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O efeito de estudos organizacionais na estimação de medidas de risco financeiro

RESUMO

Objetivo:

O objetivo da presente pesquisa é estabelecer uma ligação entre os modelos de risco e os paradigmas dos estudos organizacionais.

Metodologia:

Para atingir esse objetivo, apresentou-se uma discussão sobre risco nas organizações, baseada em estudos organizacionais. Além disso, há uma ilustração para avaliar como os paradigmas organizacionais influenciam os modelos de risco.

Resultados:

Existem três perspectivas organizacionais principais: modernista, pós-modernista e neomodernista. Com base na análise empírica, observou-se que o uso de hipóteses irrealistas (perspectiva modernista), na gestão de riscos, aumenta o risco do modelo e, portanto, não é adequado para a estimação de modelos de risco. A absoluta falta de avaliação do paradigma pós-modernista, no entanto, pode ser radical demais, no sentido de que, no campo prático, há uma necessidade crucial de informações quantitativas para permitir que instituições financeiras e investidores protejam seus investimentos. Assim, descobriu-se que a solução é o paradigma neomodernista, que emprega hipóteses mais realistas sobre o comportamento dos dados.

Contribuições:

A principal contribuição desta pesquisa é aumentar a influência de outros atributos na estimação do risco financeiro que vão além dos fundamentos matemáticos e estatísticos. Estudos anteriores não relacionam a literatura tradicional sobre estimativa de gestão de risco financeiro com a literatura voltada para questões sociológicas de estudos organizacionais. Assim, este estudo pode ajudar a construir uma ponte para a integração futura entre esses dois assuntos de pesquisa relacionados.

Palavras-chave:
Estudos organizacionais; modelo de risco; gestão de risco; risco do modelo

Abstract

Purpose:

The objective of this research is to establish a link between risk models and the paradigms of organizational studies.

Design/methodology/approach:

To achieve this goal, a discussion about risk in organizations was presented, based on organizational studies. Additionally, an illustration was provided to evaluate how organizational paradigms influence risk models.

Findings:

There are three main organizational perspectives: Modernist, Postmodernist, and Neo-modernist. Based on the empirical analysis, it was observed that the use of unrealistic assumptions (Modernist perspective) in risk management increases model risk, and is thus not suitable for risk model estimation. However, the absolute lack of measurement of the Postmodernist paradigm can be too radical in the sense that, in the practical field, there is a crucial need for quantitative information to enable financial institutions and investors to protect their investments. Thus, it was found that the solution is the Neo-modernist paradigm, which employs more realistic assumptions about data behavior.

Originality/value:

The main contribution of this research is to raise the influence of other attributes of financial risk estimation that go beyond mathematical and statistical grounds. Previous studies do not relate the traditional literature on financial risk management estimation with literature focused on the sociological issues of organizational studies. Hence, this study can help build a bridge for future integration between these two related research subjects.

Keywords:
Organizational Studies; Risk Models; Risk Management; Model Risk

1 Introdução

O risco é um dos conceitos financeiros mais importantes, talvez o mais importante. Toda vez que ocorre estresse financeiro, incluindo as recentes crises e colapsos no sistema financeiro, aumenta-se o foco na gestão de risco. Um aspecto fundamental da adequada gestão do risco financeiro é a mensuração do risco, especialmente a previsão precisa de medidas de risco. Essa importância não está apenas relacionada à possibilidade de grandes prejuízos, o que seria uma grande motivação, mas também está ligada à regulamentação (Daníelsson, James, Valenzuela & Zer, 2016Daníelsson, J., James, K. R., Valenzuela, M., & Zer, I. (2016). Model risk of risk models. Journal of Financial Stability, 23, 79-91.; Müller & Righi, 2018Müller, F. M., & Righi, M. B. (2018). Numerical comparison of multivariate models to forecasting risk measures. Risk Management, 20(1), 29-50.). A superestimação do risco pode fazer com que uma instituição financeira retenha muitos recursos que poderiam ser aplicados em outros investimentos, gerando um custo de oportunidade, ao passo que a subestimação do risco pode ser simplesmente catastrófica, especialmente em tempos de crise.

Medidas de risco são conceitos teóricos. Para aplicações reais, é necessário considerar uma abordagem para estimação do risco. Embora existam estudos que comparam modelos, não há consenso sobre a melhor abordagem ou mesmo uma classificação do desempenho dos modelos, pois nenhum modelo é garantia de sucesso na modelagem de riscos1. Para a previsão de risco, é necessário usar um modelo que seja estimado com dados de mercado. Isso requer várias premissas sobre o desenho do modelo e sobre as propriedades estatísticas dos dados. É impossível criar um modelo de risco perfeito; um analista de risco deve pesar os prós e contras de vários modelos e escolhas de dados, para criar o que pode não passar de um modelo imperfeito (Daníelsson, 2002Daníelsson, J. (2002). The emperor no clothes: Limits to risk modelling. Journal of Banking & Finance, 26, 1273-1296.). De um ponto de vista geral, ainda existem muitas deficiências práticas na estimação de medidas de risco (Berkowitz & O’Brien, 2002Berkowitz, J., & O’Brien, J. (2002). How accurate are value-at-risk models at commercial banks? Journal of Finance, 57, 1093-1111.; Pérignon, Deng & Wang, 2008Pérignon, C., Deng, Z. Y., & Wang, Z. Y. (2008). Do banks overstate their value-at-risk? Journal of Banking & Finance, 32(5), 783-794.; Pérignon & Smith, 2010).

