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Caracterização e divergência genética de populações de milho resgatadas do Sudeste de Minas Gerais1 1 Pesquisa financiada pela FAPEMIG/UFV

Characterization and genetic divergence of corn populations rescued from the region southeastern of Minas Gerais

Resumo

O objetivo desse trabalho foi caracterizar e avaliar o potencial produtivo e a divergência genética de populações de milho resgatadas do sudeste de Minas Gerais, visando à identificação de genótipos promissores para o melhoramento genético. Foram avaliados quatro híbridos comerciais, cinco populações de milho crioulo e sete populações de milho de paiol. Foram utilizados 16 descritores, sendo nove quantitativos e sete qualitativos. Para os descritores quantitativos, estudou-se a divergência genética por meio de análise de variáveis canônicas. Para os descritores qualitativos, utilizou-se o método de agrupamento de Tocher, tendo como medida de dissimilaridade as variáveis multicategóricas. Houve divergência genética entre as populações e os descritores quantitativos que mais contribuíram para a divergência foram o número de fileiras de grãos, a largura de grãos e o diâmetro de espiga. Algumas populações podem ter sido cruzadas com híbridos comerciais nas propriedades rurais e algumas apresentam potencial para serem utilizadas em programas de melhoramento. O agrupamento obtido com a utilização de dados quantitativos não foi o mesmo de quando se utilizou dados qualitativos, por isso, essas informações sobre similaridade devem ser utilizadas de forma conjunta.

Palavras-chave
Recursos genéticos; Landraces; Zea mays L

Abstract

The objective of this work was to characterize and evaluate corn populations rescued from the southeastern of Minas Gerais, concerning potential yield and genetic divergence. Were used quantitative and qualitative descriptors of corncob and caryopsis to discrimination of populations. The experiment was installed in a randomized complete block design with two replications. Were evaluated four commercial hybrids, five landraces populations and seven farmers' field populations. Sixteen descriptors were applied to the germoplasm, being nine quantitative and seven qualitative. For quantitative descriptors genetic divergence was estimated based on canonical variables. For qualitative descriptors, cluster analysis was applied based on the method of optimization of Tocher, where the distance to multicategory data was the measure of dissimilarity between genotypes. There is genetic variability between the populations evaluated considering the descriptors in question. The quantitative descriptors that contributed most to the genetic divergence between the genotypes were number of grain rows, grain width and cob diameter. Some populations may have been crossed with commercial hybrids in rural properties and some populations have potential to be used in breeding programs, therefore this information on similarity should be used altogether.

Key words
Genetic resources; Landrace; Zea mays L

Introdução

O milho (Zea mays L.) é provavelmente uma das espécies cultivadas com maior diversidade genética (PATERNIANI et al., 2000PATERNIANI, E.; NASS, L. L.; SANTOS, M. X. O valor dos recursos genéticos de milho para o Brasil: uma abordagem histórica da utilização do germoplasma. In: UDRY, C.W.; DUARTE, W. (Org.). Uma história brasileira do milho: o valor dos recursos genéticos. Brasília: Paralelo 15, 2000. p.11-41.). Já foram identificadas cerca de 300 raças e milhares de variedades que são cultivadas em diferentes condições ambientais (TEIXEIRA et al., 2005TEIXEIRA, F. F. et al. Boas Práticas na Manutenção de Germoplasma e Variedades Crioulas de Milho. Sete Lagoas-MG. Comunicado Técnico n. 113. 2005. 8 p.). Nessa cultura há grande variabilidade genética tanto para caracteres relacionados à adaptação ambiental, quanto para aqueles que não têm influência na vantagem adaptativa (TEIXEIRA et al., 2002TEIXEIRA, F. F. et al. Diversidade no germoplasma de milho coletado na região Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, v. 01, n. 03, p. 59-67, 2002.).

