Acessibilidade / Reportar erro

Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

Resumo

Objetivo:

Este estudo analisa a contribuição dos relacionamentos interorganizacionais entre fornecedores e clientes às mudanças culturais organizacionais.

Metodologia:

Realizou-se um estudo qualitativo de casos múltiplos em dois canais de marketing, por meio de entrevistas em profundidade, observação e análise de dados com base na grounded theory.

Resultados:

Identificou-se a importância da confiança, do comprometimento, da cooperação e dos processos de aprendizagem nas mudanças culturais organizacionais e na redução dos conflitos de papel dos boundary spanners, assim como o papel da rotatividade de pessoal em enfraquecer essas dimensões e respectivas relações.

Contribuições:

Evidenciou-se o desenvolvimento de uma cultura interorganizacional, como um sistema de símbolos e significados compartilhados por grupos ou indivíduos de diferentes organizações, em uma base transitória, com o predomínio da perspectiva cultural da fragmentação. É uma cultura originada dos relacionamentos através da intersecção de culturas, ou seja, uma cultura das fronteiras.

Palavras-chave:
Cultura organizacional; marketing de relacionamento; perspectivas culturais; relacionamentos interorganizacionais; cultura interorganizacional

Abstract

Purpose:

This paper aimed to analyze the contribution of interorganizational relationships, specifically between suppliers and clients, to organizational cultural changes.

Design/methodology/approach:

A qualitative multiple case study in two marketing channels was performed, through in-depth interviews, observation and data analysis based on grounded theory.

Findings:

The contribution of trust, commitment, cooperation and learning processes has been identified in the organizational cultural changes and in the reduction of the role conflicts of the boundary spanners. Also, the role of employee turnover to weaken these dimensions and respective relations has been noticed.

Originality/value:

The development of an interorganizational culture has been evidenced, as a system of symbols and meanings shared by groups or individuals from different organizations, on a transitional basis, with the predominance of the cultural perspective of fragmentation. It is a culture originated from relationships through intersections of cultures, a culture of boundaries.

Keywords:
Organizational culture; relationship marketing; cultural perspectives; interorganizational relationships; interorganizational culture

1 Introdução

Devido à sua natureza colaborativa, o marketing de relacionamento entre empresas lhes permite alcançar vantagens competitivas sustentáveis e maior desempenho empresarial, por meio de parcerias e conhecimentos complementares (Gummesson, 2008Gummesson, E. (2008). Total relationship marketing (3rd ed.). Oxford, UK: Elsevier: Butterworth-Heinemann., Hunt, Arnett & Madhavaram, 2006Hunt, S. D., Arnett, D. B., & Madhavaram, S. (2006). The explanatory foundations of relationship marketing theory. Journal of Business Industrial Marketing, 21(2), 72-87.). Com base na importância e nas práticas de marketing de relacionamento, no entanto, é importante considerar os processos de negócios associados a ele.

Os relacionamentos são complexos e multifacetados porque exigem não apenas a seleção de recursos e parceiros, mas também a formação de confiança e comprometimento por interações frequentes e qualificadas, bem como o nível de cooperação e a existência ou surgimento de valores compatíveis (Hunt, Arnett & Madhavaram, 2006Hunt, S. D., Arnett, D. B., & Madhavaram, S. (2006). The explanatory foundations of relationship marketing theory. Journal of Business Industrial Marketing, 21(2), 72-87.; Morgan & Hunt, 1994Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.; Palmatier, Dant, Grewal & Evans, 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.). Em relação a isso, o que acontece entre indivíduos, de diferentes organizações, envolvidos nessas relações? Qual é o papel da cultura organizacional?

Essas questões são feitas porque as práticas de marketing de relacionamento provêm da área organizacional de marketing, uma área de fronteira em empresas, onde indivíduos de diferentes organizações interagem uns com os outros: os chamados boundary spanners [elo entre a organização e o meio exterior]. A fronteira [boundary] é uma linha ou região que divide e estabelece limites (Halley, 2001Halley, A. A. (2001). Applications of boundary theory to organizational and interorganizational culture. In R. J. Stupak, & P. M. Leitner (Eds.), Handbook of Public Quality Management (pp. 135-147). New York, NY: Marcel Dekker.). A cultura organizacional, por outro lado, é um sistema de significados e símbolos comuns, compartilhado no contexto organizacional (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.). Os significados levam à interpretação do objeto/fala e os símbolos, à expressão desses significados.

A frequência e a qualidade dessas interações, juntamente com o surgimento principalmente de confiança, comprometimento e cooperação, podem fazer com que indivíduos de diferentes organizações comecem a se entender de maneiras diferentes, podendo assim compartilhar símbolos e significados e a cultura organizacional (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.). Além disso, a cultura organizacional de uma perspectiva interorganizacional é notável: os grupos não se limitam ao domínio de uma organização (Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.). Assim, as culturas organizacionais envolvidas podem, por meio de sistemas específicos de significados e símbolos, ser alteradas por causa de relacionamentos interorganizacionais, devido a estratégias e processos de marketing de relacionamento.

Nesse contexto, compreender a cultura organizacional é compreender a vida organizacional em toda sua riqueza e variação (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.). A cultura organizacional pode ser específica para determinados grupos e contextos, não apenas um conjunto consistente de símbolos e significados compartilhados por todos os membros organizacionais (Martin, Frost & O’Neil, 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.).

Este estudo, portanto, pretende analisar a contribuição dos relacionamentos interorganizacionais às mudanças culturais organizacionais, por meio de um estudo de caso múltiplo em duas empresas brasileiras. Mais especificamente, pretende-se compreender como aspectos da relação interferem no sistema de símbolos e significados e identificar a existência de uma cultura interorganizacional, decorrente das interações.

Este estudo justifica-se, em primeiro lugar, porque conecta duas áreas tradicionalmente pesquisadas separadamente. O papel da cultura organizacional no marketing de relacionamento é significativamente pouco pesquisado, apesar do consenso sobre a importância deste tema (Iglesias, Sauquet & Montaña, 2011Iglesias, O., Sauquet, A., & Montaña, J. (2011). The role of corporate culture in relationship marketing. European Journal of Marketing, 45(4), 631- 650.). Em segundo lugar, considera o desenvolvimento de relacionamentos interorganizacionais por meio de lentes culturais, tendo em vista as práticas do marketing de relacionamento, o que significa a formação e a presença principalmente de confiança e comprometimento (Gummesson, 2017Gummesson, E. (2017). From relationship marketing to total relationship marketing and beyond. Journal of Services Marketing, 31(1), 16-19.), contribuindo com os acadêmicos, bem como com os gestores. Os estudos atuais sobre a interface de cultura organizacional, em um contexto interorganizacional, normalmente se concentram mais nas diferenças de cultura organizacional do que em compatibilidades culturais organizacionais (Lu, Plewa & Ho, 2016Lu, V. N., Plewa, C., & Ho, J. (2016). Managing governmental business relationships: The impact of organisational culture difference and compatibility. Australasian Marketing Journal (AMJ), 24(1), 93-100.). Além disso, a pesquisa deve considerar como a cultura da empresa é desenvolvida a partir da promulgação de atividades de marketing ao longo do tempo e como estruturas e culturas divergentes estão alinhadas (Moorman & Day, 2016Moorman, C., & Day, G. S. (2016). Organizing for marketing excellence. Journal of Marketing, 80(6), 6-35.). Em terceiro lugar, pesquisa-se um contexto de mercado emergente. De acordo com Narasimhan, Srinivasan e Sudhir (2015Narasimhan, L., Srinivasan, K., & Sudhir, K. (2015). Editorial - marketing science in emerging markets. Marketing Science, 34(4), 473-479.), a pesquisa em mercados emergentes é cada vez mais crítica para acadêmicos e gestores, fornecendo orientação gerencial e ampliando o conhecimento substantivo e teórico de mercados e marketing.

2 Contexto teórico

2.1 Cultura organizacional

A cultura implica uma coletividade. As organizações são entidades simbólicas, porque funcionam seguindo modelos implícitos na mente de seus membros (Hofstede, 2001Hofstede, G. (2001). Culture’s consequences: Comparing values, behaviors, institutions and organizations across nations. Thousand Oaks, CA: Sage.), o que interferirá na satisfação dos envolvidos e, consequentemente, no desempenho da empresa (Gregory, Harris, Armenakis & Shook, 2009Gregory, B. T., Harris, S. G., Armenakis, A. A. & Shook, C. L. (2009). Organizational culture and effectiveness: A study of values, attitudes, and organizational outcomes. Journal of Business Research, 62(7), 673-679.). A cultura é um produto histórico de um grupo, que afeta interpretações e orienta comportamentos (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.; Hogan & Coote, 2014Hogan, S. J., & Coote, L. V. (2014). Organizational culture, innovation, and performance: A test of Schein’s model. Journal of Business Research, 67(8), 1609-1621.; Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.; Vetráková & Smerek, 2016Vetráková, M., & Smerek, L. (2016). Diagnosing organizational culture in national and intercultural context. E+ M Ekonomie a Management, 19(1), 62.; Yin, Lu, Yang & Jing, 2014Yin, S., Lu, F., Yang, Y., & Jing, R. (2014). Organizational culture evolution: An imprinting perspective. Journal of Organizational Change Management, 27(6), 973-994.).

Cavedon (2003Cavedon, N. R. (2003). Antropologia para administradores, Porto Alegre, BR: UFRGS.) trata da cultura organizacional como uma rede de significados que flui dentro e fora do espaço organizacional, sendo simultaneamente ambígua, contraditória, complementar, diversa e análoga, mostrando homogeneidade e heterogeneidade organizacional. Para Alvesson (2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.), a cultura organizacional é vista como um sistema de símbolos e significados, compartilhado no contexto organizacional, de forma que os indivíduos definem seu meio, expressam suas crenças e fazem julgamentos. O significado refere-se à forma como um objeto ou expressão/fala é entendido. O símbolo condensa um conjunto de significados em um objeto específico e o anuncia de forma compacta. O autor enfatiza que a cultura não estabelece necessariamente clareza e consenso entre grandes grupos de pessoas, mas as orienta a lidar com os casos de ambiguidade sem muita anarquia.