À medida que o sistema financeiro se torna mais complexo, a necessidade de modelos estatísticos complicados para medir o risco e avaliar os ativos torna-se maior. Infelizmente, a confiabilidade de tais modelos diminui com a complexidade. Em períodos de maior instabilidade, os modelos tendem a ser menos confiáveis. Isso ocorre porque a premissa fundamental, na maioria dos modelos estatísticos de risco, é que as propriedades estatísticas básicas dos dados financeiros durante períodos estáveis permanecem (quase) as mesmas de períodos de crise (Daníelsson, 2002Daníelsson, J. (2002). The emperor no clothes: Limits to risk modelling. Journal of Banking & Finance, 26, 1273-1296.; Daníelsson, 2008). Nessa modelagem, a qualidade das premissas é de importância fundamental. Na modelagem financeira, muitos fatores potencialmente importantes devem ser considerados na escolha do modelo, de forma a apresentar resultados mais próximos da realidade. As séries de tempo financeiro, por exemplo, exibem fatos estilizados importantes, incluindo a não linearidade, a assimetria, a dependência serial e as caudas longas dos ativos financeiros, a distribuição de probabilidade conjunta e marginal, que não pode ser ignorada no processo de estimação. A incerteza presente neste processo, relacionada à escolha e à especificação do modelo, é mencionada na literatura como risco do modelo (Boucher, Daníelsson, Kouontchou & Maillet, 2014Boucher, C. M., Daníelsson, J., Kouontchou, P. S., & Maillet, B. B. (2014). Risk model-at-risk. Journal of Banking & Finance, 44, 72-92. ; Daníelsson et al. 2016).

Outra dificuldade para modelagem de risco é que, em finanças, as propriedades estatísticas dos fenômenos que estão sendo modelados mudam sob observação. Isso ocorre porque os participantes racionais do mercado reagem à informação e, reagindo, afetam diretamente o que está sendo observado. Os resultados nos mercados financeiros representam o comportamento estratégico agregado de muitos indivíduos com diferentes habilidades e objetivos. Só se pode modelar o comportamento agregado. A modelagem financeira altera as leis estatísticas que regem o sistema financeiro em tempo real, deixando os modeladores em busca de recuperação. Isso se pronuncia mais quando o sistema financeiro entra em crise (Daníelsson, 2008Daníelsson, J. (2008). Blame the models. Journal of Financial Stability, 4(4), 321-328.; Daníelsson et al. 2016). Esse é um fenômeno que Daníelsson e Shin (2003) chamam de risco endógeno. Normalmente, quando tudo está calmo, pode-se ignorar o risco endógeno, mas em períodos de crise, os modelos falham.

Em tal clima de indeterminação, não é de se surpreender que o público tenha se tornado mais cético em relação aos sistemas especialistas e mais disposto a desafiar a opinião de especialistas em questões de risco. Os profissionais de risco estão agora mais conscientes de que devem avaliar com precisão os efeitos adversos, enquanto entendem os processos subjetivos pelos quais as pessoas entendem o risco. Assim, é razoável argumentar que o desenvolvimento técnico-científico nas culturas ocidentais produziu algo como uma faca de dois gumes. Por um lado, pode-se identificar uma gama maior de riscos sociais do que em épocas anteriores. A crescente sofisticação das ferramentas científicas e tecnológicas, no entanto, nos permite identificar os riscos que permaneceriam desconhecidos no passado (Mythen, 2008Mythen, G. (2008). Sociology and the art of risk. Sociology Compass, 2(1), 299-316.).

Com isso em mente, nos últimos anos, modelos de risco mais flexíveis têm sido propostos na literatura. Tais modelos são utilizados pela indústria com sucesso, em comparação com técnicas não confiáveis. As pesquisas de Kuester, Mittnik e Paolella (2006Kuester, K., Mittnik, S., & Paolella, M. S. (2006). Value-at-Risk prediction: A comparison of alternative strategies. Journal of Financial Econometrics, 4, 53-89.), Alexander e Sheedy (2008Alexander, C., & Sheedy, E. (2008). Developing a stress testing framework based on market risk models. Journal of Banking & Finance, 32, 2220-2236. ), Berkowitz, Chen e Tu (2013Chen, Y.-H., & Tu, A. H. (2013). Estimating hedged portfolio value-at-risk using the conditional copula: An illustration of model risk. International Review of Economics & Finance, 27, 514-528.), Christoffersen e Pelletier (2011), e Müller e Righi (2018Müller, F. M., & Righi, M. B. (2018). Numerical comparison of multivariate models to forecasting risk measures. Risk Management, 20(1), 29-50.), em comparações de técnicas de estimação de risco, apontaram que métodos que consideram propriedades realistas de dados financeiros frequentemente apresentam o melhor desempenho. A evolução e a construção desses modelos têm motivações matemáticas na gestão de risco financeiro. Esse campo é construído pelo desenvolvimento de métodos e técnicas que consideram fatos empíricos econômico-financeiros desenvolvidos ao longo do tempo por meio de pesquisas. Há também um raciocínio epistemológico por trás dessa evolução de modelos, que varia de abordagens irrealistas a realistas. Isso está relacionado aos estudos organizacionais e aos paradigmas da gestão empresarial e das ciências sociais como um todo. Pode-se, pelo menos a partir de uma perspectiva abstrata, compreender modelos não confiáveis como uma abordagem modernista e modelos flexíveis recentes como uma abordagem neomodernista.

A inclusão de estudos organizacionais nesta discussão não surpreende. As organizações não são vistas apenas como produtoras de riscos assumidos por outros atores, mas também se tornaram portadoras de riscos regulatórios, legais e de reputação, à medida que os governos e outras partes interessadas direcionam seus esforços para gerenciar os riscos inerentes à organização. Dentro da organização, o discurso do risco e sua gestão tornou-se uma fonte de princípios para organizar e gerenciar com implicações importantes sobre a como as organizações são representadas, gerenciadas e governadas, e como elas respondem aos atores em seu ambiente (Power, 2007Power, M. (2007). Organized uncertainty: Designing a world of risk management. Oxford: Oxford University Press. ). Tendo deixado de ser o único objetivo daqueles que trabalham em finanças e seguros, questões de risco e sua gestão deixam a tomada de decisões gerenciais cada vez mais informada em todos os setores da economia. Ideias sobre risco e gestão de risco desempenham um papel fundamental no “organizar” e na organização (Scheytt, Soin, Sahlin-Andersson & Power, 2006Scheytt, T., Soin, K., Sahlin-Andersson, K., & Power, M. (2006). Introduction: Organizations, risk and regulation. Journal of Management Studies, 43(6), 1331-1337.).

