de RSC como um meio para obter reputação louvável, atrair clientes preocupados com as questões sociais e ambientais, além de conceder, se questionados, uma resposta razoável aos acionistas. Oliveira (2013Oliveira, J. A. P. (2013). Empresas na sociedade: Sustentabilidade e responsabilidade social (2a ed.). Rio de Janeiro: Elsevier.) destaca que a RSC implica decisões por parte dos gestores cujos interesses extrapolam as ambições econômicas ou técnicas diretamente ligadas à empresa. Além disso, não é suficiente cumprir a lei para ser social e economicamente responsável, é preciso ir além do mínimo legal.

O compromisso assumido em torno de práticas de RSC pode ser um suporte para a empresa conquistar parcerias e confiança de distintos públicos, e fortalecer sua posição de mercado contribuindo para a obtenção de vantagem competitiva sustentável (Miron, Pectu & Sobolevschi, 2011Miron, D., Petcu, M., & Sobolevschi, I. M. (2011). Corporate social responsibility and the sustainable competitive advantage. Amfiteatru Economic, 13(29), 162-179.). Seguindo esse raciocínio, Feitosa et al. (2014Feitosa, M. J. S., Souza, N. M. O., & Gómez, C. R. P. (2014). Princípios da responsabilidade social empresarial nas relações “empresa-stakeholders” como fonte de vantagem competitiva. REUNIR: Revista de Administração, Contabilidade e Sustentabilidade, 4(1), 42-61.) defendem que empresas que desenvolvem práticas sócio e ambientalmente responsáveis conseguem dar respostas a essas demandas, ao mesmo tempo que conquistam um desempenho financeiro razoável.

Na medida em que o crescimento econômico e a obtenção da vantagem competitiva se alinham com medidas de proteção ambiental e amparo social, verifica-se ser possível associar desempenho financeiro com bem-estar social, desde que haja equilíbrio no contrato (formal ou informal) firmado entre as partes (European Comission, 2002European Commission (2002). Directorate-General for Employment, & Social Affairs. Unit D. Corporate Social Responsibility: A business contribution to sustainable development. Office for Official Publications of the European Communities.). Vilanova et al. (2009Vilanova, M., Lozano, J. M., & Arenas, D. (2009). Exploring the nature of the relationship between CSR and competitiveness. Journal of Business Ethics, 87(1), 57-69.) destacam, contudo, que o desempenho financeiro não implica necessariamente competitividade em longo prazo, tendo em vista que a relação entre práticas de RSC e competitividade ainda não está totalmente esclarecida, mas carece de estudo e aprofundamento.

2.2 Influência de práticas responsáveis voltadas para o stakeholder funcionário no desempenho financeiro

A firma captura mais valor quando consegue aumentar o preço que os clientes estão dispostos a pagar por seus produtos e serviços ou quando diminui seus custos de produção. Harrison e Wicks (2013Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business Ethics Quarterly, 23(1), 97-124.) defendem que empresas que atendem aos interesses de um considerável grupo de stakeholders, conseguirá alocar mais valor para a organização em longo prazo. Bosse, Phillips e Harrison (2009Bosse, D. A., Phillips, R. A., & Harrison, J. S. (2009). Stakeholders, reciprocity, and firm performance. Strategic Management Journal, 30(4), 447-456.) argumentam que empresas que remuneram seus funcionários de forma justa conseguem adicionar valor à empresa em função de uma resposta positiva recíproca manifestada por seus empregados.

De acordo com Mitchell, Agle e Wood (1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: Defining the principle of who and what really counts. Academy of Management Review, 22(4), 853-886.), dentre os stakeholders os funcionários podem ser os mais importantes pelo potencial impacto que podem trazer ao desempenho da firma. Nesse sentido, uma grande quantidade de estudos aponta para uma relação positiva entre as práticas de RSC voltadas para o funcionário com o desempenho financeiro (Freeman et al., 2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B. L., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: The state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.; Vilanova et al., 2009Vilanova, M., Lozano, J. M., & Arenas, D. (2009). Exploring the nature of the relationship between CSR and competitiveness. Journal of Business Ethics, 87(1), 57-69.). Os gestores precisam saber como utilizar práticas socioambientalmente responsáveis no âmbito de seus funcionários, a fim de conduzi-los na realização dos propósitos da empresa de rentabilidade, crescimento e estabilidade (Donaldson & Preston, 1995Donaldson, T., & Preston, L. E. (1995). The stakeholder theory of the corporation: Concepts, evidence, and implications. Academy of Management Review, 20(1), 65-91.).

Nesse contexto, os funcionários são stakeholders influentes na organização, sendo, portanto, necessário desenvolver esses ativos humanos para que possam agregar valor à empresa. Esse desenvolvimento implica também considerar seus anseios durante o processo de tomada de decisão, além de procurar estabelecer um clima organizacional agradável às atividades laborais (Leal, Martin & Marçal, 2007Leal, C. C., Martin, D. M. L., & Marçal, E. F. (2007, setembro). Desempenho social no âmbito dos empregados e os resultados financeiros das empresas. Anais do Encontro EnAnpad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 31. Recuperado de http://www.anpad.org.br/admin/pdf/GPR-A1249.pdf
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/GPR-A1...
). Dentre os benefícios percebidos pela manutenção de um clima ético, Sims e Keon (1997Sims, R. L., & Keon, T. L. (1997). Ethical work climate as a factor in the development of person-organization fit. Journal of Business Ethics, 16(11), 1095-1105.) destacam a melhoria na credibilidade da instituição, o aumento no comprometimento e um menor nível de absenteísmo e rotatividade, os quais podem gerar um incremento na produtividade.