Muitas variedades de milho são cultivadas por comunidades indígenas e pequenos agricultores há décadas, sendo denominadas de milho crioulo ou landraces. De maneira geral, as populações crioulas são menos produtivas que os cultivares modernos, embora apresentem uma complexa estrutura genética (ANDRADE; FILHO, 2008ANDRADE, J. A. da C.; FILHO, J. B. de M. Quantitative variation in the tropical maize population, ESALQ-PB1. Scientia Agrícola, v. 65, n. 02, p. 174-182, 2008.). E por isso, essas populações são importantes fontes de variabilidade na busca por genes responsáveis pela tolerância ou resistência aos fatores bióticos e abióticos (ARAÚJO; NASS, 2002ARAÚJO, P. M.; NASS, L. L. Caracterização e avaliação de milho crioulo. Scientia Agrícola, v. 59, n. 03, p. 589-593, 2002.). Outro tipo de variedade de milho são as populações de polinização aberta, oriundas de genótipos melhorados e cultivadas sucessivamente por pequenos agricultores, sendo denominadas de variedades, milho de paiol ou farmer´fields.

Com os avanços da agricultura, a preferência por cultivares modernos, geneticamente uniformes em detrimento aos landraces é uma ameaça à manutenção da grande diversidade que caracteriza essas populações (BITOCCHI et al., 2009BITOCCHI, E. et al. Introgression from modern hybrid varieties into landrace populations of maize (Zea mays ssp. mays L.) in central Italy. Molecular Ecology, v. 18, p. 603-621, 2009.). Por isto, estudos sobre fluxo gênico entre materiais melhorados e landraces de várias espécies cultivadas devem ser desenvolvidos com respeito à produção sustentável de alimentos (QUIST; CHAPELA, 2001QUIST, D.; CHAPELA, I. H. Transgenic DNA introgressed into traditional maize landraces in Oaxaca, Mexico. Nature, v. 414, p. 541-543, 2001.).

O resgate das variedades crioulas e de paiol e sua conservação são de fundamental importância para a manutenção da variabilidade da espécie e para conservar esses genótipos em local protegido contra a possibilidade de cruzamento (introgressão) com cultivares comerciais tradicionais ou transgênicos, o que ocorre com freqüência nas pequenas propriedades ou comunidades indígenas, devido à introdução de genótipos melhorados com maior potencial produtivo. Uma das estratégias recomendada pela Convention on Biological Diversity (2002)CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. Global Strategy for Plant Conservation. The Secretariat of the Convention on Biological Diversity and Botanic Gardens Conservation International, Publishers. Canada. U.K, 2002. 15 p. no âmbito da conservação e do uso sustentável da Biodiversidade, consiste no estabelecimento de bancos de germoplasma para a conservação ex situ, para a preservação dos recursos genéticos, mas também para possíveis reintroduções, no caso de ocorrerem situações catastróficas, ou o desaparecimento de uma determinada população.

Entretanto, não se deve apenas conservar ex situ, mas também utilizar o germoplasma disponível para o desenvolvimento de cultivares adaptadas e de alta produtividade, o que segundo Paixão et al. (2008)PAIXÃO, S. L. et al. Divergência genética e avaliação de populações de milho em diferentes ambientes no Estado de Alagoas. Caatinga. v. 21, n. 04, p. 191-195, 2008. é de suma importância para se incrementar o rendimento da atividade agrícola. Por isso, a caracterização do germoplasma pode estimular a sua utilização e contribuir com identificação de populações divergentes e com variabilidade genética o que pode ser útil para a predição preliminar de cruzamentos que otimizem a heterose (MIRANDA et al., 2003MIRANDA, G. V. et al. Potencial de melhoramento e divergência genética de cultivares de milho-pipoca. Pesquisa Agropecuária Brasileira. v. 38, n. 06, p. 681-688, 2003.).