Considerando essa perspectiva, o objetivo do presente estudo é estabelecer uma ligação entre os modelos de risco e os paradigmas dos estudos organizacionais. Para esse fim, uma discussão é exposta sobre a perspectiva do risco nas organizações, com base em estudos organizacionais para apoiar a ideia do estudo. Além disso, apresenta-se uma ilustração com dados reais para mostrar como os modelos de risco são influenciados pelos paradigmas organizacionais e como isso afeta os resultados das estimações. Com base neste exemplo ilustrativo, pode-se identificar se o paradigma adotado aumenta o risco do modelo. Neste estudo, de forma semelhante à definição utilizada pelo Federal Reserve (2011), o risco do modelo refere-se a perdas decorrentes do uso de um modelo incorreto e da incerteza presente no processo de estimação.

A principal contribuição desta pesquisa é aumentar a influência de outros atributos de estimação de risco financeiro que vão além dos fundamentos matemáticos e estatísticos. Estudos anteriores não relacionam a literatura tradicional sobre gestão de risco financeiro com a literatura voltada para questões sociológicas de estudos organizacionais. Assim, este estudo pode ajudar a construir uma ponte para a integração futura entre esses dois assuntos de pesquisa relacionados.

A continuação deste artigo está estruturada da seguinte maneira: a seção 2 apresenta uma revisão da análise de risco do ponto de vista organizacional; a seção 3 descreve as medidas de risco utilizadas neste trabalho e os métodos de estimação, bem como os resultados empíricos sobre as comparações estatísticas e paradigmáticas dos modelos; a seção 4 resume e conclui a pesquisa.

2 Risco do ponto de vista organizacional

O aumento da importância dos mercados financeiros foi acompanhado pelo aumento da economia financeira como uma disciplina acadêmica. Essa disciplina se caracteriza pela análise matematicamente rigorosa dos mercados considerados relativamente livres de imperfeições. Talvez o conceito mais importante em finanças, pelo menos em relação a essa análise rigorosa, seja o risco. Goede (2004Goede, M. (2004). Repoliticizing financial risk. Economy and Society, 33(2), 197-217. ) argumenta que, no domínio das finanças, a gestão de riscos complexos facilita o ato de assumir riscos financeiros ao isolar a tomada de decisões financeiras contra o fracasso.

Embora o risco tenha sido convencionalmente abordado nas ciências naturais como um objeto a ser tecnicamente dominado por probabilidades matemáticas, desde o início dos anos 1980, os cientistas sociais se concentraram nas dimensões social e subjetiva do risco (Mythen, 2008Mythen, G. (2008). Sociology and the art of risk. Sociology Compass, 2(1), 299-316.). O risco deixou de ser exclusividade dos cientistas e tecnocratas e está se tornando rapidamente a “lingua franca” da administração de empresas e até mesmo da política pública. Em relação a essa disseminação, Luhmann (1998Luhmann, N. (1998). Observations on modernity. Stanford, CA: Stanford University. ) diz que o sucesso particular do risco em estender seu campo em mais áreas da vida é explicado pela tendência das sociedades modernas de vivenciar seu futuro em termos de incertezas decisórias. Corroborando essa ideia, Coles, Smith e Tombs (2000Coles, E., Smith, D., & Tombs, S. (2000). Risk management and society. London: Kluwer.) e Hutter e Power (2005Hutter, B., & Power, M. (2005). Organizational encounters with risk: An introduction. Cambridge: Cambridge University Press. ) argumentam que o conceito de risco assumiu uma posição de destaque dentro das ciências sociais e da prática empresarial. Segundo Power (2004), não estamos apenas vivendo em uma Sociedade de Risco, mas também há preocupação com a gestão de risco de tudo. Conforme confirmado por Rothstein, Huber e Gaskell (2006Rothstein, H., Huber, M., & Gaskell, G. (2006). A theory of risk colonization: The spiralling regulatory logics of societal and institutional risk. Economy and Society, 35(1), 91-112.), o foco deste argumento não é se houve uma mudança nos riscos reais enfrentados pela sociedade, mas se houve uma mudança na forma como os eventos são estruturados e gerenciados como riscos.

O conceito de risco está sujeito a paradigmas organizacionais baseados no raciocínio sociológico. O paradigma tradicional que surgiu após o iluminismo é o modernismo. Na Modernidade, o mundo era visto como governado por leis de probabilidade, e o risco era visto como um assunto direto, mensurável e calculável (Gephart, Maanen & Oberlechner, 2009Gephart, R. P., Maanen, V. J., & Oberlechner, T. (2009). Organizations and risk in late modernity. Organization Studies, 30(02-03), 141-155. ). O risco foi definido em termos estatísticos como a probabilidade de um evento multiplicado pela magnitude das perdas ou ganhos associados ao evento (Lupton, 1999Lupton, D. (1999). Risk. London: Routledge. ). Essa visão de risco desempenhou uma função importante, permitindo que o sistema industrial lidasse com seu próprio futuro imprevisível (Beck & Holzer, 2007Beck, U., & Holzer, B. (2007). Organizations in world risk society. In C. M. Pearson, C. Roux-Dufort, & J. A. Clair, International handbook of organizational crisis management. Thousand Oaks, CA: Sage Publications. ).