Essas vantagens podem extrapolar os benefícios financeiros. Freeman et al. (2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B. L., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: The state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.) destacam como possível benefício de um bom relacionamento com os funcionários a capacidade de desenvolver recursos únicos, que leva a empresa a desfrutar de vantagens competitivas. Assim, o bom relacionamento com seus funcionários, por ser um recurso intangível, é um fator de difícil imitação por empresas concorrentes, o que naturalmente resulta em vantagem competitiva.

A responsabilidade social corporativa voltada para os funcionários foi abordada a partir de práticas de gestão de pessoas (Freitas, Souza, Teixeira & Jabbour, 2013Freitas, W. R. S., Souza, M. T. S., Teixeira, A. A., & Jabbour, C. J. C. (2013). Produção científica sobre gestão de recursos humanos e sustentabilidade: Síntese e agenda de pesquisa. Revista de Ciências da Administração, 15(36), 11-27.), que indicam a relação dos bancos com seus funcionários, dentro das categorias perfil organizacional, econômica e social do Global Reporting Initiative (GRI), e que são de divulgação obrigatória para os bancos com ações negociadas na BM&FBovespa: terceirização (G4-10); valor econômico distribuído aos funcionários em remuneração e benefícios (G4-E1); rotatividade de pessoal (G4-LA1); benefícios concedidos (G4-LA2 e G4-LA10); e percentual de mulheres que integram os órgãos de gestão e governança (G4-LA12).

A terceirização de serviços geralmente está associada à racionalização de custos com mão de obra e condições de trabalho mais precárias (Patrus, Dantas & Shigaki, 2013Patrus, R., Dantas, D., & Shigaki, H. (2013, novembro). Produtivismo e solidariedade acadêmica: Dois lados da mesma moeda. Anais do Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade, Brasília, Brasil, 6. Recuperado de http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnEPQ/enepq_2013/2013_EnEPQ177.pdf
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). Essas condições podem causar desconforto pela disparidade dos salários e benefícios entre funcionários próprios e terceirizados, além de reduzir a responsabilidade da empresa para com os terceirizados, sujeitando-os a relações precárias de trabalho (Repullo, 1997Repullo, R., Jr. (1997). Os sindicatos, a terceirizaçäo e a saúde dos trabalhadores. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 23(85/86), 79-82.; Segnini, 1999Segnini, L. R. P. (1999). Reestruturação nos bancos no Brasil: Desemprego, subcontratação e intensificação do trabalho. Educação & Sociedade, 20(67), 183-209.). Nesse sentido, a terceirização de serviços pode piorar a relação da empresa com sua força de trabalho, impactando negativamente na produtividade dos funcionários, influenciando negativamente de forma indireta o desempenho financeiro. Com base no exposto, foi formulada a primeira hipótese desta pesquisa:

H1: A terceirização de serviços influencia negativamente o desempenho financeiro de bancos brasileiros.

A remuneração e os benefícios compõem os gastos com pessoal, e têm sido utilizados como proxy para a responsabilidade social da empresa com o funcionário (Crisóstomo et al., 2011Crisóstomo, V. L., Freire, F. S., & Vasconcellos, F. C. (2011). Corporate social responsibility, firm value and financial performance in Brazil. Social Responsibility Journal, 7(2), 295-309.; Machado, Machado & Santos, 2010Machado, M. R., Machado, M. A. V., & Santos, A. (2010). A relação entre setor econômico e investimentos sociais e ambientais. Contabilidade, Gestão e Governança, 13(3), 102-115.), aumentando sua produtividade e, consequentemente, seu desempenho financeiro. Além disso, a remuneração variável e a participação nos resultados são características do setor bancário brasileiro e favorecem a relação positiva entre gastos com remuneração e desempenho financeiro. A segunda hipótese testa, portanto, a relação entre a remuneração e o desempenho.

H2: Os gastos com remuneração dos funcionários influenciam positivamente o desempenho financeiro dos bancos brasileiros.

Altas taxas de rotatividade, tanto voluntárias quanto involuntárias, sugerem uma pior relação da empresa com seus funcionários. Demissões voluntárias indicam a insatisfação do funcionário com as condições de trabalho e/ou a oferta de emprego que oferece melhores condições de trabalho. Demissões involuntárias geram insegurança nos funcionários pela instabilidade no emprego. Aliada a isso, a rotatividade reduz a produtividade do funcionário pela perda de capital humano (Shaw, Gupta & Delery, 2005Shaw, J. D., Gupta, N., & Delery, J. E. (2005). Alternative conceptualizations of the relationship between voluntary turnover and organizational performance. Academy of Management Journal, 48(1), 50-68.) e aumenta os custos associados à demissão, contratação e treinamento, podendo impactar negativamente o desempenho financeiro (Cardoso, Freitas & Santos, 2013Freitas, W. R. S., Souza, M. T. S., Teixeira, A. A., & Jabbour, C. J. C. (2013). Produção científica sobre gestão de recursos humanos e sustentabilidade: Síntese e agenda de pesquisa. Revista de Ciências da Administração, 15(36), 11-27.; Glebbeek & Bax, 2004Glebbeek, A. C., & Bax, E. H. (2004). Is high employee turnover really harmful? An empirical test using company records. Academy of Management Journal, 47(2), 277-286.).

