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Uso de efluentes da carcinicultura na irrigação de Panicum maximum cvs. Tanzânia e Mombaça1 1 Pesquisa financiada pela FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos

Use of shrimp farm effluents for irrigation of Panicum maximum cvs.Tanzania and Mombaça

Resumo

O trabalho objetivou avaliar as alterações químicas do solo e a produção de duas cultivares de capim Panicum maximum Jacq. (Tanzânia e Mombaça), em resposta à irrigação com o efluente da carcinicultura em águas interiores e comparar os resultados com os obtidos com a irrigação convencional, utilizando água de rio. O experimento foi realizado em uma fazenda de criação de camarão, em Russas-CE. Utilizou-se um delineamento experimental de blocos casualizados, em um esquema fatorial 2 (cultivares de capim) x 2 (tipos de água utilizada na irrigação). Em quatro cortes do capim foram avaliadas as variáveis de produção: altura, produtividade de matéria seca e porcentagem de matéria seca. Os dados foram submetidos à análise de variância e ao teste de Tukey. Foram analisados, antes e após a aplicação dos tratamentos, os seguintes atributos químicos do solo: pH, condutividade elétrica do extrato saturado (CEes), porcentagem de sódio trocável (PST), matéria orgânica, P, K+, Ca2+, Mg2+ e Na+. Os dados foram submetidos ao teste de t , com nível de significância de 5%. A irrigação com o efluente da carcinicultura não aumentou nem reduziu, significativamente, a produção de matéria seca das duas cultivares de Panicum maximum, em comparação com a irrigação com a água do rio Jaguaribe. Após 14 meses de cultivo, o solo irrigado com o efluente apresentou níveis significativamente maiores (p < 0,05) de Na+, CEes e PST em relação ao solo irrigado com a água do rio Jaguaribe.

Palavras-chave
L. vannamei; Reutilização de água; Salinização do solo; Carcinicultura; Panicum maximum

Abstract

The study aimed to evaluate soil chemical changes and yield of two cultivars of Panicum maximum Jacq. (Tanzania and Mombaça) in response to irrigation with effluent from inland shrimp farming and compare the results with those obtained with conventional irrigation using river water. The experiment was carried out in a shrimp farm, in Russas-CE, Brazil. It was used a randomized block design, in a factorial 2 (grass cultivars) x 2 (types of irrigation water). The following yield variables were evaluated in four grass cuttings: height, dry matter yield and dry matter content. Data were analyzed by ANOVA and Tukey test. The following soil chemical properties were analyzed before and after treatment application: pH, electrical conductivity of saturated extract (CE), exchangeable sodium percentage (ESP), organic matter, P, K+, Ca2+, Mg2+ and Na+. Data were analyzed using t tests for paired observations, at 5% significance level. Irrigation with effluent from shrimp farming did not increased or reduced significantly dry matter yield of two cultivars of Panicum maximum as compared to irrigation with Jaguaribe river water. After 14 months of cultivation, levels of Na+, CE and ESP increased significantly (p < 0.05) in the soil irrigated with effluent, as compared to the soil irrigated with river water.

Key words
L. vannamei; Water reuse; Soil salinization; Shrimp farming; Panicum maximum

Introdução

A adaptação da espécie de camarão L. vannamei, as águas com baixa salinidade, contribuiu para o avanço da carcinicultura em águas interiores. Na região do Baixo Jaguaribe-CE, onde não há interferência da água do mar, houve um grande aumento do número de fazendas de camarão, entre o final da década de 1990 e o início da década de 2000. Na maioria dessas fazendas, que em 2004 compreendiam uma área total de 413 ha, os efluentes eram lançados diretamente nos corpos hídricos da bacia, sem tratamento prévio, sendo o rio Jaguaribe o principal receptor (FIGUEIREDO et al., 2005FIGUEIREDO, M. C. B. et al. Impactos ambientais do lançamento de efluentes da carcinicultura em águas interiores. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 10, n. 02, p. 167-174, 2005.).