De acordo com o modernismo, o risco é passível de quantificação por uma distribuição de resultados probabilísticos. A quantificação objetiva torna os riscos comensuráveis e permite que eles sejam usados para a tomada de decisões, incluindo precificação de ativos, análise de risco em investimento de capital e hedges. Prova disso é que pesquisadores, como Lubatkin e Rogers (1989Lubatkin, M., & Rogers, R. C. (1989). Diversification, sistematic risk, and shareholder return: A capitel market extencion of rumelt’s 1974 study. Academy of Management Journal, 32(2), 454-465.) e Woo e Cool (1990Woo, C. Y., & Cool, K. O. (1990). The impact of strategic management on systematic risk. In P. Shrivastava, & R. B. Lamb. Advances in strategic management, 6, 51-69.) adotaram, com frequência, a perspectiva de criação de valor para os acionistas em seus argumentos teóricos sobre risco e na escolha de medidas de risco, como risco sistemático e não sistemático, com base no modelo de precificação de ativos de capital.

Uma perspectiva modernista interessante sobre risco resulta da ciência cognitiva. Essa abordagem, defendida por Kunreuther e Slovic (1996Kunreuther, H., & Slovic, P. (1996). Challenges in risk assessment and risk management. The Annals of the American Academy of Political and Social Science (Vol. 545). Thousand Oaks, CA: Sage.), Lee, Kozar e Larsen (2003Lee, Y., Kozar, K. A., & Larsen, K. (2003). The technology acceptance model: Past, present, and future. Communications of the Association for Information Systems, 12(50), 752-780.), Tversky e Kahneman (1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, New Series, 185(4157), 1124-1131.), entre outros, influenciou a pesquisa organizacional. Segundo Lupton (1999Lupton, D. (1999). Risk. London: Routledge. ), a ciência cognitiva relaciona os perigos com os cálculos e afirma que o risco é concebido como um fenômeno objetivo, isto é, supõe-se que ele exista em forma real no mundo. Com base nessa perspectiva, o risco pode ser avaliado pela determinação da probabilidade real de um evento adverso multiplicada pela magnitude e gravidade reais das consequências. Segundo Miller (2009Miller, K. D. (2009). Organizational risk after modernism. Organization Studies, 30, 157-180.), a pesquisa de risco a partir de uma perspectiva modernista enfoca principalmente indivíduos, trata as preferências de risco como dadas de forma exógena, tenta quantificá-lo, assume que o risco reflete uma distribuição de probabilidade, omite considerações éticas e negligencia ações, concentrando-se na tomada de decisão. Em geral, as premissas modernistas são muitas vezes tomadas como certas, em vez de serem explicitamente reconhecidas e defendidas.

Surgiu um conjunto de desafios para o modernismo na segunda metade do século passado, com o paradigma pós-modernista. O pós-modernista critica a abordagem modernista, rejeitando aspirações de objetividade e certeza no conhecimento, e racionalidade (Miller, 2009Miller, K. D. (2009). Organizational risk after modernism. Organization Studies, 30, 157-180.). Outros aspectos da crítica do modernismo incluem a conformidade (Mirchandani, 2005Mirchandani, R. (2005). Postmodernism and sociology: From the epistemological to the empirical. Sociological Theory, 23(1), 86-115.), a rejeição do raciocínio centrado no sujeito, o uso referencial da linguagem, o atomismo e o reducionismo na metafísica. De acordo com Lyotard (1984Lyotard, J.-F. (1984). The postmodern condition: A report on knowledge (Theory and History of Literature, Vol. 10). Minnesota: University of Minnesota Press.) e Schrag (1989Schrag, C. O. (1989). Rationality between modernity and Postmodernity. In F. R. S. Dallmayr, & K. White. Life-world and politics: Between modernity and Postmodernity: Essays in honor of (ed.), 81-106. Notre Dame: University of Notre Dame Press.), alguns dos principais temas da alternativa pós-moderna ao modernismo são: i) afastar-se do indivíduo como ponto de partida para a epistemologia; ii) reconhecer a base social da racionalidade e ética; iii) reconhecer o papel do poder nas reivindicações de conhecimento e racionalidade; iv) apreciar as limitações da linguagem e da disseminação da hermenêutica; e v) rejeitar as meta-narrativas, em favor de contas locais e situadas.

Essa perspectiva pós-moderna é também chamada de pesquisa sociocultural. Lupton (1999Lupton, D. (1999). Risk. London: Routledge. ) classificou as perspectivas socioculturais sobre risco em três correntes:

  • i) A perspectiva cultural/simbólica de Douglas e Wildavsky (1982Douglas, M., & Wildavsky, A. (1982). Risk and culture: An essay on the selection of technical and environmental dangers. Berkeley: University of California Press.), baseada na antropologia, examina a geração de juízos de risco pelos contextos sociais. De acordo com essa visão, o risco nunca é totalmente objetivo ou cognoscível fora dos sistemas de crenças e posições morais.

  • ii) A perspectiva da sociedade de risco dos sociólogos, como Beck (1992Beck, U. (1992). Risk society: Towards a new modernity (Vol. 17). London: Sage. ) e Giddens (2013Giddens, A. (2013). The consequences of modernity. New York: John Wiley & Sons.), elabora como a industrialização produziu risco sistêmico na modernidade tardia.

  • iii) A pesquisa sobre governamentalidade, defendida por Castel (1991Castel, R. (1991). From dangerousness to risk. In G. Burchell, C. Gordon, & P. Miller (eds.). The Foucault effect: Studies in governmentality. London: Harvester/Wheatsheaf.), Dean (1999), entre outros, baseia-se nos escritos de Michel Foucault para compreender discursos, práticas e instituições associadas à regulação do risco na sociedade.

A Tabela 1 traz um resumo das distinções entre os pressupostos modernistas e pós-modernistas, de acordo com Miller (2009Miller, K. D. (2009). Organizational risk after modernism. Organization Studies, 30, 157-180.).