Com base na perspectiva da criação de valor, Tantalo e Priem (2016Tantalo, C. & Priem, R. (2016). Value creation through stakeholder synergy. Strategic Management Journal, 37(2), 314-329.) argumentam que os stakeholders consideram o valor recebido para decidir se vão permanecer ou não em uma empresa e com que grau de empenho devem desenvolver suas atividades no ambiente de trabalho, o que, portanto, interfere nas taxas de rotatividade. A terceira hipótese envolve, portanto, a relação da rotatividade e do desempenho.

H3: A rotatividade de pessoal influencia negativamente o desempenho financeiro dos bancos brasileiros.

A participação feminina nos órgãos de gestão e governança está associada a questões de oportunidade e diversidade. A maior representatividade de mulheres nos principais cargos corporativos sugere que o banco busca reduzir a discriminação de gênero. Richard (2000Richard, O. (2000). Racial diversity, business strategy, and firm performance: A resource-based view. Academy of Management Journal, 43(2), 164-177.) defende o efeito de uma maior percepção de justiça quando a empresa confere maior oportunidade para que mulheres se insiram na cúpula da corporação. A justiça percebida, por sua vez, é vista como um vetor da produtividade dos funcionários, que pode refletir positivamente no desempenho financeiro. A base para a formulação da quarta hipótese da pesquisa foi:

H4: A participação feminina nos órgãos de gestão e governança influencia positivamente o desempenho financeiro dos bancos brasileiros.

Embora a concessão de benefícios represente diretamente um aumento de custos, seu impacto indireto sobre o desempenho pode ser positivo. Os benefícios podem influenciar o comportamento do funcionário, por reduzir os riscos relacionados ao trabalho e aumentar sua percepção de justiça (Oliveira & Leone, 2008Oliveira, P. W. S., & Leone, R. J. G. (2008). Gestão estratégica de benefícios: Proposição de um modelo matemático para assistência médica dos funcionários. Revista de Administração Mackenzie, 9(2), 104-127.). Nesse sentido, a concessão do maior número de benefícios pode aumentar a produtividade dos funcionários, impactando positivamente o desempenho dos bancos brasileiros, o que serviu de base para a formulação da última hipótese da pesquisa:

H5: O total de benefícios concedidos aos funcionários influencia positivamente o desempenho financeiro dos bancos brasileiros.

Em resumo, a pesquisa parte do pressuposto de que a alocação de valor ao stakeholder funcionário, por meio da adoção de práticas de socialmente responsáveis, aumentaria a satisfação, a motivação e o comprometimento dos funcionários, refletindo positivamente na produtividade (Arthur, 1994Arthur, J. B. (1994). Effects of human resource systems on manufacturing performance and turnover. Academy of Management Journal, 37(3), 670-687.; Blundell, Dearden, Meghir & Sianesi, 1999Blundell, R., Dearden, L., Meghir, C., & Sianesi, B. (1999). Human capital investment: The returns from education and training to the individual, the firm and the economy. Fiscal Studies, 20(1), 1-23.; Bontis & Fitz-Enz, 2002Bontis, N., & Fitz-Enz, J. (2002). Intellectual capital ROI: A causal map of human capital antecedents and consequents. Journal of Intellectual Capital, 3(3), 223-247.; Huselid, 1995Huselid, M. A. (1995). The impact of human resource management practices on turnover, productivity, and corporate financial performance. Academy of Management Journal, 38(3), 635-672.). A produtividade dos funcionários, por sua vez, reduz os gastos com mão de obra ou aumenta a receita, impactando positivamente no desempenho financeiro (Athanasoglou, Brissimis & Delis, 2008Athanasoglou, P. P., Brissimis, S. N., & Delis, M. D. (2008). Bank-specific, industry-specific and macroeconomic determinants of bank profitability. Journal of International Financial Markets, Institutions and Money, 18(2), 121-136.).

3 Métodos

A pesquisa adota uma abordagem descritiva, documental e quantitativa. A amostra é composta por 21 bancos com ações negociadas na BM&FBovespa, o que representa 15,4% de um universo de 136 instituições bancárias atuantes no Brasil em 2014, com exclusão das cooperativas de crédito (Banco Central do Brasil, 2016Banco Central do Brasil (2016). Relação de instituições bancárias atuantes no Brasil. Recuperado de http://www.bcb.gov.br.
http://www.bcb.gov.br...
). Em ativos, representa 51,6% das instituições bancárias brasileiras. Ao total, a amostra constitui-se de 105 observações ao longo de um período de cinco anos, entre 2010 e 2014.

Utilizando o software G*Power 3.1.9.2, verificou-se que o tamanho desta amostra (105 observações) era adequado para validar os resultados da análise de regressão, no que tange aos coeficientes das variáveis independentes (Faul, Erdfelder, Buchner & Lang, 2009Faul, F., Erdfelder, E., Buchner, A., & Lang, A. G. (2009). Statistical power analyses using G* Power 3.1: Tests for correlation and regression analyses. Behavior Research Methods, 41(4), 1149-1160.). Para tanto, calculou-se a amostra mínima requerida para que os coeficientes de 7/8 preditores produzissem um tamanho do efeito f2 = 0,15 (médio), com probabilidade de erro tipo I α =0,05 e poder 1 - β = 0,95. A amostra mínima necessária para esses parâmetros é de 74 observações. Em complemento, testes post hoc indicaram que o poder de todas as estimações (quando processadas em mínimos quadrados ordinários) é superior a 0,98, considerando um erro tipo I α = 0,05, e o tamanho do efeito varia de 0,12 a 1,26.