Dentre as principais questões ambientais relacionadas à carcinicultura em águas interiores, destacam-se o elevado consumo de água e a contaminação dos corpos hídricos por efluentes não tratados. Os efluentes da carcinicultura, frequentemente, apresentam níveis mais elevados de alguns nutrientes, plâncton, sólidos suspensos e demanda de oxigênio que os corpos hídricos receptores (BOYD, 2003BOYD. C. E. Guidelines for aquaculture effluent management at the farm-level. Aquaculture, v. 226, n. 01-04, p. 101-112, 2003.). Conseqüentemente, esses efluentes são considerados fontes potenciais de poluição, contribuindo para a eutrofização de rios e lagoas, onde são lançados (DIERBERG; KIATTISIMKUL, 1996DIERBERG, F. E.; KIATTISIMKUL, W. Issues, impacts, and implications of shrimp aquaculture in Thailand. Environmental Management, v. 20, n. 05, p. 649-666, 1996.; PAEZ-OSUNA et al.,1998PAEZ-OSUNA, F.; GUERRERO-GALVAN, S. R.; RUIZ-FERNANDEZ, A.C. The environmental impact of shrimp aquaculture and the coastal pollution in Mexico. Marine Pollution Boletim, v. 36, n. 01, p. 65-75, 1998.).

Figueiredo et al. (2005)FIGUEIREDO, M. C. B. et al. Impactos ambientais do lançamento de efluentes da carcinicultura em águas interiores. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 10, n. 02, p. 167-174, 2005. recomendaram o tratamento prévio dos efluentes da carcinicultura em águas interiores, antes de serem lançados nos corpos hídricos, através do uso de bacias de sedimentação, da recirculação e do reuso em outras atividades nas próprias fazendas. Rocha et al. (2008)ROCHA, N. M.; SOUZA JÚNIOR, J.; FARIAS, W. R. L. Reutilização de água em um sistema integrado com camarões, sedimentação, ostras e macroalgas marinhas. Revista Ciência Agronômica, v. 39, n. 04, p. 540-547, 2008. observaram que a reutilização do efluente da carcinicultura em um sistema integrado, que incluía criação de camarões, sedimentação, criação de ostras e macroalgas marinhas, apresentou resultados satisfatórios para a melhoria da qualidade da água.

Entre as alternativas de reuso, a irrigação de cultivos é apontada como uma das mais viáveis, em virtude da redução da carga poluidora dos efluentes e do aporte de nutrientes para as culturas, com provável economia de fertilizantes. No entanto, existem questionamentos quanto aos efeitos da aplicação desses efluentes sobre os cultivos e sobre o solo (MIRANDA et al., 2005MIRANDA, F. R. et al. Irrigação com efluentes da carcinicultura em águas interiores. In: WORKSHOP USO E REÚSO DE ÁGUAS DE QUALIDADE INFERIOR: REALIDADES E PERSPECTIVAS, 1., 2005, Campina Grande, Anais... Campina Grande: UFPB. 1 CD-ROM.; TOZE, 2006TOZE, S. Reuse of effluent water-benefits and risks. Agricultural Water Management, v. 80, n. 01-03, p. 147-159, 2006.).

Alguns estudos mostraram que a irrigação com o efluente da carcinicultura é tecnicamente viável para cultivos como arroz, oliveira e melão, nos quais foram utilizados sistemas de irrigação por superfície e gotejamento (MCINTOSH et al., 2003MCINTOSH, D. et al. Toward integrating olive production with inland shrimp farming. World Aquaculture, v. 34, n. 01, p. 16-20, 2003.; MIRANDA et al., 2008aMIRANDA, F. R. et al. Reuse of inland low-salinity shrimp farm effluent for melon irrigation. Aquacultural Engineering, v. 39, n. 01, p. 1-5, 2008a.; MIRANDA et al., 2008bMIRANDA, F. R. et al. Uso de efluentes da carcinicultura de águas interiores na irrigação do arroz. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 13, n. 04, p. 380-386. 2008b.).