Tabela 1
Contraste dos pressupostos modernistas e pós-modernistas em relação à gestão de riscos, adaptado de Miller (2009 Miller, K. D. (2009). Organizational risk after modernism. Organization Studies, 30, 157-180. )

O conteúdo da Tabela 1 resume as principais distinções em relação às perspectivas modernista e pós-modernista. O modernismo enfoca o risco nos indivíduos de forma restritiva e quantitativa, ignorando os aspectos sociais e éticos. O pós-modernismo é o oposto, com sua perspectiva baseada na sociedade em que o risco não é quantificável e é repleto de implicações éticas. Como argumentado por Miller (2009Miller, K. D. (2009). Organizational risk after modernism. Organization Studies, 30, 157-180.), esses temas refletem uma mudança no locus de conhecimento, racionalidade e ética do indivíduo para a comunidade e uma valorização dos processos sociais. Além disso, há também uma perspectiva neomodernista. Essa abordagem combina insights das ciências sociais e o rigor dos métodos associados a essas ciências sociais.

3 Modelos de risco: de hipóteses irrealistas a realistas

Esta seção apresenta modelos de estimação para as medidas de risco mais utilizadas, valor em risco (value at risk - VaR) e perda esperada (expected shortfall - ES), com o objetivo de comparar algumas propriedades desses modelos. O objetivo é construir ligações entre as comparações estatísticas usuais e os paradigmas organizacionais anteriormente apresentados. Para uma melhor compreensão, divide-se esta seção em três partes: i) Arcabouço das medidas de risco; ii) Modelos de risco e dados empíricos; e iii) Comparações estatísticas e de paradigmas dos modelos.

3.1 Arcabouço das medidas de risco

Considere uma estrutura de período único, ou seja, uma com a data atual 0 e uma data futura T. Não é possível negociar entre 0 e T. Considere o pagamento aleatório X de algum ativo ou portfólio (ou seja, o ganho aleatório se X ≥ 0, ou perda se X <0), definido em um espaço de probabilidade Ω,F,P. Para evitar um tratamento matemático tedioso, assume-se que X t é uma variável aleatória p-integrável. X pode ser tratado como um elemento do espaço LpΩ,F,P, para 1p. Esse espaço é comum na gestão de risco (consulte Föllmer e Weber (2015Föllmer, H., & Weber, S. (2015). The axiomatic approach to risk measures for capital determination. Annual Review of Financial Economics, 7, 301-337. )). Avaliar o risco, dessa forma, equivale a estabelecer uma correspondência ρ(X) entre o espaço de X e o conjunto de números reais, ou seja, ρ:LpR.

Com base nessa estrutura, são definidos o VaR e a ES, que são as medidas de risco mais comuns empregadas atualmente. O VaR é a perda máxima esperada para um dado nível de confiança e período; enquanto ES é o valor esperado das perdas que excedem o α- quantil de interesse, isto é, perdas do VaR. O VaR se tornou a medida de risco padrão devido à sua simplicidade de entendimento e implantação. O VaR, no entanto, não é uma medida de risco coerente2, no sentido proposto por Artzner, Delbaen, Eber e Heath (1999Artzner, P., Delbaen, F., Eber, J.-M., & Heath, D. (1999). Coherent measure of risk. Mathematical Finance, 9(3), 203-228.), e ignora o potencial de perdas além do quantil de interesse. ES como uma medida de risco supera essas deficiências porque considera o valor esperado das perdas além do quantil de interesse, e atende aos axiomas de coerência. Mais detalhes são encontrados em Acerbi e Tasche (2002Tasche, D. (2002). Expected shortfall and beyond. Journal of Banking & Finance, 26, 1519-1533.), Rockafellar e Uryasev (2002Rockafellar, T. R., & Uryasev, S. (2002). Conditional value-at-risk for general loss distributions. Journal of Banking and Finance, 26(7), 1443-1471.), e Tasche (2002).

Assim, considere X como um processo estacionário com a função de distribuição F. Dado um valor α0.1, geralmente próximo de zero, o VaR em um nível de significância α é o quantil qα de F para esse nível. Ao lidar com posições curtas, deve-se considerar a posição com o sinal corrigido -X, em vez de X. Matematicamente, define-se o VaR como (1).

V a R α = q α X = i n f q : F q α (1)

Com base nessa definição, pode-se notar que o VaR não considera informações após o quantil de interesse, apenas o próprio ponto. Conforme explicado, a ES pode superar esse inconveniente. A ES no nível de significância α é então a expectativa de X, uma vez que X está abaixo do VaR para este nível, ou seja, uma perda extrema. Formalmente, a formulação (2) define a ES.

E S α = E X | X < V a R α = q α X = α - 1 0 α q s X d s (2)

3.2 Modelos de risco e dados empíricos

Para a análise empírica, foram utilizados os dados de preços diários de fechamento do índice S&P5003, que abrangem janeiro de 2000 a dezembro de 2012. Com base na série de preços, calcularam-se os retornos pela diferença logarítmica desses preços, totalizando 3.230 observações. Esse período foi escolhido por conter turbulência causada por crises, como as subprime e Eurozona, bem como períodos de calmaria. Com o objetivo de fornecer alguns detalhes descritivos dos dados utilizados, a Figura 1 apresenta a evolução temporal dos log-retornos, enquanto a Tabela 2 mostra a estatística descritiva para esta série.

Figura 1
Log-retornos diários do S&P500 de janeiro de 2000 a dezembro de 2012.