A escolha por empresas listadas na BM&FBovespa ocorreu em decorrência de uma maior acessibilidade aos dados não contábeis. Foram considerados, para fins de análise, os dados consolidados, coletados da base de dados do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), disponíveis em seus websites. Para os bancos que publicaram relatório de sustentabilidade ou similar no período, as informações não financeiras foram confirmadas nos referidos relatórios.

3.1 Mensuração das variáveis do estudo

Na Tabela 1 são evidenciadas as proxies das variáveis do estudo e a respectiva fonte dos dados. Além das variáveis relativas à competitividade e à responsabilidade social interna, foram incluídas como variáveis de controle o tamanho do banco, operacionalizado pelo ativo total, e uma variável dummy que indica se o banco tem controle público ou privado. A produtividade dos funcionários foi incluída nas análises por se tratar da variável que, segundo a literatura, reflete o maior comprometimento dos funcionários com a instituição (Huselid, 1995Huselid, M. A. (1995). The impact of human resource management practices on turnover, productivity, and corporate financial performance. Academy of Management Journal, 38(3), 635-672.) e é um vetor do desempenho financeiro (Naceur & Goaied, 2001Naceur, S. B., & Goaied, M. (2001). The determinants of the Tunisian deposit banks’ performance. Applied Financial Economics, 11(3), 317-319.), que foi a proxy de competitividade adotada.

A análise da competitividade foi realizada por meio de uma métrica qualitativa (posição competitiva) e de uma métrica quantitativa (desempenho competitivo). A posição competitiva (POS_COMP) de cada banco foi processada segundo o trabalho de Brito e Brito (2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.), por meio da construção de uma matriz 3 x 3 do desempenho combinado do crescimento das vendas e do ROA. Considerando os cinco anos analisados, foi calculado para cada banco um indicador de crescimento da receita, com base na taxa composta de crescimento anual, e do ROA, média anual para o período.

Em seguida, os 21 bancos da amostra foram classificados em três grupos para cada indicador, baseados no teste t de diferença de média, com significância de 5%, ou seja, acima da média, dentro da média e abaixo da média. A matriz de competitividade de Brito e Brito (2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.) divide a amostra em nove quadrantes, baseados na classificação de cada banco quanto ao crescimento das vendas e ao ROA. A análise da matriz, conforme mostrado na Figura 1 (discutida na seção de resultados), permitiu classificar os bancos em três grupos com relação à competitividade: vantagem competitiva, paridade competitiva e desvantagem competitiva. O desempenho competitivo (COMPET) foi operacionalizado pela média aritmética dos scores padronizados na distribuição z de crescimento da receita e ROA.

Os dados sobre RSC interna e produtividade dos funcionários foram extraídos de documentos disponíveis no website da CVM e dos próprios bancos. A terceirização de serviços (TERC) foi mensurada pela razão entre o número de terceirizados e a força de trabalho total do banco (terceirizados e funcionários contratados diretamente), disponíveis no formulário de referência. A remuneração (REMUN) foi operacionalizada pela razão entre o valor distribuído e a quantidade de funcionários, dados coletados da demonstração do valor adicionado e do formulário de referência, respectivamente. A rotatividade de pessoal representa a razão entre a média de admissões e demissões em um período pelo número de funcionários, e foi extraída diretamente do formulário de referência de cada banco.

Tabela 1:
Descrição das variáveis utilizadas na pesquisa

A participação feminina nos órgãos de gestão e governança (PFGG) foi estimada pelo percentual de mulheres membros da diretoria executiva, do conselho de administração e do conselho fiscal. Esses dados também estão disponíveis no formulário de referência. A política de benefícios (BENEF) foi operacionalizada pela quantidade de benefícios oferecidos voluntariamente pelo banco, além daqueles incluídos na convenção coletiva da categoria. Inicialmente, analisou-se a política de benefícios de cada banco disponível no formulário de referência e os benefícios concedidos por aqueles bancos que disponibilizam relatório de sustentabilidade em seu website.

A partir dessa análise, construiu-se um índice dos 10 benefícios mais citados: assistência à saúde, assistência odontológica, assistência médica, assistência psicossocial, seguro de vida, assistência educacional, auxílio social financeiro, empréstimo em condições diferenciadas em caso de necessidade, serviços financeiros com taxas diferenciadas e previdência privada. Em seguida, verificou-se quais desses benefícios são relatados pelos bancos. A razão entre o total de benefícios analisados (10) e o número de benefícios concedidos pelos bancos representa variável estudada, que varia de 0 a 1.

A produtividade dos funcionários foi analisada pela razão entre a riqueza produzida pelo banco e a força de trabalho (quantidade de terceirizados e funcionários contratados diretamente), extraídos da DVA e do formulário de referência, respectivamente. As variáveis indicativas da produtividade, dos gastos com remuneração e do tamanho do banco foram expressas em logaritmo natural das proxies originais, em razão da grande amplitude dos dados, o que poderia prejudicar a análise estatística com a presença de outliers. Ao utilizar o logaritmo natural, reduz-se a amplitude dos dados e o efeito dos valores extremos, permanecendo a mesma hierarquia dos dados originais.