A cultura organizacional, portanto, envolve símbolos e significados, considerando símbolos a expressão dos significados, como na linguagem, na história, nos mitos, nos rituais, nas cerimônias e nos artefatos (Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.). Os símbolos são fontes externas de informação e são usados como representação dos processos sociais e psicológicos. Ritos, rituais e cerimônias são atos que moldam expressões e dão valor aos símbolos. O mito, como uma narrativa dramática de eventos imaginados, geralmente explica origens ou mudanças, combina as formas culturais e consolida-as em um evento específico (Strati, 1998Strati, A. (1998). Organizational symbolism as a social construction: A perspective from the sociology of knowledge. Human Relations, 51(11), 1379-1402.).

As organizações são marcadas por práticas sociais que podem ser consideradas culturais. Essas práticas, no entanto, podem não representar a organização como um todo: a cultura é desenvolvida em ambientes de trabalho (Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.). Nesse sentido, Martin et al. (2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.) propõem quatro perspectivas diferentes de cultura organizacional: perspectiva de integração, perspectiva de diferenciação, perspectiva de fragmentação e um quadro de três perspectivas. Na perspectiva da integração, a cultura é um conjunto de expressões culturais que geram o consenso de toda a organização, denominada cultura unitária por Van Maane e Barley (1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.). Segundo eles, isso acontece quando os membros de uma organização lidam com os mesmos problemas e quando um sistema comum de compreensão é adotado.

É questionável, no entanto, se a cultura organizacional é tipicamente uma característica da organização como um todo, ou se é particular de grupos ou subculturas dentro dela (Deshpandé & Webster, 1989Deshpandé, R., & Webster, F. E., Jr. (1989). Organizational culture and marketing: defining the research agenda. Journal of Marketing, 53(1), 3-15.). As organizações são marcadas por práticas sociais que podem ser consideradas culturais, mas essas práticas podem ser confinadas a grupos específicos, ou subculturas (Van Maane & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.), ou seja, a perspectiva de diferenciação. Uma organização pode incluir departamentos e grupos de trabalho culturalmente diversificados (Hofstede, 2001Hofstede, G. (2001). Culture’s consequences: Comparing values, behaviors, institutions and organizations across nations. Thousand Oaks, CA: Sage.).

Na perspectiva da fragmentação, as relações entre as expressões culturais não são nem claramente consistentes nem claramente inconsistentes. São complexas e têm muitos elementos contraditórios e problemáticos. O consenso não abrangeria toda a organização, nem seria específico para determinado subgrupo organizacional. Seria transitório e específico para uma questão determinada, levando a afinidades de curto prazo entre os indivíduos e sendo substituído por diferentes modelos, à medida que outras questões chamem a atenção. Uma cultura organizacional não é um conjunto sólido e bem formado ou um conjunto estável de subculturas, que é fácil de compreender. Refere-se, no entanto, a misturas de manifestações culturais de diferentes tipos e níveis (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.).

Finalmente, Martin et al. (2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.) apresentam um quadro de três perspectivas, em que alguns valores, interpretações e práticas geram consenso em toda a organização, outros causam conflitos e alguns ainda não estão bem definidos. Nas organizações, segundo eles, haveria uma existência simultânea de elementos de integração, conflito, poder e incerteza.

Por outro lado, o desenvolvimento de uma cultura é um processo de aprendizagem, uma vez que os fundadores da organização (Dauber, Fink & Yolles, 2012Dauber, D., Fink, G., & Yolles, M. (2012). A configuration model of organizational culture. Sage Open, 2(1), 1-16.; Gagliardi, 1986Gagliardi, P. (1986). The creation and change of organizational cultures: A conceptual framework. Organization Studies, 7(2), 117-134.) consideram um conjunto de crenças, mesmo que não sejam claras. À medida que certos grupos aprendem a lidar com seus problemas de adaptação e integração, desenvolve-se a cultura organizacional, que é ensinada aos novos membros desde que seja considerada e sentida como correta (Schein, 1991Schein, E. H. (1991). What is culture? In P. J. Frost, L. F. Moore, M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.). Reframing organizational culture (pp. 243-253). Newbury Park, CA: Sage.). As respostas a uma organização por parte de seus membros são formuladas para resolver um problema e também diminuir a ansiedade relacionada a ele (Gagliardi, 1986Gagliardi, P. (1986). The creation and change of organizational cultures: A conceptual framework. Organization Studies, 7(2), 117-134.). Indivíduos e grupos mais poderosos, entretanto, podem influenciar a interpretação dos outros sobre eventos (Lucas & Kline, 2008Lucas, C., & Kline, T. (2008). Understanding the influence of organizational culture and group dynamics on organizational change and learning. Learning Organization, 15(3), 277-287.).

As mudanças na cultura, além dos aspectos materiais, também incluem uma redefinição de significados, mas não necessariamente de valores e significados-chave (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.; Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.). Por outro lado, alguns aspectos mais enraizados na cultura são difíceis de mudar, além do que a cultura pode mudar para permanecer o que sempre foi: as mudanças no comportamento não significam necessariamente mudanças nas crenças e valores (Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.; Gagliardi, 1986Gagliardi, P. (1986). The creation and change of organizational cultures: A conceptual framework. Organization Studies, 7(2), 117-134.; Ogbonna & Harris, 2014Ogbonna, E., & Harris, L. C. (2014). Organizational cultural perpetuation: A case study of an english premier league football club. British Journal of Management, 25(4), 667-686.). A cultura, contudo, é constantemente criada e transformada à medida que os grupos de pessoas interagem socialmente uns com os outros, em um estado de fluxo sem limites claros (Lee, Kim & Park, 2015Lee, S. J., Kim, J., & Park, B. I. (2015). Culture clashes in cross-border mergers and acquisitions: A case study of Sweden’s Volvo and South Korea’s Samsung. International Business Review, 24(4), 580-593.). Nesse sentido, a abertura a novas ideias é essencial para a mudança cultural (Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.).

2.2 Marketing de relacionamento e relacionamentos interorganizacionais

Organizações que fazem parte de uma cadeia de valor reconhecem os benefícios do marketing de relacionamento, definido como um processo de interação e engajamento que estabelece, desenvolve e mantém relacionamentos cooperativos de longo prazo com benefícios mútuos entre as partes (Hakansson & Snehota, 1995Hakansson, H., & Snehota, I. (1995). Developing relationships in business networks. London, UK: Routledge.; Morgan & Hunt, 1994Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.; Palmatier, 2008Palmatier, R. W. (2008). Relationship marketing. Cambridge, MA: Marketing Science Institute.). A interação mostra que os resultados vêm de ações e reações, realizadas pelos envolvidos, porque ambos os lados desempenham papéis ativos (Hakansson & Snehota, 1995Hakansson, H., & Snehota, I. (1995). Developing relationships in business networks. London, UK: Routledge.; Pels, Moller & Saren, 2009Pels, J., Moller, K., & Saren, M. (2009). Do we really understand business marketing? Getting beyond the RM - BM matrimony. Journal of Business & Industrial Marketing, 24(5), 322-336.).

Segundo Cannon e Perreault (1999Cannon, J. P., & Perreault, W. D., Jr. (1999). Buyer-seller relationships in business markets. Journal of Marketing Research, 36(4), 436-460.), relacionamentos eficazes ajudam as partes envolvidas a gerenciar a incerteza e a dependência, aumentar a eficiência por meio da redução de custos e melhorar a orientação do mercado, por meio de uma melhor compreensão dos clientes. O marketing de relacionamento tem como objetivo gerar relacionamentos lucrativos a longo prazo entre os parceiros (Miquel-Romero, Caplliure-Giner & Adame-Sánchez, 2014Miquel-Romero, M. J., Caplliure-Giner, E. M., & Adame-Sánchez, C. (2014). Relationship marketing management: Its importance in private label extension. Journal of Business Research, 67(5), 667-672.). A este respeito, quanto mais ambas as partes estiverem motivadas a manter o relacionamento e imbricadas entre si, menor o risco da dissolução da relação e maior a disposição delas a investir nesse relacionamento - sobretudo em investimentos não recuperáveis (Scheer, Miao & Palmatier, 2015Scheer, L. K., Miao, C. F., & Palmatier, R. W. (2015). Dependence and interdependence in marketing relationships: Meta-analytic insights. Journal of the Academy of Marketing Science, 43(6), 694-712).

As estratégias de marketing de relacionamento, porém, não são uma solução para todos os clientes em todas as situações possíveis (Agariya & Singh, 2011Agariya, A. K., & Singh, D. (2011). What really defines Relationship Marketing? A review of definitions and general and sector-specific defining constructs. Journal of Relationship Marketing, 10(4), 203-237.; Schakett, Flaschner, Gao & El-Ansary, 2011Schakett, T., Flaschner, A., Gao, T., & El-Ansary, A. (2011). Effects of social bonding in business-to-business relationships. Journal of Relationship Marketing, 10(4), 264-280.). Os relacionamentos dependem do tempo para serem desenvolvidos. Além disso, alguns clientes não desejam manter um relacionamento próximo com seus fornecedores e vice-versa. Nesse sentido, os relacionamentos precisam ser estáveis o suficiente para durar um tempo e dinâmicos o suficiente para assegurar o desenvolvimento de capacidades (Batt & Purchase, 2004Batt, P. J., & Purchase, S. (2004). Managing collaboration within networks and relationships. Industrial Marketing Management, 33(3), 169-174.).