Grande parte das metodologias utilizadas em estudos de divergência genética é baseada na análise de caracteres quantitativos ou qualitativos binários. Geralmente, ao realizar a caracterização de acessos em bancos de germoplasma, verifica-se também a presença de caracteres qualitativos apresentando várias classes (multicategóricas) e esses caracteres são também utilizados nas chaves de identificação taxonômicas vegetais (SUDRÉ et al., 2006SUDRÉ, C. P. et al. Variáveis multicategóricas na determinação da divergência genética entre acessos de pimenta e pimentão. Horticultura Brasileira, v. 24, n. 01, p. 88-93, 2006.) e também podem ser utilizadas no estudo de divergência genética visando à obtenção de matrizes de dissimilaridade e posteriores análises de agrupamento.

Diante do exposto, os objetivos deste trabalho foram: caracterizar, avaliar o potencial produtivo e a divergência genética de populações de milho resgatadas do sudeste de Minas Gerais, visando à identificação de genótipos promissores para o melhoramento genético.

Material e métodos

O experimento foi conduzido em solo do tipo Podzólico Amarelo, no período de dezembro de 2000 a março de 2001, na Estação Experimental "Diogo Alves de Mello", pertencente à Universidade Federal de Viçosa. Viçosa está a 20º45'14" S e 42º52'55" O e na altitude de aproximadamente 650 m.

Foram avaliados 16 tratamentos, sendo quatro híbridos comerciais e doze populações de polinização aberta de milho, coletadas em propriedades agrícolas da região de Viçosa-MG (Tabela 1). Entre estas populações de polinização aberta, encontram-se cinco populações de milho crioulo (Landrace) e sete populações de milho de paiol (Populações oriundas de milhos comerciais e conduzidas sob polinização ao acaso durante várias gerações por agricultores da região).

Tabela 1
Populações de polinização aberta e híbridos de milho avaliados na safra 2000/2001 em Viçosa, MG

Os híbridos duplos foram utilizados como testemunhas no intuito de avaliar o potencial produtivo das populações de polinização aberta e verificar a possibilidade de estar havendo introgressão, ou seja, cruzamentos dos milhos comerciais com as populações de polinização aberta, em nível de propriedade rural, uma vez que os híbridos utilizados são cultivados com freqüência na região.

O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso com duas repetições, e a parcela experimental composta de duas linhas de 5 m de comprimento, espaçadas em 1,0 m e densidade de semeadura de cinco plantas por metro linear. A adubação de plantio foi composta de 500 kg ha-1 de N-P-K, formulação 4-14-08. Aos 20 dias após a emergência realizou-se a adubação de cobertura com 50 kg ha-1 de N. O potencial produtivo da cultura do milho com essa adubação é por volta de 6.000 kg ha-1.

A partir de uma amostra aleatória de 20 espigas de cada parcela experimental, foram avaliados 16 descritores pertencentes à relação de descritores da cultura do milho (IPIGRI, 2000IPIGRI. Descritores para o milho. International Maize and Wheat Improvement Center, Mexico City/ International Plant Genetic Resources Institute. Rome, 2000. 46 p.). Os descritores quantitativos de espiga foram: comprimento da espiga sem palha (CE, cm): medida, com régua graduada, da parte da espiga contendo grãos; diâmetro no meio da espiga (DE, mm), medido com o auxilio de paquímetro e número de fileiras de grãos (NFG). Os descritores quantitativos de cariopse foram: comprimento dos grãos da parte média da espiga (CG, mm); largura dos grãos da parte média da espiga principal (LG, mm); espessura dos grãos da parte média da espiga principal (EG, mm); relação comprimento x largura (CxL) e produtividade (PROD, kg ha-1): determinada por parcela e posterior correção para 13% de umidade). Também foi considerado como descritor a altura da planta (AP, m): medida em seis plantas de cada parcela, do nível do solo à inserção da folha bandeira.