A Figura 1 elucida a presença de períodos turbulentos que coincidem especialmente com as crises mencionadas. Esses são agrupamentos de volatilidade de retornos financeiros típicos. Os resultados da Tabela 2 enfatizam que os retornos têm uma média incondicional quase zero, além de apresentarem comportamento leptocúrtico negativo assimétrico, como observado pela assimetria e curtose. O desvio padrão, juntamente com o a amplitude dos retornos (máximo - mínimo), aponta para um padrão volátil durante o curso da amostra. Esses são fatos estilizados bem conhecidos em ativos financeiros. Para modelá-los, é necessário usar um modelo que acomode essas características. Um modelo com hipóteses irrealistas sobre o comportamento dos dados calcularia valores que não são próximos da realidade. Isso pode comprometer a tomada de decisões, levando a perdas, que podem ser irreversíveis, especialmente em tempos de crise.

Tabela 2
Estatísticas descritivas dos log-retornos diários do S&P500 de janeiro de 2000 a dezembro de 201 2

Embora existam muitos modelos de risco, neste estudo foram utilizados dois modelos amplamente utilizados na literatura de gestão de risco: simulação histórica (historical simulation - HS) e simulação histórica filtrada (filtered historical simulation - FHS). Consulte Christoffersen e Gonçalves (2005Christoffersen, P., & Gonçalves, S. (2005). Estimation risk in financial risk management. Journal of Risk, 7(3), 1-27.) e Pritsker (2006Pritsker, M. (2006). The hidden dangers of historical simulation. Journal of Banking and Finance, 30, 561-582.). O primeiro modelo, HS, está relacionado a suposições irrealistas dos dados, ou seja, a abordagem modernista, enquanto o segundo, FHS, considera suposições mais realistas e está associado à abordagem neomodernista.

De acordo com o modelo HS, calculam-se as previsões das medidas de risco para a data futura T diretamente a partir de uma janela das últimas N observações do processo de retorno bruto XT-NTT-T, para algum intervalo T, sem filtro. O estimador HS tem como base a série de retornos históricos. Existem, como mostra Dowd (2002Dowd, K. (2002). Measuring market risk. New York: Wiley Finance.), muitas variações desse método, com várias vantagens e desvantagens. O HS assume que os retornos são independentes e identicamente distribuídos (i.i.d.), uma perspectiva muito restritiva e modernista. Sendo E a distribuição empírica de retornos XT-NTT-T, obtém-se o seguinte:

VaRTα=E-1α, isto é, simplesmente o quantil de retornos empírico.

ESTα=Nα-1i=1NXT-NTT-T*1XT-NTT-T<VaRTα, em que 1p é a função indicadora, que assume o valor 1 se p for verdadeiro; caso contrário, assume o valor 0. A ES é apenas a média de valores abaixo do VaR.

Barone-Adesi, Boutgoin e Giannopoulos (1998Barone-Adesi, G., Boutgoin, F., & Giannopoulos, K. (1998). Don’t look back. Risk, 11(8), 31-58.) propuseram a abordagem flexível condicional, chamada FHS, para a estimação do VaR. Posteriormente, Giannopoulos e Tunaru (2005) estenderam a FHS para estimativa de ES. Considere que X tem uma especificação totalmente paramétrica baseada em uma média e desvio padrão condicionais e um componente aleatório, de acordo com XT=μT+σTzT, em que, para o período T, XT é o pagamento aleatório (retornos) de um ativo ou portfólio, μT é a média condicional (localização), σT é o desvio padrão condicional (escala), e zT representa uma série de ruído branco de média zero e variância unitária, que pode assumir muitas funções de distribuição de probabilidade. A FHS consiste em construir séries de retornos por meio dos resíduos filtrados zT-NTT-T, usando a média condicional e a volatilidade prevista para o período T , ou seja, a série é construída por X'T-NTT-T=μT+σTzT-NTT-T. Segundo essa abordagem, sendo E' a distribuição empírica da série de retornos X'T-NTT-T, obtém-se o seguinte:

VaRTα=E'-1α, isto é, simplesmente o quantil empírico de X'T-NTT-T;

ESTα=Nα-1i=1NX'T-NTT-T*1X'T-NTT-T<VaRTα, em que 1p é a função indicadora, que assume o valor 1 se p for verdadeiro; caso contrário, assume o valor 0. A ES é apenas a média de valores abaixo do VaR.

Em relação à estimação, utilizou-se α igual a 1% porque esse valor é mais comum na literatura e serve para fins práticos. Esse valor é também recomendado pelo Comitê de Basileia para o cálculo do VaR (consulte Basel Committee on Banking Supervision, 2013). A janela de estimação N foi igual a 1.000 dias4 (quatro anos de dados diários). Portanto, o período fora da amostra foi composto por 2.230 pontos diários (amostra completa com 3.230 observações menos a janela de estimação de 1.000).

Em relação às técnicas de estimação, para o modelo FHS, é necessário um filtro para modelar a média e a variância dos dados condicionalmente. Os modelos AR (m) - GARCH (p, q)5 são estimados de acordo com as fórmulas (3) a (5).

X T = ϕ m X T - m + ε T (3)

ε T = h T z T , z T s k e w t v (4)

h T 2 = ω + α p ε T - p 2 + β q h T - q 2 . (5)

Em que, para o período T, XT é o log-retorno do S&P500; hT2 é a variância condicional; ϕi, ω, αi, e βi são parâmetros; εT é a inovação da média condicional; zT representa uma série de ruído branco com distribuição t-Student assimétrica zT-NT-1. Os parâmetros foram estimados usando a quase-máxima verossimilhança (quasi-maximum likelihood - QML) para minimizar suposições Gaussianas. O número de defasagens a incluir nas equações de média e variância condicionais foi selecionado usando o critério de informação de Akaike (Akaike information criterion - AIC). Os diagnósticos usuais também foram realizados nos resíduos lineares e quadráticos padronizados, a fim de avaliar se as informações são devidamente filtradas.