Em muitas fazendas de camarão da região do Baixo Jaguaribe-CE, há também produção de forrageiras para a alimentação de bovinos, ovinos e caprinos. Entre as espécies forrageiras mais utilizadas nessas fazendas, destacam-se as gramíneas do gênero Panicum, que apresentam ótimo potencial para produção de forragem com bom valor nutritivo, porém, se adaptam melhor a solos com média ou alta fertilidade (QUADROS et al., 2002QUADROS, D. G. et al. Componentes da produção de forragem em pastagens dos capins Tanzânia e Mombaça adubadas com quatro doses de NPK. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 31, n. 03, p.1333-1342, 2002.; RODRIGUES et al., 2005RODRIGUES, B. H. N.; MAGALHÃES, J. A.; LOPES, E. A. Irrigação e adubação nitrogenada em três gramíneas forrageiras no Meio-Norte do Brasil. Revista Ciência Agronômica, v. 36, n. 03, p. 274-278, 2005.).

Alguns estudos têm mostrado que a irrigação de espécies forrageiras é uma opção viável para o reuso de efluentes, tanto de esgoto doméstico quanto da aquicultura, apresentando boa produção e boa capacidade de extração de sais do perfil do solo (BROWN; GLENN, 1999BROWN, J. J.; GLENN, E. P. Reuse of highly saline aquaculture effluent to irrigate a potential forage halophyte, Suaeda esteroa. Aquacultural Engineering, v. 20, n. 02, p. 91-111, 1999.; GRATTAN et al., 2004GRATTAN, S. R. et al. Evaluation of salt-tolerant forages for sequential water reuse systems I. Biomass production. Agricultural Water Management, v. 70, n. 02, p. 109-120, 2004.; SUYAMA et al., 2007SUYAMA, H. et al. Forage yield and quality under irrigation with saline-sodic drainage water: Greenhouse evaluation. Agricultural Water Management, v. 88, n. 01-03, p. 159-172, 2007.). O presente estudo objetivou avaliar a produção de Panicum maximum Jacq. (cvs. Tanzânia e Mombaça) e as alterações químicas do solo, em resposta à irrigação com efluentes da carcinicultura em águas interiores e comparar os resultados com os obtidos com a irrigação convencional, utilizando água de rio.

Materiais e métodos

O experimento foi realizado no período de julho de 2007 a outubro de 2008, em Russas, CE, na Fazenda Poço de Onça (latitude 4º58'55" Sul, longitude 37º54'40" Oeste). A fazenda utiliza água do rio Jaguaribe para a criação de camarão da espécie L. vannamei, em dois viveiros, com área de três hectares cada. Os efluentes contínuos e das despescas dos tanques são lançados em um canal de descarga e, posteriormente, no rio Jaguaribe. O solo da área é classificado como Neossolo Flúvico, textura franco, com teores de areia, silte e argila de 460, 360 e 180 g kg-1, respectivamente.

Utilizou-se o delineamento experimental de blocos casualizados, em um esquema fatorial 2 x 2, com cinco repetições. Os tratamentos utilizados foram:

  • * TE - Panicum maximum cv. Tanzânia irrigado com efluente da carcinicultura;

  • * ME - Panicum maximum cv. Mombaça irrigado com efluente da carcinicultura;

  • * TR - Panicum maximum cv. Tanzânia irrigado com água do rio Jaguaribe;

  • * MR - Panicum maximum cv. Mombaça irrigado com água do rio Jaguaribe.

Cada parcela compreendia uma área de 100 m2 (10 m x 10 m). Com base na análise de fertilidade do solo, foi realizada uma adubação de fundação 60 dias antes do plantio, sendo aplicados 500 kg ha-1 de superfosfato simples (18% de P2O5) e 40 kg ha-1 da mistura de micronutrientes FTE BR 12, conforme recomendado por Van Raij et al. (1997)VAN RAIJ, B. et al. Recomendações de Adubação e Calagem para o Estado de São Paulo. 2. ed. rev. atual. Campinas: Instituto Agronômico/Fundação IAC, 1997. 285 p.. A distribuição dos fertilizantes foi feita a lanço, seguida de incorporação com enxada rotativa, na profundidade de 0,05 m.