Confiança, comprometimento e cooperação são alguns dos elementos-chave dos relacionamentos (Agariya & Singh, 2011Agariya, A. K., & Singh, D. (2011). What really defines Relationship Marketing? A review of definitions and general and sector-specific defining constructs. Journal of Relationship Marketing, 10(4), 203-237.; Gummesson, 2017Gummesson, E. (2017). From relationship marketing to total relationship marketing and beyond. Journal of Services Marketing, 31(1), 16-19.; Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.). Confiança, crença da empresa sobre a honestidade e boa vontade do outro (Geyskens, Steenkamp & Kumar, 1999Geyskens, I., Steenkamp, J., & Kumar, N. (1999). A meta-analysis of satisfaction in marketing channel relationships. Journal of Marketing Research, 36(2), 223-238.), faz com que parceiros fiquem mais propensos a compartilhar informações, aumenta a sensação de segurança e reduz o oportunismo (Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.). No entanto, ela diminui em ambientes instáveis (Kang & Jindal, 2015Kang, B., & Jindal, R. P. (2015). Opportunism in buyer-seller relationships: Some unexplored antecedents. Journal of Business Research, 68(3), 735-742.). Comprometimento é a vontade permanente de manter um relacionamento (Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.). Além disso, os relacionamentos são moldados por um ambiente social que permite a cooperação, quando as interações passadas são vistas favoravelmente e as ações futuras são consideradas construtivas (Morgan, 2000Morgan, R. M. (2000). Relationship marketing and marketing strategy: The evolution of relationship marketing strategy within the organization. In J. Sheth, & A. Parvatiyar (Eds.), Handbook of relationship marketing (Cap. 18, pp. 481-504). Thousand Oaks, CA: Sage.). O comprometimento influencia a cooperação de forma positiva; ambos são influenciados positivamente pela confiança (Morgan & Hunt, 1994Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.; Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.).

Em relação a esse aspecto, Plewa (2009Plewa, C. (2009). Exploring organizational culture difference in relationship dyads. Australasian Marketing Journal, 17(1), 46-57.) afirma que, em situações incertas, as pessoas devem prestar atenção ao aumento da confiança e à diminuição das diferenças entre os parceiros; em condições mais estáveis, é preciso concentrar-se no desenvolvimento do comprometimento. Miquel-Romero et al. (2014Miquel-Romero, M. J., Caplliure-Giner, E. M., & Adame-Sánchez, C. (2014). Relationship marketing management: Its importance in private label extension. Journal of Business Research, 67(5), 667-672.) argumentam que a geração de confiança e comprometimento, que resulta em lealdade, é um objetivo estratégico e uma fonte de rentabilidade a longo prazo, embora a proporção maior de interdependência esteja associada a uma maior cooperação díade, que pode ser significativamente menor quando a interdependência se baseia em custos de transferência em vez de interdependência do valor do relacionamento (Scheer et al., 2015Scheer, L. K., Miao, C. F., & Palmatier, R. W. (2015). Dependence and interdependence in marketing relationships: Meta-analytic insights. Journal of the Academy of Marketing Science, 43(6), 694-712).

Nos relacionamentos, um agente significativo é o boundary spanner, que atua como um representante da organização ou intérprete do ambiente externo em fronteiras organizacionais (Araujo, Dubois & Gadde, 2003Araujo, L., Dubois, A., & Gadde, L. (2003). The multiple boundaries of the Firm. Journal of Management Studies, 40(5), 1255-1277.), por exemplo, vendedores, compradores e gerentes relacionados a relacionamentos interorganizacionais. As fronteiras são lugares de contato altamente carregado, onde ocorrem diferenças e trocas (conflito, poder e conversão de recursos) (Halley, 2001Halley, A. A. (2001). Applications of boundary theory to organizational and interorganizational culture. In R. J. Stupak, & P. M. Leitner (Eds.), Handbook of Public Quality Management (pp. 135-147). New York, NY: Marcel Dekker.). Elas ajudam a estabelecer e manter hábitos, expectativas e papéis, além de fornecer defesa e permitir o intercâmbio (Araujo et al., 2003Araujo, L., Dubois, A., & Gadde, L. (2003). The multiple boundaries of the Firm. Journal of Management Studies, 40(5), 1255-1277., Halley, 2001Halley, A. A. (2001). Applications of boundary theory to organizational and interorganizational culture. In R. J. Stupak, & P. M. Leitner (Eds.), Handbook of Public Quality Management (pp. 135-147). New York, NY: Marcel Dekker.). Quanto mais as organizações dependem de relacionamentos interorganizacionais, mais suas fronteiras podem mudar (Araujo et al., 2003Araujo, L., Dubois, A., & Gadde, L. (2003). The multiple boundaries of the Firm. Journal of Management Studies, 40(5), 1255-1277.). Assim, os relacionamentos interorganizacionais podem ser vistos como dutos através das fronteiras organizacionais (Ballantyne, Christopher & Payne, 2003Ballantyne, D., Christopher, M., & Payne, A. (2003). Relationship marketing: Looking back, looking forward. Marketing Theory, 3(1), 159-166.).

Os boundary spanners representam o veículo mais importante para construir e manter relacionamentos sólidos (Palmatier, 2008Palmatier, R. W. (2008). Relationship marketing. Cambridge, MA: Marketing Science Institute.). Um dos problemas que está muito relacionado a eles, no entanto, é o conflito de papéis, definido como as incertezas proeminentes enfrentadas (Singh & Rhoads, 1991Singh, J., & Rhoads, G. K. (1991). Boundary role ambiguity in marketing oriented positions: A multidimensional, multifaceted operationalization. Journal of Marketing Research, 28(3), 328-338.). À medida que eles interagem com membros de outros grupos, podem experimentar expectativas conflitantes sobre como desempenhar seu papel, o que pode levar a efeitos negativos em seus relacionamentos (Friedman & Podolny, 1992Friedman, R. A., & Podolny, J. (1992). Differentiation of boundary spanning roles. Administrative Science Quarterly, 37, 28-47.). A existência de relacionamentos pessoais de boa qualidade reduz o conflito de papéis, atenuando os significados divergentes (Haytko, 2004Haytko, D. L. (2004). Firm-to-firm and interpersonal relationships. Journal of the Academy of Marketing Science, 32(3), 312-328.).

2.3 Cultura organizacional e marketing de relacionamento

O desenvolvimento dos relacionamentos não só exige investimento de recursos e seleção de parceiros, mas também confiança, valores compatíveis, comprometimento, estabilidade, frequência e qualidade das interações (Gummesson, 2008Gummesson, E. (2008). Total relationship marketing (3rd ed.). Oxford, UK: Elsevier: Butterworth-Heinemann.; Iglesias et al., 2011Iglesias, O., Sauquet, A., & Montaña, J. (2011). The role of corporate culture in relationship marketing. European Journal of Marketing, 45(4), 631- 650.; Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.). Depende de como a confiança e o comprometimento se transformam em cooperação e, portanto, em ação. Por outro lado, como afirmado por Luthans (2010Luthans, F. (2010). Organizational behavior (12nd ed.). New York, NY: McGraw-Hill.), quanto mais atividades forem compartilhadas, mais interações ocorrerão e mais fortes serão os sentimentos entre as pessoas; quanto mais frequentes forem as interações, mais as atividades e sentimentos serão compartilhados; quanto mais fortes forem os sentimentos, mais pessoas vão compartilhar atividades e interagir.

Os relacionamentos são culturais: as interações são construídas em premissas culturais (Ellis, Lowe & Purchase, 2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.). Os benefícios dos relacionamentos dependerão de quanto eles são valorizados em nível organizacional e são enraizados na cultura organizacional (Winklhofer, Pressey & Tzokas, 2006Winklhofer, H., Pressey, A., & Tzokas, N. (2006). A cultural perspective of relationship orientation: Using organizational culture to support a supply relationship orientation. Journal of Marketing Management, 22(1), 169-194.). Os relacionamentos envolvem o ponto de encontro de diferentes culturas (Plewa, 2009Plewa, C. (2009). Exploring organizational culture difference in relationship dyads. Australasian Marketing Journal, 17(1), 46-57.). Sobre isso, é a partir da compatibilidade de valores, que precedem a confiança e o comprometimento (Morgan, 2000Morgan, R. M. (2000). Relationship marketing and marketing strategy: The evolution of relationship marketing strategy within the organization. In J. Sheth, & A. Parvatiyar (Eds.), Handbook of relationship marketing (Cap. 18, pp. 481-504). Thousand Oaks, CA: Sage.; Morgan & Hunt, 1994Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.), que se podem identificar semelhanças entre organizações (experiências passadas, ações atuais e expectativas futuras).

A ambiguidade e a complexidade são razões para que a cooperação ocorra, porque organizações interdependentes com interesses semelhantes, apesar de terem pontos de vista diferentes, geram um certo grau de familiaridade e soluções juntas (Pitsis, Kornberger & Clegg, 2004Pitsis, T. S., Kornberger, M., & Clegg, S. (2004). The art of managing relationships in interorganizational collaboration. M@nagement, 7(3), 47-67.). Com base em valores compatíveis, confiança, comprometimento, cooperação e formas de perceber e lidar com a realidade, é possível observar que os relacionamentos podem interferir nas culturas organizacionais envolvidas, considerando as perspectivas culturais de Martin et al. (2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.).

Essas mudanças culturais, todavia, podem levar ao desenvolvimento de uma cultura que envolve pessoas de organizações diferentes, uma cultura interorganizacional? A cultura interorganizacional pode ser percebida como uma rede de significados e símbolos que circulam entre as fronteiras organizacionais, uma interação e combinação entre símbolos e significados que podem levar a novos significados. Saenz, Revilla e Knoppen (2014Saenz, M. J., Revilla, E., & Knoppen, D. (2014). Absorptive capacity in buyer-supplier relationships: Empirical evidence of its mediating role. Journal of Supply Chain Management, 50(2), 18-40) definem a cultura interorganizacional como um conjunto de normas ou valores compartilhados por diferentes organizações.