3.3 Comparações estatísticas e de paradigmas dos paradigmáticas de modelos

As Figuras 2 e 3 mostram, respectivamente, a evolução temporal da previsão do VaR e da ES para o S&P500 ao nível de significância de 1% no período fora da amostra com janela de estimação N = 1.000, utilizando os métodos HS incondicional e FHS condicional. Observa-se o efeito da crise de 2008. Nesse período, uma queda enorme no mercado levou a altos níveis de risco, conforme observado nas representações gráficas. O modelo HS incondicional reage mal porque o primeiro dia da crise não é previsto. Além disso, após a recuperação da crise, esse método mantém um nível conservador. Essas desvantagens são bem documentadas por Pritsker (2006Pritsker, M. (2006). The hidden dangers of historical simulation. Journal of Banking and Finance, 30, 561-582.), indicando que o HS não é uma boa escolha. Christoffersen e Gonçalves (2005Christoffersen, P., & Gonçalves, S. (2005). Estimation risk in financial risk management. Journal of Risk, 7(3), 1-27.) verificam que a abordagem HS resulta em estimativas pontuais ruins para o VaR e para a ES.

Os modelos FHS têm o comportamento oposto ao HS. Esse modelo pode acompanhar corretamente a evolução do mercado, considerando a crise, além da recuperação após ela. A grande discrepância está relacionada ao nível de risco, uma vez que o HS apresenta níveis de risco menos conservadores que o FHS. Assim, como observado, diferentes modelos de estimação levam a resultados discrepantes em relação à estimativa de risco, com uma clara vantagem em relação aos modelos flexíveis comparados a modelos irrealistas, como o HS.

Em complemento, as Figuras 4 e 5 apresentam, respectivamente, a ilustração das densidades de previsão do VaR e da ES, considerando os mesmos modelos e condições das Figuras 2 e 3. É observada assimetria negativa, característica de uma variável de cauda, como uma medida de risco. A densidade do estimador HS possui dois picos de probabilidade, um para antes do período de crise e outro para os períodos de crise e pós-crise, corroborando com as Figuras 2 e 3. O modelo condicional FHS possui o gráfico de densidade mais suave. Além disso, o modelo FHS apresenta estimativas mais conservadoras, uma vez que exibem valores mais baixos de probabilidade, enquanto o modelo HS tem uma menor amplitude para suas previsões de risco.

Figura 2
Previsão do VaR para S&P500 ao nível de significância de 1% no período fora da amostra, com janela de estimação N = 1000, usando os modelos HS incondicional e FHS condicional.

Figura 3
Previsão da ES para S&P500 ao nível de significância de 1% no período fora da amostra, com janela de estimação N = 1000, usando os modelos HS incondicional e FHS condicional.

Figura 4
Densidade da previsão do VaR para S&P500 ao nível de significância de 1% no período fora da amostra, com janela de estimação N = 1000, usando os modelos HS incondicional e FHS condicional.

Figura 5
Densidade da previsão da ES para S&P500 ao nível de significância de 1% no período fora da amostra, com janela de estimação N = 1000, usando os modelos HS incondicional e FHS condicional.

No que diz respeito à perspectiva organizacional, do ponto de vista modernista, a quantificação e a mensuração tornaram-se centrais para o mapeamento do risco e de técnicas de determinação de cenários de risco, que visam fornecer uma visão global do perfil de risco de uma organização. Uma subdimensão importante da gestão do riscos de tudo é a expansão do domínio de cálculo e modelagem racional para abranger mais fenômenos que afetam as organizações. A gestão do risco de tudo está intimamente relacionada com a ambição de avaliar tudo. Suas versões são consagradas e institucionalizadas nos livros didáticos, estabelecendo uma conexão conceitual íntima entre risco e probabilidade mensurável. Este ideal é frequentemente limitado na prática (Power, 2011Power, M. (2011). Preparing for financial surprise. Journal of Contingencies and Crisis Management, 19, 1-4. ). É aceito que os perigos podem ser difíceis de definir, e os conjuntos de dados que servem de base à análise de probabilidade podem ser imperfeitos, mas o ideal é claro.

As limitações da abordagem modernista podem levar à gestão de riscos com base em modelos restritivos. Conforme observado na análise, o uso desses modelos, incluindo o HS, aumenta o risco do modelo porque as previsões divergem dos retornos observados. Corroborando, Chen e Tu (2013Chen, Y.-H., & Tu, A. H. (2013). Estimating hedged portfolio value-at-risk using the conditional copula: An illustration of model risk. International Review of Economics & Finance, 27, 514-528.), e Müller e Righi (2018Müller, F. M., & Righi, M. B. (2018). Numerical comparison of multivariate models to forecasting risk measures. Risk Management, 20(1), 29-50.) discutem as perdas potenciais devido a utilização de premissas inadequadas para o comportamento dos retornos, que podem comprometer as previsões do VaR e da ES. Além das perdas financeiras, o uso de uma alocação de ativos ineficiente e incorreto requerimento de capital, por exemplo, podem resultar em decisões estratégicas precárias e prejudicar a reputação da instituição (Federal Reserve, 2011).

Como alternativa ao modernismo, surge o paradigma pós-modernista, questionando essa necessidade de mensuração. A partir dessa perspectiva, a ideia de mensuração de risco por si só está errada. Um argumento é que o processo de agregação pelo qual as heurísticas individuais se tornam fenômenos coletivos de mercado não é geralmente abordado. A distribuição e o momento das anomalias não podem ser facilmente previstos. O sistema financeiro só parecia seguro porque cada firma ou unidade poderia demonstrar extensas trilhas de auditoria de conformidade e gestão de risco ao órgão regulador, uma gestão de riscos simbólica, mas não real. LaPorte (2007LaPorte, T. R. (2007). Critical infrastructure in the face of a predatory future: Preparing for untoward surprise. Journal of Contingencies and Crisis Management, 15(1), 60-64.) argumenta que normas e processos institucionais que, em tempos mais calmos, agem para facilitar as funções públicas, tornam-se inibidores da formação de novas respostas em tempos de crise, quando a flexibilidade e a improvisação aparecem. Além disso, Power (1997Power, M. (1997). The audit society: Rituals of verification. Oxford: Oxford University Press.) argumenta que uma sociedade que parece gerenciar riscos por meio da intensificação de auditorias e monitoramentos só se torna mais vulnerável.