A semeadura foi realizada em 30/07/2007, em linhas espaçadas de 0,50 m, com distribuição de 10 kg ha-1 de sementes (20% de valor cultural). A emergência das plântulas ocorreu entre 7 e 8 dias após o plantio. A partir do 60º dia após a semeadura, foram realizadas três adubações de cobertura, com freqüência quinzenal, aplicando-se 50 kg ha-1 de N, na forma de uréia (45% de N).

Irrigação e qualidade da água

Na aplicação dos tratamentos de irrigação, foram utilizados dois sistemas de aspersão (um para cada tipo de água), com dois aspersores setoriais por parcela. Nos tratamentos irrigados com o efluente, o bombeamento foi realizado a partir do canal de descarga, onde são lançados os efluentes dos viveiros de camarão. Em cada sistema foi instalado um hidrômetro para o monitoramento do volume de água aplicado nas irrigações.

Até 30 dias após a semeadura, as irrigações foram realizadas diariamente, aplicando-se uma lâmina d´água de 6,0 mm dia-1. Em seguida, as parcelas foram irrigadas a cada dois dias, aplicando-se uma lâmina média de 8,5 mm por irrigação.

Durante o período em que o capim foi irrigado, foram coletadas amostras do efluente da carcinicultura e da água do rio Jaguaribe, utilizados na irrigação a cada 15 dias. As amostras foram analisadas quanto ao pH, CEa, RAS e as concentrações de N - Amoniacal, Nitrato, N - Total, K +, Ca2+, Mg2+ e Na+, Cl-, SO42-, CO32- e HCO3-, conforme Silva (1999)SILVA, F. C. Manual de Analises Químicas de Solo, Plantas e Fertilizantes. Brasília: Embrapa, 1999. 370 p.. Os dados foram submetidos à análise estatística, utilizando-se o teste de t, para os níveis de 1% e 5% de significância, a fim de detectar diferenças significativas entre os tipos de água e são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Características químicas médias do efluente da carcinicultura e da água do rio Jaguaribe utilizados no experimento

O efluente apresentou níveis significativamente mais elevados de K+ (p<0,01), Na+ (p<0,05), CEa (p<0,01) e RAS (p<0,05) que a água do rio. Para as demais variáveis analisadas, o efluente também apresentou níveis mais elevados em relação à água do rio (com exceção de pH e Mg2+), embora as diferenças não fossem significativas.

De acordo com as diretrizes apresentadas por Ayers e Westcot (1999)AYERS, R. S.; WESTCOT, D. W. A qualidade da água na agricultura. Campina Grande: UFPB, 1999. 153 p. (Irrigação e Drenagem, 29)., tanto a água do rio quanto o efluente apresentaram grau de restrição moderado para uso na irrigação, quando considerados os níveis de HCO3-, Cl-, Na+ e RAS. Com relação à salinidade, a água do rio não apresentou nenhuma restrição (CEa<0,70) e o efluente apresentou um grau de restrição moderado para uso na irrigação.

Avaliações de produção de forragem

As gramíneas ficaram em crescimento livre até o 103º dia após a semeadura, quando foi efetuado, mecanicamente, o corte de uniformização numa altura aproximada de 0,28 m do solo. Imediatamente após o corte de uniformização e a cada 15 dias, foram realizadas adubações de cobertura, aplicando-se 25 kg ha-1 de N, na forma de uréia.