Foram realizadas análises de variância individuais com o objetivo de verificar a existência de variabilidade entre os genótipos em relação aos descritores considerados, assim como, o teste de Duncan. O estudo de divergência genética foi realizado por análise de variáveis canônicas e a importância relativa dos descritores na predição da divergência genética foi estabelecida a partir dos elementos dos autovalores obtidos pela técnica de variáveis canônicas.

Para os descritores qualitativos não foram realizadas análises de variância, sendo desconsiderado o delineamento experimental. Os dados utilizados foram obtidos por meio da moda de cada descritor, considerando-se as duas repetições conjuntamente, sendo avaliadas 40 espigas. Foi realizada análise de agrupamento de acordo com o método de Tocher, sendo a medida de dissimilaridade adotada aquela baseada em dados multicategóricos.

Os descritores qualitativos utilizados foram: cor da palha (CP): roxa, 1, castanha, 2; grau de empalhamento (GE): baixo (pode-se ver parte da espiga, 1), médio (pode-se ver a ponta da espiga, 2); alto (cobre a espiga completamente, 3); compactação da palha (CP): frouxa, 1, compacta, 2; forma da espiga (FE): cônica, 1, cônica/cilíndrica, 2, cilíndrica, 3; direção da fileiras desde a base até o ápice (DF): reta, 1, levemente curvada, 2, em espiral, 3, irregular, 4; cor do pericarpo (CP): incolor, 1, amarela, 2, bronze, 3, marrom, 4, vermelha, 5, roxa, 6, variegada, 7; cor do endosperma (CE): branca, 1, amarela, 2, amarela alaranjada, 3, alaranjada, 4, avermelhada, 5. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa GENES (CRUZ, 2006CRUZ, C. D. Programa Genes: Estatística Experimental e Matrizes. 1ª Ed. Viçosa-MG: UFV, 2006. 285 p.).

Resultados e discussão

Foram observadas diferenças significativas entre os genótipos em relação à maioria dos descritores quantitativos, com exceção do descritor comprimento de espiga sem palha (Tabela 2). Isso mostra que existe variabilidade genética entre os genótipos e possibilidade de discriminação dos mesmos com base nesses descritores e que as populações locais de milho podem ser excelentes fontes de germoplasma para busca de alelos favoráveis e adaptados à região. Os coeficientes de variação, em geral, apresentaram baixa magnitude, indicando boa precisão experimental (Tabela 2).

Tabela 2
Resumo das análises de variância para os descritores quantitativos: Comprimento da Espiga sem palha (CE, cm); Diâmetro no meio da Espiga (DE, mm); Número de Fileiras de Grãos (NFG); Comprimento dos Grãos (CG, mm); Largura dos Grãos (LG, mm); Espessura dos Grãos (EG, mm); Relação Comprimento x Largura (CXL); Altura da Planta (AP, m) e Produtividade (PROD, kg ha-1), Viçosa-MG, 2000/2001

No teste de médias, foram observadas diferenças entre todos os tratamentos com diferentes classificações dos mesmos de acordo com a característica (Tabela 3).

Tabela 3
Medias dos genótipos considerando os descritores: Diâmetro da Espiga (DE, mm); Número de Fileiras de Grãos (NFG); Comprimento dos Grãos (CG, mm); Largura do Grão (LG, mm); Espessura dos grãos (EG, mm); Relação Comprimento x Largura (CxL); Altura de Plantas (AP, cm) e Produtividade (PROD). Viçosa-MG, 2000/2001

Os tratamentos AG 1051, Paiol 11, Paiol 13, Paiol 12 e Paiol 8 foram, nesta ordem, os que apresentaram maiores diâmetros de espiga. Os tratamentos com maiores números de fileiras de grãos foram o AG 1051, o Paiol 11, o Paiol 8, o Paiol 12, o BR 205, o Paiol 13 e o Paiol 5, sendo a média geral igual a 12,9 fileiras por espiga. A média do comprimento de grãos dos genótipos foi de 11,86 mm, estando o AG 1051, o BR 205, o Paiol 11, o Crioulo 5 e o Paiol 12 entre os genótipos com maiores comprimentos de grãos.