Além disso, quanto maior a frequência e o nível de comunicação nos relacionamentos, maior a chance de integração cultural; quanto maior a compreensão cultural entre os parceiros, maior a qualidade da relação (Iglesias et al, 2011Iglesias, O., Sauquet, A., & Montaña, J. (2011). The role of corporate culture in relationship marketing. European Journal of Marketing, 45(4), 631- 650.; Palmatier, 2008Palmatier, R. W. (2008). Relationship marketing. Cambridge, MA: Marketing Science Institute.). As diferenças culturais, porém, são maiores nos relacionamentos com pior desempenho (Beugelsdijk, Koen & Noorderhaven, 2009Beugelsdijk, S., Koen, C., & Noorderhaven, N. (2009). A dyadic approach to the impact of differences in organizational culture on relationship performance. Industrial Marketing Management, 38(3), 312-323.) e escolher um parceiro com valores semelhantes pode manter a cooperação em longo prazo (Wang & Zhang, 2017Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127.).

Por isso, pode notar-se que a cultura interorganizacional não é necessariamente a única cultura para organizações parceiras (perspectiva de integração). A esse respeito, a perspectiva de diferenciação, perspectiva de fragmentação ou a estrutura de três perspectivas pode ser considerada (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.).

3 Método

Esta pesquisa é classificada como um estudo qualitativo de casos múltiplos (Merriam, 2009Merriam, S. B. (2009). Qualitative research. San Francisco, CA: Jossey-Bass.; Yin, 2014Yin, R. K. (2014). Case study research (5th ed.). Thousand Oaks, CA: Sage .). Participaram duas unidades de negócios estratégicas (SBUs) localizadas no sul do Brasil, de diferentes grupos industriais. Uma delas fabrica móveis personalizados (Empresa M, fundada em meados da década de 1990). A outra presta serviços financeiros (Empresa S, fundada em meados da década de 1980). Essas SBUs foram escolhidas por causa do relacionamento próximo com seus intermediários de vendas (grande número de interações e presença de confiança, comprometimento e cooperação).

Quanto à unidade de análise, a díade foi considerada (Achrol, Reve & Stern, 1983Achrol, R. S., Reve, T., & Stern, L. W. (1983). The environment of marketing channel dyads: A framework for comparative analysis. Journal of Marketing, 47(4), 55-67.) com a participação de indivíduos de empresas fornecedoras e intermediários de vendas envolvidos nos relacionamentos. Em relação às díades, a Empresa M possui apenas lojas de móveis exclusivas como intermediários, com contrato exclusivo por região. A Empresa S trabalha com um sistema de franquias. Gerentes, supervisores, analistas e assistentes (dos fornecedores) e proprietários (dos intermediários) participaram da pesquisa. Os intermediários foram escolhidos pelo critério de alto nível de interação com as empresas (relacionamentos positivos e negativos).

Os dados foram coletados em quatro estágios diferentes. No 1º estágio, durante cinco meses, realizaram-se quinze entrevistas pessoais em profundidade na Empresa M: uma com o gerente de vendas, gerente de marketing e ex-gerente de vendas, respectivamente; seis com supervisores de vendas, quatro com assistentes de vendas e um com o supervisor administrativo e o supervisor de design da loja, respectivamente. Cinco foram realizados em lojas de móveis (proprietários). Utilizou-se um mesmo roteiro semiestruturado com base nos objetivos específicos e no referencial teórico, cujas questões foram relacionadas à qualidade das interações, confiança, comprometimento, aprendizagem, cooperação, papel dos boundary spanners, significados culturais, fatos representativos sobre a evolução da organização, semelhanças culturais e diferenças dentro da empresa e entre grupos e organizações, além de mudanças culturais de acordo com o desenvolvimento de relacionamento. Além disso, observou-se uma Convenção de Lojistas de Móveis. No 2º estágio, durante três meses, foram realizadas nove entrevistas em profundidade na Empresa S (uma com o gerente de franquias, o supervisor do serviço ao cliente, o analista de finanças, o assistente de atendimento ao cliente e o assistente de marketing, respectivamente, duas com assistentes administrativos e assistentes de vendas, respectivamente) e duas com franqueados (proprietários), com o mesmo roteiro utilizado para a Empresa M. Nesse caso, a observação não foi autorizada pela Empresa S.

Tendo os resultados do primeiro e segundo estágios e suas relações com o referencial teórico, desenvolveu-se um segundo roteiro semiestruturado, cujas questões foram relacionadas a interações interorganizacionais, conflitos e incertezas nos relacionamentos, manifestações culturais e suas relações com relacionamentos, rotatividade de pessoal, mudanças culturais através de relacionamentos e expectativas com relacionamentos. No 3º estágio, durante um mês, foram realizadas seis entrevistas na Empresa M: uma com o gerente de vendas, gerente de marketing e supervisor administrativo, respectivamente; duas com supervisores de vendas; uma com um proprietário de loja. No 4º estágio, durante um mês, houve nove entrevistas na Empresa S: uma com o gerente de franquias, o supervisor de atendimento ao cliente, o analista financeiro, o assistente de atendimento ao cliente, o assistente de marketing, um assistente administrativo e um assistente de vendas, respectivamente; duas com franqueados (proprietários). As entrevistas, que duraram cerca de 65 minutos (1º e 2º estágios) e 40 minutos (3º e 4º estágios), foram gravadas e transcritas. O número de entrevistas em cada estágio baseou-se no critério de redundância (Merriam, 2009Merriam, S. B. (2009). Qualitative research. San Francisco, CA: Jossey-Bass.).

Considerando a qualidade no processo de pesquisa qualitativa (Gubba & Lincoln, 2011Gubba, E. G., & Lincoln, Y. S. (2011). Paradigmatic controversies, contradictions, and emerging confluences, revisited. In N. K. Denzin, & Y. S. Lincoln (Eds), The SAGE Handbook of Qualitative Research, (3rd. ed., Cap. 8, pp. 191-234). Thousand Oaks, CA: Sage.; Miles, Huberman & Saldaña, 2014Miles, M. B., Huberman, A. M., & Saldaña, J. (2014). Qualitative data analysis (3rd ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.; Yin, 2014Yin, R. K. (2014). Case study research (5th ed.). Thousand Oaks, CA: Sage .), houve confiabilidade devido à coerência na coleta de dados (tempo dedicado aos procedimentos de coleta de dados, escolha dos entrevistados e tipo de interação com os entrevistados). Sobre a validade, a triangulação de dados foi realizada através das entrevistas com o pessoal das díades, em quatro etapas diferentes, juntamente com o uso de duas técnicas de coleta, que forneceram provas suficientes para a compreensão do fenômeno, contribuindo com a plausibilidade e credibilidade dos resultados.

Utilizou-se o procedimento de análise de dados derivado da teoria fundamentada em dados (grounded theory) (Charmaz, 2014Charmaz, K. (2014). Constructing grounded theory. London, UK: Sage.). Com base nos procedimentos de Charmaz (2014Charmaz, K. (2014). Constructing grounded theory. London, UK: Sage.), a partir de dimensões orientadoras (confiança, comprometimento, cooperação, aprendizagem, dificuldades de relacionamento, significados e símbolos), derivados do conjunto de perguntas dos roteiros de entrevista e observação, resumiram-se trechos de dados, gerando as principais ideias (códigos). Por fim, realizou-se uma microanálise, quando os códigos, agrupados, geraram categorias.

4 Resultados e discussão

4.1 Os relacionamentos interorgani-zacionais nas empresas: aspectos gerais

A atividade com lojas exclusivas na Empresa M e com franquias na Empresa S exige mais proximidade com os intermediários do canal. Embora existam acordos contratuais, eles não parecem limitar processos sociais e culturais ligados ao relacionamento. Os processos de vendas envolvidos podem ser considerados complexos. A Empresa M lida com projetos e montagem, que mobilizam a vida dos consumidores finais e suas emoções. Eles também lidam com outros profissionais, como arquitetos e designers de interiores. A Empresa S trata de várias regras financeiras, que influenciam o desenvolvimento de argumentos de vendas.

De acordo com os entrevistados, em geral, a importância do relacionamento deve ser evidente através do nível de preocupação em fazer o que foi prometido, através do constante intercâmbio de informações, e através da integração entre as equipes, confiabilidade sobre o que está sendo feito, através da disposição em aprender e resolver problemas, enfatizando a presença dos elementos centrais do marketing de relacionamento: confiança, comprometimento e cooperação (Gummesson, 2017Gummesson, E. (2017). From relationship marketing to total relationship marketing and beyond. Journal of Services Marketing, 31(1), 16-19.; Palmatier et al., 2006Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.), além da importância da aprendizagem, principalmente informal, que fortalece o desenvolvimento e desempenho de relacionamentos (Altinay & Brookes, 2012Altinay, L., & Brookes, M. (2012). Factors influencing relationship development in franchise partnerships. Journal of Services Marketing, 26(4), 278-292.;. Ellis et al, 2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.). Apresentamos alguns trechos da entrevista:

Confiança: Como ele [franqueado] entendeu nossa filosofia e a aceitou [contribuição para integrar mais]. Ele baixou a guarda. Eu entendo que há um processo e que ele pode contribuir com esse processo, o que nem sempre é a forma que ele quer, mas que podemos chegar a um ponto comum. Isso, em comparação com os últimos oito anos, você pode ver com clareza. Eles entendem mais. O processo mudou (Assistente de Marketing S).

Comprometimento: Eles têm aumentado muito o número de funcionários para nos dar apoio. Eles fornecem treinamentos muito interessantes. Eles não nos deixam à deriva, eles estão presentes. Claro que o resultado é o que vamos fazer. Esta presença da sua busca por alternativas demonstra que eles estão comprometidos (Franquia S).

Cooperação: Eles (loja) começam a procurar novos mercados, sabem que a empresa irá dar-lhes apoio. Antes, tinham muito medo, devido ao seu investimento. Agora há muitas possibilidades com esta loja, eles pedem opiniões, sugestões. Há essa abertura, de palpitar. Ele os devolveu. Ouvi nesta loja no início que eles estavam órfãos e abandonados (Supervisor de Vendas M).