Para a avaliação das variáveis de produção, foram realizados quatro cortes do capim. O primeiro corte foi realizado em 15/12/2007 (32 dias após o corte de uniformização) e o segundo corte em 15/01/2008. A seguir, o capim foi deixado em crescimento livre durante a estação chuvosa (fevereiro a junho), quando não foram realizadas irrigações ou adubações. Em 28/07/2008, foi realizado outro corte de uniformização e reiniciadas as adubações quinzenais com uréia. O terceiro corte de avaliação foi realizado em 27/08/2008 e o quarto em 01/10/2008.

Em cada parcela, avaliou-se a altura e a produção de fitomassa de três áreas amostrais de 1,0 m2, localizadas ao acaso dentro das parcelas. O corte do capim foi realizado a 0,25 m de altura do solo. Após o corte, o capim foi pesado imediatamente para a determinação da massa de matéria verde. A seguir, foram retiradas subamostras para determinação da porcentagem de matéria seca. As subamostras foram acondicionadas em sacos de papel, pesadas em balança de precisão de 0,1 mg e colocadas para secar em estufas de ventilação forçada à temperatura de 65 °C, durante 72 horas. Após a secagem, as subamostras foram pesadas novamente, determinando-se a porcentagem de matéria seca. Os dados foram submetidos à análise de variância e ao teste de Tukey. A seguir, as amostras foram trituradas e analisadas quanto ao teor de N, P, K+, Ca2+, Mg2+, Na+, S, Fe e Mn.

Avaliações do solo

Para a análise das alterações dos atributos químicos do solo, foram coletadas amostras de solo antes do plantio e após o último corte do capim. As amostras foram coletadas utilizando um trado com 0,075 m de diâmetro, nas faixas de profundidades de 0 a 0,2 m e de 0,2 a 0,4 m. Em todas as parcelas, foram coletadas uma amostra simples de cada área amostral, utilizada na avaliação de produção do capim. As três amostras simples da mesma profundidade e da mesma parcela foram utilizadas para formar as amostras compostas da parcela. As amostras foram analisadas quanto ao pH, condutividade elétrica do extrato saturado (CEes), porcentagem de sódio trocável (PST) e teores de matéria orgânica, P, K+, Ca2+, Mg2+ e Na+. Na análise estatística dos atributos do solo, utilizou-se o teste de t, ao nível de 1% de significância, para verificar a existência de diferenças estatísticas entre os solos irrigados com os dois tipos de água antes e após a aplicação dos tratamentos.

Resultados e discussão

Produção de forragem

Os resultados da análise de variância (Tabela 2) mostraram que o efeito da irrigação com o efluente foi significativo (p<0,05) apenas para as variáveis porcentagem de matéria seca e altura do capim. Houve efeito significativo da cultivar de capim sobre as variáveis produtividade de matéria seca e porcentagem de matéria seca. Para a interação entre cultivar e água somente a variável produtividade de matéria seca apresentou diferenças significativas.

Tabela 2
Resultados da análise de variância das variáveis produtividade de matéria seca (kg ha-1), percentual de matéria seca (%) e altura (cm)

A cultivar Mombaça apresentou uma produtividade de matéria seca superior (p<0,05) à produtividade obtida com a cultivar Tanzânia, quando ambas foram irrigadas com a água do rio Jaguaribe (Tabela 3). O mesmo não ocorreu quando a irrigação foi realizada com o efluente. Tais resultados estão de acordo com os relatados por Quadros et al. (2002)QUADROS, D. G. et al. Componentes da produção de forragem em pastagens dos capins Tanzânia e Mombaça adubadas com quatro doses de NPK. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 31, n. 03, p.1333-1342, 2002., que observaram que a cultivar Mombaça apresentou maior produção de matéria seca em relação cv. Tanzânia, o que permite sugerir a sua aptidão para sistemas mais intensivos de produção de ruminantes em pastagens, apesar de exigir um manejo mais criterioso.