3.2 Análise da relação entre práticas de RSC voltadas para o stakeholder funcionário e a competitividade

Foram realizadas duas análises estatísticas de associação entre as proxies de competitividade e as variáveis indicativas da responsabilidade social interna: teste de Jonckheere-Terpstra e análise de regressão com modelagem Feasible Generalized Least Squares (FGLS). O teste de Jonckheere-Terpstra objetiva identificar tendências em variáveis métricas entre grupos ordenados em escala ordinal.

Os grupos de empresas em desvantagem competitiva, em paridade competitiva e em vantagem competitiva, resultantes na matriz de competitividade de Brito e Brito (2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.), foram comparados por meio do teste de Jonckheere-Terpstra no que tange às cinco variáveis métricas indicativas da RSC interna dos bancos e à variável indicativa da produtividade dos funcionários. A significância estatística indica a existência de tendências de associação entre os grupos e as variáveis métricas, ao passo que o sinal da estatística de teste indica a direção da associação (se positiva ou negativa).

A modelagem FGLS é recomendada para mitigar os efeitos da heterocedasticidade e autocorrelação de resíduos presentes em análise de regressão com dados em painel. Inicialmente todas as variáveis métricas independentes foram padronizadas por ano, com a finalidade de indicar a posição de cada banco em relação a seus concorrentes. Em seguida, foram processadas estimações em FGLS, conforme as Equações 1 e 2.

Em que:

DESEMP i,t representa o desempenho financeiro do banco i no período j;

RSCIi,j são as variáveis indicativas da responsabilidade social do banco i no período j para com os funcionários;

PRODUTi,j indica a produtividade dos funcionários i no período j;

CONTRi,j são as variáveis de controle incluídas nos modelos.

A Equação (1) visa medir o efeito direto das práticas de RSC interna sobre o desempenho, que é a proxy de competitividade dos banco. A Equação (2) adiciona a produtividade dos funcionários à Equação 1, para verificar se esta variável explica a vantagem competitiva dos bancos analisados e altera a relação entre as variáveis dos modelos iniciais, o que indicaria que a produtividade dos funcionários é o vetor que liga as práticas de RSC interna com o desempenho financeiro.

Os resultados são apresentados tomando por base a estatística descritiva, seguidos das análises estatísticas, realizadas por meio do teste de Jonckheere-Terpstra e das estimações em FGLS. Ao final, é apresentada a validação das hipóteses do estudo, a partir dos resultados obtidos.

4 Resultados

A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva das variáveis utilizadas no trabalho. As variáveis TERC, TURN, PFGG, BENEF, CRESC_REC e ROA estão expressas em porcentagem. As variáveis REMUN, PRODUT e TAM são apresentadas pelo logaritmo natural de seus valores originais. A variável COMPET é a média aritmética dos scores padronizados das variáveis CRESC_REC e ROA. As maiores variâncias envolvem as duas variáveis de desempenho financeiro. As demais variáveis apresentam coeficiente de variação inferior à unidade.

Tabela 2:
Estatística descritiva

Quanto ao tipo de controle, oito bancos têm controle público, sendo quatro federais e quatro estaduais. Os demais bancos são controlados por entidades privadas. A média de crescimento anual de receita da amostra é de 0,6%, e de lucratividade, 1%.

4.1 Associação entre clusters de práticas de RSC voltadas para o stakeholder funcionário e competitividade

Seguindo a metodologia proposta por Brito e Brito (2012Brito, R. P., & Brito, L. A. L. (2012). Vantagem competitiva e sua relação com o desempenho-uma abordagem baseada em valor. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 16(3), 360-380.), os bancos foram inicialmente classificados de acordo com seu desempenho financeiro em termos de crescimento da receita e retorno sobre os ativos, utilizados para posicionar cada banco em termos de competitividade no período de 2010 a 2014. Bancos classificados em “paridade competitiva” apresentam indicadores de crescimento da receita e ROA dentro da média. Bancos que não apresentaram desempenho superior em nenhum dos dois indicadores e tiveram desempenho abaixo da média, em pelo menos um dos indicadores, são classificados como em “desvantagem competitiva”. Bancos com “foco no crescimento” ou “na lucratividade” são aqueles que se apresentam acima da média do setor em um dos indicadores e abaixo no outro. Foram considerados em “vantagem competitiva” os bancos que apresentam desempenho acima da média em pelo menos um dos indicadores analisados, concomitantemente com um desempenho médio no outro indicador.

O resultado da matriz de competitividade pode ser observado na Figura 1. Os clusters de posição competitiva são baseados no teste t de diferença de médias para uma amostra, com significância de 5%. Os quadrantes extremos de crescimento da receita e retorno sobre os ativos indicam desempenho estatisticamente superior à média da amostra. Quadrantes medianos indicam desempenho estatisticamente igual à média da amostra e quadrantes próximos à reta indicam desempenho estatisticamente inferior à média da amostra. Os valores entre parênteses indicam a média aritmética do indicador entre os bancos classificados em cada cluster.

Observa-se que a amostra se mostrou dividida equitativamente, com sete bancos classificados em posição de vantagem competitiva, sete em posição de paridade competitiva e outros sete em desvantagem competitiva. Nenhum banco da amostra apresentou foco na lucratividade ou no crescimento.

Figura 1:
Matriz de competitividade dos bancos pesquisados.

Na Tabela 3 são analisadas as médias das variáveis indicativas de RSC interna em relação à posição competitiva dos bancos que compõem a amostra. O teste de Jonckheere-Terpstra indicou associação positiva da posição competitiva com a variável PFGG, e negativa com TURN, REMUN e BEF_CONC. A variável TERC não apresentou associação significante.