Aprendizagem: Nós aprendemos muito [com as franquias]. Eles têm sensibilidade na ponta dos dedos. Muitas práticas que funcionaram bem em uma franquia, espalhamos para outros. É uma ótima aprendizagem quando os visitamos. Aprender o que não fazer e o que fazer. Eles são muito críticos ao levantar os “porquês”, mas há momentos em que eles percebem que certas questões contribuirão com a segurança de S e, consequentemente, com a segurança da franquia e eles compram a ideia. Existe um espírito de colaboração (Assistente de Vendas S).

A Tabela 1 traz um resumo comparativo entre M e S, com base nos resultados empíricos. Aspectos mais amplos, como a forma como a confiança é vista, a importância da cooperação, os processos de aprendizagem e problemas são semelhantes entre elas. A qualidade da confiança, ações de cooperação e aprendizagem são melhores na Empresa S.

Além disso, as principais dificuldades de relacionamento identificadas estavam relacionadas ao nível de rotatividade dos funcionários, principalmente as equipes de vendas dos intermediários e a compreensão do outro lado. Os altos níveis de rotatividade afetam negativamente o desenvolvimento das organizações (Mohr, Young & Burgess, 2012Mohr, D., Young, G. J., & Burgess, J. F. (2012). Employee turnover and operational performance: The moderating effect of group-oriented organizational culture. Human Resource Management Journal, 22(2), 216-233.). O volume de negócios, associado à redução do tempo disponível para visitar pontos de venda pelas empresas fornecedoras, leva o relacionamento a acontecer principalmente entre proprietários ou gerentes dos intermediários. Nos fornecedores, principalmente nos departamentos de pessoal, predominam a dificuldade de entender o outro lado, dada a falta de conhecimento da realidade dos intermediários.

Sempre que você tem uma franquia com maior rotatividade de funcionários, os processos também vêm com um nível de dificuldade maior. Geralmente, quando a franquia tem um volume de negócios menor, a área de vendas desempenha o papel esperado, a equipe operacional/administrativa já percebe o que falta ou o que precisa ser organizado. O volume de negócios é um grande problema. O que causa a insatisfação do cliente é o volume de negócios (Assistente Financeiro S).

Algumas dessas dificuldades seriam maiores se as empresas não estivessem abertas para ouvir os problemas dos intermediários. Essas descobertas indicam uma relação entre culturas organizacionais e práticas de relacionamento (Ellis et al., 2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.; Gummesson, 2008Gummesson, E. (2008). Total relationship marketing (3rd ed.). Oxford, UK: Elsevier: Butterworth-Heinemann.; Iglesias et al., 2011Iglesias, O., Sauquet, A., & Montaña, J. (2011). The role of corporate culture in relationship marketing. European Journal of Marketing, 45(4), 631- 650.; Winklhofer et al., 2006Winklhofer, H., Pressey, A., & Tzokas, N. (2006). A cultural perspective of relationship orientation: Using organizational culture to support a supply relationship orientation. Journal of Marketing Management, 22(1), 169-194.).

Tabela 1:
Comparações relativas ao relacionamento - Empresas M e S

4.2 Culturas organizacionais das empresas

Identificou-se um número considerável de significados semelhantes, principalmente sobre aspectos positivos, como ética, respeito às pessoas, estabilidade e relacionamento. No que diz respeito às diferenças, a Empresa M apresentou menos agilidade e menor ousadia, principalmente devido à centralização da tomada de decisão. Na Tabela 2, apresentam-se os resultados empíricos sintetizados.

Tabela 2:
Culturas organizacionais das empresas pesquisadas

Ambas as empresas têm diferenças relacionadas com as outras unidades de grupos industriais dos quais elas fazem parte. Por causa de seus bens/serviços, seus intermediários, os mercados em que estão presentes e os seus líderes anteriores, as empresas M e S mostram mais dinamismo, mais importância dada aos relacionamentos e são menos tradicionais. Na Empresa M, existe abertura para discutir ideias e apresentar projetos, mas argumentos muito consistentes são necessários para obter uma aprovação por parte do conselho de administração. Na Empresa S, a maior descentralização leva a um maior número de decisões a serem tomadas nos níveis hierárquicos intermediários. Outro aspecto é o foco no cliente, trabalho em equipe e na preocupação com a solução de problemas.

Percebemos claramente características muito industriais, de onde vieram (fundadores). Mas há uma maior humanização aqui, uma humildade com profissionalismo. Eu trabalhei em uma empresa em que havia rudeza no negócio. Aqui, a maneira como você é tratado é polida, não formal. Há respeito pelo ser humano (Gerente de Vendas M).

Além disso, em ambas as empresas, foi possível identificar as dificuldades para substituir intermediários que apresentam vendas e desempenhos financeiros insatisfatórios. Uma das razões é a forma como a substituição é vista, quando é preferível dar uma chance para os intermediários melhorarem, relacionada aos significados associados à estabilidade.

Comparando as empresas com intermediários, culturalmente, encontraram-se muitas semelhanças. Algumas das características das empresas foram previamente valorizadas pelos intermediários, tais como ética, simplicidade, estabilidade e importância dada aos relacionamentos. Os intermediários que têm um relacionamento mais próximo são os que mais desempenham essas características. Uma possível razão está relacionada com os intermediários que já foram funcionários da empresa, e aos intermediários com valores compatíveis desde o início dos relacionamentos. As diferenças foram observadas principalmente por causa da natureza do negócio. Os intermediários lidam com varejo e têm uma visão mais orientada para o mercado, enquanto as empresas, principalmente Empresa M, têm uma visão mais industrial.

Eles [empresa e conselho] são muito humildes; não mostram o que têm. Eu também vim de uma situação humilde. Não há nenhum esforço por parte de todos na empresa no sentido de comportar-se de determinadas maneiras, não é artificial, é natural. Todo mundo está disponível para ajudar. Eles são pessoas educadas e humildes (Intermediário M)

Quanto às expressões culturais (símbolos), os mitos dos fundadores dos grupos industriais foram identificados, as pessoas de origem humilde. Há também o mito do “Patinho Feio”, alusão à rentabilidade da Empresa M e à necessidade de investimentos. A partir das cerimônias, que envolvem vários ritos, além das festas de confraternização internas, há também eventos de confraternização com os intermediários. Na Empresa M, existe a “Convenção das Lojas de Móveis”, quando as ações são oficializadas e as ideias são compartilhadas. Na Empresa S, há uma reunião de franqueados, pelo menos uma vez por ano, sob a responsabilidade do franqueado, para a troca de ideias e integração com novos intermediários. Outro aspecto que se destaca tem a ver com as premiações constantes que a empresa recebe, o que geralmente melhora o espírito de equipe.

4.3 Mudanças culturais organizacionais

As mudanças culturais nas expressões, bem como em significados, que ocorreram ao longo do tempo, puderam ser identificadas, tanto para os intermediários quanto para as empresas, com uma contribuição dos relacionamentos interorganizacionais, considerando que uma cultura se desenvolve à medida que certos grupos organizacionais aprendem a lidar com problemas, bem como com a forma de percebê-los ao longo do tempo (Schein, 1991Schein, E. H. (1991). What is culture? In P. J. Frost, L. F. Moore, M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.). Reframing organizational culture (pp. 243-253). Newbury Park, CA: Sage.). Os resultados empíricos são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3:
Mudanças culturais organizacionais

Considerando a contribuição das empresas aos intermediários em mudanças culturais, identificaram-se valores compatíveis, especificamente significados/valores apreciados pelos intermediários. Os entrevistados enfatizaram a humildade e a importância dada aos relacionamentos, que foram reforçadas com a interação.

As mudanças culturais também estão relacionadas com práticas de gestão, devido à falta de referências em gestão dos intermediários. Na Empresa M, o “Conceito”, um conjunto de orientações estratégicas e operacionais, faz parte do vocabulário e práticas dos proprietários da loja. Na Empresa S, há uma forte influência das práticas de gestão de pessoas. Há também a situação dos ex-funcionários das empresas que agora são intermediários. Nesse caso, as características da cultura organizacional do fornecedor, por ser, no passado, a principal referência de organização para eles, têm contribuído com o desenvolvimento da cultura organizacional da nova empresa, apesar dos desafios enfrentados para desempenhar o papel de empresários.

Nossa escola está lá. Em nossos valores há um bocado de S. Eu acredito que uma franquia com as pessoas que foram criadas dentro de S faz dos valores muito mais presentes. Mas, ao longo do tempo, os valores são absorvidos por osmose. Eu vejo a rede de franquias de forma muito transparente. Não estamos pensando apenas em nós mesmos, mas na rede. Ao fortalecer a rede, estamos fortalecendo a nós mesmos (Franquia S).

A contribuição dos intermediários às empresas diz respeito a uma melhor compreensão das necessidades do mercado. Na Empresa S, houve uma mudança na percepção de seus funcionários sobre o mercado de franquias nos treinamentos realizados por eles ao pessoal de franquias. Experiências de mercado compartilhadas oferecem um entendimento compartilhado (Gebhardt, Carpenter & Sherry, 2006Gebhardt, G. F., Carpenter, G. S., & Sherry, J. F., Jr. (2006). Creating a market orientation: A longitudinal, multifirm, grounded analysis of cultural transformation. Journal of Marketing, 70(4), 37-55.).

Eu acho que a visão de mercado por parte da Empresa S evoluiu muito. Hoje podemos mudar algumas coisas lá dentro. Eles estão ouvindo mais. O mercado determina os caminhos. Depois de conversar muito, eles começam a entender o que o mercado quer (Franquia S).

Outro ponto são as experiências passadas dos intermediários com outros fornecedores, contribuindo com os atuais. Na Empresa M, um dos empresários com o melhor desempenho na rede de lojas foi varejista exclusivo de outra marca por muitos anos, com um foco muito intensivo em resultados. Este proprietário de loja, apesar de desaprovar tal aspecto, continua a ter um maior foco em resultados do que a Empresa M, herança do antigo fornecedor.