Com relação a esse assunto, Haldane (2013Haldane, A. G. (2013). Rethinking the financial network. In S. A. Jansen, E. Schröter, N. Stehr. Fragile stabilität-stabile fragilität. Springer: Wiesbaden, p. 243-278.) destaca que os efeitos de feedback sob estresse e a complexidade e dimensionalidade da rede aumentam ainda mais a incerteza, uma tendência exacerbada pela inovação financeira. O resultado é que as estratégias de diversificação financeira alcançaram o oposto da redução do risco devido à perda da diversidade de modelos de negócios e práticas relacionadas ao gerenciamento de riscos. É somente quando uma instituição financeira grande ou conectada está sujeita ao estresse que a dinâmica da rede será adequadamente desenterrada.

A argumentação sobre as limitações da abordagem modernista, entretanto, não invalida a avaliação e a modelagem do risco. Essa reflexão leva à necessidade de uma medição adequada, em vez de uma medida restritiva. Modelos de estimação flexíveis e realistas precisam ser desenvolvidos e usados pelas instituições. Assim, uma maneira alternativa de reduzir o problema do risco de modelo é usar um modelo FHS condicional para estimação do VaR e da ES, já que é um bom exemplo de uma abordagem bem-sucedida, de acordo com os resultados deste estudo. Do ponto de vista organizacional, para a gestão do risco financeiro, o que parece ser mais apropriado é uma melhoria do paradigma modernista em vez do avanço proposto pelo pós-modernismo. Esse paradigma tão necessário é o bem conhecido como neomodernismo.

O neomodernismo se desenvolveu de várias formas diferentes, mas talvez sua principal conquista seja a noção de que se podem combinar insights das ciências sociais e o rigor dos métodos associados a essas ciências sociais e integrá-los através das lentes da filosofia humanista para desenvolver organizações. Como confirmado pelos resultados empíricos, a gestão inteligente de riscos incorporará técnicas quantitativas em processos de aprendizagem e diagnósticos, nos quais a análise retrospectiva de acidentes e erros pode ser aproveitada para o planejamento futuro.

4 Conclusão

Este artigo estabelece uma conexão entre os pressupostos dos modelos de risco e os paradigmas dos estudos organizacionais. Para atingir o objetivo, apresentou-se uma discussão sobre risco nas organizações, com base em estudos organizacionais. Além disso, apresentou-se uma ilustração contendo dois modelos de risco, HS e FHS, a fim de estabelecer o impacto de hipóteses irrealistas nos resultados da gestão de riscos. Do ponto de vista dos estudos organizacionais, os modelos restritivos apoiados pelo pensamento modernista não são os mais adequados para a gestão do risco financeiro. A absoluta falta de mensuração do paradigma pós-modernista pode ser radical demais, no sentido de que, no campo prático, há uma necessidade crucial de informações quantitativas para permitir que instituições financeiras e investidores protejam seus investimentos.

Tal proteção só é possível por meio de estimativas precisas obtidas a partir de modelos que considerem adequadamente os fatos estilizados presentes em séries financeiras. Portanto, para a gestão do risco financeiro, é mais interessante melhorar o paradigma modernista do que o negá-lo com uma abordagem pós-moderna. A solução é o paradigma neomodernista, que pode combinar percepções da ciência social e o rigor dos métodos tradicionais e, possivelmente, reduzir o risco do modelo.

Assim, o objetivo proposto foi alcançado e a principal contribuição do estudo foi alcançada, ou seja, aumentar a influência de outros atributos na estimação do risco financeiro que vão além dos fundamentos matemáticos e estatísticos. Para tanto, demonstrou-se que a literatura tradicional de gestão de risco financeiro é influenciada, ainda que subliminarmente, por questões sociológicas da literatura sobre estudos organizacionais. Este artigo é o primeiro a tentar conectar esses dois campos de pesquisa. Para pesquisas futuras, recomendamos explorar essa relação, comparando outros modelos e ativos, ou analisar mais profundamente a evolução do pensamento científico e filosófico por trás do campo da gestão de riscos.

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Notas

  • 1
    As medidas de risco são estimadas a partir de dados históricos; sendo importante comparar os procedimentos de estimação concorrentes. Quando a verificação e a comparação de procedimentos de estimação concorrentes são possíveis, as medidas de risco são denominadas de elicitáveis (Fissler & Ziegel, 2016).
  • 2
    No sentido proposto por Artzner et al. (1999), uma medida de risco coerente satisfaz quatro axiomas: invariância de translação, sub-aditividade, homogeneidade positiva e monotonicidade. O VaR não respeita a sub-aditividade, portanto, o VaR de uma carteira não é necessariamente menor ou igual à soma do VaR dos ativos individuais que compõe a carteira.
  • 3
    O índice S&P500 foi empregado por ser um dos mais utilizados em estudos financeiros.
  • 4
    A literatura demonstra que 1.000 observações são um bom tamanho de amostra de estimação para dados diários.
  • 5
    As medidas de risco são estimadas com outros modelos do tipo GARCH, incluindo GJR-GARCH, EGARCH e APARCH; no entanto, em geral, o modelo GARCH com inovações t-Student assimétricas tem o melhor desempenho, considerando critérios de seleção e eficiência de filtragem de dados, bem como sua parcimônia.
  • Agências de fomento:

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS)
  • Editor responsável:

    Prof. Dr. Javier Montoya del Corte
  • Avaliado pelo sistema

    Double Blind Review

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2017
  • Aceito
    27 Jun 2018
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