Pela análise conjunta das estatísticas de teste e das médias pode-se verificar uma tendência de bancos em desvantagem competitiva apresentarem maiores taxas de rotatividade de pessoal (19,04%). No mesmo sentido, bancos em vantagem competitiva distribuem menos benefícios que os demais (37,14%). Com menor significância, observa-se uma tendência de que bancos com maior participação feminina na alta gestão e governança sejam mais competitivos.

A riqueza distribuída em termos de remuneração, embora apresente uma estatística negativa e com significância a nível de 10%, tem um comportamento peculiar em relação aos clusters de posição competitiva. Os bancos em vantagem competitiva são aqueles que melhor remuneram seus funcionários (aproximadamente R$ 200 mil por funcionário/ano). Os bancos em desvantagem competitiva, entretanto, distribuem na média bem mais a seus funcionários a título de remuneração do que os bancos que estão em paridade competitiva (aproximadamente R$ 131 mil e R$ 98 mil por funcionário/ano, respectivamente).

Tabela 3:
Práticas de RSC voltadas para o stakeholder funcionário por posição competitiva

4.2 Relação entre práticas de RSC voltadas para o stakeholder funcionário e a competitividade

Na Tabela 4 encontram-se as correlações entre as variáveis métricas utilizadas nas estimações. A variável produtividade dos funcionários (PRODUT) apresentou correlação positiva com as três variáveis indicativas do desempenho. Em relação às práticas de RSC com o funcionário, observa-se correlação negativa da rotatividade e da quantidade de benefícios e positiva da participação feminina nos órgãos de gestão e governança com a rentabilidade e o desempenho competitivo. Terceirização de serviços e remuneração não apresentaram correlação significante com nenhuma variável de desempenho.

Tabela 4:
Correlação entre as variáveis métricas padronizadas por ano

Os resultados da análise de regressão, utilizando os modelos da Equação 1 (modelos 1, 3 e 5) e da Equação 2 (modelos 2, 4 e 6) são apresentados na Tabela 4. Entre as variáveis de controle, TAM não apresentou correlação com nenhuma variável de desempenho; CONTR_PUBL está positivamente correlacionada com o ROA e com COMPET, esta última com sensibilidade ao controle de PRODUT. O resultado dos modelos 1, 3 e 5, apresentados na Tabela 4, mostram que há um efeito negativo da terceirização sobre o ROA e o desempenho competitivo.

Quando incluída a produtividade dos funcionários como variável independente (estimações 2, 4 e 6 da Tabela 5), verificou-se que afeta positivamente o desempenho financeiro. Essa relação positiva entre produtividade e desempenho financeiro altera o coeficiente e a significância da terceirização dos serviços e da remuneração, sugerindo que essas práticas de RSC em relação aos empregados afeta o desempenho financeiro por meio da maior produtividade dos funcionários.

Tabela 5:
Análise de regressão com modelagem Feasible Generalized Least Squares (FGLS).

Os resultados encontrados com as hipóteses admitidas são apresentados no quadro 2, considerando os resultados dos testes estatísticos com um nível de significância de 5%. Esse resultado confirma a hipótese H1 e sugere que a contratação de terceirizados tem um impacto negativo na rentabilidade dos bancos brasileiros. A hipótese H2 também foi confirmada e indica que a rotatividade de pessoal está associada à posição competitiva dos bancos e correlacionada negativamente com os três indicadores de desempenho analisados e com a posição competitiva.

Os resultados confirmam a hipótese H3 e mostra que a remuneração é um vetor para o crescimento das vendas e do desempenho competitivo dos bancos. A pesquisa também confirmou a hipótese H4, mostrando que a participação feminina nos órgãos de gestão e governança afetam positivamente o desempenho financeiro de bancos brasileiros. Finalmente, os achados sugerem que a quantidade de benefícios reduz a rentabilidade, o que contraria à hipótese H5.

Tabela 6:
Hipóteses e achados da pesquisa

5 Discussão

A pesquisa comprova a importância da alocação de valor ao stakeholder funcionário, por meio da adoção de práticas de RSC, para a competitividade dos bancos brasileiros. Os resultados da pesquisa motivam, portanto, os bancos a terem melhor relacionamento com seus funcionários. A pesquisa contribui com o questionamento lançado por Harrison e Bosse (2013Harrison, J. S., & Bosse, A. D. (2013). How much is too much? The limits to generous treatment of stakeholders. Business Horizons, 56(3), 313-322.) na identificação de quanto valor deve ser alocado aos stakheholders. Neste sentido, apesar dos custos de implantar práticas de RSC, existe valor adicionado às firmas e que se reflete na competitividade.

Com relação à terceirização, constatou-se que bancos em vantagem competitiva têm menores índices de terceirização. Trabalhadores terceirizados se submetem a condições de trabalho inferiores aos funcionários do setor bancário, estes amparados pela convenção coletiva da categoria. A falta das condições necessárias ao trabalho, no longo prazo, podem ser a causa da associação da terceirização ao desempenho financeiro. Ademais, observa-se que a produtividade dos funcionários é uma variável mediadora nessa relação, reforçando a ideia de que a alta terceirização no setor bancário traz insatisfação e falta de comprometimento organizacional, refletidas na competitividade por meio de menor produtividade.