Tabela 3
Produtividade de matéria seca (kg ha-1) das cultivares de Panicum maximum Tanzânia e Mombaça em resposta a irrigação com efluente da carcinicultura e água do rio Jaguaribe

Com relação ao efeito da irrigação com o efluente sobre a produção, os resultados foram semelhantes aos relatados por Miranda et al. (2008a)MIRANDA, F. R. et al. Reuse of inland low-salinity shrimp farm effluent for melon irrigation. Aquacultural Engineering, v. 39, n. 01, p. 1-5, 2008a. e Miranda et al. (2008b)MIRANDA, F. R. et al. Uso de efluentes da carcinicultura de águas interiores na irrigação do arroz. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 13, n. 04, p. 380-386. 2008b., que não observaram diferenças significativas da irrigação com o efluente da carcinicultura em relação à irrigação com a água do rio Jaguaribe, sobre as produtividades de melão e de arroz, respectivamente.

A cultivar Mombaça apresentou médias inferiores (p<0,05) de porcentagem de matéria seca em relação à cultivar Tanzânia. Não foram observadas diferenças significativas (p>0,05) quanto aos tipos de água utilizados na irrigação (Tabela 4). Para a cultivar Tanzânia, a irrigação com a água do rio proporcionou maior porcentagem de matéria seca (p<0,05), em relação à irrigação com o efluente.

Tabela 4
Porcentagem de matéria seca e altura das cultivares de Panicum maximum Tanzânia e Mombaça em resposta a irrigação com efluente da carcinicultura e água do rio Jaguaribe

Ambas as cultivares de Panicum maximum apresentaram maior altura (p<0,05) quando foram irrigadas com o efluente da carcinicultura, em relação à irrigação com a água do rio. Não foram observadas diferenças entre as cultivares quando irrigadas com o mesmo tipo de água. Este resultado difere do obtido por Quadros et al. (2002)QUADROS, D. G. et al. Componentes da produção de forragem em pastagens dos capins Tanzânia e Mombaça adubadas com quatro doses de NPK. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 31, n. 03, p.1333-1342, 2002., os quais observaram que a cultivar Mombaça atingiu uma altura média superior à cv. Tanzânia (77,6 cm e 63,9 cm, respectivamente), alturas essas que foram inferiores às observadas no presente estudo.

Características químicas do tecido vegetal

Na Tabela 5, são apresentados os valores médios das características químicas do tecido vegetal das cultivares de capim Panicum maximum irrigadas com o efluente e a água do rio Jaguaribe. Apesar do efluente da carcinicultura ter apresentado maiores teores de Na+ e K+ em relação à água do rio, não foram observadas diferenças significativas entre os tratamentos (p>0,05) com relação a estes nutrientes, bem como dos demais nutrientes, no tecido vegetal, com exceção do Fe. Ambas as cultivares de capim apresentaram níveis de Fe significativamente mais altos (p<0,01), quando irrigadas com o efluente da carcinicultura.

Tabela 5
Valores médios do teor de nutrientes contidos no tecido vegetal do capim Tanzânia (T) e Mombaça (M) irrigados com efluente (E) e água do rio Jaguaribe (R)

Características químicas do solo

Na Tabela 6, observa-se que, antes do cultivo do capim (tempo 0), não existiam diferenças significativas entre os tratamentos para as características químicas do solo avaliadas. Após o cultivo do capim, o solo irrigado com o efluente passou a ter níveis significativamente mais elevados de CEes (p<0,05), Na+ (p<0,01) e PST (p<0,01) na camada de 0 a 0,20 m e de Ca+ (p<0,05) na camada de 0,20 a 0,40 m, em relação ao solo irrigado com a água do rio.

Tabela 6
Características químicas do solo antes (tempo 0) e após (tempo 1) o cultivo do capim, com aplicação do efluente da carcinicultura (E) e da água de rio (R) na irrigação

Para ambos os tipos de água utilizados na irrigação, a PST do solo aumentou durante o cultivo, não só em virtude do aumento do teor de Na+, como também em virtude da redução dos teores de Ca+ e Mg+ no perfil do solo. No entanto, no caso do solo irrigado com o efluente, o aumento da PST foi maior que no solo irrigado com a água do rio, provavelmente devido ao fato do efluente da carcinicultura apresentar níveis mais elevados de Na+, em relação à água do rio.