Embora os tratamentos apresentem diferenças significativas em relação à largura dos grãos, de modo geral apresentaram grãos com larguras em torno de 9,27 mm e espessura de 4,1 mm. Observou-se também grande variação entre os tratamentos quanto à relação comprimento x largura do grão, sendo a média de 1,3. Os tratamentos apresentaram porte elevado, com média de altura de plantas de 2,7 m. Essa média é semelhante à encontrada por Teixeira et al. (2002)TEIXEIRA, F. F. et al. Diversidade no germoplasma de milho coletado na região Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, v. 01, n. 03, p. 59-67, 2002., que ao avaliarem 169 populações de polinização aberta de milho em Janaúba-MG obtiveram média de altura de plantas de 2,74 m.

Entre os tratamentos com as plantas mais altas encontram-se o Paiol 6, o Paiol 17, o Crioulo 3, o Crioulo 1, o Crioulo 4, o Crioulo 2, o Crioulo 5, o Paiol 12, o AG 1071 e o Paio 13. O fato de todos os milhos crioulos e boa parte dos milhos de paiol estarem entre os mais altos, se justifica pelo fato de os milhos crioulos não terem sido submetidos à seleção para porte baixo, como é o caso dos híbridos, e porque na região é comum a utilização da palhada para alimentação de gado bovino leiteiro. Os milhos de paiol, embora originados de genótipos melhorados, apresentaram alterações genéticas devido a cruzamentos com genótipos não melhorados ou por deriva genética ou acasalamento não acaso. O AG 1051, mesmo sendo um híbrido duplo, apresentou porte elevado porque é recomendado para silagem de planta inteira. É importante ressaltar que algumas populações de milho também apresentaram pequeno porte, como é o caso do Paiol 11 e do Paiol 5.

A média de produtividade de grãos do experimento foi de 3.336,3 kg ha-1, valor inferior às médias encontrada por Cardoso et al. (2004)CARDOSO, M. J. et al. Adaptabilidade e estabilidade de cultivares de milho em diferentes ambientes do Meio-Norte Brasileiro. Revista Ciência Agronômica, v. 35, n. 01, p. 68-75, 2004. e Brito et al. (2005)BRITO, A. R. de M. B. et al. Adaptabilidade e estabilidade de cultivares de milho no Estado de Penambuco. Revista Ciência Agronômica, v. 36, n. 03, p. 348-353, 2005. ao avaliarem variedades melhoradas de milho, sendo as produtividades iguais a 5.903,5 kg ha-1 e 3.900,00 kg ha-1, respectivamente. Entre os genótipos mais produtivos encontram-se milhos de paiol (Paiol 8, Paiol 12, Paiol 11, Paiol 17 e Paiol 13), os híbridos (BR 205, AG405 e CX533), e o Crioulo 1. Esses resultados permitem inferir que existem algumas populações adaptadas à região, com produção igual ou até superior a de alguns híbridos. Tais resultados são diferentes dos encontrados por Paixão et al. (2008)PAIXÃO, S. L. et al. Divergência genética e avaliação de populações de milho em diferentes ambientes no Estado de Alagoas. Caatinga. v. 21, n. 04, p. 191-195, 2008., que ao trabalharem com seis populações em diferentes regiões do Estado de Alagoas, não verificaram diferenças estatísticas significativas entre os genótipos avaliados quanto a produtividade de grãos. Portanto, no presente trabalho, a única população crioula com potencial para ser utilizada em programa de melhoramento visando a busca de genótipos superiores em produtividade é o Crioulo 1. Entretanto, é importante lembrar que milhos crioulos também são importantes fontes de genes de adaptação para condições ambientais específicas e não simplesmente produtividade (PATERNIANI et al., 2000PATERNIANI, E.; NASS, L. L.; SANTOS, M. X. O valor dos recursos genéticos de milho para o Brasil: uma abordagem histórica da utilização do germoplasma. In: UDRY, C.W.; DUARTE, W. (Org.). Uma história brasileira do milho: o valor dos recursos genéticos. Brasília: Paralelo 15, 2000. p.11-41.).