Alguns varejistas trouxeram elementos interessantes à rede, o que era algo que eles estavam procurando incorporar como um valor, a busca do lucro pela venda, a vontade de vender, o que não era, e ainda talvez não seja, um valor da M. Eles trouxeram valores, mas também eles próprios incorporaram a filosofia M (Ex-Gerente de Vendas M).

Além disso, houve uma contribuição dos significados dos outros, externa aos fornecedores e intermediários, que mostra uma relação de subculturas profissionais (Martin et al, 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.; Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.). Na Empresa M, os arquitetos são considerados formadores de opinião no mercado. Alguns de seus aspectos, como vocabulário e visão de mundo, foram incorporados pelos proprietários das lojas. Papel semelhante é atribuído aos consultores de franquia, na Empresa S.

Esses outros varejistas [com grande desempenho] já enxergaram o todo, o conceito do produto, o design, a compreensão, porque eles têm um diálogo mais forte com os arquitetos, eles sabem a linguagem do arquiteto (Designer M).

Por outro lado, uma característica cultural pode permitir ou facilitar o surgimento ou o reforço de uma outra característica cultural. A cultura é transformada à medida que as pessoas interagem socialmente com os outros (Lee et al., 2015Lee, S. J., Kim, J., & Park, B. I. (2015). Culture clashes in cross-border mergers and acquisitions: A case study of Sweden’s Volvo and South Korea’s Samsung. International Business Review, 24(4), 580-593.), e abertura para novas ideias é essencial para a mudança cultural (Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.). O nível de abertura das empresas a novas ideias permitiu uma melhor abordagem do mercado. Além disso, uma maior interação das empresas com os intermediários e a necessidade de resolver problemas, principalmente na Empresa S, acabaram fazendo departamentos que não têm contato direto com o mercado mudar seu ponto de vista. As percepções do departamento operacional tornaram-se mais semelhante aos do departamento de vendas, levando à aproximação das áreas organizacionais da empresa.

Os líderes moldam a cultura (Moorman & Day, 2016Moorman, C., & Day, G. S. (2016). Organizing for marketing excellence. Journal of Marketing, 80(6), 6-35.). O papel da liderança em mudanças culturais foi identificado na Empresa M, com o ex-gerente de vendas que desenvolveu o “Conceito”. Na Empresa S, com um ex-diretor, que lançou muitas estratégias de gestão de pessoas. Além disso, identificaram-se algumas evidências relacionadas com a assimetria de poder, tendo em conta a influência de indivíduos e grupos mais poderosos na interpretação de outros sobre os eventos (Lucas & Kline, 2008Lucas, C., & Kline, T. (2008). Understanding the influence of organizational culture and group dynamics on organizational change and learning. Learning Organization, 15(3), 277-287.).

Com relação a isso, considerando a natureza conservadora e estável das culturas (Alvesson & Sveningsson, 2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.; Gagliardi, 1986Gagliardi, P. (1986). The creation and change of organizational cultures: A conceptual framework. Organization Studies, 7(2), 117-134.), muitos dos significados permanecem juntos dentro das empresas e intermediários. Um exemplo é o “Conceito”, mencionado anteriormente. O gerente responsável por sua elaboração havia saído e o Conceito deixou de ser usado amplamente, mas, mesmo assim, permaneceu com os donos de lojas. As pessoas saem, mas a cultura permanece. Na Empresa S, as práticas de gestão de pessoas foram influenciadas por um ex-diretor.

Outro gerente [depois de o anterior desenvolver o “Conceito”] tentou eliminar o Conceito, mas perceberam que nunca seriam capazes de fazê-lo, porque está impregnado. Os varejistas pediram que este conceito voltasse. M pode mudar todos os varejistas, mas o rosto do ex-gerente permanece, o Conceito continua (Varejista M).

As mudanças culturais, encontradas em algumas pessoas, grupos ou símbolos e significados, precisam dos relacionamentos para se fortalecer e se espalhar (Luthans, 2010Luthans, F. (2010). Organizational behavior (12nd ed.). New York, NY: McGraw-Hill.). Assim, com base em Ellis et al. (2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.) e Alvesson e Sveningsson (2008Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress. Abingdon, UK: Routledge.), as mudanças culturais identificadas provavelmente ocorreram principalmente devido aos momentos de interação e cooperação, os processos de aprendizagem, formação de confiança e comprometimento. Essas mudanças, no entanto, dependiam de um fundo cultural que já estava presente em ambas as empresas.

4.4 Desenvolvimento de uma cultura interorganizacional

De acordo com os resultados, o marketing de relacionamento em um contexto interorganizacional, principalmente através de confiança, comprometimento e aprendizagem, contribuem com o comportamento cooperativo e com as mudanças em alguns aspectos das culturas organizacionais envolvidas. Essas mudanças, por sua vez, dependem do conflito de papéis e da rotatividade dos boundary spanners. Segundo Lu et al. (2016Lu, V. N., Plewa, C., & Ho, J. (2016). Managing governmental business relationships: The impact of organisational culture difference and compatibility. Australasian Marketing Journal (AMJ), 24(1), 93-100.), manter uma relação bem-sucedida significa assegurar que as culturas organizacionais entre parceiros são compatíveis.

Portanto, pode-se afirmar a existência de uma cultura interorganizacional, de forma específica e restrita, que depende principalmente dos relacionamentos interorganizacionais, com predominância da perspectiva cultural de fragmentação (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.), identificadas na partilha de alguns significados entre indivíduos de diferentes organizações, como os departamentos de vendas e operacional/administrativo com os intermediários, e do Conselho de Administração com os intermediários. Essas relações estão representadas no esquema conceitual proposto (Figura 1), em que a estrutura de três perspectiva pode ser identificada (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.) no desenvolvimento de uma cultura interorganizacional. Há a Cultura do Fornecedor (a) e a Cultura do Intermediário (b), a partir de uma perspectiva de integração, símbolos e significados compartilhados por toda uma empresa (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.; Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.), e a Cultura dos Departamentos do Fornecedor (c) e Cultura dos Departamentos do Intermediário (d), a partir da perspectiva de diferenciação, na qual os significados específicos estão restritos a grupos de trabalho específicos (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.; Hofstede, 2001Hofstede, G. (2001). Culture’s consequences: Comparing values, behaviors, institutions and organizations across nations. Thousand Oaks, CA: Sage.; Van Maanen & Barley, 1985Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.).

Supõe-se que haveria um desenvolvimento da cultura interorganizacional nas zonas de intersecção entre as perspectivas culturais do fornecedor (“a” e “c”) e perspectivas culturais do intermediário (“b” e “d”), a partir da perspectiva de fragmentação, em que o consenso seria específico para um problema ou contexto determinado (Martin et al., 2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.). As perspectivas de fragmentação no fornecedor e no intermediário desempenhariam um papel indireto no seu desenvolvimento. Essas áreas de intersecção reforçam a natureza da cultura interorganizacional como uma rede de significados que flui dentro e fora do espaço organizacional, constantemente criada e transformada à medida que grupos de pessoas interagem socialmente com os outros, em um estado de fluxo sem qualquer limite claro (Cavedon, 2003Cavedon, N. R. (2003). Antropologia para administradores, Porto Alegre, BR: UFRGS.; Lee et al., 2015Lee, S. J., Kim, J., & Park, B. I. (2015). Culture clashes in cross-border mergers and acquisitions: A case study of Sweden’s Volvo and South Korea’s Samsung. International Business Review, 24(4), 580-593.).

Figura 1:
Esquema conceitual: Desenvolvimento de uma cultura interorganizacional

O esquema conceitual propõe que o desenvolvimento de uma cultura interorganizacional, com base em elementos iniciais (significados e símbolos compartilhados, abertura a novas ideias, a frequência e a qualidade das interações, o papel dos boundary spanners, experiências e trajetórias passadas, papel da liderança e assimetria de poder), é influenciado pelos relacionamentos interorganizacionais, através de elementos intermediários (confiança relacionada à informação, às ações e às pessoas, comprometimento com ações, resultados, e com as pessoas, processos e resultados de aprendizagem), que poderão contribuir mais tarde com os elementos resultantes (práticas cooperativas, significados e símbolos novos, redefinidos e reforçados, redução do conflito do papel do boundary spanner e aproximação das áreas organizacionais das empresas). Estes elementos e as relações entre eles são influenciados pelos elementos de enfraquecimento (nível de rotatividade dos boundary spanners e significados e símbolos não compartilhados). Além disso, esse desenvolvimento está relacionado com o contexto, além das organizações envolvidas (aspectos culturais, como outras culturas organizacionais e elementos das culturas nacionais, bem como dinâmica ambiental). É importante observar que os elementos iniciais e intermediários, resultantes e de enfraquecimento, bem como o contexto, foram originados a partir de categorias emergentes identificadas no estudo, fundamentadas nos resultados.

A partir de uma abordagem cultural, as fronteiras são definidas com base em significados compartilhados, e a cultura é transformada em um estado de fluxo sem qualquer limite claro: culturas organizacionais formam combinações de manifestações culturais (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.; Lee et al, 2015Lee, S. J., Kim, J., & Park, B. I. (2015). Culture clashes in cross-border mergers and acquisitions: A case study of Sweden’s Volvo and South Korea’s Samsung. International Business Review, 24(4), 580-593.). Assim, na estrutura proposta, as linhas tracejadas representam a permeabilidade entre perspectivas culturais, elementos relacionados com o desenvolvimento de uma cultura interorganizacional, e contexto. As setas duplas representam interações entre os elementos (relações de interdependência). Elementos iniciais podem influenciar e ser influenciados mais tarde por elementos intermediários e os elementos resultantes da cultura interorganizacional.