Embora a terceirização de atividades meio e até de algumas atividades fim (como compensação de cheques e correspondentes bancários) esteja difundida no setor bancário brasileiro como forma de redução de custos, vem também acompanhada pela maior precarização do trabalho, conforme defende Segnini (1999Segnini, L. R. P. (1999). Reestruturação nos bancos no Brasil: Desemprego, subcontratação e intensificação do trabalho. Educação & Sociedade, 20(67), 183-209.). Resultado semelhante foi identificado por Kotabe e Mol (2009Kotabe, M., & Mol, M. J. (2009). Outsourcing and financial performance: A negative curvilinear effect. Journal of Purchasing and Supply Management, 15(4), 205-213.) a partir de um estudo em uma amostra de empresas de manufatura na Holanda entre 1995 e 1998, sobre como a terceirização poderia afetar o desempenho financeiro. Em todas as atividades das empresas amostradas, o grau de terceirização influencia negativamente o desempenho financeiro.

A rotatividade, por sua vez, demonstrou trazer custos que reduzem o desempenho financeiro, associados a demissões, contratações e treinamentos. De forma semelhante, Glebbeek e Bax (2004Glebbeek, A. C., & Bax, E. H. (2004). Is high employee turnover really harmful? An empirical test using company records. Academy of Management Journal, 47(2), 277-286.) testaram a hipótese de que a rotatividade de funcionários influencia o desempenho da empresa e identificaram uma função em U invertido. Ou seja, quando a rotatividade é excessivamente alta ou baixa, o desempenho financeiro é prejudicado. Em outro estudo, realizado no Brasil, Cardoso et al. (2013Cardoso, M. F., Freitas, C. J., & Santos, S. R. (2013). O impacto da rotatividade e do absenteísmo de pessoal sobre o custo do produto: Um estudo em uma indústria gaúcha. Revista de Gestão, Finanças e Contabilidade, 3(1), 107-121.) constataram que a rotatividade e o absenteísmo apresentam impacto negativo sobre a receita de vendas e, consequentemente, sobre o desempenho financeiro. Existem, portanto, correlações negativas entre indicadores de desempenho e altas taxas de rotatividade

O trabalho revelou que bancos em vantagem competitiva apresentam maiores gastos com remuneração. A endogeneidade entre produtividade e remuneração, entretanto, deve ser considerada, uma vez que a convenção coletiva do setor bancário prevê remuneração variável e participação nos resultados. O argumento teórico de que a maior remuneração pode reduzir o desempenho financeiro não foi observado, o que indica que os ganhos com produtividade decorrentes da maior remuneração são maiores do que seu impacto negativo sobre o ROA.

Resultados semelhantes foram encontrados por Bloom (1999Bloom, M. (1999). The performance effects of pay dispersion on individuals and organizations. Academy of Management Journal, 42(1), 25-40.), que procurou entender a relação entre a forma de remuneração que uma firma faz ao empregado e o desempenho desse empregado. A pesquisa de campo realizada com 1.644 jogadores de baseball, em 29 equipes, sugere que, quanto mais uma empresa investe na remuneração de seus empregados, maior é seu desempenho. Uma remuneração atraente, consegue captar e reter os melhores profissionais de uma determinada área, os quais, por sua vez, exercem suas habilidades de modo a proporcionar vantagem competitiva para a empresa.

Outro achado da pesquisa confirma a hipótese sobre a participação feminina nos órgãos de gestão e governança influenciar a competitividade dos bancos brasileiros. Essa relação, entretanto, não se dá por meio da produtividade dos funcionários, como foi argumentado no referencial teórico. Embora esses achados ainda necessitem de mais evidência empírica e discussão teórica, uma possível explicação decorre do maior valor alocado por mulheres em cargos de direção e de permanecerem em um ambiente organizacional ainda predominantemente masculino. A estatística descritiva mostra que as mulheres representam apenas 8,3% dos órgãos de gestão e governança dos bancos amostrados.

Esse resultado está alinhado com os achados de Richard (2000Richard, O. (2000). Racial diversity, business strategy, and firm performance: A resource-based view. Academy of Management Journal, 43(2), 164-177.), que realizou uma pesquisa sobre o impacto da inclusão de mulheres no setor bancário dos Estados Unidos. Quanto mais uma empresa promove a inclusão de funcionários do sexo feminino entre os níveis hierárquicos, mais ela adiciona valor à organização, gerando uma posição de vantagem competitiva quando comparada com outras firmas do mesmo setor.

Outro estudo, realizado Campbell e Vera (2009Campbell, K., & Vera, A. M. (2010). Female board appointments and firm valuation: Short and long-term effects. Journal of Management & Governance, 14(1), 37-59.), demonstra que, após a nomeação de mulheres para cargos de direção, ocorre uma valorização das ações em empresas da Espanha. No curto prazo, o mercado de ações reage positivamente com o anúncio dessas nomeações. No longo prazo, as nomeações de mulheres para o conselho administrativo também estão associadas positivamente com o valor da empresa. Esse resultado sugere que os investidores acreditam que diretores do sexo feminino agregam valor à organização.

Por sua vez, a política de benefícios, mensurada pela quantidade de benefícios concedidos, foi a única prática de RSC para os stakeholders funcionários que não apresentou relação com a competitividade. Ao contrário, verificou-se que a rentabilidade dos bancos é afetada negativamente quando há uma maior disponibilidade de benefícios aos funcionários. A análise da posição competitiva (Tabela 3) reforça a hipótese de que a quantidade de benefícios não traz vantagem competitiva. Ao contrário, os custos relacionados aos benefícios reduzem o desempenho financeiro bancário.