Segundo Nass e Paterniani (2000)PATERNIANI, E.; NASS, L. L.; SANTOS, M. X. O valor dos recursos genéticos de milho para o Brasil: uma abordagem histórica da utilização do germoplasma. In: UDRY, C.W.; DUARTE, W. (Org.). Uma história brasileira do milho: o valor dos recursos genéticos. Brasília: Paralelo 15, 2000. p.11-41., a busca por genótipos superiores em produtividade, resistência a pragas e doenças e tolerância aos estresses ambientais ou de melhor qualidade nutricional é bastante árdua e de custo elevado. Desta forma, muitos melhoristas evitam trabalhar com populações crioulas disponíveis nos bancos de germoplasma e a única justificativa para se trabalhar com populações pouco produtivas seria a busca de genes específicos de tolerância a estresses bióticos e abióticos (ARAÚJO; NASS, 2002ARAÚJO, P. M.; NASS, L. L. Caracterização e avaliação de milho crioulo. Scientia Agrícola, v. 59, n. 03, p. 589-593, 2002.). Por outro lado alguns pesquisadores estudam os resultados da introgressão entre espécies ancestrais do milho com o milho moderno, como é o caso de Wang et al. (2008)WANG, L. et al. Kernel amino acid composition and protein content of introgression lines from Zea mays ssp. mexicana into cultivated maize. Journal of Cereal Science. v. 48, p. 387-393, 2008. que verificaram ganhos na quantidade de aminoácidos e proteínas nos grãos de milho, como resultado da introgressão entre milho e teosinte.

No gráfico de dispersão dos genótipos, elaborado com base nas três primeiras variáveis canônicas (Figura 1), observa-se a formação de três grupos, sendo o grupo I formado pelos genótipos: 1 (Paiol 8), 2 (Paiol 12), 3 (BR 205), 4 (Paiol 11), 5 (Paiol 17), 6 (Paiol 13), 7 (AG405), 12 (AG 1051) e 15 (Paiol 5). Nesse grupo verifica-se a similaridade genética de grande parte dos milhos de paiol com os milhos híbridos. Podemos então inferir que há a possibilidade desses híbridos terem dado origem à formação dos milhos de paiol, pois os agricultores cultivam os dois simultaneamente e não fazem isolamento no tempo ou espaço. Tradicionalmente, esses agricultores utilizam as sementes do híbrido para consumo imediato e deixam as sementes dos milhos crioulos para serem consumidas posteriormente devido à menor incidência de carunchos nesses últimos.

Figura 1
Dispersão dos 16 genótipos de milho considerando as três primeiras variáveis canônicas, com base em nove variáveis quantitativas

O grupo II foi formado principalmente por milhos crioulos, sendo pertencentes a esse grupo os genótipos 10 (Crioulo 2), 11 (Paiol 6), 13 (Crioulo 3) e 14 (Crioulo 4). O grupo III foi formado por um híbrido 8 (CX533) e os genótipos 9 (Crioulo 1) e o 16 (Crioulo 5). A presença do híbrido CX533 no grupo III pode ser justificada por um possível cruzamento deste com essas populações nas propriedades rurais. O que foi verificado no trabalho realizado por Bitocchi et al. (2009)BITOCCHI, E. et al. Introgression from modern hybrid varieties into landrace populations of maize (Zea mays ssp. mays L.) in central Italy. Molecular Ecology, v. 18, p. 603-621, 2009., que utilizando marcadores moleculares, verificaram significativa quantidade de introgressão de híbridos modernos em populações landraces na região central da Itália. Quist e Chapela (2001)QUIST, D.; CHAPELA, I. H. Transgenic DNA introgressed into traditional maize landraces in Oaxaca, Mexico. Nature, v. 414, p. 541-543, 2001. também encontraram significativo fluxo gênico de cultivares transgênicos de milho em milhos landraces na região de Oaxaca, México.