Assim, nosso estudo indica que a cultura interorganizacional pode ser vista como uma cultura de intersecção, dada a associação das perspectivas culturais entre fornecedores e intermediários, ou, ainda, uma cultura de fronteiras. Isso se deve ao fato de a cultura poder criar limites e permitir significados compartilhados entre fronteiras (Halley, 2001Halley, A. A. (2001). Applications of boundary theory to organizational and interorganizational culture. In R. J. Stupak, & P. M. Leitner (Eds.), Handbook of Public Quality Management (pp. 135-147). New York, NY: Marcel Dekker.), e os relacionamentos envolverem o ponto de encontro de diferentes culturas (Plewa, 2009Plewa, C. (2009). Exploring organizational culture difference in relationship dyads. Australasian Marketing Journal, 17(1), 46-57.). Seria também possível encarar a cultura interorganizacional como a cultura dos boundary spanners, envolvendo a interação dos boundary spanners dos intermediários (incluindo os proprietários) com os das empresas, principalmente naquelas áreas em que predominam, como marketing/vendas. A cultura constrói a coesão entre as pessoas de diferentes organizações e funciona como um agente de ligação (Grueso-Hinestroza & Antón-Rubio, 2015Grueso-Hinestroza, M. P., & Antón-Rubio, M. C. (2015). Cultural values in interorganizational networks: A proposal from the model of Shalom Shwartz (1992). Investigación y Desarrollo, 23(2), 369-390.). Como as práticas do marketing de relacionamento dependem de quanto elas são valorizadas em nível organizacional e enraizadas na cultura organizacional, desempenham, nesse sentido, um papel fundamental, porque permitem o desenvolvimento de pontos de encontro de diferentes culturas, uma vez que a interação com as pessoas é construída em premissas culturais (Ellis et al., 2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.; Plewa, 2009Plewa, C. (2009). Exploring organizational culture difference in relationship dyads. Australasian Marketing Journal, 17(1), 46-57.; Winklhofer et al., 2006Winklhofer, H., Pressey, A., & Tzokas, N. (2006). A cultural perspective of relationship orientation: Using organizational culture to support a supply relationship orientation. Journal of Marketing Management, 22(1), 169-194.).

5 Considerações finais

O marketing de relacionamento consiste em processos de interação e engajamento para a manutenção de relacionamentos cooperativos de longo prazo (Hakansson & Snehota, 1995Hakansson, H., & Snehota, I. (1995). Developing relationships in business networks. London, UK: Routledge.; Morgan & Hunt, 1994Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.; Palmatier, 2008Palmatier, R. W. (2008). Relationship marketing. Cambridge, MA: Marketing Science Institute.). Embora o campo do marketing de relacionamento tenha sido um tema importante da pesquisa acadêmica por mais de duas décadas, parece ainda mais significativo quando os relacionamentos são considerados complexos e multifacetados (Payne & Frow, 2017Payne, A., & Frow, P. (2017). Relationship marketing: Looking backwards towards the future. Journal of Services Marketing, 31(1), 11-15.).

Os relacionamentos interorganizacionais, bem como as culturas organizacionais, são complexos. Para seu desenvolvimento, eles dependem da comunicação, da aprendizagem, da confiança, do comprometimento, de significados e de símbolos compartilhados. Os relacionamentos não são escolhidos, mas desenvolvidos (Hunt et al., 2006Hunt, S. D., Arnett, D. B., & Madhavaram, S. (2006). The explanatory foundations of relationship marketing theory. Journal of Business Industrial Marketing, 21(2), 72-87.). Por outro lado, a cultura organizacional apresenta variação e contradição (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.).

Este estudo analisou a contribuição dos relacionamentos entre comprador e vendedor nas mudanças nas culturas organizacionais envolvidas. Foi possível identificar que os relacionamentos interferem em questões culturais, considerando a quantidade e a qualidade de interações entre diferentes organizações, a confiança, o comprometimento, a cooperação e os processos de aprendizagem. Essas alterações, não restritas aos intermediários, interferirão na continuidade dos relacionamentos. Sobre isso, observou-se o papel dos boundary spanners como profissionais de fronteira, assim como a importância de considerar os conflitos de papéis e os níveis de rotatividade de funcionários.

Os benefícios dos relacionamentos interorganizacionais dependerão de quanto eles são valorizados em nível organizacional e enraizados nas culturas organizacionais (Winklhofer et al., 2006Winklhofer, H., Pressey, A., & Tzokas, N. (2006). A cultural perspective of relationship orientation: Using organizational culture to support a supply relationship orientation. Journal of Marketing Management, 22(1), 169-194.). Observou-se que o marketing de relacionamento não está apenas associado às estratégias dos casos investigados, mas também é um elemento de suas culturas.

Como contribuições teóricas deste estudo, ficou evidente o poder de explicação e a complexidade das múltiplas perspectivas culturais de Martin et al. (2006Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.). Por outro lado, tornou-se clara a importância dos elementos constituintes do relacionamento nas mudanças culturais, especialmente a confiança (Pitsis et al., 2004Pitsis, T. S., Kornberger, M., & Clegg, S. (2004). The art of managing relationships in interorganizational collaboration. M@nagement, 7(3), 47-67.). Outra questão importante é a necessidade de considerar a aprendizagem, principalmente a informal (Janowicz-Panjaitana & Noorderhavenb, 2008Janowicz-Panjaitana, M., & Noorderhavenb, N. G. (2008). Formal and informal interorganizational learning within strategic alliances. Research Policy, 3(8), 1337-1355.).

Além disso, este estudo identificou a existência, mesmo que restrita, de uma cultura interorganizacional. É uma cultura originada de relacionamentos, uma intersecção de culturas, uma cultura de fronteiras. A cultura interorganizacional pode coexistir com outras culturas, mesmo porque é um produto delas e as suas interações, o que poderia aumentar o alcance das pessoas envolvidas, reduzindo assim os preconceitos. Chama a atenção, entretanto, o fato de que as culturas organizacionais podem, simultaneamente, criar coesão e orientação, tornando a ação coletiva e a vida organizacional possível por causa disso, mas também restringem a autonomia, a criatividade e questionamento (Alvesson, 2013Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture. London, UK: Sage.). Isso pode ser associado com o lado negro da cultura interorganizacional.

Este estudo contribui, ainda, com as práticas de marketing, indicando a necessidade de estar atento às relações entre ações de marketing de relacionamento e cultura organizacional. O relacionamento acontece porque há uma base cultural (Ellis et al., 2006Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.). Além disso, destaca a atenção para o papel dos boundary spanners (Araujo et al., 2003Araujo, L., Dubois, A., & Gadde, L. (2003). The multiple boundaries of the Firm. Journal of Management Studies, 40(5), 1255-1277.), seus conflitos de papéis e níveis de rotatividade. A esse respeito, um canal adequado para a interação e comunicação entre as organizações pode facilitar o desenvolvimento de interpretação combinada, o que poderia reduzir as diferenças (Fang, Fang, Chou, Yang & Tsai, 2011Fang, S. R., Fang, S. C., Chou, C. H., Yang, S. M., & Tsai, F. S. (2011). Relationship learning and innovation: The role of relationship-specific memory. Industrial Marketing Management, 40(5), 743-753.). Além disso, por meio da realização de um estudo de casos múltiplos qualitativo envolvendo a cultura organizacional e o marketing de relacionamento, o estudo contribui com a disciplina do marketing pela necessidade de se desenvolver mais pesquisas de estudo de caso para lidar com a complexidade do mundo (Gummesson, 2017Gummesson, E. (2017). From relationship marketing to total relationship marketing and beyond. Journal of Services Marketing, 31(1), 16-19.).

Em relação às limitações do estudo, verificou-se a necessidade de mais momentos de observação. Além disso, o estudo concentrou-se nos relacionamentos interorganizacionais em canais de marketing de dois casos. Este artigo, por fim, sugere futuros estudos relacionados ao papel dos boundary spanners em mudanças culturais; à natureza e a dinâmica das áreas de intersecção entre as diferentes perspectivas culturais, considerando o esquema conceitual proposto em canais de marketing, bem como em outros arranjos interorganizacionais, tais como clusters e redes de cooperação; a investigação do lado negro da cultura interorganizacional.