Resultados semelhantes com relação aos aumentos da CEes e da PST do solo foram relatados por Miranda et al. (2008a)MIRANDA, F. R. et al. Reuse of inland low-salinity shrimp farm effluent for melon irrigation. Aquacultural Engineering, v. 39, n. 01, p. 1-5, 2008a. e Miranda et al. (2008b)MIRANDA, F. R. et al. Uso de efluentes da carcinicultura de águas interiores na irrigação do arroz. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 13, n. 04, p. 380-386. 2008b., quando utilizaram o efluente da carcinicultura na irrigação de cultivos de melão e de arroz, respectivamente. No entanto, McIntosh et al. (2003)MCINTOSH, D. et al. Toward integrating olive production with inland shrimp farming. World Aquaculture, v. 34, n. 01, p. 16-20, 2003. não observaram efeitos negativos do efluente da carcinicultura sobre a salinidade do solo em um estudo de cinco meses com irrigação de oliveiras.

De acordo com a classificação apresentada por Pizarro (1978)PIZARRO, F. Drenaje Agrícola y Recuperación de Suelos Salinos. Madrid: Agrícola Española, 1978. 521 p., antes do cultivo o solo era classificado como normal e com praticamente nenhum efeito prejudicial da salinidade sobre o rendimento das culturas, em virtude de apresentar PST < 7% e CEes <2 dS m-1. Na análise realizada depois do cultivo, foi observado um aumento do PST em ambos os tratamentos, o que fez com que na camada de 0 a 0,20 m de profundidade, o solo irrigado com o efluente passasse a ser classificado como ligeiramente sódico (7<PST<10), o mesmo ocorrendo com o solo irrigado com a água do rio na camada de 0,20 a 0,40 m.

Segundo Toze (2006)TOZE, S. Reuse of effluent water-benefits and risks. Agricultural Water Management, v. 80, n. 01-03, p. 147-159, 2006., o uso continuado de efluentes na irrigação pode aumentar a salinidade do solo. Tal aumento, quando devido à acumulação de sódio no solo, pode ser mais problemático e requer o uso de algumas práticas de manejo, como, por exemplo, a lixiviação do sódio do perfil do solo por meio da irrigação periódica com água de menor salinidade, associada ao uso de sistemas de drenagem, quando a drenagem natural do terreno não é adequada. Outra opção seria o uso do efluente na irrigação de forrageiras tolerantes à salinidade e com capacidade de extração de sais do solo (BROWN, GLENN, 1999BROWN, J. J.; GLENN, E. P. Reuse of highly saline aquaculture effluent to irrigate a potential forage halophyte, Suaeda esteroa. Aquacultural Engineering, v. 20, n. 02, p. 91-111, 1999.; GRATTAN et al., 2004GRATTAN, S. R. et al. Evaluation of salt-tolerant forages for sequential water reuse systems I. Biomass production. Agricultural Water Management, v. 70, n. 02, p. 109-120, 2004.).

Conclusões

Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que:

  1. O efluente da carcinicultura de águas interiores pode ser utilizado na irrigação das cultivares de capim Panicum maximum Tanzânia e Mombaça, proporcionando produtividades semelhantes às obtidas com a água de rio.

  2. O uso do efluente da carcinicultura de águas interiores na irrigação provocou um aumento significativo (p<0,05) nos níveis de Na+, CEes e PST do solo. A irrigação com o efluente deve ser acompanhada do monitoramento periódico desses parâmetros, a fim de detectar e prevenir a salinização do solo.

  • 1
    Pesquisa financiada pela FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos

Agradecimentos

Os autores agradecem à FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos - pelo financiamento para a realização da pesquisa e aos proprietários e funcionários da Fazenda Poço de Onça, pela colaboração na realização do experimento.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2010

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2009
  • Aceito
    27 Jan 2010
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