A introgressão geralmente ocorre pelo fato de o número e tamanho de lavouras que utilizam cultivares modernos serem bem maiores dos que as que utilizam milhos crioulos, e como conseqüência, a probabilidade de migração de cultivares modernos para crioulos é maior que o inverso (BITOCCHI et al., 2009BITOCCHI, E. et al. Introgression from modern hybrid varieties into landrace populations of maize (Zea mays ssp. mays L.) in central Italy. Molecular Ecology, v. 18, p. 603-621, 2009.). Além disso, mesmo que ocorra o fluxo gênico inverso, os cultivares modernos são em grande maioria híbridos e, portanto suas sementes não são utilizadas para o plantio subseqüente. Conseqüentemente, essa migração unidirecional pode levar à erosão genética ou até mesmo à extinção de algumas populações (PAPA, et al., 2005PAPA, R. et al. A genome-wide analysis of differentiation between wild and domesticated Phaseolus vulgaris from MesoAmerica. Theoretical and Applied Genetics, v. 111, p. 1147-1158, 2005.).

Vale a pena ressaltar que embora ocorra com freqüência em pequenas propriedades rurais e que seja muito prejudicial à manutenção da estrutura genética de populações landraces de milho, a introgressão nem sempre ocorre. Pois, em muitas regiões as populações landraces são cultivadas em áreas marginais devido à sua adaptação às condições específicas dessas áreas, ou devido à sua utilização para produção de produtos alimentícios específicos ou por motivos culturais e religiosos.

Em relação aos híbridos, dois destes se mantiveram no grupo I, composto predominantemente por milho de paiol e os outros dois no grupo II composto de milhos crioulos. Os milhos de paiol, com exceção do genótipo 11, encontram-se no grupo I. Já os milhos crioulos, na maioria ficaram distribuídos nos grupos II e III. Estes resultados mostram tendência de formação de grupos distintos de milhos de paiol e milho crioulo e também caracteriza o distanciamento entre as populações de milho tradicionais com os novos cultivares lançados no mercado. O fato de os dois genótipos mais divergentes entre si, serem o 15 (Paiol 5) e 16 (Crioulo 5) reforça esse argumento (Figura 1).

A importância relativa dos descritores para divergência genética pode ser observada por intermédio dos maiores coeficientes, em valor absoluto, associados às últimas variáveis canônicas (Figura 2). Os descritores quantitativos que mais contribuíram para divergência genética entre os genótipos foram o número de fileiras de grãos (NFG), largura de grãos (LG) e diâmetro de espiga (DE). Esses descritores são sempre considerados quando ocorre seleção de plantas pelos pequenos agricultores da região que possuem o conceito que plantas com espigas e grãos maiores são mais produtivas desde que a espigas sejam mais finas.

Figura 2
Importância relativa dos descritores quantitativos na predição da divergência genética

Foram considerados como descritores de importância secundária o comprimento do grão (CG) e relação comprimento x largura do grão (CXL), sendo também pequena a contribuição das demais características. Entretanto, o descarte dos descritores quantitativos que pouco contribuíram para a discriminação dos genótipos causou alterações na constituição dos grupos, sendo recomendada a permanência dos mesmos no estudo de divergência.

Os tratamentos foram relacionados em cinco grupos utilizando-se o método de Tocher considerando descritores qualitativos (Tabela 4). No grupo I estão contidos três milhos de paiol (1-Paiol 8, 15-Paiol 5 e 6-Paiol 13), três milhos crioulos (13-Crioulo 3, 14-Crioulo 4 e 9-Crioulo 1) e os híbridos CX533 (8) e AG405 (7). Comparando esse resultado com o obtido utilizando-se os descritores quantitativos, percebe-se que os genótipos Paiol 8, Paiol 13, Paiol 5 e AG405 continuaram fazendo parte do mesmo grupo, que reforça o argumento de similaridade genética entre os mesmos.