Referências

  • Achrol, R. S., Reve, T., & Stern, L. W. (1983). The environment of marketing channel dyads: A framework for comparative analysis. Journal of Marketing, 47(4), 55-67.
  • Agariya, A. K., & Singh, D. (2011). What really defines Relationship Marketing? A review of definitions and general and sector-specific defining constructs. Journal of Relationship Marketing, 10(4), 203-237.
  • Altinay, L., & Brookes, M. (2012). Factors influencing relationship development in franchise partnerships. Journal of Services Marketing, 26(4), 278-292.
  • Alvesson, M. (2013). Understanding organizational culture London, UK: Sage.
  • Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing organizational culture: Cultural change work in progress Abingdon, UK: Routledge.
  • Araujo, L., Dubois, A., & Gadde, L. (2003). The multiple boundaries of the Firm. Journal of Management Studies, 40(5), 1255-1277.
  • Ballantyne, D., Christopher, M., & Payne, A. (2003). Relationship marketing: Looking back, looking forward. Marketing Theory, 3(1), 159-166.
  • Batt, P. J., & Purchase, S. (2004). Managing collaboration within networks and relationships. Industrial Marketing Management, 33(3), 169-174.
  • Beugelsdijk, S., Koen, C., & Noorderhaven, N. (2009). A dyadic approach to the impact of differences in organizational culture on relationship performance. Industrial Marketing Management, 38(3), 312-323.
  • Cannon, J. P., & Perreault, W. D., Jr. (1999). Buyer-seller relationships in business markets. Journal of Marketing Research, 36(4), 436-460.
  • Cavedon, N. R. (2003). Antropologia para administradores, Porto Alegre, BR: UFRGS.
  • Charmaz, K. (2014). Constructing grounded theory London, UK: Sage.
  • Dauber, D., Fink, G., & Yolles, M. (2012). A configuration model of organizational culture. Sage Open, 2(1), 1-16.
  • Deshpandé, R., & Webster, F. E., Jr. (1989). Organizational culture and marketing: defining the research agenda. Journal of Marketing, 53(1), 3-15.
  • Ellis, N., Lowe, S., & Purchase, S. (2006). Towards a re-interpretation of industrial networks: A discursive view of culture. The IMP Journal, 1(2), 20-40.
  • Fang, S. R., Fang, S. C., Chou, C. H., Yang, S. M., & Tsai, F. S. (2011). Relationship learning and innovation: The role of relationship-specific memory. Industrial Marketing Management, 40(5), 743-753.
  • Friedman, R. A., & Podolny, J. (1992). Differentiation of boundary spanning roles. Administrative Science Quarterly, 37, 28-47.
  • Gagliardi, P. (1986). The creation and change of organizational cultures: A conceptual framework. Organization Studies, 7(2), 117-134.
  • Gebhardt, G. F., Carpenter, G. S., & Sherry, J. F., Jr. (2006). Creating a market orientation: A longitudinal, multifirm, grounded analysis of cultural transformation. Journal of Marketing, 70(4), 37-55.
  • Geyskens, I., Steenkamp, J., & Kumar, N. (1999). A meta-analysis of satisfaction in marketing channel relationships. Journal of Marketing Research, 36(2), 223-238.
  • Gregory, B. T., Harris, S. G., Armenakis, A. A. & Shook, C. L. (2009). Organizational culture and effectiveness: A study of values, attitudes, and organizational outcomes. Journal of Business Research, 62(7), 673-679.
  • Grueso-Hinestroza, M. P., & Antón-Rubio, M. C. (2015). Cultural values in interorganizational networks: A proposal from the model of Shalom Shwartz (1992). Investigación y Desarrollo, 23(2), 369-390.
  • Gubba, E. G., & Lincoln, Y. S. (2011). Paradigmatic controversies, contradictions, and emerging confluences, revisited. In N. K. Denzin, & Y. S. Lincoln (Eds), The SAGE Handbook of Qualitative Research, (3rd. ed., Cap. 8, pp. 191-234). Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Gummesson, E. (2008). Total relationship marketing (3rd ed.). Oxford, UK: Elsevier: Butterworth-Heinemann.
  • Gummesson, E. (2017). From relationship marketing to total relationship marketing and beyond. Journal of Services Marketing, 31(1), 16-19.
  • Hakansson, H., & Snehota, I. (1995). Developing relationships in business networks London, UK: Routledge.
  • Halley, A. A. (2001). Applications of boundary theory to organizational and interorganizational culture. In R. J. Stupak, & P. M. Leitner (Eds.), Handbook of Public Quality Management (pp. 135-147). New York, NY: Marcel Dekker.
  • Haytko, D. L. (2004). Firm-to-firm and interpersonal relationships. Journal of the Academy of Marketing Science, 32(3), 312-328.
  • Hofstede, G. (2001). Culture’s consequences: Comparing values, behaviors, institutions and organizations across nations Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Hogan, S. J., & Coote, L. V. (2014). Organizational culture, innovation, and performance: A test of Schein’s model. Journal of Business Research, 67(8), 1609-1621.
  • Hunt, S. D., Arnett, D. B., & Madhavaram, S. (2006). The explanatory foundations of relationship marketing theory. Journal of Business Industrial Marketing, 21(2), 72-87.
  • Iglesias, O., Sauquet, A., & Montaña, J. (2011). The role of corporate culture in relationship marketing. European Journal of Marketing, 45(4), 631- 650.
  • Janowicz-Panjaitana, M., & Noorderhavenb, N. G. (2008). Formal and informal interorganizational learning within strategic alliances. Research Policy, 3(8), 1337-1355.
  • Kang, B., & Jindal, R. P. (2015). Opportunism in buyer-seller relationships: Some unexplored antecedents. Journal of Business Research, 68(3), 735-742.
  • Lee, S. J., Kim, J., & Park, B. I. (2015). Culture clashes in cross-border mergers and acquisitions: A case study of Sweden’s Volvo and South Korea’s Samsung. International Business Review, 24(4), 580-593.
  • Lu, V. N., Plewa, C., & Ho, J. (2016). Managing governmental business relationships: The impact of organisational culture difference and compatibility. Australasian Marketing Journal (AMJ), 24(1), 93-100.
  • Lucas, C., & Kline, T. (2008). Understanding the influence of organizational culture and group dynamics on organizational change and learning. Learning Organization, 15(3), 277-287.
  • Luthans, F. (2010). Organizational behavior (12nd ed.). New York, NY: McGraw-Hill.
  • Martin, J., Frost, P. J., & O’Neil, O. A. (2006). Organizational culture: Beyond struggles for intellectual dominance. In S. R. Clegg, C. Hardy, T. B. Lawrence, & W. R. Nord (Eds.). Handbook of organizational studies (2nd. ed., pp. 599-621). London, UK: Sage.
  • Merriam, S. B. (2009). Qualitative research San Francisco, CA: Jossey-Bass.
  • Miles, M. B., Huberman, A. M., & Saldaña, J. (2014). Qualitative data analysis (3rd ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Miquel-Romero, M. J., Caplliure-Giner, E. M., & Adame-Sánchez, C. (2014). Relationship marketing management: Its importance in private label extension. Journal of Business Research, 67(5), 667-672.
  • Mohr, D., Young, G. J., & Burgess, J. F. (2012). Employee turnover and operational performance: The moderating effect of group-oriented organizational culture. Human Resource Management Journal, 22(2), 216-233.
  • Moorman, C., & Day, G. S. (2016). Organizing for marketing excellence. Journal of Marketing, 80(6), 6-35.
  • Morgan, R. M. (2000). Relationship marketing and marketing strategy: The evolution of relationship marketing strategy within the organization. In J. Sheth, & A. Parvatiyar (Eds.), Handbook of relationship marketing (Cap. 18, pp. 481-504). Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Morgan, R. M., & Hunt, S. D. (1994). The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, 58(3), 20-38.
  • Narasimhan, L., Srinivasan, K., & Sudhir, K. (2015). Editorial - marketing science in emerging markets. Marketing Science, 34(4), 473-479.
  • Ogbonna, E., & Harris, L. C. (2014). Organizational cultural perpetuation: A case study of an english premier league football club. British Journal of Management, 25(4), 667-686.
  • Palmatier, R. W. (2008). Relationship marketing Cambridge, MA: Marketing Science Institute.
  • Palmatier, R. W., Dant, R., Grewal, D., & Evans, K. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: A meta-analysis. Journal of Marketing, 70(4), 136-153.
  • Payne, A., & Frow, P. (2017). Relationship marketing: Looking backwards towards the future. Journal of Services Marketing, 31(1), 11-15.
  • Pels, J., Moller, K., & Saren, M. (2009). Do we really understand business marketing? Getting beyond the RM - BM matrimony. Journal of Business & Industrial Marketing, 24(5), 322-336.
  • Pitsis, T. S., Kornberger, M., & Clegg, S. (2004). The art of managing relationships in interorganizational collaboration. M@nagement, 7(3), 47-67.
  • Plewa, C. (2009). Exploring organizational culture difference in relationship dyads. Australasian Marketing Journal, 17(1), 46-57.
  • Saenz, M. J., Revilla, E., & Knoppen, D. (2014). Absorptive capacity in buyer-supplier relationships: Empirical evidence of its mediating role. Journal of Supply Chain Management, 50(2), 18-40
  • Schakett, T., Flaschner, A., Gao, T., & El-Ansary, A. (2011). Effects of social bonding in business-to-business relationships. Journal of Relationship Marketing, 10(4), 264-280.
  • Scheer, L. K., Miao, C. F., & Palmatier, R. W. (2015). Dependence and interdependence in marketing relationships: Meta-analytic insights. Journal of the Academy of Marketing Science, 43(6), 694-712
  • Schein, E. H. (1991). What is culture? In P. J. Frost, L. F. Moore, M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.). Reframing organizational culture (pp. 243-253). Newbury Park, CA: Sage.
  • Singh, J., & Rhoads, G. K. (1991). Boundary role ambiguity in marketing oriented positions: A multidimensional, multifaceted operationalization. Journal of Marketing Research, 28(3), 328-338.
  • Strati, A. (1998). Organizational symbolism as a social construction: A perspective from the sociology of knowledge. Human Relations, 51(11), 1379-1402.
  • Van Maanen, J., & Barley, S. (1985). Cultural organization: Fragments of a theory. In P. J. Frost, L. F. Moore , M. R. Louis, C. C. Lundberg, & J. Martin (Eds.) Organizational Culture, (pp. 31-53). Newbury Park: CA Sage.
  • Vetráková, M., & Smerek, L. (2016). Diagnosing organizational culture in national and intercultural context. E+ M Ekonomie a Management, 19(1), 62.
  • Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127.
  • Winklhofer, H., Pressey, A., & Tzokas, N. (2006). A cultural perspective of relationship orientation: Using organizational culture to support a supply relationship orientation. Journal of Marketing Management, 22(1), 169-194.
  • Yin, R. K. (2014). Case study research (5th ed.). Thousand Oaks, CA: Sage .
  • Yin, S., Lu, F., Yang, Y., & Jing, R. (2014). Organizational culture evolution: An imprinting perspective. Journal of Organizational Change Management, 27(6), 973-994.
  • 4
    Avaliado pelo sistema: Double Blind Review
  • 1
    Artigo derivado da tese de doutorado “Marketing de relacionamento e cultura organizacional: uma perspectiva interorganizacional” defendida por Fabiano Larentis em 2010, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Administração. Programa de Pós-Graduação em Administração, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio Slongo.
  • 2
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXXIV EnANPAD 2010, Rio de Janeiro. “Marketing de Relacionamento e Transformações Culturais Organizacionais: Um Estudo de Casos Múltiplos em Díades”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2017
  • Aceito
    19 Jun 2017
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, Av. da Liberdade, 532, 01.502-001 , São Paulo, SP, Brasil , (+55 11) 3272-2340 , (+55 11) 3272-2302, (+55 11) 3272-2302 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbgn@fecap.br