Este resultado tem afinidade com a pesquisa realizada por Huselid et al. (1997Huselid, M. A., Jackson, S. E., & Schuler, R. S. (1997). Technical and strategic human resources management effectiveness as determinants of firm performance. Academy of Management Journal, 40(1), 171-188.), que analisaram o efeito do investimento em práticas de recursos humanos sobre o desempenho financeiro de 293 organizações norte-americanas. Identificou-se uma fraca relação positiva entre concessão de benefícios e desempenho financeiro. Acredita-se que os benefícios já estariam institucionalizados, de forma que os funcionários não percebem o impacto do incremento e não haveria reflexos na competividade das empresas.

A pesquisa confirma os argumentos propostos por Bosse et al. (2009Bosse, D. A., Phillips, R. A., & Harrison, J. S. (2009). Stakeholders, reciprocity, and firm performance. Strategic Management Journal, 30(4), 447-456.) de que a firma incorre em custos para ser percebida como justa. No entanto, os funcionários são considerados stakeholders chave no processo de criação de valor. Os achados dessa pesquisa estão também alinhados com o framework proposto por Tantalo e Priem (2016Tantalo, C. & Priem, R. (2016). Value creation through stakeholder synergy. Strategic Management Journal, 37(2), 314-329.), sobre até quantno uma empresa deve alocar valor para seus stakeholders. Firmas competitivas param de alocar de valor para um stakeholder baseado no seu próprio princípio de reciprocidade.

Harter, Schmidt e Hayes (2002Harter, J. K., Schmidt, F. L., & Hayes, T. L. (2002). Business-unit-level relationship between employee satisfaction, employee engagement, and business outcomes: A meta-analysis. Journal of Applied Psychology, 87(2), 268-279.) fizeram um estudo em 7.939 unidades de negócio em 36 empresas a fim de analisar como a relação empregado-empregador poderia propiciar satisfação, compromisso e resultados financeiros positivos. Estes ganhos estabelecem o que Harrison e Wicks (2013Harrison, J. S., & Wicks, A. C. (2013). Stakeholder theory, value, and firm performance. Business Ethics Quarterly, 23(1), 97-124.) definem como “sistema de criação de valor”, condição na qual cada parte interessada fornece recursos ou influência em troca de algum retorno material e/ou de bens intangíveis, resultando em uma alocação de valor na qual todos os stakeholders da organização se beneficiam.

6 Conclusão

O trabalho confirma, de modo específico no setor bancário brasileiro, que a alocação de valor ao stakeholder funcionários possui um efeito positivo sobre a competitividade. Os achados indicam que a baixa rotatividade e uma maior participação feminina nos órgãos de gestão e governança influenciam a positivamente competitividade dos bancos analisados. Embora as mulheres componham boa parte da força de trabalho dos bancos, sua participação em cargos de alta gerência ainda é proporcionalmente pequena. Em complemento, uma baixa terceirização e maiores gastos com remuneração contribuem com a competitividade, por meio de seu impacto na produtividade. Parece haver, contudo, um limite de alocação de valor com o número total de benefícios, baseado no princípio de reciprocidade, sobre o que é percebido pelo funcionário e o que consegue ser traduzido em aumento de competitividade.

No campo teórico, o trabalho agrega a discussão baseada na visão instrumental da teoria dos stakeholders, reforçando a relação de causa e efeito entre performance financeira e a performance social corporativa. Na prática, o estudo destaca o papel estratégico de políticas de gestão de pessoas, não apenas focadas na redução de custos mas na adoção de práticas socialmente responsáveis para o alcance de vantagem competitiva. As características peculiares do setor bancário, que envolvem um contato direto entre funcionários e clientes na prestação de serviços, ressaltam a importância dos bancos de manterem uma boa relação com seus funcionários, como forma de ficarem satisfeitos e comprometidos, com reflexos no incremento da produtividade e no desempenho financeiro.

O trabalho, entretanto, também apresenta limitações. A amostra composta apenas por bancos com ações negociadas na BM&FBovespa impede a generalização de seus resultados. A RSC foi abordada apenas por práticas divulgadas pelos próprios bancos, não comportando outras práticas relevantes que poderiam impactar de forma positiva ou negativa no desempenho financeiro. A competitividade, como um constructo latente, não pode ser observada diretamente, mas apenas por outputs organizacionais.

Pesquisas futuras podem abranger uma amostra mais representativa do setor bancário brasileiro, além de analisar a relação entre práticas de RSC com os funcionários e a competitividade de empresas em outros ambientes institucionais. Estudos mais aprofundados, com dados primários, podem captar um maior número de práticas de RSC que avaliem com maior precisão seu papel como fonte de vantagem competitiva. Finalmente, sugere-se a utilização de métodos estatísticos mais sofisticados para mensurar com menor margem de erro as relações de causa e efeito, como modelos de equações simultâneas e modelos generalizados de momentos.

Referências

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    Avaliado pelo sistema: Double Blind Review
  • Agências de fomento: CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Projeto #446047/2014-7). FUNCAP - Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Concessão de bolsa de estudos).
  • Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XL Encontro da Anpad - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Costa do Sauípe - Mata de São João - BA). Para esta versão, o artigo teve trechos atualizados.

Contribuição dos autores:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2016
  • Aceito
    23 Set 2016
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