Tabela 4
Grupos de similaridade genética entre genótipos estabelecidos pelo método de Tocher a partir da matriz de distâncias considerando sete variáveis multicategóricas

O grupo II foi formado por três milhos de paiol (4-Paiol 11, 5-Paiol 17, 2-Paiol 12), um milho crioulo (10-Crioulo 2) e o híbrido BR205 (3). Os grupos III, IV e V foram formados por um milho de paiol (11-Paiol 6), um milho crioulo (16-Crioulo 5) e o híbrido AG1051 (12), respectivamente. Portanto, o agrupamento obtido com a utilização de dados quantitativos não foi o mesmo de quando se utilizou dados qualitativos, por isso, essas informações sobre similaridade devem ser utilizadas de forma conjunta.

Alguns trabalhos comprovam a eficiência de variáveis multicategóricas na discriminação de genótipos. Por exemplo, Sudré et al. (2006)SUDRÉ, C. P. et al. Variáveis multicategóricas na determinação da divergência genética entre acessos de pimenta e pimentão. Horticultura Brasileira, v. 24, n. 01, p. 88-93, 2006. avaliaram a divergência genética entre acessos de Capsicum spp. e verificaram a eficiência da utilização de variáveis multicategóricas na discriminação de genótipos, demonstrando o grande potencial de uso na caracterização e manejo de bancos de germoplasma. Veiga et al. (2001), também trabalhando com variáveis multicategóricas, realizaram a caracterização morfológica de acessos de quatro espécies brasileiras de amendoim-silvestre considerando descritores quantitativos e qualitativos, conseguindo distinguir as espécies. Martinello et al. (2001)MARTINELLO, G. E. et al. Divergência genética em acessos de quiabeiro com base em marcadores morfológicos. Horticultura Brasileira, v. 20, n. 01, p. 52-58, 2001. utilizaram 27 caracteres morfoagronômicos, sendo 13 quantitativos e 14 qualitativos para caracterização de 39 acessos do gênero Abelmoschus e verificaram que os descritores quantitativos foram determinantes na discriminação genotípica, enquanto que os descritores qualitativos tiveram pouca influência, mas foram capazes de classificar corretamente as cinco espécies do gênero.

Na Tabela 5, pode-se observar detalhadamente a caracterização dos genótipos de cada grupo. A caracterização desses genótipos é muito importante, pois a demanda por conhecimentos mais abrangentes, tanto quantitativos como qualitativos, sobre o germoplasma de milho no Brasil é cada vez mais intensa (NASS et al., 1993NASS, L. L.; PELLICANO, I. J.; VALOIS, A. C. C. Utilization of genetic resources for maize and soybean breeding in Brazil. Brazilian Journal of Genetics, v. 16, p. 983-988, 1993.).

Tabela 5
Características dos genótipos em cada grupo formado, considerando sete descritores qualitativos de espiga e cariopse

Conclusões

  1. Existe variabilidade genética entre as populações de milho.

  2. Algumas populações de milho apresentam potencial para serem utilizadas em programas de melhoramento, como é o caso da população Paiol 8.

  3. Os resultados evidenciam a possibilidade de as populações terem sido cruzadas com híbridos comerciais nas propriedades rurais.

  4. O agrupamento obtido com a utilização de dados quantitativos não foi o obtido ao se utilizar dados qualitativos, por isso, essas informações sobre similaridade devem ser utilizadas de forma conjunta.

  • 1
    Pesquisa financiada pela FAPEMIG/UFV

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2010

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2009
  • Aceito
    05 Fev 2010
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